1. Breves comentários sobre o RE nº 416-601/SC – Taxa ambiental.
Conhecida é a idéia de que a base de cálculo das taxas de fiscalização (art. 77 do CTN), ou também chamadas de taxas pelo exercício regular do poder de polícia hão que mensurar o custo da atuação estatal, sob pena de na verdade estar sendo criado imposto ao revés. de taxas.
Neste sentido é a lição de Alfredo Augusto Becker:
"A regra jurídica tributária que tiver escolhido para base de cálculo do tributo um fato ilícito qualquer (não consistente em serviço estatal ou coisa estatal), terá criado um imposto". (Teoria Geral do Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 1972, p. 345, apud, Min. Carlos Velloso, Informativo STF 396, RE nº 416.601-SC,
Não são diferentes as clássicas lições de Geraldo Ataliba: "A base imponível da taxa é uma dimensão da própria atuação estatal". (Hipótese de Incidência Tributária. 4ª ed. São Paulo: Malheiros, 1991, p. 152).
Com fina e habitual precisão, Paulo de Barros Carvalho também fortalece esta idéia, ao apontar que a proposição base de cálculo é quantificadora do fato gerador, vejamos: "Tratando-se de taxa, em que se requer, como assomos de absoluta necessidade, uma atuação do Estado, seja ela expressa na prestação de serviços públicos ou no exercício de poder de polícia, o enunciado da base de cálculo deverá coincidir com o factum da atuação estatal, previsto no antecedente normativo, dimensionando-lhe de alguma forma e por algum padrão compatível". (Direito Tributário – Fundamentos Jurídicos da Incidência. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 178).
É dentro desta perspectiva que se deve ler o art. 145, § 2º da Constituição Federal quando estatui: "As taxas não poderão ter base de cálculo própria dos impostos". Noutro dizer, as taxas também não poderão ter uma base de cálculo que não meça, dimensione, quantifique ou coincida com uma atuação estatal. Eis aí o paradigma até então aceito.
Pois bem. No RE nº 416-601/SC, oriundo de decisão proferida na TRF da 1ª Região, se discutia a constitucionalidade ou não da Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental criada pela Lei nº 10.165/2000, tendo como Min. Rel. o Exmº. Carlos Mário Velloso, exímio conhecedor do direito tributário.
Destacamos deste Recurso Extraordinário a doutrina de Sacha Calmon Navarro Coêlho, que acolhida pelo Min. Velloso, muda o paradigma da análise da base de cálculo das taxas de fiscalização, senão vejamos.
Para o eminente Professor Sacha Calmon Navarro Coêlho, em parecer acostados aos autos, não é menos verdade que a base de cálculo das taxas devem mensurar o custo da atuação estatal que constitui o aspecto material de seu fato gerador (serviço público específico e divisível ou exercício de poder de polícia), porém, a questão está em como fazer esta mensuração?
É aí que reside a mudança de paradigma na interpretação das taxas no direito tributário, consoante muito bem vai escrever Sacha Calmon Navarro Coêlho, ouçamos suas inovadoras palavras:
Não se pode ignorar, contudo, a virtual impossibilidade de aferição matemática direta do custo de cada atuação do Estado (a coleta do lixo de um determinado domicílio, ao longo de um mês; a emissão de um passaporte; etc.). O cálculo exigiria chinesices como a pesquisa do tempo gasto para a confecção de cada passaporte, e a sua correlação com o salário-minuto dos funcionários encarregados e o valor do aluguel mensal do prédio da Polícia Federal onde o documento foi emitido, entre outras variáveis intangíveis, de modo a colher o custo de emissão de cada passaporte, para a exigência da taxa correspectiva (que variaria para cada contribuinte, segundo o seu documento tivesse exigido maior ou menor trabalho ou tivesse sido emitido em prédio próprio ou alugado). O mesmo se diga quanto à coleta de lixo: imagine-se o ridículo de obrigarem-se os lixeiros, tais ourives, a pesar com balança de precisão os detritos produzidos dia a dia por cada domicílio, para que a taxa pudesse corresponder ao total de lixo produzido a cada mês pelo contribuinte.
O Direito não pode ignorar a realidade sobre a qual se aplica. O princípio da praticabilidade, tão bem trabalhado entre nós por MISABEL DERZI, jurisdiciza essa constatação elementar, que tampouco passa despercebida ao STF. Nos autos da Representação de Inconstitucionalidade nº 1.077/84, Rel. Min. MOREIRA ALVES, declarou a Corte que não se pode exigir do legislador mais do que ‘equivalência razoável entre o custo real dos serviços e o montante a que pode ser compelido o contribuinte a pagar, tendo em vista a base de cálculo estabelecida pela lei e o quantum da alíquota por esta fixado’. (grifos nossos). (Apud, voto do Min. Carlos Mário Velloso, no RE nº 416-601/SC).
Continua o ilustre Prof. Sacha Calmon.
Ora, é razoável supor que a receita bruta de um estabelecimento varie segundo o seu tamanho e a intensidade de suas atividades. É razoável ainda pretender que empreendimentos com maior grau de poluição potencial ou de utilização de recursos naturais requeiram controle e fiscalização mais rigorosos e demorados da parte do IBAMA.
(...)."
Finaliza Sacha Calmon,
Se "o valor da taxa varia segundo o tamanho do estabelecimento a fiscalizar", o que implica maior ou menor trabalho por parte do poder público, maior ou menor exercício do poder de polícia, "é mais do que razoável afirmar que acompanha de perto o custo da fiscalização que constitui sua hipótese de incidência", com atendimento, em conseqüência, "na medida do humanamente possível", dos "princípios da proporcionalidade e da retributividade" (grifos nossos) (Apud, voto do Min. Carlos Mário Velloso no REº 416.601/SC).
2. Conclusão.
Construída com supedâneo em alguns conceitos essenciais, tais como: a)- virtual impossibilidade de aferição matemática direta do custo de cada atuação do Estado; b)- princípio da praticabilidade (o direito não pode ignorar a realidade sobre a qual se aplica); c)- equivalência razoável; d)- medida do humanamente possível; e)- princípios da proporcionalidade e retributividade, a doutrina de Sacha Calmon Navarro Coelho - acolhida pelo Min. Carlos Mário Velloso na decisão que negou provimento ao recurso da Associação Gaúcha de Empresas Florestais - AGEFLOR e outros – muda o paradigma até então dominante sobre o conceito e entendimento das bases de cálculos das taxas oriundas do poder de polícia ex vi do art. 77 do Código Tributário Nacional, permitindo assim que tais base de cálculos mensurem o fato gerador de forma indireta e não mais direta e exata como queria o paradigma ora em superação.