1. INTRODUÇÃO
A Constituição Federal trata no seu preâmbulo da instituição de um Estado democrático que tem como objetivo assegurar os direitos sociais.
Em seu artigo 1º, elevou a fundamento constitucional os valores sociais do trabalho e os direitos trabalhistas tornaram-se Direitos Sociais, conforme o capítulo II, do Título II da Magna Carta.
Com isso destacamos a importância de verificar se há efetividade dos direitos fundamentais dos trabalhadores, bem como a necessidade de protegê-los para que tenham eficácia plena.
Impõe-se necessário estudar os direitos fundamentais e a sua vinculação com o Direito do Trabalho para se fazer valer outro fundamento e princípio constitucional: o da dignidade da pessoa humana.
Destarte todos os direitos conquistados pelos trabalhadores em nível constitucional, consagrados em rol não exaustivo do artigo 7º, da CRFB, o processo de globalização mundial da economia visa implementar mudanças no campo das relações entre o capital e o trabalho, dando ensejo a discussão acerca da flexibilização das relações de trabalho, que tem por escopo, exatamente, propiciar o rápido ajustamento do complexo normativo laboral às mudanças decorrentes das flutuações econômicas, evoluções tecnológicas ou quaisquer outras alterações que requeiram imediata adequação da norma jurídica.
Diante disto nos deparamos com o princípio do não retrocesso social, que preceitua a impossibilidade de redução dos direitos sociais amparados na Constituição, ou que tenham sido positivados em normas infraconstitucionais, pois garantem ao cidadão o acúmulo, a proteção e perenidade de seu patrimônio jurídico.
2. DIREITOS FUNDAMENTAIS: CONCEITOS E HISTÓRIA
Apesar das divergências quanto à nomenclatura, haja vista as inúmeras referências feitas na CF/1988 como “direitos humanos”, “direitos e liberdades fundamentais”, “direitos fundamentais da pessoa humana”, entre outras1, no presente trabalho usaremos a expressão “direitos fundamentais”, conceituados por Delgado (2007) como prerrogativas ou vantagens jurídicas estruturantes da existência, afirmação e projeção da pessoa humana e de sua vida em sociedade2.
Os direitos fundamentais surgiram com a necessidade de proteger o homem do poder estatal, a partir dos ideais advindos do Iluminismo dos séculos XVII e XVIII, mais particularmente com as concepções das constituições escritas3.
Acerca do surgimento dos direitos fundamentais Moraes4 afirma:
“[...] surgiram como produto da fusão de várias fontes, desde tradições arraigadas nas diversas civilizações, até a conjugação dos pensamentos filosóficos-jurídicos, das ideias surgidas com o cristianismo e com o direito natural”
O reconhecimento dos direitos fundamentais é fenômeno recente na história, embora na Antiguidade, especialmente na Grécia e em Roma se verificou o estabelecimento das diretrizes fundamentais da vida e da existência humana, dadas as especificidades daquelas sociedades5.
Tendo em vista a restrita aplicabilidade dessas cartas em razão da sociedade da época e os seus destinatários específicos A Magna Charta Libertatum do século XIII, a Declaração de Direitos (Bill of Rights) de 1668, na Inglaterra, a Declaração dos Direitos (Bill of Rights) do Estado da Virgínia de 1776 são marcos para a evolução dos direitos fundamentais.
Porém, o ponto crucial histórico para o reconhecimento dos direitos civis e políticos individuais, com a vertente vinculativa ao Estado de Direito da época, de matiz liberal em razão das aspirações da burguesia foi a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão da Revolução Francesa aprovada pela Assembleia Nacional Francesa, em 17896. Em 1791 foram promulgadas as Constituições Francesas e a Constituição dos Estados Unidos da América, que restaram por reconhecer diversos direitos, tais como a liberdade de ir e vir, a liberdade de reunião o direito de petição entre outros. Em 1793 a França promulgou uma nova constituição, que definiu de forma mais clara e completa os direitos fundamentais dos indivíduos, aprofundando o conceito de liberdade como um poder que pertence ao homem, o direito à vida, à igualdade, à intimidade e etc.
Com a Revolução Industrial, ocorrida no Século XVIII, substituiu-se a força humana com a descoberta da máquina a vapor como fonte de energia. O trabalho escravo, servil e corporativo deu lugar ao trabalho assalariado.7
Com o liberalismo, doutrina que entendeu o trabalho como fator de produção, o trabalhador passou a dividir o resultado do seu trabalho com o capitalista, o dono dos meios de produção. Porém a principal característica do Estado Liberal era a ínfima interferência do governo na economia. Surge o individualismo, característica principal do liberalismo, deixando de lado a questão social, o coletivo. O Estado Liberal não favoreceu os direitos fundamentais, mas deu ensejo para que se percebesse a necessidade da sua existência.8
No Estado Liberal a miséria se alastrou colocando em risco a sua própria hegemonia e com isso surgem as ideias socialistas, comunistas e anarquistas. Nasce a preocupação com a questão social, marco do constitucionalismo social, baseados nos fins solidários e de justiça social, onde o Estado evoluiu de uma posição absenteísta, para uma postura ativa de ator fundamental para o bem estar social.9
Ressalta-se, que além da função de proteger o homem de eventuais arbitrariedades cometidas pelo Poder Público, os direitos fundamentais também se prestam a compelir o Estado a tomar um conjunto de medidas que impliquem melhorias nas condições sociais dos cidadãos10.
Silva11 (2001, p. 178), em sua obra sobre Direito Constitucional, ensina que os direitos fundamentais não são a contraposição dos cidadãos administrados à atividade pública, como uma limitação ao Estado, mas sim uma limitação imposta pela soberania popular aos poderes constituídos do Estado que dele dependem.
No entendimento de Sarlet12 (2005):
Os direitos fundamentais, como resultado da personalização e positivação constitucional de determinados valores básicos (daí seu conteúdo axiológico), integram, ao lado dos princípios estruturais e organizacionais (a assim denominada parte orgânica ou organizatória da Constituição), a substância propriamente dita, o núcleo substancial, formado pelas decisões fundamentais, da ordem normativa, revelando que mesmo num Estado constitucional democrático se tornam necessárias (necessidade que se fez sentir da forma mais contundente no período que sucedeu à Segunda Grande Guerra) certas vinculações de cunho material para fazer frente aos espectros da ditadura e do totalitarismo. (SARLET, 2005, p. 70).
3. CLASSIFICAÇÃO E CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
A doutrina constitucional, em sua maioria, reconhece três níveis (e/ou classificações) de Direitos Fundamentais, nomeados de primeira, segunda e terceira geração. Como já visto, os primeiros direitos fundamentais surgem em contraposição ao Estado Absoluto e tinham como tema central a liberdade do indivíduo. Esses direitos classificam-se como Direitos de primeira geração.
Seguindo a doutrina de Alexandrino e Paulo13 (2011), os direitos de primeira dimensão realçam o princípio da liberdade. São os direitos civis e políticos, reconhecidos nas Revoluções Francesa e Americana. Caracterizam-se por impor ao Estado um dever de abstenção, de não fazer, de não intromissão do Estado na autodeterminação de cada indivíduo. São as chamadas
liberdades individuais e por isso são referidos como direitos negativos. São exemplos de direitos fundamentais de primeira dimensão o direito à vida, à propriedade, à liberdade de expressão e de reunião, etc.
Já os direitos de segunda dimensão, surgidos no século XX, são reconhecidos como as liberdades positivas, reais ou concretas, e acentuam o princípio da igualdade entre os homens (igualdade material). São os direitos econômicos, sociais e culturais.14
Também denominados direitos positivos, direitos do bem-estar ou direitos dos desamparados, os direitos fundamentais de segunda dimensão fazem referência aos direitos de participação, realizados por meio de implementação de políticas e serviços públicos em que o Estado deverá promover as necessidades vitais básicas, tais como saúde, educação, trabalho, habitação, previdência social15, etc.
Por sua vez, os direitos fundamentais de terceira geração, consagram os princípios da solidariedade e da fraternidade, cujo escopo é proteger os interesses de titularidade coletiva ou difusa. São exemplos de direitos fundamentais de terceira dimensão o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, defesa do consumidor, à paz, à autodeterminação dos povos, etc. Tais direitos são de titularidade coletiva e cabe ao Estado e a sociedade protege-los e preservá- los para as futuras gerações16.
Atualmente, muito se discute na doutrina sobre a quarta dimensão de direitos fundamentais. Doutrinadores (ALEXANDRINO; PAULO, 2011 apud BONAVIDES, 2006) entendem que os mesmos constituem o direito à democracia, à informação, ao pluralismo jurídico, dos quais depende a concretização de uma sociedade aberta para o futuro, universal17.
Segundo o professor Moraes18 (1997), as principais características dos direitos fundamentais são:
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a. Imprescritibilidade: os direitos fundamentais não desaparecem pelo decurso do tempo;
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b. Inalienabilidade: não há possibilidade de transferência de direitos fundamentais a outrem;
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c. Irrenunciabilidade: em regra, os direitos fundamentais não podem ser objeto de renúncia;
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d. Inviolabilidade: impossibilidade de sua não observância por disposições infraconstitucionais ou por atos de autoridades públicas;
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e. Universalidade: devem abranger todos os indivíduos, independentemente de sua nacionalidade, sexo, raça, credo ou convicção político-filosófica;
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f. Efetividade: a atuação do Poder Público deve ter por escopo garantir a efetivação dos direitos fundamentais;
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g. Interdependência: as várias previsões constitucionais, apesar de autônomas, possuem diversas intersecções para atingirem suas finalidades;
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h. Complementariedade: os direitos fundamentais não devem ser interpretados isoladamente, mas sim de forma conjunta com a finalidade de alcançar os objetivos previstos pelo legislador constituinte;
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i. Relatividade ou limitabilidade: os direitos fundamentais não têm natureza absoluta.
4. A NORMA DE DIREITO FUNDAMENTAL
Para Alexy19 (2008), um dos maiores estudiosos do tema, faz distinção entre as posições jusfundamentais definitivas e as posições jusfundamentais prima facie. Como posições jusfundamentais definitivas, concebe o autor como sendo aquelas relativas à dimensão subjetiva do núcleo essencial dos direitos fundamentais, ou seja, aquelas posições jurídicas capazes de gerar direitos subjetivos advindos da incidência direta dos elementos fáticos do caso concreto sobre o texto da norma.
Já as posições jusfundamentais prima facie serão aquelas resultantes de um processo de ponderação, ou seja, submetidas a um sopesamento de valores a partir de cada caso concreto de per si. Ao aplicar a ponderação de valores, o intérprete capta o sentido e o alcance dos direitos constitucionais em colisão. Portanto, na moderna hermenêutica constitucional, a função do intérprete não é meramente descrever significados da letra da lei posta. Serão os elementos fáticos do caso concreto que indicarão a solução jurídica.
Para o teórico alemão não deve-se considerar normas de direito fundamental apenas aquelas extraídas da constituição, devendo-se considerar normas de direito fundamental aquelas advindas de normas infraconstitucionais, e mais, deve-se distinguir princípios de regras, já que que ambos são duas categorias de normas.20
Segundo Alexy, a distinção acima é a base da teoria da fundamentação dos direitos fundamentais e constitui elemento fundamental para os direitos fundamentais de todas as dimensões21 e conclui que:
Os princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida do possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes, desenvolvendo o conceito de mandamento de otimização, que são caracterizados por poderem ser satisfeitos em graus variados e pelo fato de que a medida devida de sua satisfação não depende somente das possibilidades fáticas, mas também das possibilidades jurídicas, estas últimas determinadas pelos princípios e regras colidentes, ao contrário das regras que contém, portanto determinação no âmbito daquilo que é fática e juridicamente possível.22 (ALEXY, 2008, p. 60).
Ou seja, na hipótese de conflito entre regras, a questão se resolve no âmbito da subsunção 23, já na colisão entre princípios que somente pode se estabelecer entre princípios válidos, o que se aplica é a ponderação através da máxima efetividade. Para Canotilho24, diferenciar princípios e regras deve-se levar em consideração o grau de abstração, a determinabilidade na aplicação ao caso concreto, o caráter de fundamentalidade no sistema de fontes do direito, os princípios como Standards e por fim a natureza normogenéticas, que se diferenciam da proposta de Alexy que uma norma é um princípio em razão da sua estrutura como um mandamento de otimização, ou seja, os princípios jurídicos são comandos normativos aplicados em diferentes graus.
Quando a questão é a colisão de princípios, Alexy rechaça a ideia de princípios absolutos, apresentando como fundamentação de sua tese ao analisar um ordenamento jurídico que inclua direitos fundamentais, argumentando que existem interesses individuais e coletivos e na existência de um princípio coletivo absoluto, logo o mesmo não poderá sofrer limitação e vice e versa.
Em breve síntese, as normas de direito fundamental possuem caráter duplo, ou seja, ao mesmo tempo podem se exteriorizar como regras ou como princípios, mas tal situação não interfere em sua jusfundamentalidade, e devem ser analisadas à luz do dirigismo constitucional, que se caracteriza pela conformação do elemento político a partir da Constituição, que se traduz no efeito explícito para a atuação do Estado.
5. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
A raiz etimológica da palavra dignidade provém do latim dignus, que é aquele que merece estima e honra. Segundo Rosenvald25 (2005):
A dignidade da pessoa humana seria um juízo analítico revelado a priori pelo conhecimento. O predicado (dignidade) que atribuo ao sujeito (pessoa humana) integra a natureza do sujeito e um processo de análise o extrai do próprio sujeito. Sendo a pessoa um fim em si – jamais um meio para se alcançar outros desideratos –, devemos ser conduzidos pelo valor supremo da dignidade. (ROSENVALD, 2005, p. 03)
Dworkin26 (SARLET, 2009, p. 36. apud DWORKIN,1998, p. 307/310) ao tratar do conteúdo da dignidade da pessoa humana, acaba reportando-se direta e expressamente à doutrina de Kant, ao relembrar que o ser humano não poderá jamais ser tratado como objeto, isto é, como mero instrumento para realização dos fins alheios, destacando, todavia, que tal postulado não exige que nunca se coloque alguém em situação de desvantagem em prol de outrem, mas sim, que as pessoas nunca poderão ser tratadas de tal forma que se venha a negar a importância distintiva de suas próprias vidas.
Atualmente, os ordenamentos jurídicos possibilitam ao ser humano o exercício de suas atividades cotidianas com dignidade e desaprova atos que atentem contra o ser humano.
Entende-se que significado de dignidade da pessoa humana está intimamente ligado ao respeito inerente a todo o ser humano. Além disso, em decorrência da sua contingência histórica e cultural, sujeita-se à evolução do processo civilizatório, em cada tempo e lugar, razão pela qual não se acha determinada em dimensão absoluta e em, razão disso é um conceito em permanente processo de construção e desenvolvimento. No entanto, em conformidade com o entendimento esposado por um dos grandes estudiosos do tema, Sarlet27 (2009) diz que “alcançar uma definição precisa do seu âmbito de proteção ou de incidência não parece ser possível, o que, por sua vez, não significa que não se possa e não se deva buscar uma definição.”.
E continua acrescentando que a dignidade da pessoa humana é “a busca de uma definição necessariamente aberta mas minimamente objetiva impõe-se justamente em face da exigência de um certo grau de segurança maior e estabilidade jurídica”28. Comunga do entendimento segundo o qual o melhor conceito jurídico de dignidade da pessoa humana deve abranger (mas não se restringir) a vedação da coisificação e destacar a dupla perspectiva ontológica e instrumental, compreendendo a sua dimensão negativa (defensiva) e a positiva (prestacional). Assim, tem-se por dignidade da pessoa humana:
a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos”29 (SARLET, 2009, 37)
Quando relacionamos a dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais, Miranda (2000, p. 180) observa em sua obra que “a constituição confere uma unidade de sentido, de valor e de concordância prática ao sistema de direitos fundamentais, que, por sua vez, repousa na dignidade da pessoa humana, isto é, na concepção que faz da pessoa fundamento e fim da sociedade e do Estado”.30
Para Sarlet31 (2004), uma vez que os direitos e garantias fundamentais encontram seu fundamento direto e imediato:
[...] na dignidade da pessoa humana, do qual seriam concretizações, constata-se que os direitos e garantias fundamentais podem ser reconduzidos de alguma forma à noção de dignidade da pessoa humana, já que todos remontam à ideia de proteção e desenvolvimento das pessoas. (SARLET, 2004, p. 79).
E complementa:
[...] em cada direito fundamental se faz presente um conteúdo ou, pelo menos, alguma projeção da dignidade da pessoa. Essa dignidade, na condição de valor fundamental, atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais de qualquer dimensão (ou geração). Como consequência, sem que se reconheçam à pessoa humana os direitos fundamentais que lhe são inerentes, em verdade estar-se-á negando-lhe a própria dignidade.32 (SARLET, 2004, p. 84-).