4 A EMPRESA PÚBLICA;
Na definição estabelecida pelo art. 5º, II, do Decreto-Lei nº 200, de 25/02/1967, na redação do Decreto-Lei 900/69, a empresa pública é a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, com patrimônio próprio e capital exclusivo da União, criada por lei para a exploração de atividade econômica que o Governo seja levado a exercer por força de contingência administrativa, podendo revestir-se de qualquer das formas admitidas em direito.
A rigor, a empresa pública pode seguir a estrutura de sociedade civil ou sociedade comercial, disciplinada pelo Direito Empresarial, ou ainda, de forma inédita prevista na lei singular que a instituiu. Na esfera federal têm sido criadas empresas públicas com formas inéditas (exemplo, empresa pública unipessoal). Quanto aos Estados e Municípios, não sendo alcançados pela norma do Decreto-Lei 200/1967 e na ausência de lei de âmbito nacional dispondo da mesma forma, poderiam adotar uma das modalidades de sociedade já disciplinada pela legislação comercial. Para tanto, segue a analise jurídica da empresa pública.
4.1 A criação da empresa pública;
A base de relação dos bens das empresas públicas e das sociedades de economia mistas tem sempre que ser observado o estatuto que a constituíram, para, assim, ser apreciado e analisado sua criação e as diferenças. Quanto aos bens das sociedades de economia mista, ja manifestamos no itens 3, 3.1 e 3.2 acima.
O art. 5º, inciso II, do Decreto-Lei nº 200, de 25/02/1967, deu a definição legal da Empresa Pública como entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado com patrimônio próprio e capital exclusivo da União. Logo, há que se observar que, ao tratarmos da definição da empresa pública, que o termo capital exclusivo da União, já fora objeto de críticas, uma vez que o art. 5º, do Decreto-Lei nº 900, de 29.12.69, que alterou o Decreto-Lei nº 200/67, permitiu que o capital da empresa pública, fosse integrado com a participação de outras pessoas jurídicas do direito público interno, bem como de entidades da Administração Indireta da União, Estados, Distrito Federal e Municípios.
Manifestamos o nosso entendimento no sentido de que, pelo menos, 51% do capital da empresa pública seja integralizado exclusivamente pela União, podendo os demais 49%, serem integralizados pelos demais entes da Administração.
Porém, na prática, constatamos que em todas as empresas públicas que foram criadas e que se encontram em atividade, não detectamos a participação de outros entes da Administração, ou seja, o capital das empresas públicas é integralizado exclusivamente pela União.
A formação inicial do capital da empresa pública decorre de previsão legal contida na lei instituidora ou criadora da empresa pública, podendo ser representado pela incorporação dos bens móveis e imóveis pertencentes à União, ou dos demais entes públicos. Poderá ser aumentado o capital pela incorporação de dotações orçamentárias e créditos adicionais; pela incorporação de reservas ou fundos disponíveis da empresa; pela reavaliação do ativo; pelas desapropriações de bens.
Na hipótese de constituição de subsidiárias, estas, por constituírem o seu capital com bens e direitos da empresa pública, ficarão sujeitas às mesmas regras e condições da empresa pública, inclusive com a fiscalização do TCU, na medida em que recebem recursos públicos.
O patrimônio da empresa pública é público na sua origem, uma vez que são integralizados por bens públicos que lhe são transferidos por ocasião de sua criação ou instituição. Entretanto, esses bens podem ser onerados, penhorados ou ainda estarem sujeitos ao concurso de credores?
O § 1º, do art. 173, da Constituição Federal estabelece que “a lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre: I- sua função social e formas de fiscalização pelo Estado e pela sociedade ; II- a sujeição ao regime jurídico das empresas privadas, inclusive quanto a direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários; III- licitação e contratação de obras, serviços, compras e alienações, observados os princípios da administração pública; IV- a constituição e o funcionamento dos conselhos de administração e fiscal com a participação de acionistas minoritários; V- os mandatos, a avaliação de desempenho e a responsabilidade dos administradores”.
Por sua vez, dispõe o art. 175, da Constituição Federal que “Incumbe ao Poder Público, na forma da lei diretamente ou sob o regime de concessão ou permissão, sempre por meio de licitação, a prestação de serviços públicos”.
A transcrição destes dispositivos é necessária porque alguns autores fazem distinções quanto às empresas públicas e sociedades de economia mista que prestam serviços públicos em relação às empresas públicas e sociedades de economia mista que exercem atividade econômica de natureza mercantil ou industrial, com a produção de bens, para saber, se estas ou aquelas, podem ter seus bens penhorados, ou quais estariam sujeitas à Lei de Falências.
Ora, seja para realizar um serviço público, seja para realizar uma atividade econômica de produção e comercialização de bens, de forma direta pelo Estado, este se socorre dos instrumentos de ação que se encontram à sua disposição. Na atividade econômica o Estado se utiliza, via de regra, das empresas públicas e sociedades de economia mista, que só podem ser criadas quando atendidos aos imperativos de segurança nacional ou a relevante interesse coletivo (art. 173, “caput” da CF), já comentado. Tratando-se de serviço público, o Estado pode realizá-lo diretamente, pelos órgãos que compõe a Administração ou ainda, pelas empresas estatais instituídas para tal finalidade, ou finalmente, pelo regime de concessão ou permissão. Nada impede, porém, que a empresa pública possa ser criada com a finalidade de prestação e exploração dos serviços públicos, conforme pode se depreender do § 6º, do art. 37, da Constituição Federal.
Seja para produção e comercialização de bens, seja para prestar um serviço público, o Estado pode se valer, de uma sociedade de economia mista ou de uma empresa pública para a consecução de seus objetivos. O que definirá se esta ou aquela empresa pode ter seus bens penhorados ou estar sujeita à Falência não é a atividade econômica ou o serviço público prestado, mas sim, a natureza da empresa estatal, bem como o princípio da especificidade e o interesse público envolvidos.
Sujeitando-se as sociedades de economia mista à Lei das Sociedades Anônimas, já foi observado que seus bens podem ser penhorados, entretanto, a sociedade não estará sujeita a Falência, conforme se constatou na analises do revogado art. 242, da Lei 6.404/1976 e pelo art. 2º, da Lei nº 10.303, de 31/10/2001. A não sujeição ao regime falimentar, decorre do fato de existir o interesse público na sociedade de economia mista quando o Estado é detentor de, pelo menos, 51% do capital votante da sociedade.
No que se refere às empresas públicas, alguns autores chegaram a sustentar que estas estariam sujeitas à Lei de Falências, o que ousamos discordar. Em primeiro lugar porque, tanto a sociedade de economia mista como a empresa pública, são criadas por lei (art. 37, XIX, CF) e somente por outra lei é que tais sociedades podem ser extintas (art. 2º, Decreto-Lei nº 4.657 de 04/09/42, Lei de Introdução à Normas do Direito Brasileiro - LINDB). Em segundo lugar, é princípio consagrado no Direito, a hierarquia das Leis, e assim, inconcebível que um juiz monocrático, por mais nobre que seja a sua função, tivesse o poder de exarar sentenças revogando leis, o que, se viesse ser concretizado, constituiria, além da insegurança jurídica, a falência do próprio Direito, na medida em que, a revogação de lei, é prerrogativa do Congresso Nacional.
Em terceiro lugar, sujeitando-se a empresa pública à Lei de Sociedade por Ações, à época, a míngua de outra lei que regulasse suas atividades, também não estaria sujeita à falência, por extensão do comentado art. 242, da Lei nº 6.404/1976. Se na sociedade de economia mista não é possível a sujeição à lei falimentar, por constituir esta da maioria de capital público, com muito mais razão, não se sujeita a falência a empresa pública, que possui em seu capital, a integralidade do capital público. Neste sentido, transcrevemos a propósito, o despacho concessivo e, posteriormente confirmado em Mandado de Segurança nº 454300-4, da lavra do eminente juiz e, a época Vice-Presidente do 1º Tribunal de Alçada de São Paulo, Dr. Osvaldo Caron em 27/04/1990, envolvendo a Empresa Pública IMBEL, que assim se pronunciou:
Processe-se o Mandado de Segurança. Cuida-se de empresa pública federal. Citada ante os termos de ação de execução por duplicatas (presumivelmente mercantis) ingressou nos autos, sem efetuar o pagamento do débito, depositar a importância reclamada ou nomear bens à penhora (art. 2º, inciso I da Lei de Falências) requerendo a remessa do feito à Justiça Federal competente para processar e julgar as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal, forem interessadas na condição de autoras, rés assistentes ou oponentes, exceto às de falência e outras, como expressamente previsto em regra constitucional (art. 109, inciso I, da Constituição da República). Determinada pelo MM. Juízo da execução a manifestação da credora, esta entendeu incabível a remessa dos autos à Justiça Federal e com base no art. 2º, I, do Decreto 7661 de 21 de junho de 1945, requereu fosse decretada a quebra da devedora (CF relatório da rep. Decisão reproduzida à fl. 16). Houve por bem o MM. Juiz impetrado, diante disso, ordenar a remessa dos autos à uma da Varas Cíveis Centrais da Capital competente para o processamento e julgamento de ação em matéria falimentar. Daí a impetração do mandamus.
Contudo, se a sociedade de economia mista que é o menos, visto admitir a participação de particulares no seu capital – não é susceptível de falência, nos expressos termos do art. 242 da Lei das Sociedades por Ações, pode-se afirmar como também insusceptível de falência a empresa pública – que representa o mais, por ter capital exclusivamente público. Escrevendo sobre as sociedades de economia mista, deixou assentado o Professor Rubens Requião ser inconcebível que uma sociedade constituída de capitais particulares e públicos estivesse sujeita à falência- como no Direito anterior- pois a obrigação do Estado seria necessariamente a de provocar sua dissolução, em face de sua falência (Curso de Direito Falimentar, 1º vol., pág. 54, Saraiva, 1979). Muito mais o seria a empresa pública. Suspendo o ato impugnado, ordenando as providências no sentido da permanência do feito do juízo impetrado.
Não bastasse a convicção que defendemos, que as empresas públicas, sejam elas exercentes de uma atividade econômica de produção ou de comercialização de bens, sejam elas prestadoras de serviços, não estarem sujeitas à Lei de falências, é absolutamente necessário registrar que, caso fosse possível a submissão hipotética ao revogado Decreto-Lei nº 7.661 de 21/06/45, então, as sociedades de economia mista e, notadamente, as empresas públicas, sujeitando-se ao regime de direito privado, poderiam auferir os benefícios da Concordata Preventiva ou da Concordata Suspensiva, prevista no citado diploma falimentar. Ao longo de todo o estudo que realizamos, não se tem qualquer registro de falência, ou mesmo de deferimento de concordata, pertinente à empresa pública e sociedade de economia mista.
Quando se procura distinguir se a empresa pública realiza atividade econômica para a produção ou comercialização de bens ou realiza a prestação de um serviço, para configurar a sujeição à Lei de Falências, constitui-se um paradoxo, já que existem leis instituidoras de empresas públicas, nas quais, são previstas, ambas finalidades, atividade econômica e prestação de serviços. Neste caso qual seria a solução? Por outro lado, existem empresas que por sua natureza não realizam uma atividade econômica mercantil e muito menos podem ser consideradas como uma prestação de serviços nos moldes clássicos; são os chamados bancos de fomento, BNDES e Caixa Econômica Federal, que são fiscalizados pelo Banco Central, e por óbvio não se submetem à Lei de falências.
Mas, a verdade é que não se tem notícia de falências decretadas contra empresas públicas, de qualquer espécie”[14], e muito menos se ouviu ou registrou-se até hoje deferimento de concordata preventiva a qualquer uma delas, caso pudessem hipoteticamente submeterem-se ao revogado Decreto-Lei nº 7.661/1945, não obstante sujeitarem-se ao regime jurídico das empresas privadas.
Nesta perspectiva, foi editada a Lei nº 11.101, de 09/02/2005, que regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, que revogou o Decreto-Lei nº 7661/1945, estabelecendo no seu art. 2º, inciso I, in verbis:
Art. 2o Esta Lei não se aplica a:
I – empresa pública e sociedade de economia mista;
II – instituição financeira pública ou privada, cooperativa de crédito, consórcio, entidade de previdência complementar, sociedade operadora de plano de assistência à saúde, sociedade seguradora, sociedade de capitalização e outras entidades legalmente equiparadas às anteriores.
Urge destacar que, via de regra, nas hipóteses do processo falimentar, uma das fases é a arrecadação dos bens da empresa falida, e depois de avaliados, estes serão levados à leilão público, para aqueles interessados que ofertar e pagar o melhor valor, em prol da Massa Falida, para que esta, realize os pagamentos de salários dos empregados, dos fornecedores e demais credores, que devidamente se habilitaram no processo. Não há como imaginar a venda de bens das empresas públicas em hasta pública. Imagine uma falência da empresa pública Casa da Moeda do Brasil (CMB), o maquinário e as instalações para produção de dinheiro poderiam ser adquiridos por terceiros, que poderiam deter o poder de produzir o dinheiro do país, e ou desviá-lo para fins ilícitos, para facções como, por exemplo, o Comando Vermelho ou o Primeiro Comando da Capital.
Neste mesmo argumento, o que dizer então uma falência da empresa pública IMBEL, cujo maquinário e as instalações para produção de material de defesa e segurança, como armamentos e material explosivo, poderiam ser adquiridos por terceiros, que igualmente, poderiam deter o poder de produzir os produtos defesa para o país, ou desviá-lo para fins ilícitos, para facções como, por exemplo, o Comando Vermelho ou o Primeiro Comando da Capital.
Por estas e outras razões, portanto, é que hoje as sociedades de economia mista e as empresas públicas, não estão sujeitas à Lei de Falências. Por fim, a Lei nº 13.303, de 30/06/2016, Lei das Estatais, trás a seguinte definição da empresa pública, conforme determina no seu art. 3º, in verbis:
Art. 3o Empresa pública é a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, com criação autorizada por lei e com patrimônio próprio, cujo capital social é integralmente detido pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios.
Parágrafo único. Desde que a maioria do capital votante permaneça em propriedade da União, do Estado, do Distrito Federal ou do Município, será admitida, no capital da empresa pública, a participação de outras pessoas jurídicas de direito público interno, bem como de entidades da administração indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
Classificada como Empresas Públicas, há um total de 30 empresas atuantes no Brasil, na esfera federal, segundo as informações extraídas pelo portal SIEST - Sistema de Informação das Estatais, no dia 12/10/2017. As Empresas Públicas terão a participação inteiramente do Estado na constituição do seu capital social, ou seja, o capital é inteiramente publico, proveniente de recursos do Tesouro nacional. As Empresas Públicas poderão também explorar atividade econômica ou prestação de serviços, como é o caso da Caixa Econômica Federal - CEF, EMBRAPA, BNDES, IMBEL, DATAPREV, SERPRO, EBCT, entre outras, porém, sempre regido pelo Direito Privado, nos exatos termos do § 1º, inciso II, do art., 173, da Constituição Federal, sem, entretanto, ter qualquer privilégio fiscal, tendo, em tese, as mesmas obrigações de uma empresa privada, ressalvando-se a aplicação concorrente do Direto Público, como por exemplo, o concurso público para admissão dos seus empregados, licitações para aquisição de produtos e serviços, fiscalização pelo TCU, entre outras obrigações da Administração Pública.
A Empresa Pública, não está elencada como sociedade de direito privado, a que se refere inciso II, do art. 44, do Código Civil Brasileiro. Porém, a sua instituição está prevista no inciso XIX, do art. 37, da Consttiuição Federal, que determina que somente por lei específica, poderá ser criada autarquia e autorizada a instituição de empresa pública, de sociedade de economia mista e de fundação, cabendo à lei complementar, neste último caso, definir as áreas de sua atuação.
Pelo art. 3º , da Lei nº, 13.303, Lei das Estatais, está definido que a Empresa pública é a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, com criação autorizada por lei e com patrimônio próprio, cujo capital social é integralmente detido pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, e, desde que a maioria do capital votante permaneça em propriedade da União, do Estado, do Distrito Federal ou do Município, será admitida, no capital da empresa pública, a participação de outras pessoas jurídicas de direito público interno, bem como de entidades da administração indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
Pelo art. 7º, da mesma Lei 13.303/2016, está estabelecido que aplicam-se à todas as empresas públicas, as sociedades de economia mista de capital fechado e as suas subsidiárias, as disposições da Lei no 6.404, de 15 de dezembro de 1976, Lei das SA, e as normas da Comissão de Valores Mobiliários, sobre escrituração e elaboração de demonstrações financeiras, inclusive a obrigatoriedade de auditoria independente por auditor registrado nesse órgão, o que significa dizer, que é necessário também proceder o registro do seu ato constitutivo ou estatuto social e suas alterações, das empresas públicas, perante o Registro do Comércio (Junta Comercial).
4.2 Os bens da Empresa Pública;
A recente Lei das Estatais (Lei nº 13.303) promulgada em 30/06/2016, tem como finalidade dispor sobre o estatuto jurídico de empresas públicas, sociedades de economia mista e suas respectivas subsidiárias no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
A partir de uma perspectiva híbrida, que incorpora aspectos do Direito Privado e do Direito Público, em face do que dispõe o art. art. 173, § 1º, II, da c/c art. 37, da Constituição Federal, a novel legislação disciplina a administração destas empresas e busca favorecer sua eficiência, ao estabelecer uma série de mecanismos de governança corporativa e de transparência, inclusive estabeleceu regras próprias para a realização de licitações, para aquisição de bens e serviços, a ser seguida pelas empresa estatais.
Todavia, a Lei das Estatais, não definiu se os bens das empresas públicas, são públicos ou privados, necessitando, pois, de uma analise jurídica, socorrendo-se dos subsídios da hermenêutica, que consiste na arte ou técnica de interpretar e explicar um texto, para a compreensão e definição sobre os bens das empresas públicas, se são, efetivamente, públicos ou privados.
Dispõe os artigos 98 à 103 do novo Código Civil:
Art. 98: São públicos os bens de domínio nacional pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno; todos os outros são particulares, seja qual for a pessoa a que pertencem.
Art. 99:São bens públicos:
I- os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças;
II- os de uso especial, tais como edifícios ou terrenos destinados a serviços ou estabelecimento de administração federal, estadual, territorial ou municipal, inclusive os de suas autarquias.
III- os dominicais, que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público, como objeto de direito pessoal, ou real, de cada uma dessas entidades.
Parágrafo único- Não dispondo a lei em contrário consideram-se dominicais os bens pertencentes às pessoas jurídicas de direito público a que se tenha dado estrutura de direito privado. (grifamos);
Art. 100: Os bens públicos de uso comum do povo e os de uso especial são inalienáveis, enquanto conservarem a sua qualificação, na forma que a lei determinar.
Art. 101: Os bens públicos dominicais podem ser alienados, observada as exigências da lei.
Art. 102: Os bens públicos não estão sujeitos a usucapião.
Art. 103: O uso comum dos bens públicos pode ser gratuito ou retribuído, conforme for estabelecido legalmente pela entidade a cuja administração pertencem.
Como pode ser observado, no Código Civil Brasileiro, a classificação dos bens públicos são os de uso comum, os de uso especial e os dominicais. Assim, quando autorizada a instituição de empresas públicas, o patrimônio que integrará o capital destas entidades, será transferido por determinação da própria Lei instituidora ou mediante Decreto do Poder Executivo. Pela natureza da empresa pública, não há que se falar sobre os bens de uso comum.
Os bens públicos, que constituem a formação do patrimônio transferido, pela natureza específica de seu objeto, não poderão ser classificados como bens de uso comum e tampouco, como de uso especial. Logo, a nosso ver, a transferência dos bens públicos, para a formação do capital das empresas públicas, em tese, só poderiam ser classificados como bens públicos dominicais, até pela ausência de outra classificação prevista no Código Civil Brasileiro.[15]
Quanto aos bens públicos de uso especial, a Prof.ª Maria Sylvia Di Pietro[16], menciona que “os bens de uso especial são todas as coisas, móveis ou imóveis, corpóreas ou incorpóreas, utilizadas pela Administração Pública para realização de suas atividades e consecução de seus fins”.
Por conseguinte, são bens de uso especial não só os edifícios públicos ou os terrenos (bens imóveis), mas também os bens móveis que sirvam à Administração Pública, na realização de seus misteres, como por exemplo, os carros oficiais, equipamentos, os computadores das repartições. Daí, porque se diz que o art. 99, inciso II, do Código Civil é numerus abertus.
Quanto aos bens dominicais (art. 99, III, CC), o Código Civil deu um tratamento mais amplo, na medida em que, o parágrafo único do artigo 99, considera com bens públicos aqueles pertencentes às pessoas jurídicas de direito público à que se tenha dado estrutura de direito privado. Ora quais seriam as pessoas jurídicas de direito público a que se tenha dado estrutura de direito privado?
O Código Civil, no seu artigo 41, § 1º, considerou como pessoa jurídica de direito público, as entidades de caráter público criadas por lei, a que se tenha dado estrutura de direito privado. Observa-se também que as empresas públicas e sociedades de economia mista, são as únicas entidades que têm a estrutura de direito privado, a teor do que dispõe o artigo 173, § 1º, II da Constituição Federal, por possuir capital misto, ou seja capital público e privado.
Assim, em tese, poderiam ser classificados como bens dominicais, os bens que integram as empresas públicas.
No que tange à classificação dos bens das empresas públicas e sociedades de economia mista, na obra de Hely Lopes Meirelles[17], constata-se a teoria de que os mesmos são considerados públicos, com destinação especial:
Quanto aos bens das empresas estatais (empresas públicas e sociedades de economia mista), entendemos que são, também, bens públicos com destinação especial e administração particular das instituições a que foram transferidos para consecução dos fins estatutários. A origem e a natureza total ou predominante desses bens continuam públicas; sua destinação é de interesse público; apenas sua administração é confiada à uma entidade de personalidade privada, que os utilizará na forma da lei instituidora e do estatuto regedor da instituição. A destinação especial desses bens sujeitam-se aos preceitos da lei que autorizou a transferência do patrimônio estatal ao paraestatal, a fim de atender aos objetivos visados pelo Poder Público criador da entidade. Esse patrimônio, embora incorporado a uma instituição de personalidade privada, continua vinculado ao serviço público, apenas prestando de forma descentralizada ou indireta por uma empresa estatal de estrutura comercial, civil ou, mesmo especial. Mas latu sensu, é patrimônio público, tanto assim que na extinção da entidade reverte ao ente estatal que o criou, e qualquer ato que o lese poderá ser invalidado por ação popular (Lei Federal 4.717/65, art. 1º).
Todavia, por ser mais razoável, alinhamos o nosso entendimento com a teoria do Prof. Hely Lopes Meireles, de que os bens das empresas públicas são públicos com destinação especial, e logo, são impenhoráveis, a teor do que dispõe o artigo 98, primeira parte, do Código Civil, pelo fato da empresa pública possuir capital exclusivo do Poder Público (art. 5º, II, do Decreto-Lei 200/1967); não estar a empresa pública sujeita à falência (art. 2º, I, da Lei 11.101/2005); no caso de liquidação seus bens retornam à União (art. 20 e 23, da Lei nº 8.029/1990; e para a existência da empresa, há interesse público para a sua instituição (art.2º da Lei 9.784/1999), pois, se assim não fosse, não seria necessária a instituição da empresa pública, podendo aquela atividade ser destinada à empresa privada.
Não obstante outras decisões, porém, em virtude da decisão proferida no Recurso Extraordinário nº 220.699-3, do C. Supremo Tribunal Federal, constantes do nosso Artigo: “OS BENS DAS EMPRESAS ESTATAIS SÃO BENS PÚBLICOS OU SÃO BENS PRIVADOS? BREVES REFLEXÕES: Parte2: A nova Lei e os Bens das empresas estatais”, item 4, tornaram-se impenhoráveis os bens da empresa pública.
4.3 O interesse Público e a supremacia do interesse público;
Para se compreender a teoria sustentada por Meirelles, de que os bens das empresas públicas são públicos de destinação especial, é necessário verificar que, para tal mister, a existência do interesse público ou da supremacia do interesse público.
O interesse público. Neste sentido, a Lei nº 9.784, de 29/01/1999, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, que trata do Processo Administrativo, prevê expressamente no seu artigo 2º, caput, o princípio do interesse público:
Art. 2º. A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência”. (grifo nosso).
O conceito de interesse público é muito amplo, e, assim, constitui matéria de extrema dificuldade entre os doutrinadores. Não obstante o decurso do tempo, não se conseguiu definir ao certo, o que seria interesse público, caracterizando-se, desse modo, um conceito indeterminado. Os significados podem variar, pois, há aqueles que entendem que é um interesse contraposto ao interesse individual, outros, defendem que é a somatória de interesses individuais, passando pela soma de bens e serviços, bem como, o conjunto de necessidades humanas indispensáveis na vida do particular.
Faz-se necessário compreender o significado de interesse público, uma vez que, atender à essa demanda, é o objetivo principal da Administração Pública. Há que se estabelecer o que se atribuiu o interesse público ao Estado, por ser público, compreendendo, que todo o interesse público seria estatal e todo o interesse estatal seria público, entendimento este incompatível com a Constituição Federal, uma vez que o Estado existe para atender as prescrições coletivas e é o aparelho de consumação dos interesses públicos. Conforme sustenta o Prof. Rafael Oliveira, Pós-Doutor pela Fordham University School of Law, New York, Doutor em Direito pela UVA, RJ, Mestre em Teoria do Estado e Direito Constitucional pela PUC-RJ, o interesse público pode ser dividido em duas categorias[18]:
a) interesse público primário: relaciona-se com a necessidade de satisfação de necessidades coletivas (justiça, segurança e bem-estar) por meio do desempenho de atividades administrativas prestadas à coletividade (serviços públicos, poder de polícia, fomento e intervenção na ordem econômica); e
b) interesse público secundário: é o interesse do próprio Estado, enquanto sujeito de direitos e obrigações, ligando-se fundamentalmente à noção de interesse do erário, implementado por meio de atividades administrativas instrumentais necessárias para o atendimento do interesse público primário, tais como as relacionadas ao orçamento, aos agentes público e ao patrimônio público.
Hely Lopes Meireles[19], ao analisar o interesse público ou a supremacia do interesse público, afirma que:
O principio do interesse público está intimamente ligado ao da finalidade. A primazia do interesse público sobre o privado é inerente à atuação estatal e domina-a, na medida em que a existência do Estado justifica-se pela busca do interesse geral, ou seja, da coletividade; não do Estado ou do aparelhamento do Estado. Esse interesse público prevalente é extraído da ordem jurídica em cada caso concreto; dai a dificuldade que os autores enfrentam para a sua definição. Em razão dessa inerência, deve ser observado mesmo quando as atividades ou serviço público forem delegados a particulares.
De acordo com a doutrina clássica, que hoje tem como representante mais ilustre no Direto brasileiro, o Professor Celso Antônio Bandeira de Mello[20], afirma que:
(...) ao se pensar em interesse público, pensa-se, habitualmente, em uma categoria contraposta à de interesse privado, individual, isto é, ao interesse pessoal de cada um. Acerta-se em dizer que se constitui no interesse do todo, ou seja, do próprio conjunto social, assim como acerta-se também em sublinhar que não se confunde com a somatória dos interesses individuais, peculiares de cada qual. Dizer isto, entretanto, é dizer muito pouco para compreender-se verdadeiramente o que é interesse público.
A Professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro[21], ao se referir de interesse público, afirma que:
(...) as normas de direito público, embora protejam reflexamente o interesse individual, tem o objetivo primordial de atender ao interesse público, ao bem-estar coletivo. Além disso, pode-se dizer que o direito público somente começou a se desenvolver quando, depois de superados o primado do Direito Civil (que durou muitos séculos) e o individualismo que tomou conta dos vários setores da ciência, inclusive a do Direito, substituiu-se a idéia do homem com fim único do direito (própria do individualismo) pelo princípio que hoje serve de fundamento para todo o direito público e que vincula a Administração em todas as suas decisões: o de que os interesses públicos tem supremacia sobre os individuais.
Assim, na hipótese de evidência do interesse público, decorrerá o principio da indisponibilidade do interesse público, segundo o qual, a Administração Pública não poderá dispor desse interesse geral da coletividade, nem renunciar à poderes que a lei lhe deu para tal tutela, mesmo porque, ela não é titular do interesse público, cujo titular é o Estado, que é o representante da coletividade.
A supremacia do interesse público. No que tange ao princípio da supremacia do interesse público, o Professor Celso Antônio Bandeira de Mello[22], afirma que:
o princípio da Supremacia do Interesse Público sobre o Particular é não apenas um princípio jurídico de aplicação a diversos casos concretos, ele é mais do que isso: é um postulado de todo o Direito Público e, conseqüentemente, também do Direito Administrativo, cujo sistema se delineia, se constrói, exatamente em função da consagração dos princípios da Supremacia do Interesse Público sobre o Interesse Privado e o da Indisponibilidade dos Interesses Públicos pela Administração, que seriam as “pedras de toque”, as “pedras angulares”, os pilares do Direito Administrativo moderno.
Isto se justifica, porque o primeiro proclama a superioridade do interesse da coletividade, firmando sua prevalência sobre o interesse do particular, como pressuposto de uma ordem social estável, em que todos e cada um, possam sentir-se garantidos e resguardados; e o segundo, porque parte do pressuposto de que a Administração possui poderes-deveres, ou seja, a ela são concedidos determinados poderes como meios para alcançar uma finalidade previamente estabelecida pela ordem jurídica, que é defesa do interesse público, da coletividade como um todo, e não da entidade governamental em si mesma considerada.
São poderes que a Administração Pública não pode deixar de exercer, portanto, sob pena de responder pela omissão, ao mesmo tempo em que devem ser exercidos sem excessos, o que, contrariamente a isto, caracterizar-se-ia em abuso. É o princípio da Supremacia do Interesse Público sobre o Particular, portanto, que justifica a própria existência do Direito Administrativo, enquanto ramo do Direito Público, que rege as relações da Administração com os administrados e que tem como norte, a persecução e consecução do bem comum.
Por outro lado, ainda que a Lei nº 13.303/2016, Lei das Estatais, não tenha definido se os bens das empresas públicas seriam públicos ou privados, vale observar o que dispõe o parágrafo único do art. 3º, e o artigo 49, in verbis:
Art. 3o Empresa pública é a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, com criação autorizada por lei e com patrimônio próprio, cujo capital social é integralmente detido pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios.
Parágrafo único. Desde que a maioria do capital votante permaneça em propriedade da União, do Estado, do Distrito Federal ou do Município, será admitida, no capital da empresa pública, a participação de outras pessoas jurídicas de direito público interno, bem como de entidades da administração indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
Art. 49. A alienação de bens por empresas públicas e por sociedades de economia mista será precedida de:
I - avaliação formal do bem contemplado, ressalvadas as hipóteses previstas nos incisos XVI a XVIII do art. 29;
II - licitação, ressalvado o previsto no § 3o do art. 28.
Vale dizer, pela simples leitura do § único do art. 3º, da Lei das Estatais, observa-se que o capital social das empresas públicas, é constituído por direitos pertencentes à entidade que instituiu a empresa pública (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), admitindo-se a participação de outras pessoas jurídicas de direito público interno, bem como de entidades da administração indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, ou seja, o capital da empresa pública é público na sua essência, constituído por bens e valores, na medida em que, todos os entes integram a Administração Direta (art. 37, da CF) ainda que se tenha dado o caráter de Direito Privado para a consecução de suas atividades (art.173, § 1º, da CF).
4.4 A alienação dos bens da Empresa Pública;
Alienar significa transferir a outrem, por ato voluntário, o domínio de alguma coisa e quando se observa um bem público, o objeto dessa transferência pode ser um bem móvel ou imóvel, que integra o acervo patrimonial da Administração Pública Direta e Indireta ou fundacional da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios. Bens públicos, portanto, também podem ser vendidos, doados, permutados, dados em pagamento etc. Transfere-se do patrimônio de uma entidade pública para o de outra entidade pública ou privada, pessoa física ou jurídica. Na hipótese de alienação dos bens das empresas públicas, há que se observar as disposições do art. 49, da Lei nº 13.303, de 30/06/2016, Lei da Estatais.
Corrobora esse entendimento de que os bens das empresas públicas sejam considerados públicos a disposição dos artigos, 20 e 23, da Lei nº 8.029, de 12/04/1990, que tratam da extinção e dissolução de entidades da administração Pública Federal, in verbis:
Art. 21. Nos casos de dissolução de sociedades de economia mista, bem assim nos de empresas públicas que revistam a forma de sociedades por ações, a liquidação far-se-á de acordo com o disposto nos arts. 208 e 210 a 218, da Lei n° 6.404, de 15 de dezembro de 1976, e nos respectivos estatutos sociais. (Renumerado do art. 18 pela Lei nº 8.154, de 1990)
Art. 23. A União sucederá a entidade, que venha a ser extinta ou dissolvida, nos seus direitos e obrigações decorrentes de norma legal, ato administrativo ou contrato, bem assim nas demais obrigações pecuniárias. (Renumerado do art. 20 pela Lei nº 8.154, de 1990)
Pela simples leitura dos arts. 21 e 23 da Lei nº 8029/1990, todos os direitos e ações reverterão para União, nos exatos termos do art. 23, da citada Lei, que dispõe sobre a extinção e dissolução de entidades da administração e demais alterações posteriores, que determina que "a União sucederá a entidade, que venha a ser extinta ou dissolvida, nos seus direitos e obrigações decorrentes de norma legal, ato administrativo ou contrato, bem assim nas demais obrigações pecuniárias.
Vale dizer, no caso de extinção ou liquidação de uma empresa pública, os seus bens retornam como bem público ao patrimônio do seu ente que a instituiu, vale dizer, União, Estado, Distrito Federal e Município.
Finamente, vale registrar que os bens públicos não estão sujeitos ao instituto da usucapião, pela disposição do art. 183, da Constituição Federal e a teor da Súmula 340, do STF, a saber:
Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
§ 1º O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil.
§ 2º Esse direito não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.
§ 3º Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.
Assim, decorre a Súmula 340, do STF:
Desde a vigência do Código Civil, os bens dominicais, como os demais bens públicos, não podem ser adquiridos por usucapião.
Neste sentido, já se posicionou o STF:
"No que concerne à discussão em torno da posse do imóvel propriamente dito, cabe lembrar que, entre as características que envolvem os bens submetidos ao regime jurídico de direito público, podem-se referir sua inalienabilidade e sua imprescritibilidade, regras preservadas nos arts. 100 a 102 do Código Civil e na Súmula STF n. 340. 'Súmula 340. Desde a vigência do Código Civil, os bens dominicais, como os demais bens públicos, não podem ser adquiridos por usucapião.' 16. Dessa forma, inexistência de lei federal autorizativa impede que sobre o imóvel se pratiquem atos de posse. Além disso, os atos de mera permissão ou tolerância, como esclarece Tito Fulgêncio, 'em si seriam suscetíveis de constituir uma apreensão de posse, mas não engendram nenhum direito de posse, não produzem seus naturais efeitos, porque não se fundam em obrigação preexistente, (...)' . Nesses termos, o artigo 1.208 do Código Civil estabelece que: 'Art. 1208. - Não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância assim como não autorizam a sua aquisição os atos violentos, ou clandestinos, senão depois de cessar a violência ou clandestinidade'." (ACO 685, Relatora Ministra Ellen Gracie, Tribunal Pleno, julgamento em 11.12.2014, DJe de 12.2.2015)".
"Consoante apontado na aludida decisão, a questão dos autos cinge-se em aferir se o bem imóvel situado na Praia do Forte - SC, e vindicado pela parte ora agravante, estaria sujeito à aquisição por usucapião, restando incontroverso a posse mansa e pacífica por mais de vinte anos pela família desse, além de terceiros. A ação foi julgada improcedente na origem, e confirmada em sede de apelação, uma vez que há prova nos autos que dão conta ser a UNIÃO a legítima dona do terreno, este contido em uma área maior conforme assentado nos autos por meio de prova pericial, e, nos termos da atual Constituição, são insuscetíveis de prescrição aquisitiva, ou até mesmo antes dela, dado o entendimento sufragado por esta Suprema Corte na Súmula 340/STF: 'Desde a vigência do Código Civil (1916 - Beviláqua), os bens dominicais, como os demais bens públicos, não podem ser adquiridos por usucapião'. (AI 852804 AgR, Relator Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgamento em 4.12.2012, DJe de 1.2.2013)".
Não remanescem dúvidas que, à luz do disposto no art. 183, § 3º, da Constituição Federal e no art. 101, do Código Civil Brasileiro, que o ordenamento jurídico nacional exclui os bens públicos da possibilidade de usucapião. Mesmo quando se tratar de empresa pública, dotada de personalidade jurídica de Direito Privado, mas como ente integrante da Administração Indireta, seus bens, por estarem afetados à um interesse público, ou mais, especialmente, à um serviço público ou serviço público industrial, necessariamente, os tornam ao regime jurídico de Direito Público.
É certo que os bens públicos a que se refere o art. 99, do Código Civil Brasileiro, tem um tratamento peculiar no ordenamento jurídico, em relação com os bens privados, e, as características que identificam esses bens são a inalienabilidade, a impenhorabilidade, a imprescritibilidade e a impossibilidade de oneração dos bens públicos, numa análise clássica de se avaliar o problema o jurídico. Todavia, os bens das empresas públicas são públicos de destinação especial, e logo, são impenhoráveis, a teor do que dispõe o art. 98, primeira parte, do Código Civil, pelo fato da empresa pública possuir capital exclusivo do Poder Público, porém, podem ser alienados, por força do que dispõe o art. 49, Lei nº 13.303, 30/06/2016.
É digno de registro que os bens, móveis ou imóveis, que integram o patrimônio das empresas estatais, para a realização de uma atividade econômica de produção e comercialização de bens ou para prestação de um serviço público, nem sempre é aconselhável a sua manutenção nos ativos das empresa, já que muitas vezes, as adaptações necessárias ao desenvolvimento, a inovação tecnológica, o conhecimento e as práticas de gestão corporativa, necessitam da inexorável atualização e modernização dos equipamentos (bens móveis) e de determinados imóveis, para uma nova realidade, de modo a evitar a natural obsolescência e o sucateamento do complexo conjunto de sistemas e métodos de atuação dos seus bens, que integram as empresas estatais, razão pela qual, quando necessário, deve-se proceder a alienação dos seus bens públicos.
Não remanescem dúvidas, a arte de interpretar as leis chama-se hermenêutica. No festejado magistério do saudoso Carlos Maximiliano[23], in Hermenêutica e Aplicação do Direito, afirma que: (...)
Toda lei é uma obra humana e aplicada por homens; portanto imperfeita na forma e no fundo, e dará duvidosos resultados práticos, se não verificarem, como esmero o sentido e o alcance das suas prescrições. Incumbe ao intérprete àquela difícil tarefa. Procede à análise e também a reconstrução ou síntese. Examina o texto em si, o seu sentido, o significado de cada vocábulo. Faz depois obra de conjunto, compara-o com outros dispositivos da mesma lei, e com os de leis diversas, do país, ou de fora. Inquire qual o fim da inclusão da regra no texto, e examina este tendo em vista o objetivo da Lei toda e dos Direitos em geral. Determina por este processo o alcance da norma jurídica e, assim realiza, de modo completo, a obra moderna da hermenêutica.
Embora a análise jurídica no presente caso seja sobre os bens públicos, não se pode perder de vista que, na perspectiva da teoria de Hely Lopes Meireles, os bens públicos das empresas públicas são caracterizados com destinação especial, o que difere de um bem público que integra o órgão público, que se insere na Administração Direta.
Ora, as empresas estatais, notadamente, as empresas públicas, e em especial, as estatais dependentes do Tesouro Nacional, que recebem recursos orçamentários do Estado, que já tinham um compromisso com os resultados da empresa, de modo a equilibrar as suas receitas e despesas, como forma de reduzir o déficit público, agora, com muito razão, este compromisso com melhores resultados, está evidenciado pelo principio da competitividade, estabelecido no art. 8º, inciso VII, da Lei nº 13.303, de 30/06/2016, que determina que as empresas estatais, devem elaborar e divulgar a política de transações com partes relacionadas, em conformidade com os requisitos de competitividade, conformidade, transparência, equidade e comutatividade, que deverá ser revista, no mínimo, anualmente e aprovada pelo Conselho de Administração.
E, neste mister, as adaptações necessárias ao desenvolvimento, a inovação tecnológica, o conhecimento e as práticas de gestão corporativa das empresas estatais, necessitam da inexorável atualização e modernização dos equipamentos (bens móveis) e de determinados bens imóveis, de modo a evitar a obsolescência e o sucateamento do complexo conjunto de sistemas e métodos de atuação dos bens, que integram as empresas estatais, razão pela qual, quando se fizer necessário, se proceda a alienação dos seus bens públicos, nos moldes do art. 49, da Lei 13.303, de 30/03/2016.
Conforme análise constante do nosso Artigo: “OS BENS DAS EMPRESAS ESTATAIS SÃO BENS PÚBLICOS OU SÃO BENS PRIVADOS? BREVES REFLEXÕES: Parte2: A nova Lei (13.303/2016) e os Bens das empresas estatais”, item 3, a jurisprudência do STF consolidou o entendimento de que, na específica hipótese em que empresas públicas e sociedades de economia mista tenham por objeto a prestação de serviços públicos essenciais e próprios do Estado, e atuem sem competir com empresas do setor privado, é aplicável às suas dívidas o regime de precatórios judiciários previsto no art. 100 da Carta Política, ou seja, todos os bens dessas entidades administrativas, embora privados, são impenhoráveis (e sobre eles não podem incidir ônus reais), mesmo aqueles que não sejam diretamente utilizados na respectiva atividade-fim.