5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O princípio da isonomia deve ser aplicado na esfera processual. Com efeito, a Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, caput, não estabeleceu qualquer distinção ao afirmar que todos são iguais perante a lei em direitos e deveres. A garantia constitucional da isonomia deve, evidentemente, refletir-se no campo do direito processual.
De qualquer sorte, modernamente, o princípio da isonomia deve ser compreendido não apenas sob o seu aspecto formal. Muito mais do que isso, deve ser compreendido sob o prisma substancial, de modo a tratar-se os iguais de forma igual e os desiguais de forma desigual, na exata medida das suas desigualdades. Essa igualdade material, contudo, não se destina a justificar diferenças sociais, como sustentava, por exemplo, Aristóteles. Ao revés, a isonomia substancial deve ser um instrumento de realização da justiça social e de mitigação das disparidades existentes na sociedade.
Somente a plena equiparação dos litigantes pode propiciar um resultado justo no processo. O magistrado, nesse passo, não pode ser inerte, isto é, figurar no processo como um mero espectador. Deve ser um efetivo agente construtor de uma nova ordem jurídica, mais justa e equânime.
Na verdade, a isonomia meramente formal constitui resquício de sistemas autoritários, tendo em vista que limita a atividade do juiz, concedendo às partes uma igualdade apenas negativa; isto é, não permite ao juiz estabelecer qualquer distinção entre os litigantes. O processo moderno não pode se coadunar com essa orientação. Com efeito, um regime político democrático implica necessariamente na existência de um processo também democrático.
E o processo, para ser democrático, demanda contraditório e, sobretudo, igualdade substancial. É necessário, então, tratar-se os iguais de forma igual e os desiguais de forma desigual exatamente para ser afastado qualquer tipo de desigualdade. Desse modo, inclusive, o direito processual aproximar-se-á do direito substancial, permitindo que a vontade da lei seja atuada da forma mais exata possível.
Ademais, o conteúdo dinâmico do princípio da isonomia não pode ser jamais olvidado. O princípio da igualdade deve ser dinâmico no sentido de promover a igualização das condições entre as partes de acordo com as respectivas necessidades. Assim, evitar-se-á dentro do processo o excesso e o abuso do poder econômico sobre os cidadãos, principalmente sobre os menos favorecidos na relação jurídica material ou processual 51.
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Notas
1 Fala-se em corte metodológico do Direito tendo em vista que o ordenamento jurídico constitui-se em uma unidade. Os vários ramos do Direito, na verdade, representam cortes metodológicos que facilitam o seu estudo e compreensão. De qualquer sorte, a divisão é meramente didática, já que o Direito não pode, a rigor, ser seccionado.
2 "A terceira fase, enfim, é a do pós-positivismo, que corresponde aos grandes momentos constituintes das últimas décadas deste século. As novas Constituições promulgadas acentuam a hegemonia axiológica dos princípios, convertidos em pedestal normativo sobre o qual assenta todo o edifício jurídico dos novos sistemas constitucionais" (BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 12. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 237).
3 ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de princípios constitucionais: elementos teóricos para uma formulação dogmática constitucionalmente adequada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 29.
4 ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2001. p. 83.
5 Os critérios utilizados para a solução de conflitos entre regras são, dentre outros, os seguintes: a lei posterior derroga a anterior; a lei especial derroga a geral; a lei de hierarquia maior tem preponderância em relação à regra de hierarquia menor.
6 ALEXY, 2001, p. 86
7 Guerra Filho acentua que o final dos anos sessenta e princípio da década de setenta marca o advento de uma virtual renovação dos estudos de direito processual, quando se passa a enfatizar a consideração da origem constitucional dos institutos processuais básicos (GUERRA FILHO, Willis Santiago. Teoria processual da constituição. 2. ed. São Paulo: Celso Bastos Editor, 2002. p. 24).
8 Cf. BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e processo: influência do direito material sobre o processo. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2001a. p. 17-18.
9 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 22. ed.rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 210.
10 Apud CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 6. ed. Portugal: Almedina, 2002. p. 381.
11 Apud SILVA, 2003, p. 211
12 A redação deste preceito é a seguinte: "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:". Note-se que o próprio artigo faz menção duas vezes à igualdade, quando menciona que "todos são iguais perante a lei" e "garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à igualdade". Isso permite entrever a importância que o Constituinte pretendeu conferir ao princípio da isonomia.
13 É nos textos das Constituições que o jurista deve buscar elementos integrativos do conceito de igualdade jurídica, porque, fora deles, se embrenhará numa floresta inextrincável de indagações, quase sempre, infrutíferas. Cf. JACQUES, Paulino. Da igualdade perante a lei. Rio de Janeiro: Ed. A Noite, 1947. p. 63.
14 Portanova sustenta que o princípio da igualdade é um princípio supraconstitucional, no sentido de que outras disposições da Constituição lhe devem obediência (PORTANOVA, Rui. Princípios do processo civil. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do advogado editora, 1999. p. 37).
15 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. São Paulo: Celso Bastos editor, 2002. p. 317.
16 Bastos (2002, p. 317) sustenta que o princípio da igualdade é um dos princípios de mais difícil tratamento jurídico. Isto se dá em razão do entrelaçamento existente no seu bojo de elementos jurídicos e metajurídicos..
17 CASTRO, Carlos Roberto de Siqueira. O princípio da isonomia e a igualdade da mulher no direito constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 1983. p. 52.
18 PORTANOVA, 1999, p. 39.
19 CANTOTILHO, 2002, p. 426.
20 Registre-se, contudo, que para Francisco Campos o destinatário do princípio da isonomia é somente o Legislador (apud ROSAS, Roberto. Direito processual constitucional: princípios constitucionais do processo civil. 3. ed. rev. atual e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 38).
21 A vedação da criação dos tribunais de exceção (art. 5º, inc. XXXVII, CF) constitui uma das vertentes do princípio do juiz natural. A outra vertente refere-se à garantia de que ninguém será processado e julgado senão por um juiz competente (art. 5º, inc. LIII, CF).
22 Apud SILVA, 2003, p. 219.
23 Em razão disso, a inafastabilidade do Poder Judiciário não pode representar garantia formal de exercício do direito de ação. É preciso oferecer condições reais para a utilização desse instrumento, sempre que necessário. De nada adianta assegurar contraditório, ampla defesa, juiz natural e imparcial, se a garantia de acesso ao processo não for efetiva, ou seja, não possibilitar realmente a todos meios suficientes para superar eventuais óbices existentes ao pleno exercício dos direitos em juízo" (BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência (tentativa de sistematização). 3. ed. rev. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 73).
24 PORTANOVA, 1999, p. 42-43.
25 A aplicação do princípio da isonomia no direito processual, modernamente, é inquestionável. Nesse sentido, pode-se citar o seguinte: "A garantia constitucional da isonomia deve, evidentemente, refletir-se no processo. Vários são os princípios proclamados pela doutrina moderna e adotados pela quase totalidade das legislações, visando a garantir a igualdade das partes" (Bedaque, 2001b, p. 96).
26 A expressão "igualização" é utilizada por Portanova (1999, p. 41).
27 CALAMANDREI, Piero. Direito processual civil. Tradução de Luiz Abezia e Sandra Drina Fernandez Barbery. Campinas: Bookseller, 1999. Vol. 1. p. 331.
28 BEDAQUE, 2003, p. 61.
29 "Entre as regras que não asseguram a real igualdade entre os litigantes, encontra-se a da plena disponibilidade das provas, reflexo de um superado liberal-individualismo, que não mais satisfaz as necessidades da sociedade moderna, pois pode levar as partes a uma atuação de desequilíbrio substancial" (BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Poderes instrutórios do juiz. 3. ed. rev. atual e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001b. p. 96-97). Registre-se, contudo, que a orientação em sentido contrário é que prepondera. Segundo Negrão&Gouvêa, por exemplo, "o juiz não pode dar mão forte a uma das partes, em detrimento da outra, com à finalidade de suprir deficiência probatória em que aquela incorreu" (NEGRÃO, Theotonio; GOUVÊA, José Roberto Ferreira. Código de processo civil e legislação processual em vigor. 35. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 225).
30 BEDAQUE, 2001b, p. 100.
31 Ibidem, p. 103.
32 PORTANOVA, 1999, p. 46-47.
33 LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Garantia do tratamento paritário das partes. In: TUCCI, José Rogério Cruz e (Org.). Garantias constitucionais do processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 119. Costa parece coadunar com o mesmo entendimento, já que sustenta que "[...] o desequilíbrio entre a Fazenda e o Particular, em juízo, é profundo, absurdo e injustificável, onerando demais o cidadão, na medida em que este não logra suportar o ônus dessas prerrogativas, ou pelo menos, de algumas delas". COSTA, Regina Helena. As prerrogativas e o interesse da Justiça. In: BUENO, Cássio Scarpinella; SUNDFELD, Carlos Ari. Direito processual público: a Fazenda Pública em juízo. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 84.
34 Tecnicamente, não se trata de dispositivo inconstitucional, vez que o preceito foi editado antes da Constituição de 1988. Não poderia, assim, ser constitucional ou não em relação a uma Constituição que não existia à época de sua edição. Trata-se, aqui, de analisar a recepção ou não da norma, com a sua respectiva revogação ou não. Nesse sentido, pode-se citar o seguinte:"Como ensinado por Paulo Brossard, ´é por esta singelíssima razão que as leis anteriores à Constituição não podem ser inconstitucionais em relação a ela, que veio a ter existência mais tarde. Se entre ambas houver inconciliabilidade, ocorrerá revogação, dado que a lei posterior revoga a lei anterior com ela incompatível, e a lei constitucional, como lei que é, revoga as leis anteriores que se lhe oponham" (Moraes, 2002, p. 612).
35 Apud ROSAS, 1999, p. 39. No mesmo sentido, cf. ALVES, Francisco Glauber Pessoa. O princípio jurídico da igualdade e o processo civil brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 66.
36 É bem verdade que o critério da razoabilidade pode ser utilizado aqui. Contudo, esse critério não fornece também parâmetros objetivos para definição da extensão do prazo. Trata-se de critério eminentemente subjetivo, já que determinado prazo pode ser razoável para uma pessoa, enquanto que para outra, não.
37 NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na constituição federal. 5. ed. rev. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 42-50. No mesmo sentido: Cf. MORAES, José Roberto de. As prerrogativas e o interesse da Fazenda Pública.In: BUENO, Cássio Scarpinella; SUNDFLED, Carlos Ari. Direito processual público: a Fazenda Pública em juízo. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 70.
38 MORAES, 2000, p. 70.
39 NERY JUNIOR, 1999, p. 48.
40 COSTA, 2000, p. 81.
41 Apud NERY JUNIOR, 1999, p. 57.
42 Ibidem, p. 58.
43 Ibidem, p. 59.
44 NERY JUNIOR, 1999, p. 58.
45 LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Garantia do tratamento paritário das partes. In: TUCCI, José Rogério Cruz e (Org.). Garantias constitucionais do processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 121.
46 NERY JUNIOR, 1999, p. 62-63.
47 "Inicialmente, sustentaram os autores que, após a consagração do já mencionado princípio da isonomia entre homem e mulher, não haveria mais que falar na permanência do foro privilegiado desta nas hipóteses de separação, conversão da separação em divórcio e anulação de casamento, por não ter tal norma sido recepcionada" (FRAGA, Thelma Araújo. O princípio da igualdade das partes e uma releitura do art. 100. do CPC à luz da Constituição e do Novo Código Civil. In: ANDRADE, André (Org.). A constitucionalização do direito. Rio de Janeiro: Lumen juris, 2003. p. 531).
48 Ibidem, loc. cit.
49 FRAGA, 2003, p. 534.
50 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código de processo civil comentado e legislação processual civil em vigor. 4. ed. rev. atual e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 1805. No mesmo sentido, cf. BARROSO, Darlan. Manual de direito processual civil: teoria geral e processo de conhecimento. São Paulo: Manole, 2003. p. 388.
51 PORTANOVA, 1999, p. 47.