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O modelo constitucional alemão

Agenda 18/02/2019 às 14:00

Apresentam-se os principais aspectos sobre o modelo constitucional alemão e seus reflexos nos estudos do controle da constitucionalidade.

O ordenamento jurídico alemão prevê o controle de constitucionalidade abstrato e difuso das normas, que é realizado somente pelo Tribunal Constitucional Federal.

O controle abstrato se dá nos moldes do modelo austríaco. Os legitimados à provocação do tribunal são o Governo Federal, um dos governos estaduais ou um terço dos membros do parlamento federal. Para a instauração de tal ação exige-se a controvérsia sobre a compatibilidade da lei federal ou estadual com a Constituição ou com a legislação federal.

O controle abstrato não será interrompido em caso de desistência do pedido, haja vista a presença do interesse público na causa. Ademais, o Tribunal Constitucional Federal não está adstrito à causa de pedir da ação, podendo analisar todos os aspectos constitucionais da questão sub judice.

A maior parte das competências do Tribunal Constitucional Federal encontra-se descrita na Lei Fundamental. Trata-se basicamente de competência para apreciar conflitos entre a Federação e os Lander; entre os órgãos supremos do Estado; o controle abstrato das normas inconstitucionais; o controle concreto das normas, decorrente de um determinado conflito; as denúncias relativas a abusos de direito por cidadãos (artigo 18, § 1º) ou parlamentares (artigo 46, § 3º), assim como a inconstitucionalidade de partidos políticos que ponham em risco o regime democrático e a República Federal da Alemanha (artigo 21, § 2º); por fim, foi aberta a possibilidade a todo o cidadão de recorrer ao Tribunal Constitucional Federal com o objetivo de assegurar seus direitos fundamentais, através do Verfassugsbeschwerde, espécie de recurso constitucional (artigo 93, § 4º, a). 

A legitimidade para postular a inconstitucionalidade abstrata de um determinado ato normativo ou um conflito de competência entre Governo Federal, Lander e/ou órgãos superiores do Estado, frente o Tribunal, foi entregue ao Governo Federal, Governo Estadual e um terço, no mínimo, dos membros do Parlamento Federal (art. 93, § 2º). No que se refere ao controle concreto das normas, todo juiz tem competência para criar um incidente de inconstitucionalidade, submetendo o julgamento do caso concreto à decisão sobre a constitucionalidade da norma que deve governar o caso, independente de uma demanda neste sentido por qualquer uma das partes, o que, no entanto, pode ocorrer. Se houver nos tribunais ou juízos inferiores discussão a respeito da constitucionalidade de uma norma aplicável a um caso concreto, diferentemente do que ocorre no sistema de controle difuso da constitucionalidade, o juiz não poderá decidir sobre a constitucionalidade ou não daquela norma. O julgamento deverá ser suspenso, a questão constitucional que, decidindo-a, retornará o incidente ao tribunal ou juízo inferior, para que possa então, com base nesta decisão, julgar o caso, como ensinou E. Friesenhahn (La giurisdizione constituzionale nella Republica Federale Tedesca, Milão, 1965, pág. 15).

O Tribunal Constitucional Federal tem competência para apreciar o que se poderia denominar recurso constitucional, entregue a todos os cidadãos, para a defesa de seus direitos fundamentais. Este recurso, salvo situações em que não estejam em jogo interesses gerais ou prejuízos consideráveis ao recorrente, caso tenha que percorrer as vias ordinárias só deverá ser utilizado após esgotadas todas as possibilidades legais de defesa do direito em tela, razão pela qual tornou-se, na prática, um recurso contra decisões judiciais. Pode o recurso constitucional ser utilizado diretamente contra uma lei que fira um direito fundamental, sendo para isso necessário que a lei afete diretamente o recorrente, sem necessidade de intermediação da administração; ou ainda contra o descumprimento, por parte do legislador, de determinação explícita da Constituição, o que não deve ser confundido com um controle abstrato da omissão legislativa. 

A atuação do Tribunal tem sido bastante destacada no sistema político instaurado em 1949, havendo, inclusive, críticas com relação a um suposto ativismo por parte do Tribunal. Como explicou Oscar Vilhena Vieira (Supremo Tribunal Federal - Jurisprudência e Política, 2º edição, pág. 58), o Tribunal foi construindo o  seu perfil institucional,  sob a égide de uma Constituição aberta, que exige uma ampla atuação do legislativo e do judiciário. 

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Para a consolidação da democracia na Alemanha, foi importante a atuação do Tribunal Constitucional de Karlsruhe, decidindo assuntos como armamento nuclear (1958); declaração de inconstitucionalidade de partidos políticos com objetivos incompatíveis aos princípios democráticos e aos direitos fundamentais, afastando ameaças ao grande sistema partidário (1952 e 1956); diversas decisões no sentido de definir de maneira ampla o significado de direitos fundamentais, limites da liberdade de expressão e de imprensa, associação e religião, determinações ao Legislativo para que reorganizasse as circunscrições eleitorais que, com o passar do tempo e a alteração do contingente de eleitores ocasionam sérias distorções no sistema representativo, como ocorreu nos Estados Unidos. 

Diversas foram as decisões tomadas: Reorganização do território (1BverfGe 14); Separação de Poderes (34 BverfGe269), quando se entendeu que a função do juiz não é permanecer confinado  à implementação das decisões legislativas, pois ele talvez tenha que fazer julgamentos valorativos, trazendo à luz  conceitos valorativos que são inerentes à ordem constitucional, mas que não o são, ou não adequadamente expressos na linguagem do direito escrito, pois quando o direito falha a decisão do juiz deve preencher a lacuna, quando o bom senso e "os conceitos gerais de justiça estabelecidos pela comunidade"; Inconstitucionalidade de Partidos Políticos (2BverfGe 1); Igualdade de voto (16 BverfGe 130); (89 BverfGe 55), onde se analisou a transferência de soberania para entidade internacional, analisando o Tratado de Maastricht, discutindo a questão da erosão da soberania dos Estados e de suas democracias; BverfGe 1 - 1970, quando se analisou a privacidade e a dignidade humana, em que o Tribunal declarou as restrições a direitos, em função da proteção da integridade da República Federal e de seu sistema democrático, eram constitucionalmente justificáveis, uma vez que medidas de segurança e vigilância secretas eram necessárias para enfrentar "grupos que disfarçavam suas manobras e trabalho em segredo, pois os ataques à democracia liberal não podem ser tolerados em nome de um uso abusivo dos direitos fundamentais; 39 BverfGe - 1975, onde se discutiu sobre o direito à vida, onde se discutiu sobre a questão do aborto; BverfGe - 1991, sobre a propriedade. 

No caso da descriminalização do aborto, reforma de 1974, concluiu o Tribunal que a lei é inconstitucional, em quatro pontos: a) não desaprova o aborto expressamente; b) não estabelece uma distinção clara entre abortos admitidos e não admitidos; c) o procedimento de aconselhamento era falho, pois não voltado a deter a prática do aborto; d) os médicos autorizados a fazer o aconselhamento também poderiam praticar o aborto. 

Gilmar Ferreira Mendes lecionou (Jurisdição Constitucional, 4. ed., São Paulo, Saraiva, 2004):

 "Desde o início, o controle abstrato de normas desfrutou de posição firme na práxis do Bundesverfassungsgericht, senão por outras razões, graças à relevância política das questões jurídicas submetidas à apreciação do Tribunal. Do prisma estritamente estatístico, o controle abstrato de normas não tem maior significado, tendo sido proferidas apenas 56 decisões de mérito nesse tipo de processo no período 1951-1989. No mesmo período (1951-1989) foram propostas tão-somente 106 ações para o controle abstrato de normas."

E prossegue:

"Já no começo de sua judicatura reconheceu o Bundesverfassungsgericht a dupla função do controle abstrato de normas.

De um lado, revela-se esse processo um instrumento adequado de defesa da Constituição, permitindo eliminar do ordenamento jurídico as leis inconstitucionais (função de defesa). De outro, contribui o controle abstrato de normas para a segurança jurídica quando infirma a existência de inconstitucionalidade, espancando dúvidas sobre a higidez da situação jurídica (segurança jurídica)"

O controle difuso realiza-se por meio da questão de constitucionalidade que é aferida pelo magistrado no decorrer da ação. Assim, quando um juiz considerar uma lei inconstitucional, suspenderá o processo e submeterá a questão para o Tribunal Constitucional Federal.

Em síntese, todos os juízes podem aferir a inconstitucionalidade das leis, mas somente o Tribunal Constitucional Federal poderá declará-la.

O modelo constitucional alemão, como modelo ímpar, com origem nos estudos de Kelsen para a Áustria, foi uma formidável fonte de saber para o controle de constitucionalidade das leis no Brasil, desde 1965, com a Emenda nº 16 à Constituição de 1946, seguida na Emenda Constitucional  nº 7/77, à Constituição de 1967 (a representação do Procurador-Geral da República, por inconstitucionalidade ou para interpretação de lei ou ato normativo federal ou estadual), e na moderna Constituição de 1988, em especial com a ação direta de inconstitucionalidade e a arguição de descumprimento de preceito fundamental. 

O controle abstrato na Alemanha se dá nos moldes do modelo austríaco. Os legitimados à provocação do tribunal são o Governo Federal, um dos governos estaduais ou um terço dos membros do parlamento federal. Para a instauração de tal ação exige-se a controvérsia sobre a compatibilidade da lei federal ou estadual com a Constituição ou com a legislação federal.

O controle abstrato não será interrompido em caso de desistência do pedido, haja vista a presença do interesse público na causa. Ademais, o Tribunal Constitucional Federal não está adstrito à causa de pedir da ação, podendo analisar todos os aspectos constitucionais da questão sub judice.

No direito alemão há o recurso de revisão, que se aproxima ao recurso extraordinário.

Depois da lei de reforma do recurso de revisão em matéria civil, de 8 de julho de 1975, ficou ele reduzido a somente três espécies: a) Annahmerevision, ou seja, revisão das causas onde o prejuízo experimentado pelo recorrente é de valor superior a 40.000DM; b) Zulassungsrevision, nas causas de valor superior ao acima mencionado, revisão essa que depende de admissão pelo tribunal a quo; c) Sprungrevision, onde o recorrente dispensa a apelação para o tribunal de segundo grau e a interpõe, diretamente no tribunal federal superior.

No que concerne à Zulassungsrevision, o da importância fundamental da causa. Essa exigência é estabelecida na Alemanha, além do ZPO (que rege o processo civil contencioso na justiça ordinária), nas leis que regulamentam naquele país, as várias justiças especializadas.

Conforme ensinou Arruda Alvim (A Emenda Constitucional 45 e a Repercussão Geral. Revista de Direito Renovar, n.31, p. 75-130, jan/abr 2005, p.85-91), este sistema de “filtragem de recursos” encontra institutos análogos na Alemanha (Die Zullasung der Revision), nos Estados Unidos (writ of certiorari previsto na Rules of the Supreme Court of the United States), na Argentina (gravidad institucional), no Japão (instituto análogo ao writ of certiorari norte-americano) e até mesmo no Brasil, quando da edição no sistema constitucional passado da “relevância da questão federal no recurso extraordinário”. Pode-se acrescentar, ainda, um instituto do Direito Processual Trabalhista, denominado transcendência, requisito político de exame prévio de recurso de revista, previsto no artigo 896-A da CLT.

Esse último instrumento foi de forte valor para adoção no Brasil da repercussão geral hoje utilizada pelo Supremo Tribunal Federal como guardião maior da Constituição.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. O modelo constitucional alemão. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5710, 18 fev. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/71877. Acesso em: 24 nov. 2024.

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