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Antinomia entre lei complementar e lei ordinária. Hierarquia e aplicabilidade.

Referimo-nos alhures que no caso da Lei Complementar a Constituição determina as matérias que serão tratadas. O Supremo Tribunal é assente no sentido de não haver hierarquia.

 

A lei é a fonte formal que exterioriza a norma nela contida (regras de comportamento). No Estado de Direito e com a tradição do civil law, a lei é a fonte principal do Direito. É o instrumento formal de controle social. Distingue-se dos princípios em razão do menor grau de abstração e consequente maior grau de concretização.

O princípio da legalidade que norteia o Estado de Direito está disposto genericamente no inciso II do art. 5º da nossa Constituição da República: “Ninguém será obrigado a fazer o deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei”.  No caso, o termo “lei” possui sentido amplo, abrangendo todo e qualquer ato normativo abstrato, impessoal e autorizante.

Nesse sentido, podemos afirmar que o rol elencado de atos normativos constantes no art. 59 da Constituição Federal está inserido na noção de princípio da legalidade.

A lei em sentido amplo, para ter obrigatoriedade precisa ser instrumentalizada pelo denominado processo legislativo que, em razão de sua importância, inclusive para fins de controle formal de (in)constitucionalidade poderá ser denominado de “Devido Processo Legislativo”.

Ante o princípio da Separação dos Poderes, a lei, considerada em seu sentido estrito, é produto da atividade legisferante, ou seja, resultado da atividade do Poder Legislativo, com a participação do Poder Executivo, pois ambos são munidos por agentes públicos empossados em razão da legitimação democrática.

Alguns atos normativos são exclusivos do Poder Executivo, como a Medida Provisória, o Decreto Executivo. Mas, a atividade preponderante de legislar é do Poder Legislativo (Senado e Câmara; Assembleias Legislativas; Câmara de Vereadores, Câmara Legislativa do DF).

O art. 59 da Constituição, que se estende à todas as unidades político-administrativas, elenca rol de atos normativos que serão objeto de processo legislativo. Referido artigo abre a seção VIII da Constituição, que trata do Processo Legislativo.

Nos termos expressos, o processo legislativo compreende a elaboração de emendas à Constituição; Leis Complementares; Leis Ordinárias; Leis Delegadas; Medidas Provisórias; Decretos Legislativos e Resoluções.

Apenas para informação, Lei Complementar que disporá sobre a elaboração, redação, alteração e consolidação das Leis. Num primeiro momento já sublinhamos que a própria Constituição delineia as matérias que serão objeto ou conteúdo das leis complementares.

No caso, a Lei Complementar nº 95, de 26 de fevereiro de 1998, dispõe sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis, conforme a determinação do parágrafo único do art. 59 da Constituição Federal. O Decreto nº 9.191, de 1º de novembro de 2017, estabelece as normas e as diretrizes para elaboração, redação, alteração, consolidação e encaminhamento de propostas de atos normativos ao Presidente da República pelos Ministros de Estado.

Frisamos:  a Lei Complementar nº 95/98 é uma lei nacional, aplicável à todas unidades federativas. O Decreto que a regulamenta – nº 9.191 – é ato exclusivo do Poder Executivo Federal. Portanto, referido Decreto se restringe à União, não abrangendo as demais unidades. Tal fato se deve em razão do respeito ao Princípio Federativo, que tem por essência a autonomia política, administrativa e normativa das unidades federativas, que estão no mesmo nível hierárquico dentro da Federação.

Resumindo, o Decreto em referência é um instrumento de afunilamento normativo, que comprova a existência de hierarquia entre atos normativos fora da Constituição, cuja intenção é aproximar progressivamente da aplicabilidade concreta ante os fatos postos à disposição para análise pelos hermeneutas e aplicadores.

A relação disposta no parágrafo anterior é de hierarquia entre a lei e o decreto, este com a finalidade de regulamentar a lei e torna-la concretamente aplicável ou executável.

Pois bem. A primeira indagação a que se faz é se existe hierarquia entre os atos normativos elencados no art. 59 da Constituição Federal.

 No âmbito constitucional, ou seja, sob o comparativo interno da Constituição, não há qualquer hierarquia entre essas normas.

Em verdade, cada qual trata de assunto específico disposto na própria constituição, sendo a lei ordinária ato normativo residual.

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 A emenda constitucional, por exemplo, deve ser um ato normativo que pretenda modificar a Constituição (incluindo, excluindo ou alterando artigos), logo, trata, em princípios, dos assuntos que dizem respeito ao Estado. Enquanto emenda (no curso do processo legislativo), não transformada ainda em texto constitucional, não possui hierarquia superior aos demais atos. Todavia, após a sua inclusão no texto Constitucional terá o mesmo grau hierárquico desta, inclusive, poderá servir de parâmetro para fins de controle de constitucionalidades dos demais atos normativos constantes no art. 59.

A questão a mais importante no presente assunto se relaciona à antinomia entre Lei Ordinária e Lei Complementar.

Antinomia é a contraposição ou contradição entre normas.

Referimo-nos alhures que no caso da Lei Complementar a Constituição determina as matérias que serão tratadas. O Supremo Tribunal é assente no sentido de não haver hierarquia, pois a distinção ente lei ordinária e lei complementar se dá em face da Constituição Federal, considerando-se o campo de atuação de cada uma (RE 377.457).

A distinção, todavia, não se restringe à matéria. Distinto também o quórum de aprovação. Dessa feita, a quantidade de votos para a aprovação dessas leis é distinta.

A Lei Complementar será aprovada por maioria absoluta – art. 69 da Constituição Federal.

A Lei Ordinária será aprovada por maioria simples – (art. 47 da Constituição Federal.

Abaixo algumas matérias que são restritas à lei complementar, cuja matéria não pode ser tratada por lei ordinária e nem por medidas provisórias:

É importante frisar que todas essas matérias alhures elencadas não poderão ser objeto de tratamento por medida provisório. Assim prescreve o inciso III do § 1º do art. 62 da Constituição Federal. Também não poderão ser tratadas por lei ordinária ante a competência reservada da Lei Complementar.

Vimos que à lei complementar é atribuída pela constituição determinadas matérias. Quanto à lei ordinária, a Constituição reserva competência privativa de iniciativa, como ocorre com o § 1º do art. 61, reservada ao Presidente da República.

Análise resumida de algumas possibilidades de antinomia: se a lei ordinária tratar de matéria de lei complementar após a constituição de 1988, será inconstitucional. Se Lei Complementar tratar de assunto não reservado a ela, deve-se utilizar os critérios comuns de solução: lei posterior em face da anterior, lei especial em face da geral, etc. Pode a lei ordinária ser declarada inconstitucional por tratar de matéria reservada à lei complementar. Isso faz com que grafemos sobre a possibilidade em controle difuso, de eventual afastamento de lei ordinária no caso concreto para aplicação da lei complementar

Lei Complementar poderá tratar de assunto afeto à lei ordinária, tendo em vista que esta é residual, e outra, aplica-se o apotegma de “quem pode mais pode menos”.

O professor e um dos maiores constitucionalistas do Brasil (senão o maior) Uadi Lammêgo Bulos dispõe, por fim, que a diferença entre as leis complementares e as leis comuns ou ordinárias assenta-se em duplo aspecto: formal e material. Sob o aspecto formal a distinção está na votação: lei ordinária, maioria simples; lei complementar, maioria absoluta. Do ângulo material, a lei complementar caracteriza-se pelo fato de que somente ela poderá dispor sobre um dado assunto, quando o constituinte faz menção expressa.

Ainda com o professor – posição que adotamos - em estado de latência constitucional, não há hierarquia entre as espécies normativas do art. 59 da Constituição Federal. Contudo, “depois de lançadas no mundo jurídico” há hierarquia. Cita, assim, a lei complementar em relação às leis ordinárias. Seria o caso, para nós, das matérias tributárias reservadas à lei complementar cujo conteúdo deverá ser observado pelas leis ordinárias.

Leis Complementares não podem ser revogadas por leis ordinárias. Todavia, lei complementar poderá revogar lei ordinária.

Sobre os autores
Bruno Mariano Frota

Possui graduação em Direito pela Universidade Católica de Brasília. Advogado e Servidor Público. Pós-graduado em Direito Penal e Processual Penal. Especialista em Direito Civil. Possui constante atuação na jurisdição de segundo grau junto ao TJDFT e ao TRF da 1ª Região. Foi membro integrante da Comissão de Defesa do Consumidor da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional do Distrito Federal – OAB/DF.

David Augusto Souza Lopes Frota

DAVID AUGUSTO SOUZA LOPES FROTA Advogado. Servidor Público Federal. Pós-graduado em Direito Tributário. Pós-graduado em Direito Processual. Especialista em Direito Administrativo. Especialista em Licitações Públicas. Especialista em Servidores Públicos. Foi analista da Diretoria de Reconhecimento Inicial de Direitos – INSS – Direito Previdenciário. Foi analista da Corregedoria Geral do INSS – assessoria jurídica e elaboração de pareceres em Processos Administrativos Disciplinares - PAD. Foi Analista da Diretoria de Recursos Humanos do INSS Consultoria Jurídica: Assessor Jurídico da Coordenação de Recursos Humanos do Ministério da Previdência Social – Lei nº 8.112/90. Chefe do Setor de Fraudes Previdenciárias – Inteligência previdenciária em parceria com o Departamento de Polícia Federal. Ex-membro do ENCCLA - Estratégia Nacional de Combate a Corrupção e à Lavagem de Dinheiro do Ministério da Justiça. Convidado para ser Conselheiro do Conselho de Recursos da Previdência Social - CRPS. Convidados para atuação junto ao Grupo Responsável pela Consolidação dos Decretos Federais da Presidência da República. Assessor Jurídico da Coordenação Geral de Recursos Logísticos e Serviços Gerais do MPS - COGRL. Elaboração de Minutas de Contratos Administrativos. Elaboração de Termos de Referência. Pregoeiro. Equipe de Apoio. Análise Jurídica das demandas de controle interno e externo do Ministério da Fazenda. Análise das demandas de Controle Interno e Externo do Ministério da Fazenda - SPOA. Assessor Jurídico da Coordenação Geral do Logística do Ministério da Fazenda - CGLOG – SPOA. Assessor Jurídico da Superintendência do Ministério da Fazenda no Distrito Federal - SMF-DF. Membro Titular de Conselho na Secretaria de Direitos Humanos para julgamento de Processos. SEDH. Inteligência na Agência Brasileira de Inteligência - ABIN. Consultoria e Advocacia para prefeitos e demais agentes políticos. Colaborador das Revistas Zênite, Governet, Síntese Jurídica, Plenus. Coautor de 3 livros intitulados "O DEVIDO PROCESSO LICITATÓRIO" tecido em 3 volumes pela editora Lumen Juris.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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