FILIAÇÃO
A filiação consiste na relação de parentesco consanguíneo em primeiro grau e em linha reta, estabelecendo o vínculo entre pais e filhos. O art. 1.596 do Código Civil enfatiza: “Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”.
De acordo com Carlos Roberto Gonçalves[41]:
O legislador de 2002, no que concerne à filiação, reporta-se sempre ao casamento, omitindo as situações oriundas das relações de fato reconhecidas como união estável, hoje entidade familiar protegida pelo Estado, recomendando que se revejam, “de imediato, os princípios que regem as presunções considerando também estas relações de fato geradoras de direitos e deveres”.
O art. 27 do Estatuto da Criança e Adolescente (Lei nº 8.069/1990) diz que “O reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercitado contra os pais ou seus herdeiros, sem qualquer restrição, observado o segredo de Justiça.”.
Quanto à prova de filiação, Carlos Roberto Gonçalves[42] entende que a filiação é provada através de certidão do termo de nascimento registrada no Registro Civil de acordo com art. 54 da Lei dos Registros Públicos (Lei 6.015/73).
Segundo entendimento da professora Maria Berenice Dias[43]:
A adoção atribui ao adotado a condição de filho para todos os efeitos, sendo vedada qualquer designação discriminatória (CF 227 § 6.0). Assim, não deve constar nenhuma observação no registro de nascimento do adotado sobre a origem da filiação (ECA 47 § 4.0). O registro anterior é cancelado. No novo registro deve constar, além do nome do adotante, também o de seus ascendentes (ECA 4 7 § l.º).
Caio Mário entende que a adoção é fundada na paternidade socioafetiva em oposição à paternidade biológica. A paternidade tem a função de construir o amor entre pais e filhos, tendo como base o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual, cultural e social da pessoa em formação.
O parentesco consanguíneo é o padrão segundo Caio Mário[44]. Por outro lado, a afinidade aproxima um cônjuge aos parentes do outro, mas os afins não são parentes. A afinidade acaba com a morte, anulação ou divórcio.
Ainda de acordo com o entendimento de Caio Mário[45]:
O parentesco biológico diz respeito à consanguinidade, decorrente da vinculação genética entre os parentes. Pode decorrer de uma fertilização assistida, homóloga ou heteróloga. Já o parentesco registral identifica no próprio acento do nascimento, em cartório do registro civil de pessoas naturais, a relação existente entre determinadas pessoas, apresentando uma presunção (relativa) para a produção de certos efeitos. E, finalmente, o parentesco socioafetivo que deflui de um vínculo estabelecido, não pelo sangue, mas pela relação cotidiana de carinho, respeito e solidariedade entre determinadas pessoas que se tratam, reciprocamente, como parentes. Conclui o autor: “evidentemente, o ideal é que os vínculos parentais biológicos, registral e socioafetivo coincidam. Todavia, havendo discrepância entre eles, não há um critério apriorístico prevalente, dependendo, sempre, das circunstâncias do caso concreto para que se determine qual deles merece prestígio”.
4.1. Reconhecimento voluntário
O reconhecimento voluntário está previsto no art. 1.609 do Código Civil de 2002. São formas de reconhecimento voluntário: I - no registro do nascimento; II - por escritura pública ou escrita particular, a ser arquivado em cartório; III - por testamento, ainda que incidentalmente manifestado; IV - por manifestação direta e expressa perante o juiz, ainda que o reconhecimento não haja sido o objeto único e principal do ato que o contém”.
Paulo Stolze[46] entende que “O reconhecimento voluntário é ato formal, de livre vontade, irretratável, incondicional e personalíssimo, praticado ordinariamente pelo pai”. Neste sentido entende Pablo Stolze[47]:
Se o menor for absolutamente incapaz, entendemos ser necessária a instauração de um procedimento de jurisdição voluntária, na forma da Lei de Registros Públicos 433, com a participação do Ministério Público, para que o registro seja lavrado, por segurança jurídica.
Se o menor for relativamente incapaz, dispensa-se assistência no ato de reconhecimento, eis que não está a celebrar ato negocial, mas, tão somente, reconhecendo um fato (poder-se-ia até mesmo falar na prática de um ato jurídico em sentido estrito de conteúdo não negocial).
O nascituro também poderá ser reconhecido: o sujeito, feliz da vida com a gravidez da namorada, vai ao Tabelionato, e, mesmo antes do nascimento da criança, faz o seu reconhecimento, por escritura pública, por exemplo. Tal ato é perfeitamente possível, a teor da primeira parte do parágrafo único do art. 1.609.
Admite-se, ainda, o reconhecimento de filhos já falecidos (segunda parte do parágrafo único do art. 1.609), desde que hajam deixado descendentes, para evitar reconhecimento por mero interesse econômico.
4.2. Reconhecimento judicial
De acordo com artigo 1.616 do Código Civil: “A sentença que julgar procedente a ação de investigação produzirá os mesmos efeitos do reconhecimento; mas poderá ordenar que o filho se crie e eduque fora da companhia dos pais ou daquele que lhe contestou essa qualidade.”
Tendo em vista o entendimento de Carlos Roberto Gonçalves[48]:
O filho não reconhecido voluntariamente pode obter o reconhecimento judicial, forçado ou coativo, por meio da ação de investigação de paternidade, que é ação de estado, de natureza declaratória e imprescritível.
4.3. Efeitos do Reconhecimento
O art. 1.612 do Código Civil determina que “o filho reconhecido, enquanto menor, ficará sob a guarda do genitor que o reconheceu, e, se ambos o reconheceram e não houver acordo, sob a de quem melhor atender aos interesses do menor”.
Art. 1.613 do Código Civil diz que “São ineficazes a condição e o termo apostos ao ato de reconhecimento do filho”. Segundo Caio Mário O ato do reconhecimento há de ser puro e simples e não compadece com a temporariedade. Tratando-se de escritura pública, esta pressupõe a capacidade civil do outorgante ou a assistência pelos pais ou tutor.
Os filhos maiores devem consentir reconhecimento e os menores impugná-lo nos quatro anos que se seguirem a maioridade ou à emancipação, com fulcro no art. 1614 do Código Civil.
Caio Mário[49] identifica os atributos do reconhecimento: “irrevogabilidade, anulabilidade, validade erga omnes, indivisibilidade, incondicionalidade, retroatividade”. Também de acordo com este citado:
Genericamente, porém, pode-se afirmar que o ato de identificação da paternidade tem efeito retro-operante (ex tunc), vale dizer, gera suas consequências, não da data do ato, mas retroage até o dia do nascimento do filho, ou mesmo, de sua concepção, se isto condisser com seus interesses.
E continua Caio Mário[50]:
Cabe lembrar, inclusive, que o Código Penal, com a redação dada pela Lei nº 6.898/1981, introduziu no art. 242 crime próprio envolvendo o falso reconhecimento: “Dar parto alheio como próprio; registrar como seu filho de outrem; ocultar recém-nascido ou substituí-lo, suprimindo ou alterando direito inerente ao estado civil”. Os sujeitos ativos podem ser o homem ou a mulher que pratica uma das condutas, ou seja, registro, ocultação ou substituição do recém-nascido.
Segundo Maria Helena[51], a filiação é reconhecida com a demanda declaratória de paternidade e é averbada no livro de registro de nascimento (Lei 6.015/73, art.102§2.º). O nome do genitor e dos avós são incluídos na certidão de nascimento, ocorre também à alteração do sobrenome do filho com o patronímico do pai. A concordância do genitor é dispensável para a adoção do sobrenome, mas é indispensável à citação do padrasto.
Ainda de acordo com Maria Berenice[52] não é necessário o pedido de inclusão do sobrenome do padrasto por ação judicial quando há a concordância do pai registral, podendo ser formulado o pedido perante a Vara do Registro Público. De acordo com art. 56 da Lei de Registros Públicos, o indivíduo pode alterar o sobrenome após a maioridade civil. A pessoa com menoridade civil precisa justificar o motivo da alteração. Em julgado da 2ª Seção do STJ datado de 18.12.2008 que manteve decisão do TJSP, de acordo com Caio Mário[53]:
(...) foi autorizada a inclusão do nome familiar do padrasto ao nome dos enteados, criados por ele desde pequenos. O desejo de uma pessoa assumir o nome familiar do padrasto que tenha sido por ela responsável desde criança foi considerado motivo suficiente para a modificação do seu sobrenome. Questiona a Ilustre Relatora Ministra Nancy Andrighi no REsp.nº 1.069.864-DF, julgado em 18.12.2008, que “no caso da paternidade/maternidade socioafetiva, por que não admitir a mesma conclusão, de sorte a garantir a dignidade da criança, pouco importando a inexistência de liame biológico entre ela e um ou ambos os pais? Concluiu a Relatora: “não há como negar a uma criança o direito de ter alterado o seu registro de nascimento para que dele conste o mais fiel retrato de sua identidade, sem descurar que uma das expressões concretas do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana é justamente ter direito ao nome, nele compreendido o prenome e o patronímico.
PATERNIDADE SOCIOAFETIVA E POSSE DO ESTADO DE FILHO
O Direito Civil reconhece a paternidade biológica sem prevalecer à genética sobre a afetividade de acordo com Pablo Stolze[54]. A posse do estado de filiação segundo Paulo Lôbo[55] se refere à “situação fática na qual uma pessoa desfruta do status de filho em relação à outra pessoa, independentemente dessa situação corresponder à realidade legal. É uma combinação suficiente de fatos indicando um vínculo de parentesco entre uma pessoa e sua família que ela diz pertencer”.
Destaca o Enunciado nº 256 da III Jornada de Direito Civil do STJ que a posse do estado de filho constitui modalidade de parentesco civil.
A este respeito o Enunciado 519 da V Jornada de Direito Civil entende que: "O reconhecimento judicial do vínculo de parentesco em virtude de socioafetividade deve ocorrer a partir da relação entre pai (s) e filho (s), com base na posse do estado de filho, para que produza efeitos pessoais e patrimoniais". Cezar Peluzo[56] destaca que:
A posse do estado de filho, como também é denominado o relacionamento socioafetivo, é reconhecida pela própria sociedade que identifica o vínculo parental pela observação daquele núcleo familiar que possui uma relação verdadeira entre pais e filhos ligados pelo amor, carinho, consideração, respeito e cumplicidade, importando direitos e deveres. A opção do legislador pela filiação socioafetiva se manifesta nos arts. 1.593, 1.596, 1.597, 1.605 e 1.614 deste Código.
Outro enunciado importante é o Enunciado 103 da I Jornada de Direito Civil que reconhece existir no art. 1593 do Código Civil outras espécies de parentesco civil além daquele decorrente da adoção, acolhendo, assim, a noção de que há também parentesco civil no vínculo parental proveniente quer das técnicas de reprodução assistida heteróloga relativamente ao pai (ou mãe) que não contribuiu com seu material fecundante, quer da paternidade socioafetiva fundada na posse do estado de filho.”.
A afetividade de acordo com Caio Mário[57]:
A afetividade invade a ciência jurídica transcendendo aos aspectos exclusivamente psicológicos e sociológicos. Como o “respeito e consideração mútuos” (art. 1.566, V) e “lealdade e respeito” (art. 1.724), o afeto e tolerância hão de ser incorporados como valores jurídicos no âmbito das relações familiares.
A paternidade socioafetiva, sob a noção da posse de estado de filho, que ganha abrigo nas mais recentes reformas do direito internacional, não se funda no nascimento, mas, num ato de vontade, que se sedimenta no terreno da afetividade, coloca em xeque tanto a verdade jurídica como a certeza científica, no estabelecimento da filiação.
Sobre a paternidade socioafetiva, segundo o Enunciado 339 da IV Jornada de Direito Civil, a paternidade socioafetiva, calçada na vontade livre, não pode ser rompida em detrimento do melhor interesse do filho e, segundo o Enunciado 341 IV da Jornada de Direito Civil a relação socioafetiva pode ser elemento gerador de obrigação alimentar.