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A juridicidade da taxa de longo prazo (TLP)

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Agenda 13/02/2019 às 10:10

A TLP objetiva estabelecer uma nova metodologia de remuneração dos fundos utilizados para operações de créditos celebrados por agentes financeiros.

RESUMO: O objetivo do artigo é trazer considerações gerais sobre a TLP, atualmente regulada pela Lei nº 13.483, de 2017, delineando os seus principais objetivos. A TLP tem como razão imediata tratar diretamente da remuneração dos Fundos PIS-PASEP, FAT e FMM, as quais servem como lastro financeiro para empréstimos realizados pelo BNDES e, por isso, configura o custo de captação que embasará os encargos financeiros dos referidos mútuos. O debate acerca da constitucionalidade da TLP é bastante polêmico, mas o presente artigo desconstrói os principais argumentos alegados acerca da inconstitucionalidade da TLP, de sorte que mostra que a aludida taxa é compatível com o art. 170 da Constituição Federal.

Palavras-Chave: TLP, BNDES, Art. 170 da Constituição Federal.


INTRODUÇÃO

Adveio recentemente a Lei nº 13.483, de 2017, fruto da conversão da Medida Provisória nº 777, também do ano de 2017, a qual teve como objetivo instituir a Taxa de Longo Prazo (TLP).

A aludida espécie de encargo financeiro norteia os empréstimos realizados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), gozando, pois, de natural influência sobre os financiamentos de longo prazo realizados em nosso país. Sem embargo, visualiza-se que a TLP é uma matéria de rarefeita discussão jurídica.

Por sua vez, a TLP sofreu grande resistência do bojo do processo legislativo, tanto pelas suas consequências econômicas, bem como em face das alegadas inconstitucionalidades, aduzidas tanto na própria fase interna da construção normativa, bem como em sede de ações abstratas de constitucionalidade.

Desse modo, o objetivo do presente artigo é trazer considerações gerais sobre a TLP, delineando o seu objetivo, os seus efeitos jurídicos e econômicos e sustentando, por fim, a sua plena compatibilidade com o Ordenamento Jurídico Brasileiro, confrontando os argumentos aduzidos acerca da sua inconstitucionalidade.


1. Considerações Iniciais sobre a TLP

A Lei nº 13.483, de 2017, criou a Taxa de Longo Prazo (TLP), com o objetivo de substituir a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) como elemento de remuneração dos recursos do Fundo de Participação PIS-Pasep, do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), do Fundo da Marinha Mercante (FMM) e dos financiamentos concedidos pela União ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

Com efeito, os aludidos fundos são utilizados pelo BNDES como fonte de recursos de boa parte dos seus empréstimos. Eis uma breve explicação de tais fundos.

O Fundo PIS-Pasep, tratado pela Lei Complementar nº 26, de 1975, consubstancia um complexo de recursos pertencem aos  participantes do PIS e do PASEP, que detêm contas individualizadas e direito de saque na ocorrência dos eventos previstos pela legislação de regência. Tais recursos, enquanto não sacados, são aplicados em operações de créditos e/ou outros investimentos formatados pelo BNDES, cf. art. 1º da Lei Complementar nº 19, de 1974. Esse fundo, vale aditar, não mais recebe mais o produto da arrecadação do tributo PIS, já que, conforme o art. 239 da Constituição Federal, a arrecadação da contribuição se vinculou ao custeio do seguro-desemprego e  do abono aos empregados com média de até dois salários mínimos de remuneração mensal.

Outrossim, o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), instituído pelo art. 10 da Lei nº 7.998, de 1990 e com previsão de fonte de recursos constitucional (art. 239, caput, da Constituição, acima citado), tem como mister embasar o programa de seguro-desemprego. Por sua vez, consoante autorização constitucional expressa (art. 239, §1º), 40% do produto da arrecadação do tributo PIS será destinado ao BNDES, "para aplicação em programas de desenvolvimento econômico", segundo o art. 2º, §1º, da Lei nº 8.019, de 1990. Dessa forma, o BNDES promove operações de crédito com lastro nesses recursos repassados, com o intuito de promover desenvolvimento ao setor produtivo e, também, com o intuito de aumentar o volume total de recursos do FAT.

Por sua vez, o Fundo da Marinha Mercante (FMM), instituído pela Lei nº 10.893, de 2004, é um fundo de natureza contábil, destinado a prover recursos para o desenvolvimento da Marinha Mercante e da indústria de construção e reparação naval brasileiras, cuja fonte maior de recursos é o tributo Adicional ao Frete para a Renovação da Marinha Mercante - AFRMM. Consoante art. 29 da Lei, o BNDES é o principal agente financeiro dos recursos do referido fundo público.

Deveras, como se extrai do art. 2º da Lei, não é objeto imediato da legislação tratar sobre os encargos financeiros dos mútuos formalizados pelo BNDES. Na verdade, a legislação trata diretamente da remuneração dos recursos dos referidos fundos, quando aplicados pelos agentes financeiros em operações de financiamento.

Explicando melhor tal premissa, há uma relação entre os fundos e o agente financeiro, na qual, quando tal agente financeiro (na extrema maioria das vezes, o BNDES) emprega o numerário desses fundos para celebrar mútuos com terceiros, a aludida entidade tem a obrigação de remunerar o capital utilizado. Esse é o objeto do art. 2º da Lei.

Não se pode furtar de registrar, decerto, que a remuneração desse capital é o custo de captação do BNDES para celebrar mútuos. O custo de captação, conforme enaltecido outrora pelo Superior Tribunal de Justiça (vide voto condutor do RESP 271.214, relator para o Acórdão o saudoso Min. Carlos Alberto Menezes Direito), “varia conforme a fonte da qual o banco obtém o dinheiro que repassará ao mutuário, podendo citar-se, v.g., as cadernetas de poupança, os depósitos remunerados dos correntistas e aplicadores e moeda estrangeira. Evidentemente, o banco deverá devolver o dinheiro devidamente remunerado com o índice contratado ou previsto na lei, conforme a hipótese”, de sorte que não há muitas dúvidas de que tal rubrica é elemento importantíssimo para se aferir os encargos financeiros finais dos tomadores de crédito do BNDES. Afinal, tais encargos financeiros "são obtidos mediante o somatório de diversos componentes do custo final do dinheiro, tais o custo de captação, a taxa de risco, custos administrativos (pessoal, estabelecimento, material de consumo, etc.) e tributários e, finalmente, o lucro do banco” (conforme trecho do mesmo voto condutor).

Os custos administrativos do BNDES devem ter o condão de cobrir inclusive o risco de eventual inadimplência do mutuário, uma vez que a legislação de regência tende a estabelecer que o BNDES possui o risco na operação (vide, por exemplo, os arts. 2º, §1º, da Lei nº 8.019, de 1990, que trata o FAT, e o art. 30 da Lei nº 10.893, de 2004, que trata do FMM). Assim, mesmo que o mutuário não promova o adimplemento da operação de crédito celebrada com o BNDES, este deve remunerar os fundos, nos moldes estipulados normativamente (vide arts. 4º e 6º da Lei nº 13.483, de 2017, e o art. 33 da Lei nº 10.893, de 2004 c/c art. 18 da Resolução do Conselho Monetário Nacional (CMN) nº 3.828, de 2009).

Em suma, a legislação não trata diretamente dos encargos financeiros das operações de crédito celebradas com o BNDES com lastro nos recursos dos fundos referidos nesta sede. Todavia, como tais fundos são o custo de captação desses mútuos, não há muitas dúvidas de que acaba influenciando decisivamente nos juros remuneratórios dos empréstimos formalizados pela empresa pública federal.


2.  Estrutura da TLP

A TLP será composta pela variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), apurado e divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e por taxa de juros prefixada, estabelecida em cada operação de financiamento, de acordo com o rendimento das Notas do Tesouro Nacional – Série B (NTN-B) para o prazo de cinco anos (art. 2º). Consigne-se que a taxa de juros da remuneração dos fundos é prefixada, de sorte que a grandeza que sofrerá modificação será a variação do IPCA, a depender, como cediço, do caráter inflacionário de determinado período.

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A motivação que levou à confecção de tal norma teve como mister estabelecer que o custo de captação dos empréstimos formalizados pelo BNDES fossem parametrizados com a remuneração dos títulos da dívida pública federal, com o intuito de evitar que os encargos financeiros ficassem inferiores a tal importe.

A taxa de juros prefixada tem como paradigma a média aritmética simples das taxas para o prazo de cinco anos da estrutura a termo da taxa de juros das Notas do Tesouro Nacional Série B – NTN-B (art. 3º, caput, da Lei). As NTNs-B são títulos públicos federais, de uso ampliado, cujas características são dispostas atualmente no art. 4º do Decreto nº 9.292, de 2018. Dessarte, como dito outrora, verifica-se, pois, que o objetivo da norma é o de que os fundos de que tratam a lei tivessem remuneração compatível com os juros remuneratórios pagos pela própria União em títulos públicos empregados para o custeio da máquina pública, já que a TJLP tendeu, nos últimos anos, a possuir uma taxa de juros inferior à remuneração dos títulos públicos federais.

De qualquer sorte, com o intuito de promover uma transição "suave" nesta rubrica importante para definição do custo de captação dos empréstimos do BNDES, a Lei determina a adoção de período de transição para a nova regra. Com efeito, cf. art. 3º, §§1º e 2º, da Lei, aplica-se a essa taxa média um fator de ajuste que, no prazo de cinco anos, leve a TLP a convergir linearmente de um valor igual à TJLP vigente em janeiro de 2018 para valores compatíveis com as taxas praticadas no mercado secundário de títulos públicos federais.

A Lei (art. 4º) atribuiu ainda ao Conselho Monetário Nacional (CMN) competência para detalhar a metodologia de cálculo da TLP como taxa mensal, bem como de seu componente prefixado. Nesse sentido, a Resolução CMN nº 4.600, de 25 de setembro de 2017, estabeleceu a metodologia de cálculo da Taxa de Longo Prazo (TLP) e da correspondente taxa de juros prefixada.

Por sua vez, o parágrafo único do art. 9º da Lei da TLP consigna que a renegociação, a composição, a consolidação, a confissão de dívida e os negócios assemelhados, referentes às operações que usem o Fundo de Participação PIS-Pasep, o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e o Fundo da Marinha Mercante (FMM) como funding, que importem em prorrogação do prazo original ou acréscimo do saldo devedor mediante a liberação de novos recursos, ficarão sujeitos à nova remuneração, qual seja, a TLP, em substituição à TJLP.

Convém registrar ainda que a União realizou inúmeros mútuos com o BNDES (vide art. 1º da Lei nº 11.688, de 2008; art. 1º da Lei nº 11.948, de 2009; art. 1º da Lei nº 12.397, de 2011; art. 2º da Lei nº 12.453, de 2011; art. 7º da Lei nº 12.872, de 2013; art. 1º da Lei nº 12.979, de 2014; art. 2º da Lei nº 13.000, de 2014), os quais empregaram a TJLP como juros remuneratórios, a fim de ampliar ainda mais a possibilidade de o BNDES promover empréstimos com particulares. Por isso, o art. 11 da Lei da TLP autorizou a repactuação das condições contratuais dos financiamentos concedidos pelo Tesouro Nacional ao BNDES que tenham a TJLP como juros remuneratórios, com o objetivo de adequar a remuneração dos referidos financiamentos ao disposto naquela Lei (caput).


3.  Constitucionalidade da TLP

Como dito outrora, houve a apresentação de ação abstrata de constitucionalidade, bem como se delineou ampla discussão, durante o processo legislativo, acerca da compatibilidade de preceitos da legislação da TLP com a Constituição Federal. Desse modo, soa de bom tom trazer considerações sobre a juridicidade do uso da TLP.

Preliminarmente, é de bom alvitre anotar que a Lei nº 13.483, de 2017, adveio da conversão da Medida Provisória nº 777, de 2017. Como cediço, a Constituição Federal estabelece limitações materiais à edição de medidas provisórias, a exemplo das restrições contidas em seus arts. 62 e 246. O exame dos preceitos lá existentes não enseja qualquer violação aos dispositivos constitucionais transcritos. Por outro lado, ainda sob o manto da constitucionalidade formal, registra-se que a matéria em comento retrata, basicamente, assuntos de natureza administrativa da União ou de direito civil/crédito, gozando, assim, de possibilidade de normatização pelo Congresso Nacional (art. 22, I e VII, Constituição Federal).

Sobre o aspecto da constitucionalidade material, entende-se que a expressa manutenção da TJLP pela Lei em comento, com a criação de novo índice, ao invés de substituí-lo, tem o condão de salvaguardar o ato jurídico perfeito (art. 5º, XXXVI, Constituição Federal), uma vez que vultosas operações de financiamento foram engendradas sob o manto da TJLP. Esse norte é corroborado por vários preceitos (vide, por exemplo, art. 9º) que mantêm a remuneração dos fundos pela TJLP, quando servirem de funding para mútuos formalizados anteriormente à vigência da Lei.

Registre que, conforme abordado no aspecto introdutório do presente trabalho, houve a propositura da ADI nº 5893, no qual se aduziu a inconstitucionalidade da Lei nº 13.483, de 2017, que instituiu a TLP, mercê da alegada ofensa ao art. 170 da Constituição Federal.

Consignou-se, no petitório vestibular da ação abstrata de constitucionalidade, o argumento de que a TLP ocasionará um aumento dos juros remuneratórios pagos pelos mutuários pertencentes aos setores produtivos, com o consequente desestímulo de investimento pelos agentes econômicos, problema ainda mais elevado em face da notória recessão existente em nossa economia. Dessarte, a TLP substituiu a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), instrumento de proteção ao setor produtivo nacional, de sorte que esse câmbio, segundo se alegou, ensejaria violação de vários preceitos de cunho constitucional, tais como o da livre iniciativa (CF, art. 1º, inciso IV), bem como os princípios elencados no art. 170 que tratam da propriedade privada (inciso II), da função social da propriedade (inciso III), da livre concorrência (inciso IV), da defesa do consumidor (inciso V), da redução das desigualdades regionais e sociais (inciso VI), da busca do pleno emprego (inciso VI), bem assim o parágrafo único deste fragmento constitucional, que trata da livre iniciativa.

Entende-se, nesta sede, contudo, a plena compatibilidade da TLP com o art. 170 da Constituição Federal, conforme argumentos a seguir.

A Constituição Federal, em seu art. 170, delineia sobre a Ordem Econômica, estabelecendo que a estrutura capitalista em nosso país é fundada na valorização do trabalho e na livre iniciativa, tem como escopo assegurar a dignidade da pessoa humana e deve observar vários princípios, de matizes inclusive aparentemente dicotômicas, tais como a soberania nacional e a livre iniciativa, ou a defesa do meio ambiente e a busca do pleno emprego.

Por sua vez, é inafastável a premissa de que o Estado tem papel de escol no cenário econômico brasileiro. Com efeito, a Constituição Federal, ao passo que estabelece princípios regedores do domínio econômico, delineia que o âmbito governamental tenha influência na economia, com o fito realizar os princípios insculpidos no decorrer da parte da Ordem Econômica na Constituição Federal[1], sempre visando “assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social”.

Sabe-se, de qualquer sorte, que existem preceitos dissonantes nesta parte do texto constitucional[2]. Essa tensão fica bem evidente, por exemplo, no próprio teor do art. 170, que reproduz, dentre os princípios da ordem econômica, da exigência da função social da propriedade (fundamento da função social da empresa) ao lado da livre concorrência (respectivamente, incisos III e IV).

O motivo dessa construção normativa, como cediço, é a existência, no bojo da Assembleia Nacional Constituinte, de uma grande disparidade ideológica, que acabou refletindo na necessidade de conformar a Constituição Federal com caracteres progressistas e conservadores[3]. Dessa forma, o nosso texto supremo acabou gozando de uma “antinomia imprópria”, no sentido de que o ordenamento acabou sendo inspirado muitas vezes em valores contrapostos[4].

No âmbito jurídico, esse cenário possibilita uma ampla margem de conformação legislativa no cenário econômico. Essa é uma premissa que, independente das convicções sociais e inclusive ideológicas do hermeneuta, não pode ser afastada pelo jurista. Obvio que o legislador, empregando sua conveniência política, não pode expurgar totalmente a eficácia de um princípio estabelecido constitucional (tal como a livre iniciativa), mas não há como se afastar a possibilidade de sua atuação conformativa, constituindo um modo de temperamento do sistema econômico[5].

Diante do exposto, não há dúvidas de que o maleável caráter normativo do art. 170 da Constituição Federal possibilita, decerto, etapas mais dirigentes do organismo estatal no bojo da economia, ou cenários mais flexíveis, dependendo do contexto político. Assim, a seara imediata para debates e eventuais insurgências contras medidas legais implementadas no âmbito econômico é a própria esfera legislativa, uma vez que é o espaço tradicional de estruturação de normas primárias, de sorte que a eventual substituição dos critérios de atuação econômica implementados pelo Legislador ostentaria dissonância ao disposto no art. 2º da Constituição Federal, já que ensejaria a infirmação de um juízo legislativo por um corpo à margem da atuação legiferante.

Em artigo doutrinário, já enalteci a necessidade de que o jurista procure, na sua interpretação, respeitar o caminho seguido pelo Poder Legislativo, que possui a legitimidade de evidenciar o desígnio democrático existente em determinada época:

Por sua vez, entre um dos primados basilares da democracia, está o da representatividade democrática, periodicamente corroborada pelas eleições. Assim, em cada “festa da democracia”, feixes representativos de diferentes visões ideológicas são alocados nos ambientes gerenciais mais altos da República, no afã de tonar realidade o anseio verificado pelo resultado das urnas eleitorais.

Uma política pública formatada deve ser coerente, a princípio, com o norte derivado dessa etapa política. O seu mérito é fatalmente vinculado com o contexto da politics, derivado, pois, de amplo espaço de discricionariedade dos altos gestores da República, a fim de retratar os arranjos políticos que tornaram viável institucionalmente a sua implantação.

Nada obstante, como bem diz Ricardo FERNANDES, a atividade do advogado público é jurídica, não política. Dessa forma, “a escolha das políticas públicas não se encontra em sua competência constitucionalmente delineada”. Assim, o mérito da política pública, aquilo que Clarice DUARTE denominou de “programa”, não pode ser avaliado pelo advogado público, quando atua no processo de construção da norma jurídica que a implementa[6].

Sei que o foco daquele empreendimento intelectual foi a atuação do advogado público, mas a premissa subjacente ali estipulada serve, na verdade, para qualquer atuação de cunho jurídico, penso. De efeito, qualquer debate de cunho estritamente jurídico deve ter como norte os comandos legais, mormente em cenários de ampla autorização outorgada pela Constituição para legislar, como na espécie, sob pena de voluntarismo. A desconsideração de preceitos legais é medida excepcional no Ordenamento Jurídico, como sempre faz questão de enaltecer Lênio Streck[7], só cabendo tais condutas em hipóteses exaustivas (entre as famosas seis hipóteses por ele elencadas, encontra-se, por exemplo, quando a norma for evidentemente inconstitucional).

Assim, penso que qualquer crítica empreendida em face da TLP, sob o manto da alegação de inconstitucionalidade com lastro no art. 170 da Constituição Federal., ostenta, com o devido respeito, uma resistência muito mais meritória do que propriamente jurídica da medida. De qualquer sorte, apenas por "amor ao debate", mesmo que se enfrentem os mais diversos preceitos constantes no art. 170, caput, da Constituição Federal, penso que a Lei da TLP está longe de ensejar qualquer violação aos aludidos comandos.

Afinal, a Lei da TLP está consonante com o postulado da livre concorrência, constante no art. 170, IV, da Constituição Federal. E digo isso com foco em uma das principais razões meritórias para sua construção normativa.

Deveras, um dos objetivos da novel sistemática de remuneração dos fundos que servem de lastro para empréstimos do BNDES é, conforme a exposição de motivos, é o de que tal remuneração seja aderente aos custos para o financiamento da dívida pública interna. Argumentos jurídicos a mais devem ser expostos no tocante a este ponto.

Com efeito, o Estado, com lastro em uma das suas atividades básicas, fomento, procura incentivar a iniciativa privada, com o mister de atender específico desiderato público. Benefícios fiscais ou subvenções são exemplos de fomento[8]. Como essas condutas ensejam evidente benefícios a particulares, há preceitos que ensejam a necessidade de que a operacionalização dessa conduta tenha lastro normativo específico, no afã de evidenciar que o assunto foi debatido na esfera democrática para amparar tal empreendimento. Pode-se citar, com o fito de corroborar tal premissa e à título de ilustração, o mandamento constitucional que prevê a necessidade de que benefício de cunho tributário tenha lastro em lei específica (art. 150, §7º, da Constituição Federal) ou o comando costumeiramente existente em Leis de Diretrizes Orçamentárias (vide, por exemplo, art. 11, VII, da Lei nº 13.473, de 2017) que prevê que seja construída ação orçamentária específica que embase subvenção econômica.

Sem embargo, doutrina orçamentário-jurídica elenca a existência das chamadas off-budget expenditures, ou seja, transações financeiras realizadas pelo Estado, pelas agências oficiais de fomento e pelas empresas estatais que não são levadas em conta pelo orçamento e pela contabilidade pública"[9]. A doutrina específica elenca esse gênero de "gasto fora do orçamento" em duas espécies, quais sejam, o gasto tributário e o subsídio implícito.

Consoante o Acórdão TCU nº 747/2010 - Plenário, define-se gasto tributário como "como ‘programas de assistência financiados pelo governo por meio de provisões tributárias especiais e não de gastos diretos do governo", e se afere tal gasto confrontando-se com o sistema tributário de referência, de sorte que, cf. apresentação formulada pela Secretaria da Receita Federal do Brasil em evento específico do Tribunal de Contas da União, gastos tributários são "gastos indiretos do governo realizados por intermédio do sistema tributário, visando a atender objetivos econômicos e sociais e constituem-se em uma exceção ao sistema tributário de referência, reduzindo a arrecadação potencial e, consequentemente, aumentando a disponibilidade econômica do contribuinte"[10].

Por sua vez, os subsídios implícitos configuram "gastos decorrentes de programas oficiais de créditos que oferecem condições mais acessíveis para os tomadores de empréstimo que os recursos oferecidos no mercado financeiro" (trecho do Acórdão TCU nº 1718/2005 - Plenário), sendo que "tais gastos têm taxa de retorno inferior ao do seu custo de captação"[11], os quais não constam no orçamento público.

Esse último exemplo é destoante das conhecidas subvenções econômicas mediante equalização de taxas de juros, sobre as quais se têm previsão legal autorizativa, cf. art. 26 da Lei de Responsabilidade Fiscal, e a ação orçamentária que lhe dê cobertura . No caso dos subsídios implícitos, o cenário é diferente. Deveras, agentes financeiros fazem empréstimos a terceiros empregando recursos públicos, oriundos das tradicionais receitas derivadas públicas (tributos, tais como o FAT, que emprega a exação PIS para embasá-lo). Contudo, como é sabido, há décadas a União não consegue obter superávit nominal, de sorte que naturalmente a União se endivida, emitindo títulos públicos, para refinanciar a dívida pública ou até mesmo custear despesas correntes, nessa quadra de crescentes déficits primários. Assim, caso os encargos financeiros desses empréstimos com lastros em funding público sejam inferiores ao do custeio da "rolagem da dívida pública federal", acaba havendo um factual subsídio para os tomadores de empréstimo.

Na espécie, é notório que as taxas de juros outrora utilizadas em empréstimos no BNDES (TJLP) eram inferiores aos juros médios remuneratórios dos títulos da Dívida Pública Mobiliária Federal. Assim, o emprego de encargos financeiros, por parte do BNDES, mais semelhantes com àquele praticado pelo mercado da dívida pública federal, ensejaria inclusive uma atuação mais isonômica entre os agentes financeiros na realização de operações de créditos no sistema financeiro nacional, privilegiando, por conseguinte, a Livre Concorrência (art. 170, IV, Constituição Federal).

Finalmente, foi aduzido que a Lei da TLP violou o disposto no art. 113 dos Atos da Disposições Constitucionais Transitórias, já que a medida ensejará aumento das despesas públicas relacionadas com a equalização das taxas de juros, não tendo havido, entretanto, a estimativa de impacto previsto na aludida norma[12].

Ledo engano.

Com efeito, a TLP objetiva, tão-somente, estabelecer uma nova metodologia de remuneração dos fundos utilizados para operações de créditos celebrados por agentes financeiros, como consignado no decorrer do presente artigo. A legislação, em si, não trata de qualquer dispêndio público e não gera qualquer despesa obrigatória. Soa manifestamente inaplicável à espécie, portanto, o disposto no art. 113 do ADCT, o qual exige que a proposição legislativa que crie ou altere despesa obrigatória ou renúncia de receita deverá ser acompanhada da estimativa do seu impacto orçamentário e financeiro.

Afinal, a lei da TLP não trata de autorização para concessão de subvenção econômica, na modalidade de equalização de juros, no âmbito do crédito rural. Sobre essa matéria, o preceito legal aplicável é o art. 5º da Lei nº 8.427, de 1992, o qual dispõe que a concessão da subvenção de equalização de juros obedecerá aos critérios, limites e normas operacionais estabelecidos pelo Ministério da Fazenda.

Como se percebe, o aludido preceito outorgou discricionariedade ao Ministério da Fazenda no exercício dessa competência, reservando à autoridade fazendária alternativas de conduta quanto à edição ou não do ato, quanto ao momento adequado para fazê-lo e quanto à medida mais satisfatória a ser adotada diante das circunstâncias. Assim, extrai-se a ilação de que a aludida norma apenas autoriza a concessão da subvenção econômica, pela União, nas condições que específica, de sorte que só há a concessão da subvenção econômica, na forma de equalização de juros, quando houver a edição do aludido ato normativo.

Essa é a praxe que ocorre anualmente, no denominado "Plano Safra", oportunidade em que, no final do primeiro semestre de cada ano, são editadas inúmeras portarias fazendárias, nas quais se estabelecem as regras relacionadas com a concessão da modalidade de subvenção econômica tratada nesta sede.

Na edição dessas portarias, impõe-se a observância do disposto nos arts. 16 e 17 da Lei de Responsabilidade Fiscal, já que a autorização da equalização dos juros, ou seja, o pagamento da diferença entre o custo de captação de uma instituição financeira, e o encargo financeiro do empréstimo realizado, fatalmente configura uma despesa obrigatória de caráter continuado. É essa oportunidade em que se deve promover, pois, a estimativa do impacto orçamentário-financeira da concessão da subvenção econômica por equalização dos juros.

Inexiste, portanto, qualquer violação ao disposto no art. 113 do ADCT.

Sobre o autor
Fabiano de Figueirêdo Araujo

Mestre em Direito e Políticas Públicas pelo Centro Universitário de Brasília. Especialista em Administração Pública pela Fundação Getúlio Vargas. Professor Universitário. Procurador da Fazenda Nacional

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARAUJO, Fabiano Figueirêdo. A juridicidade da taxa de longo prazo (TLP). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5705, 13 fev. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/72062. Acesso em: 22 nov. 2024.

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