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Aids e discriminação:

violação dos direitos humanos

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Agenda 05/08/2005 às 00:00

CAPITULO II

DIREITOS HUMANOS

2.1 Declaração Universal dos Direitos humanos

Para que se possa falar em direitos humanos, é necessário entender sua história e seu surgimento. Sua origem é atribuída a várias correntes e teorias, destacando-se as seguintes: o liberalismo, segundo o qual o homem é livre para fazer o que quiser e, por isso repele a intervenção do Estado; o socialismo, que prega a igualdade e, ao contrário do liberalismo, tem o Estado como regulador para fazer valer essa igualdade; o cristianismo, que concebe o homem como imagem e semelhança de Deus, atribuindo-lhe direitos inerentes a essa condição; o jusnaturalismo, que proclama a existência de um direito superior natural ao homem; o positivismo, que fundamenta os direitos do homem na lei, afirmando ser ela que cria seus direitos; o moralismo ou teoria de Perelman, que se fundamenta na consciência moral de um povo (MORAES, 2002).

De extrema e essencial importância é o jusnaturalismo, pois se assenta na existência de um direito natural e transcendental ao homem. Para essa teoria, existe uma ordem superior, imutável, onde o respeito e a dignidade do homem são inerentes à sua condição de ser humano e, portanto, "não podem desaparecer de sua consciência" (Op. cit., p.34). Seja baseado no cristianismo, onde Deus é essa força maior, ou no racionalismo, onde a transcendência do direito está no homem como ser racional, o jusnaturalismo é a fonte mais importante dos direitos humanos.

Estes surgiram da crença de que o homem traz naturalmente consigo uma gama de características que fundamentam sua dignidade e sua liberdade, decorrendo disso os denominados direitos naturais. Contudo, apesar de ser fonte inquestionável desses direitos, o jusnaturalismo não pode, por si só, justificar o surgimento dos direitos humanos. Para que tais direitos sejam efetivamente garantidos, é necessário que se trave uma luta permanente contra as arbitrariedades do Estado. Além disso, esses direitos devem ser inseridos na consciência do homem, para sua real efetivação. A esse respeito ensina Moraes (2002, p. 35):

"A incomparável importância dos direitos humanos fundamentais não consegue ser explicada por qualquer das teorias existentes, que se mostram insuficientes. Na realidade, as teorias se completam, devendo coexistir, pois somente a partir da formação de uma consciência social (teoria de Perelman), baseada principalmente em valores fixados na crença de uma ordem superior, universal e imutável (teoria jusnaturalista) é que o legislador ou os tribunais (esses principalmente nos países anglo-saxões) encontram substrato político e social para reconhecerem a existência de determinados direitos humanos fundamentais como integrantes do ordenamento jurídico (teoria positivista)".

Historicamente, os direitos humanos tiveram suas primeiras manifestações na Grécia Antiga, onde Sófocles, em um de seus textos, narra a saga de Antígona (441 a. C). Esta, questionada pelo rei sobre o sepultamento de seu irmão contra as ordens daquele, responde: "Agi em nome de uma lei que é muito mais antiga do que o rei, uma lei que se perde na origem dos tempos, que ninguém sabe quando foi promulgada" (DALLARI, 1996, p. 3). A presença dos direitos humanos pode também ser identificada no Código de Hamurabi e na Lei das Doze Tábuas.

Na Idade Média, o cristianismo ganhou força, quando atribuiu ao homem a imagem e semelhança de Deus, conferindo-lhe direitos naturais por ser criação divina. A influência da Igreja, que ganhou força institucional e política ao associar-se à realeza, passou a camuflar o real sentido dos direitos naturais do homem. Em conseqüência, houve um desvio do seu verdadeiro significado, na medida em que seus propósitos foram distorcidos e mal utilizados.

Na Idade Moderna, surgiu o absolutismo expressando a idéia de que o direito do rei tinha origem divina. O poder estava concentrado em suas mãos, de modo que o direito natural e pretensamente divino era usado para justificar seus privilégios e arbitrariedades. Essa concepção acabou por abrir largos caminhos para todos os tipos de violências (DALLARI, 1996).

A decadência do sistema feudal deu origem aos burgos, surgindo, então, a burguesia. Instigados pela violência e abusos cometidos pelo antigo regime, os burgueses resolveram rebelar-se contra esse sistema, passando a pregar a liberdade e a razão, cristalizando-se na Europa a idéia de que era possível vencer as trevas da ignorância com as luzes da razão (PILETTI; ARRUDA, 2002). Um dos grandes filósofos que contribuiu enfaticamente para o pensamento liberal foi Jean-Jacques Rousseau, com sua obra O Contrato Social. Afirmam ainda Piletti; Arruda (2002, p. 230):

Os escritores franceses (...) inimigos da ignorância (...) defendiam acima de tudo a liberdade. Suas idéias caracterizavam-se pela primazia dada à razão (...). O objetivo principal (...) era a busca da felicidade humana. Atacavam a injustiça, a intolerância religiosa, os privilégios.

A partir daí, várias declarações em defesa dos direitos do homem foram elaboradas. Uma das primeiras foi a Declaração de Independência dos Estados Unidos da América em, 4 de julho de 1776. Partindo do princípio de que os direitos da consciência humana se impunham ao Estado, veio a ser uma das grandes manifestações políticas consagradoras dos direitos humanos. Contudo, estava desprovida de uma base legal que se refletisse no direito positivo. Antes dessa Declaração, muitas outras ainda no período colonial norte-americano firmavam textos destinados a traduzir o caráter transcendental dos direitos humanos na hierarquia das normas (MORANGE, 2004).

Logo após a Declaração de Independência dos Estados Unidos da América, eclodiu a Revolução Francesa, em 1789, acontecimento essencial ao fortalecimento e concretização dos direitos humanos. "A Revolução Francesa teve identidade própria, que se manifestou na participação popular, na ruptura radical com as instituições feudais do antigo regime e nas formas democráticas que assumiu" (PILETTI; ARRUDA, 2002, p. 230). De influência iluminista, a Revolução Francesa deu origem a um dos mais importantes documentos da história dos direitos humanos: a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789.

Nas palavras de Morange (2002, p. 8), "a Declaração de 1789 teve incontestavelmente um alcance universal que não haviam tido as declarações americanas". A universalidade trazida pela Declaração francesa traduziu sua importância no mundo dos direitos humanos. Antes de sua aprovação, as declarações norte-americanas, como a Declaração de Direitos de Virgínia, de junho de 1776, e a Declaração de Independência dos Estados Unidos da América, de julho de 1776, proclamavam direitos em âmbito regional e possuíam um caráter restrito. Além disso, estavam vinculadas às circunstâncias históricas que as precederam, e por essa razão, apresentavam-se limitadas ao próprio âmbito de vigência. Ao contrário das declarações norte-americanas, a Declaração francesa passou a ser considerada válida para toda a humanidade.

Na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, podem ser destacados os seguintes princípios sustentadores dos direitos humanos fundamentais: princípios da igualdade e liberdade; princípios da propriedade, segurança, resistência à opressão e associação política; princípios da legalidade, da reserva legal e anterioridade em matéria penal, princípio da presunção da inocência; princípios da liberdade religiosa e da livre manifestação do pensamento (MORAES, 2002).

Em seu processo de evolução, os direitos individuais deixaram de existir somente para a proteção do indivíduo contra o Estado e passaram a servir de proteção, também, contra os próprios indivíduos ou contra grupos de indivíduos. Passaram, ainda, a proteger não só o indivíduo isoladamente, mas o indivíduo em grupo (BASTOS, 1999).

No final do século XIX e início do século XX, crises internacionais na Europa, apesar de tentativas de paz através de conferências, desencadearam uma corrida armamentista que culminou com a Primeira Guerra Mundial em 1914, a qual se estendeu por quatro anos. Numa tentativa de preservar a paz, foi criada, em 1919, a Sociedade das Nações. Apesar de ter trazido esperanças, a entidade apresentou resultado negativo e ineficaz (PILETTI; ARRUDA, 2002).

Em 1939, estourou a Segunda Guerra Mundial, que teve como cenário as atrocidades cometidas pelos nazistas, resultando no extermínio de mais de seis milhões de judeus. Somem-se a isso as terríveis bombas atômicas, jogadas pelos Estados Unidos em Hiroshima e Nagasaki, que mataram mais de trezentas mil pessoas no Japão. Após tanta violência e mortandade, surgiu a necessidade internacional de estabelecer a paz entres as nações do mundo. Dessa vontade nasceu, em 1945, a Organização das Nações Unidas – ONU:

A organização das Nações Unidas (ONU) é, no dizer da própria carta, uma associação de Estados reunidos com os propósitos declarados de "manter a paz e a segurança internacionais", "desenvolver relações amistosas entre as nações, baseadas no respeito ao princípio de igualdade de direitos e de autodeterminação dos povos", "conseguir uma cooperação internacional para resolver os problemas internacionais de caráter econômico, social, cultural ou humanitário e para promover e estimular o respeito aos direitos humanos e as liberdades fundamentais para todos" e "ser um centro destinado a harmonizar a ação das nações para a consecução desses objetivos" (ACCIOLY; SILVA, 2000, p. 194).

Em 10 de dezembro de 1948, os países integrantes da ONU aprovaram, em Paris, a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Nela, estão previstos os direitos fundamentais do homem. Segundo Celso Bastos (1999), estão elencadas quatro ordens de direitos individuais. De início são proclamados os direitos pessoais dos indivíduos: direito à vida, à liberdade e à segurança. Em seguida encontram-se os direitos dos indivíduos em face das coletividades: direito à nacionalidade, direito de asilo, de livre circulação e de residência, e direito à propriedade. Em outro grupo estão as liberdades públicas e os direitos políticos: liberdade de pensamento, de consciência e de religião, de opinião e de expressão, de reunião e de associação. E, num último grupo estão os direitos econômicos e sociais: direito ao trabalho, à sindicalização, ao repouso e à educação.

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Conforme assinalam Accioly; Nascimento e Silva (2000), ao ser elaborada, a Declaração Universal dos Direitos Humanos atendeu à exigência dos Estados Unidos, no sentido de que não deveria ter força obrigatória, mas apenas de recomendação aos Estados. Por isso não se pode cobrar um documento baseado no rigor e na minuciosidade que o direito positivo impõe às suas regras. A Declaração Universal passou a vigorar como direito internacional consuetudinário. Em virtude de seu caráter não obrigatório, as normas ali contidas passaram a ter importante papel interpretativo.

Buscando suprir a falta de obrigatoriedade da Declaração, a Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas considerou necessária a aprovação de tratados sobre direitos humanos. Foram firmados, com esse propósito, o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e o protocolo facultativo relativo ao Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos. Os dois pactos refletem a influência dos países em desenvolvimento e por isso não receberam a adesão dos países desenvolvidos. Apesar da importância dos dois pactos, por serem de cumprimento obrigatório, a Declaração Universal dos Direitos Humanos tem mais peso, uma vez que seus princípios são consagrados como direito internacional costumeiro (ACCIOLY; SILVA, 2000).

A elaboração da Declaração Universal foi fundamental para a universalização dos direitos humanos. Pode-se dizer que quase todos os países aderiram ao seu texto, numa clara demonstração de interesse pela paz mundial e pela consciência de respeito ao ser humano, o qual deve ser considerado em sua essência, sem nenhuma discriminação.

2.2 Eficácia da Declaração no ordenamento jurídico brasileiro

Com a não obrigatoriedade da Declaração Universal dos Direitos humanos e sua natureza de resolução, esta só pode tornar-se obrigatória para os Estados quando for regulamentada sob a forma de alguma convenção ou pacto firmado pelos países que a ela aderiram (BASTOS, 1999).

Apesar da realidade país, podemos vislumbrar no Brasil um forte adepto dos direitos humanos. O Brasil aderiu à Declaração Universal dos Direitos Humanos na data de sua proclamação (1948), e, ao longo dos anos seguintes, continuou sendo signatário dos tratados internacionais sobre direitos humanos. Ratificou várias convenções e pactos que dão eficácia à Declaração Universal, destacando-se: a convenção interamericana para prevenir e punir a tortura, em 20 de julho de 1989; a convenção contra tortura e outros tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes, em 28 de setembro de 1989; a convenção sobre os direitos da criança, em 24 de setembro de 1990; o pacto internacional dos direitos civis e políticos, em 24 de janeiro de 1992; o pacto internacional dos direitos econômicos, sociais e culturais, em 24 de janeiro de 1992; a convenção americana de direitos humanos, em 25 de setembro de 1992; a convenção interamericana para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher, em 27 de novembro de 1995; o protocolo da convenção americana referente à abolição da pena de morte, em 13 de agosto de 1996 e o protocolo à convenção americana referente aos direitos econômicos, sociais e culturais (Protocolo de San Salvador), em 21 de agosto de 1996 (FREITAS, 2004).

Para que todas essas convenções e pactos tenham validade no ordenamento jurídico brasileiro, é necessária sua ratificação pelos órgãos competentes do nosso país. A definição de tratado encontra-se descrita na Convenção de Viena de 1969 sobre o direito dos tratados. Ela codificou as normas costumeiras de direito internacional público, tornando-se uma das principais fontes de direito internacional. Em seu art. 2º, § 1º, alínea a, explicita a definição de tratado: "Um acordo internacional concluído por escrito entre Estados e regido pelo Direito Internacional, quer conste de um instrumento único, quer de dois ou mais instrumentos conexos, qualquer que seja sua denominação específica" (ACCIOLY; NASCIMENTO E SILVA, 2000, p. 24).

Segundo esclarecem os citados autores (Op. cit., p. 24), no conceito de tratados estão inseridos os conceitos de convenções, protocolos, convênios, declarações, ajustes, compromissos etc. Inclui-se ainda o conceito de concordatas, que são os atos sobre assuntos religiosos celebrados pela Santa Sé com os Estados que têm cidadãos católicos. Para que tais tratados tenham validade, é imprescindível a observância de determinados requisitos. Nesse aspecto, é necessário que sejam assinados por autoridades que possuam capacidade jurídica; que os agentes signatários estejam habilitados; que haja consentimento mútuo e que o objeto seja lícito e possível.

Com referência ao ingresso da norma internacional no ordenamento jurídico interno, duas teorias clássicas devem ser sucintamente analisadas: a teoria dualista e a teoria monista. Sobre a matéria, leciona CançadoTrindade (1996, p. 228):

Ao enfocar os efeitos desses tratados no direito interno dos Estados-Partes, a atitude da doutrina clássica tem consistido em classificar estes últimos, de modo geral, em dois grupos, a saber: os que possibilitam dar efeito direto a disposições dos referidos tratados, tidas como (...) de aplicabilidade direta, e os países cujo direito constitucional determina que, mesmo ratificados, tais tratados não se tornam ipso facto direito interno, para o que requer legislação especial.

Para a teoria dualista, existe uma distinção entre normas internas e normas internacionais, sendo necessárias determinadas formalidades para o ingresso da norma internacional no campo do direito interno. Já para a teoria monista, a tese fundamental é de que o direito é um só, quer se apresente nas relações de um Estado, quer nas relações internacionais. Em conseqüência, admite a incorporação automática da norma internacional com a ratificação, sem a necessidade de norma jurídica interna para lhe dar eficácia. (NASCIMENTO E SILVA; ACCIOLY, 2000). O ordenamento jurídico brasileiro adota a teoria dualista. Assim, para que tenham eficácia no ordenamento jurídico interno, as normas de direito internacional necessitam de uma norma jurídica interna que lhes dê eficácia.

Os artigos 84, VIII; 49, I, e 59, VI, da Constituição da República Federativa do Brasil dispõe sobre o sistema de incorporação dos tratados internacionais no ordenamento jurídico interno. De acordo com o art. 84, VIII, compete privativamente ao Presidente da República celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional. Logo, é do Presidente da República a competência para celebrar atos internacionais (BARROSO, 2003).

Cabe ao Ministro das Relações Exteriores, nos termos do parágrafo único do artigo 1º do Decreto nº 2.2546/97, a tarefa de auxiliar o Presidente da República na formulação da política exterior do Brasil, assegurar sua execução e manter relações com Estados estrangeiros e organizações internacionais. Pode ainda qualquer autoridade, segundo prática do Ministério das Relações Exteriores, assinar um ato internacional, desde que possua a carta de plenos poderes, firmada pelo Presidente da República e referendada pelo Ministro das Relações Exteriores (MAZZUOLI, 2001).

O art. 49, I, estabelece que é da competência exclusiva do Congresso Nacional resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional. Já o art. 59, VI, prescreve que a aprovação dos tratados será resolvida mediante decreto legislativo, pelo Congresso Nacional, através do processo legislativo. Sobre a matéria, o STF firmou a seguinte posição:

O exame da Carta Política promulgada em 1988 permite constatar que a execução dos tratados internacionais e a sua incorporação à ordem jurídica interna decorrem, no sistema adotado pelo Brasil, de um ato subjetivamente complexo, resultante da conjugação de duas vontades homogêneas: a do Congresso Nacional, que resolve, definitivamente, mediante decreto legislativo, sobre tratados, acordos ou atos internacionais (CF, art.49, I), e a do Presidente da República, que, além de poder celebrar esses atos de direito internacional (CF, art. 84, VIII), também dispõe – enquanto Chefe de Estado que é – da competência para promulgá-los mediante decreto (STF, DJU 2.8.96, p. 25792, ADIn 1.480, desp. do presidente em exercício. Min. Celso de Mello).

Portanto, para que um tratado internacional seja incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro, devem ser cumpridas as seguintes formalidades: assinatura do Presidente da República ou do seu representante; aprovação da tratado pelo Congresso Nacional, através de decreto legislativo; ratificação pelo Chefe de Estado; promulgação do tratado, através de decreto do Poder Executivo, com publicação na imprensa oficial. "A ratificação consiste no ato administrativo mediante o qual o Chefe de Estado confirma um tratado firmado em seu nome ou em nome do Estado, declarando aceito o que foi convencionado pelo agente signatário" (NASCIMENTO E SILVA; ACCIOLY, 2000, p.25).

Apesar das discussões a respeito da forma de ingresso das normas internacionais sobre direitos humanos no ordenamento jurídico interno, mister se faz esclarecer o grande avanço das constituições a respeito dos direitos fundamentais do homem. Os direitos humanos vêm se universalizando e seus princípios estão sendo inseridos na consciência social, tanto em âmbito nacional como internacional. Não mais se justifica a abordagem do direito internacional e do direito interno de forma compartimentalizada.

A esse respeito, afirma Cançado Trindade (1996, p. 207): "Já não pode haver dúvida de que as grandes transformações internas dos Estados repercutem no plano internacional, e a nova realidade neste assim formada provoca mudanças na evolução interna e no ordenamento constitucional dos Estados afetados". E continua:

No plano normativo e em perspectiva histórica, é sempre lembrada a consagração, nas Constituições modernas, de direitos anteriormente proclamados em tratados e instrumentos internacionais de direitos humanos, particularmente a partir da Declaração Universal de 1948. Muito significadamente, os resultados concretos obtidos nas últimas décadas sob os tratados e instrumentos de direitos humanos demonstram que não há, como a rigor nunca houve, qualquer impossibilidade lógica ou jurídica de que indivíduos, seres humanos, sejam beneficiários diretos de instrumentos internacionais. A polêmica clássica entre dualistas e monistas, em seu inelutável hermetismo, parece ter-se erigido em falsas premissas, ao se ter em mente os sistemas contemporâneos de proteção dos direitos humanos (Op. cit., p. 229).

Nada acrescenta a eterna discussão sobre a prevalência de normas internas ou internacionais. O que realmente importa, tanto em uma como outra tese, é a aplicação da norma que seja mais favorável às vítimas da violação dos direitos fundamentais. Deve haver, em verdade, a proteção eficaz e concreta dos direitos humanos, não importando se a norma a protegê-lo seja internacional ou interna, bastando somente que seja mais eficaz e benéfica em sua proteção.

Tão discutida e polemizada quanto as normas internacionais e sua eficácia no ordenamento jurídico é a sua hierarquização em relação às normas internas. A Constituição Brasileira consagra os direitos humanos como uma das bases fundamentais de suas relações internacionais. É o que estabelece o art. 4º, inciso II, segundo o qual a República Federativa do Brasil rege-se, nas suas relações internacionais, pela prevalência dos direitos humanos. Em suas normas internas o Brasil também adota idêntico princípio, ao estabelecer, no art. 1º, inciso III da Constituição Federal, como fundamento do Estado Democrático de Direito, a dignidade da pessoa humana (BARROSO, 2003).

No art. 5º da Carta Magna estão elencados os direitos individuais adotados para proteger o cidadão e propiciar suas liberdades, assim como as garantias para conferir-lhes eficácia. Tais direitos e garantias têm como objeto principal o ser humano. Como sabemos, a Constituição é a lei maior do país. Portanto, sendo o alicerce do Estado Democrático de Direito, é hierarquicamente superior a qualquer outra norma.

A previsão desses direitos na Carta Maior demonstra sua extrema importância no ordenamento jurídico brasileiro e reflete a consciência moral e humana que teve o legislador constituinte ao promulgá-la. Para comprovar mais intensamente a importância dos direitos individuais na Constituição, estes foram alçados à categoria de normas pétreas, imutáveis, conforme dispõe o inciso IV do §4º do art. 60.

De acordo com o art. 5º, § 1º, da Constituição, os direitos e garantias fundamentais são de aplicação imediata. José Afonso da Silva define como normas de aplicação imediata "aquelas que, desde a entrada em vigor da Constituição, produzem, ou têm possibilidade de produzir, todos os efeitos essenciais, relativamente aos interesses, comportamentos e situações, que o legislador constituinte direta e normativamente, quis regular" (apud MORAES, 2001, p. 39).

É preciso também enfatizar que os direitos e garantias individuais não são elencados taxativamente na Constituição. Outros direitos podem ser adicionados ao rol estabelecidos no art. 5º da Constituição. É o que prescreve o §2º do art. 5º, ao dispor que os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. Como se pode observar, o aludido dispositivo revela o caráter não taxativo dos direitos e garantias fundamentais e dá margem à adoção de outros direitos, inclusive, os provenientes de tratados internacionais. Abordando a matéria afirma Cançado Trindade (1996, p. 210):

O disposto no art. 5º, §2º, da Constituição Brasileira de 1988 se insere na nova tendência (...) de conceder um tratamento especial ou diferenciado também no plano do direito interno aos direitos e garantias individuais internacionalmente consagrados.

Nessa mesma direção, afirma Cançado trindade (1996, p. 210): "No caso dos tratados de proteção internacional dos direitos humanos em que o Brasil é parte, os direitos fundamentais neles garantidos passam a integrar o elenco dos direitos constitucionalmente consagrados e direta e imediatamente exigíveis no plano do ordenamento jurídico interno". Podemos concluir, portanto, que as normas internacionais referentes aos tratados sobre direitos humanos ratificados pelo Brasil têm natureza constitucional. Em conseqüência, possuem todas as prerrogativas dos direitos humanos expressos na Constituição, essencialmente quanto à imutabilidade e à aplicação imediata.

2.3 Constituição Federal de 1988

Analisando-se as características e finalidades que definem uma constituição, nota-se claramente sua essencial importância no Estado Democrático de Direito. Sua existência pressupõe ordem e disciplina na sociedade, pois é nela que estão estabelecidas as normas para a convivência entre os indivíduos que compõem a sociedade. Significa dizer que as normas criam os direitos e os deveres de cada cidadão, mas é a constituição que estabelece suas diretrizes gerais. Sobre a matéria, afirma Reale (1986, p. 01): "o direito é lei e ordem, isto é, um conjunto de regras obrigatórias que garante a convivência social graças ao estabelecimento de limites à ação de cada um de seus membros".

No decorrer de sua história, apesar de alguns períodos de retrocesso, houve no Brasil evolução e progresso no que diz respeito aos direitos humanos. Tais prerrogativas foram implantadas, desde a Constituição do Império do Brasil de 1824, passando pelas constituições republicanas e chegando à atualidade. A Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, consagra vários direitos e garantias individuais.

Com a internacionalização dos direitos individuais no decorrer da história, principalmente após a Segunda Guerra Mundial, os direitos humanos foram incorporados ao texto constitucional da imensa maioria dos países. Para consolidar essa tendência, o modelo de constituições escritas está intimamente ligado às declarações de direitos do cidadão (MORAES, 2001).

A Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 5 de outubro de 1988, traz em seu título II os direitos e garantias fundamentais. Especialmente em seu capítulo I, prescreve um extenso rol de direitos e garantias individuais e coletivos. Além dos direitos fundamentais elencados na Constituição, seu conteúdo consagra princípios que alicerçam esses direitos. Com essa perspectiva, o legislador constituinte definiu sua abrangência, eficácia e direcionamento, possibilitando sua interpretação em consonância com seus fundamentos. "São os princípios que definem e asseguram alguns dos direitos do homem, direitos da humanidade, tidos, pois, como fundamentais" (VALENTIM, 2003, p. 104).

Todas as normas infraconstitucionais devem ser baseadas nesses princípios, pois são eles que fundamentam sua existência e aplicabilidade. São princípios que traduzem a importância do homem no ordenamento jurídico, ou seja, os princípios que fundamentam os direitos humanos. Nesse sentido, afirma Plá Rodrigues, apud VALENTIM (2003, p. 106), "que não pode haver contradição entre os princípios e os preceitos legais, uma vez que aqueles estão acima do direito positivo, enquanto lhe servem de inspiração".

2.3.1 Principio da dignidade da pessoa humana

A dignidade da pessoa humana traduz, em sua essência, a consideração do homem em si mesmo, com suas características naturais que fazem dele um ser humano digno de respeito e reconhecimento. Logo, o princípio da dignidade da pessoa humana nada mais é do que o alicerce que limita e guia todas as atitudes e ações referentes ao homem. De Plácido e Silva apud VALENTIM (2003, p. 113), entende por dignidade a "qualidade moral, que, possuída por uma pessoa, serve de base ao próprio respeito em que é tida". Na mesma direção ensina Moraes (2002, p. 60):

(...) a dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar.

Diante disso, é mister que todo o ordenamento jurídico fundamentada na democracia e no respeito à liberdade e à integridade do homem tenha por base a dignidade da pessoa humana. Desta premissa conclui-se que o Estado é constituído em função do homem e de seu bem-estar; logo não é o homem que existe em função do Estado. Este é criado para assegurar e defender a dignidade do homem perante o próprio Estado e perante outros indivíduos. Nesse sentido leciona Canotilho (1999, p. 221):

Perante as experiências históricas da aniquilação do ser humano (inquisição, escravatura, nazismo, stalinismo, polpotismo, genocídios étnicos), a dignidade da pessoa humana como base da República significa, sem transcedências ou metafísicas, o reconhecimento do homo noumenon, ou seja, do indivíduo como limite e fundamento do domínio político da República. Neste sentido, a República é uma organização política que serve o homem, não é o homem que serve os aparelhos político-organizatórios.

Desde o reconhecimento de que o ser humano é a causa primordial que justifica o direito e de que é o sujeito destinatário deste, a dignidade da pessoa humana está presente nas constituições dos vários Estados. A Declaração Universal dos Direitos Humanos traz, em seu texto, a significação da dignidade como inerente a todos os membros da família humana e como fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo.

A dignidade da pessoa humana, como princípio norteador dos direitos humanos fundamentais, constitui princípio fundamental da República Federativa do Brasil de 1988. Está expressamente prevista no art. 1º, inciso III, norteando todas as ações estatais e regulamentando as relações privadas. Como alicerce e base dos direitos humanos, visa ao bem-estar e à segurança do ser humano, considerado em si mesmo, em reconhecimento a suas características que o definem como núcleo justificador da vida.

2.3.2 Direitos individuais referentes ao tema

a) Direito à vida e à saúde

Como já dissemos, o homem é o sujeito principal do direito; é ele o fundamento e o alicerce da lei. Esta foi criada para regular as relações existentes entre os seres humanos, para protegê-los e preservá-los. Logo, não se pode tutelar o indivíduo se este não estiver vivo.

A vida é o maior bem de todos os seres humanos; é a fonte inicial, a raiz do direito. A vida é imprescindível para a existência de todos os outros direitos do homem, pois sem vida não há o que proteger. Moraes (2002) enfatiza que o direito à vida deve ser concebido em duas acepções: primeiramente, está relacionado ao aspecto biológico-fisico, no sentido de estar vivo e continuar vivo; na segunda acepção, significa o direito de ter uma vida digna quanto à subsistência.

O direito à vida é prerrogativa fundamental e está previsto no art. 5º, caput, da Constituição Federal, que assim dispõe: "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida (...)". Analisando a dimensão desse direito, enfatiza Jacques Robert, apud Silva (2000, p. 201):

O respeito à vida humana é a um tempo uma das maiores idéias de nossa civilização e o primeiro princípio da moral médica. É nele que repousa a condenação do aborto, do erro ou da imprudência terapêutica, a não-aceitação do suicídio. Ninguém terá o direito de dispor da própria vida, a fortiori da de outrem e, até o presente, o feto é considerado como um ser humano.

No aspecto biológico-físico, não podemos dissociar o direito à vida do direito à saúde, em face da estreita relação que existe entre as duas dimensões. A saúde é um instrumento de realização do direito à vida. Portanto, cabe ao Estado a promoção de políticas públicas que propiciem a saúde da população (arts. 6º e 196, CF/88). Para a consecução desse objetivo e a garantia desse direito, é obrigação do poder público disponibilizar atendimento médico, exames, tratamento e fornecimento de medicamentos (VALENTIM, 2003).

b) Direito à igualdade e à não-discriminação

O art. 5º, caput, da Constituição Brasileira estabelece que "todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza (...)". Já o art. 3º, inciso IV, fixa como objetivo fundamental da República Federativa do Brasil a promoção do bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Conforme se pode depreender do texto constitucional, a lei deve tratar todos de forma igual, sem diferenciações. Porém, essa diferenciação, para se adequar à essência do direito e aos objetivos deste, deve ser proibida somente se for baseada em critérios não justificáveis, fundamentados em argumentos que não se coadunam com a justiça. Nesse aspecto, convém transcrever as palavras de Valentim (2003, p. 121):

O princípio da igualdade não proíbe, é certo, alguma discriminação ou desigualdade de tratamento, que, muitas vezes, se apresentam como necessárias à ordem social; entretanto, essas distinções (...) devem ser rigorosas e estritamente necessárias, racionalmente justificadas, jamais arbitrárias. E, como exceções, têm de ser interpretadas restritivamente.

Para ser justa, a lei deve atentar para as desigualdades existentes em determinadas situações, de modo a tratá-las de forma desigual e, assim, fazer valer o conceito de justiça e o dever que tem o Estado de tratar igualmente a todos. Segundo ensina Moraes (2001, p. 62), "o tratamento desigual dos casos desiguais, na medida em que se desigualam, é exigência tradicional do próprio conceito de justiça".

O princípio da igualdade vem limitar a ação dos governantes, por ser princípio fundamental dos direitos humanos. Podemos vislumbrar esse limite na esfera de atuação do legislador, do administrador público e ainda do particular. O legislador não pode editar normas sem atentar para o princípio da igualdade, assim como a autoridade pública não pode aplicá-las de forma arbitrária, desrespeitando o princípio da isonomia. Igualmente, o indivíduo não poderá pautar-se por condutas discriminatórias e preconceituosas, sob pena de responsabilidade civil e penal. "A igualdade é, portanto, o mais vasto dos princípios constitucionais, não se vendo recanto onde ela não seja impositiva" (FERREIRA, 1997, p. 61).

Do princípio da igualdade deriva o princípio da não-discriminação. Na lição de Plá Rodrigues, apud VALENTIM (2003), não existe equivalência entre as expressões não-discriminação e igualdade. A não-discriminação tem por sentido a proibição de diferenciações, por vezes não admissíveis; o principio da igualdade tem como fundamento igualar a situação desvantajosa do indivíduo com relação à comunidade.

À parte essas discussões, a discriminação consiste em uma das maiores de todas as crueldades que se pode praticar contra o ser humano. Todo e qualquer tipo de discriminação deve ser combatido. Ao poder público cabe esta tarefa, que deverá ser exercida com o apoio da sociedade. Não se pode negar a nenhum ser humano o direito de ser tratado com dignidade, respeito e igualdade.

Sobre a autora
Tatyane Guimarães Oliveira

advogada em João Pessoa (PB)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Tatyane Guimarães. Aids e discriminação:: violação dos direitos humanos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 762, 5 ago. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7126. Acesso em: 27 dez. 2024.

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