RESUMO
A título de regulamentar os artigos 182 e 183 da Constituição Federal, a Lei 10.257 de 10.07.2001, o Estatuto da Cidade introduziu em nosso ordenamento jurídico, após mais de um século de sua extinção, o direito de superfície. Juntamente com as alterações propostas pela Lei 10.406 de 10.01.2002 (Código Civil), revigora-se a utilidade econômica da propriedade, em especial o uso da superfície alheia, na esperança de se realçar o interesse cada vez mais premente de que deva a propriedade, enquanto direito subjetivo, cumprir sua função social.
ABSTRACT
In the quality of regulating the articles 182 and 183 of the Federal Constitution, the Law 10.257 of 10.07.2001, the Statute of the City introduced in our juridical ordenament, after more than a century of your extinction, the surface right. Together with the alterations proposed by the Law 10.406 of 10.01.2002 (Civil Code), the economical usefulness of the property is invigorated, especially the use of the surface alienates, in the hope of enhancing the interest more and more emergencial that owes the property, while subjective right, to accomplish your social function.
1 INTRODUÇÃO
O Código Civil Brasileiro (Lei 10.406 de 10.01.2002) re-introduziu ao ordenamento jurídico pátrio o direito superficial que outrora vigorara no Brasil Imperial, trazendo a tona inegáveis avanços no tangente ao aproveitamento do solo, mas gerando também dúvidas e incertezas quanto à possibilidade de como se delinear os contornos desse modelo jurídico proposto pelo mencionado diploma legal.
Atualmente no Brasil duas legislações o disciplinam, o Estatuto da Cidade (Lei 10.257 de 10.07.2001) nos artigos 21 à 24, e o mencionado Código Civil, nos artigos 1.369 à 1.377.
A sobreposição de leis por um lado cria pontos conflitantes, por outro lado, pode ser entendida como a busca de uma nova política social da propriedade, que visa atender sobremaneira o princípio da dignidade humana aplicando o princípio da função social da propriedade em atendimento ao interesse social.
Nosso objetivo nesse trabalho, portanto, será o de apresentar os principais aspectos históricos, jurídicos e sociais relacionados ao direito superficial, delimitando seu conteúdo no direito estrangeiro e no direito brasileiro, e propondo um aproveitamento mais racional da propriedade, aliado a uma distribuição de terras mais justa.
2 CONCEITO
Essencialmente, o direito de superfície está materializado quando da possibilidade de separação da propriedade em três planos distintos: o sub-solo, o solo (ou superfície) e o espaço aéreo. Na visão clássica do direito, ainda hoje aceita pela maioria, é notório que, se o solo pertence ao proprietário, a ele também pertence o subsolo e o espaço aéreo, ou mais precisamente, a coluna aérea subjacente, a coluna sobrejacente e o plano que as separa [1].
Concluímos, daí, que a superfície, pôr sí mesmo, e tudo mais que a ela esteja incorporado para cima ou para baixo, faz parte da extensão natural do direito de propriedade e como tal pertence ao titular do domínio. Isso nada mais é do que a aplicação do o princípio romano "superficies solo cedit", que resulta na extensão dos poderes do titular do domínio a tudo quanto fora incorporado, sem possibilidade de fracionamento, ao solo de sua propriedade, seja pôr ele realizado, seja pôr terceiro. Nesse conceito, tudo aquilo que estiver contido sobre ou sob o solo acedem à propriedade e não pode ser objeto de transferência, senão juntamente com o próprio solo.
Como veremos, a adoção do direito de superfície implica no afastamento, ou pelo menos no enfraquecimento do princípio da acessão, uma vez que considera como bens distintos, que poderão ter propriedade diversa, os elementos agrupados à propriedade, quais sejam: o solo, tudo aquilo que se encontrar sob o solo, tudo aquilo que se encontrar sobre o solo, e ainda o espaço aéreo sobre o solo.
Acessão, segundo CLÓVIS BEVILÁQUA, seria “o modo originário de adquirir, em virtude do qual fica pertencendo ao proprietário tudo quanto se une ou se incorpora ao seu bem” [2].
Daí decorre a idéia clássica de que seria a acessão única e tão somente um modo de aquisição da propriedade, o que na realidade não é isso que ocorre com a adoção do direito superficial pelo Novo Código, que enxerga a acessão também como uma extensão desse direito de propriedade, principalmente quando a analisada à luz do direito de superfície.
O exame do chamado direito de superfície, passa necessariamente pelo exame do princípio da acessão já identificado, pois representa, singelamente falando, a possibilidade de construir ou plantar em solo de outrem.
Na realidade, o conceito do direito de superfície é muito mais amplo e complexo, como se vê na definição de RICARDO LIRA, que adota:
"É o direito real autônomo, temporário ou perpétuo, de fazer e manter construção ou plantação sobre ou sob terreno alheio; é a propriedade - separada do solo - dessa construção ou plantação, bem como é a propriedade decorrente da aquisição feita ao dono do solo de construção ou plantação nele já existente" [3].
Justificando a definição, o autor alega em síntese que é direito real autônomo, diante dos outros direitos reais limitados, retratando seu desdobramento (possibilidade de fazer construção ou plantações em terreno alheio); a caracterização como propriedade separada superficiária, do resultado decorrente da edificação ou plantação, e ainda a possibilidade de seu nascimento, pôr alienação de construção ou plantação já existente, pelo proprietário do solo [4]. Dessa maneira, procurou abranger todos aspectos do direito em exame, sem se preocupar com os sistemas jurídicos que o consagram, face a variação decorrente de cada um e de cada época como é natural.
3 HISTÓRICO DO DIREITO DE SUPERFÍCIE
3.1 A Superfície no Direito Romano
Assim como acontece, via de regra, com os demais institutos do Direito Civil Privado Brasileiro, o direito de superfície nos foi legado pelo Direito Romano.
Esse direito nasceu da necessidade de cultivo dos grandes latifúndios conquistados com a expansão do Império Romano, visto que os proprietários não tinham condições de cultivar diretamente, adotando então, uma espécie de locação do solo para cultivo, com prazo máximo de 5 anos, diferentemente da locação tradicional, onde não existia prazo determinado e eram reconhecidos os direitos do locatário.
Em Roma, também, com o crescimento desordenado das cidades, em especial a capital citadina, apareceram edifícios de vários andares, os chamados ‘contignationes’, e ainda cortiços horizontais com diversos compartimentos, denominados ‘cenáculas’, onde habitavam diversas ‘famiglias’, formando os chamados ‘insulaes’. Vigorava, então o princípio do "superfícies solo cedit", que estabelecia que tudo que fosse acrescentado (plantações e construções) ao solo pertenceria ao seu proprietário, não podendo ser objeto de transferência, salvo junto com o solo.
Isso, de certa forma, dificultava a solução dos problemas relativos ao cultivo e a moradia, embora os romanos tivessem bem claro que o conceito tradicional de domínio, o tornava antieconômico, diante da necessidade de transformações.
No entanto, já no final da república, Roma conheceu o apogeu de seu desenvolvimento, o que fez surgir à necessidade de moradias maiores e mais confortáveis; mas em conseqüência da concentração de renda gerada pelo expansionismo imperial, o número de propriedade particulares em Roma diminuiu, o que fez com que o costume de conceder a particulares o direito de edificar em solo público mediante o pagamento de um aluguel (‘solariun’, ‘pensio’) ou uma quantia única passasse a ser prática corriqueira. Nascia assim, uma locação especial, que tinha como objeto o solo, arcando o locatário com os encargos da construção ou cultivo.
Pouco a pouco, o direito de superfície passou a ser concedido não apenas visando à produção, mas também ao gozo ou fruição, de modo pleno e duradouro, se não perpétuo, de toda ou de parte da superfície de um imóvel alheio. Tal qual a enfiteuse medieval, a superfície se assemelhava à ‘locatio vertigalis’, e durante séculos não se pôde diferenciar estes dois institutos.
Essa locação de longo prazo, necessária para as hipóteses mencionadas (construção, plantação), provocavam a diminuição nas relações entre o "locator" e o arrendatário - "conductor", pois a situação deste muito se assemelhava com a do verdadeiro proprietário, a ponto de lhe serem concedidos interditos possessórios.
Armava-se então o locatário com um "actio conducti", contra o proprietário do solo, semelhante ao concedido ao possuidor (‘uti possidetis’), chamado de "superfíciebus" que protegia a posse de quem quer que tivesse o gozo do edifício, autorizado pôr um contrato de locação do solo. Desta forma, aquilo que originalmente era um direito pessoal, passa a ter, paulatinamente, características de direito real [5].
Posteriormente, com Justiniano, deu-se ao superficiário uma ação real (‘actio in rem’), espécie de ‘rei vinicatio utilis’, contra o dono do solo, transformando então o direito de superfície em um direito real, alienável e transmissível aos herdeiros. Com isso o direito do superficiário passou a ser quase absoluto, não tendo ele obrigações perante o proprietário e, o pagamento do ‘solariun’ passou a não ser essencial. Constituía-se a superfície pela locação, venda e doação, esta última ocorrendo quando havia renúncia ao recebimento do ‘solariun’.
Percebe-se então, com facilidade, que a visão moderna do direito de superfície, inspirou-se no direito romano, com as adaptações que a utilidade e o tempo permitiram ao instituto.
3.2 A Superfície na Idade Média
O direito de superfície, na Idade Média, é caracterizado como um instituto híbrido. Isto porque o direito de superfície originário do direito romano justinianeu passou a sofrer as influências do direito germânico.
Na época medieval, o dualismo entre a propriedade absoluta, derivada do princípio da "superficies solo cedit", e o princípio da propriedade separada em solo, construções e plantações, fazia com que houvesse um contraponto de idéias em que o princípio do trabalho estaria relacionado ao direito de propriedade.
Na visão de SIMONCELLI, “tudo o que o homem produz com seu trabalho lhe pertence, enquanto não se lhe opuser outro princípio de direito ao qual a lei dê prevalência no caso concreto” [6].
Nesse diapasão, concluímos que a separação do direito superficial da propriedade absoluta se dá em face a existência de um novo tipo de propriedade: a propriedade superficiária. Essa por sua vez, pode ser subdividida em superfície agrária e superfície edilícia.
A superfície agrária, na visão de FERRARA, é :
“[...] um instituto jurídico que tem uma origem mais que milenar e se encontra difundido em toda a Europa e também parte da África, que tem raízes profundas nos usos e costumes e tem resistido a todos os regimes políticos e legislativos porque corresponde a um princípio econômico do mais alto significado, que é o do reconhecimento de um prêmio ao trabalho, e que traz elevados benefícios para a agricultura devido à transformação e valorização das terras incultas, e uma função social em favor do proletariado agrícola [...]” [7].
Já a superfície edilícia, relativa à edifícios e contruções, na visão de BIROCCHI e LAMPIS [8], diferenciava-se daquela pelo fato de que sua estrutura assemelhava-se muito à enfiteuse, quase sempre configurando figura de domínio, pois podia ser considerada independentemente da propriedade do solo. Ao superficiário-locatário eram atribuídos amplíssimos direitos sobre o imóvel, tais como ampliação, sublocação, oneração, alienação, etc...
Em síntese, na Idade Média, a idéia de desintegração da unidade do domínio, adquirida por influência dos povos bárbaros, culminou com a fragmentação da propriedade em direta e útil, cabendo a primeira ao proprietário e esta última ao utente, que podia ser o enfiteuta ou o superficiário. A superfície abandonou a natureza que lhe fora conferida pelo princípio da "superficies solo cedit" romano, tornando-se uma verdadeira propriedade paralela à do ‘dominus soli’ [9].
Com o passar dos anos, em decorrência dos abusos praticados pelos senhorios na cobrança de censos e laudêmios, tanto a superfície quanto a enfiteuse tornaram-se em especial malfadadas, culminando com o desaparecimento de ambas, ocasionado pela Revolução Francesa, que restaurou a unidade do ‘dominus soli’ em ‘utendi’, ‘fruendi’ e ‘consummere’.
4 O DIREITO DE SUPERFÍCIE NO DIREITO ESTRANGEIRO
4.1 Considerações Gerais
Como era de se esperar, as idéias do instituto entre romanos se espraiaram inspirando modernamente os diversos sistemas jurídicos, cada qual dando sua nota peculiar. Alguns o adotando, como em Roma, com dupla finalidade - plantar e edificar em solo de outrem e outros, apenas no sentido de edificar. Acrescente-se que o progresso e a técnica possibilitaram a ampliação do instituto para o subsolo.
O direito de superfície fora incorporado ao direito positivo, na Alemanha, Itália, Espanha, Holanda, Bélgica, Suiça e no Brasil, pôr força da recepção, no início da república do direito português, determinada pela Lei de 20.10.1823, vigorando o instituto, até que fora abolido pela Lei 1237 de 24.09.1864. Na França não há disposição expressa regulando o instituto, sendo ele aplicado pôr interpretação doutrinária.
Percebe-se, do exame do instituto nos diversos sistemas, que há uma variação, nos seus pontos principais, como o tempo de sua duração (perpétuo, temporário ou de prazo indeterminado); finalidade (construção e cultivo; só construção); transferibilidade ("inter vivos" ou só "mortis causis"); constituição (pôr negócio jurídico, pôr força de lei, pelo usucapião); extinção (pelo advento do termo; pelo comisso, pelo perecimento, etc.), podendo ser adquirido pôr título gratuito (doação) ou oneroso (compra e venda), etc.
Prevalece, contudo, entre todos, a natureza jurídica, isto é, ser um direito real, requisito imprescindível, sem o qual conforme LAFAYETTE [10], a superfície seria incompreensível e se confundiria com o arrendamento.
No entanto, no que nos interessa nesse tópico, mister se faz trazer, embora de forma simplificada, a colocação de alguns doutrinadores dos principais sistemas apontados (Alemanha, Itália, Espanha, Portugal, Suíça, Áustria, Holanda, Bélgica, Canadá, França, Inglaterra, Rússia, Argentina).
4.2 O Direito Alemão
No direito alemão, mais precisamente com a promulgação do B. G. B. (Código Civil alemão), em 18.08.1896, que entrou em vigor em 01.01.1900, veio a baila em uma das primeiras codificações que regulavam expressamente o direito de superfície.
A intenção do legislador alemão tinha por finalidade realizar uma profunda reforma no sistema imobiliário vigente, onde a concentração da propriedade nas mãos de particulares era enorme e priorizava a especulação imobiliária.
Foi então adotado uma política austera de não mais vender terrenos destinados à construção de casas de moradia. Os estados e as comunidades detinham o poder sobre a propriedade e concediam, por um prazo fixado de anos (50, 80 ou 100 anos), o direito de superfície para associações de moradores, que se obrigavam a pagar uma renda anual e a construir casas-padrão, as quais eram sublocadas a terceiros a preços módicos e previamente determinados, e cujos recursos eram revertidos em benefícios para a própria comunidade.
Segundo observa WOLFF, a importância desse instituto era maior do que se supunha inicialmente, pois:
“[...] várias cidade e estados concediam, sistematicamente, terrenos em superfície a termo ao invés de aliena-los, o que tinha a vantagem de evitar a especulação imobiliária, além de propiciar o aumento do valor do solo em favor dos proprietário (estados e municípios), possibilitando-lhes exercer influência sobre a maneira de construir e, ainda, proporcionar às classes média e obreira o acesso à casa própria” .
Mas a eficiência desse modelo era desafiada pela inexistência de regulamentação legal, o que impedia o desenvolvimento mais amplo dessa política.
Atualmente, encontra-se regulamentado pela Lei de 15.01.1919, e pela Lei 04.03.1919, que revogou as disposições do B. G. B., sendo que esse atual modelo aplica-se tão somente ao modelo edilício, ficando excluída assim a possibilidade de sua aplicação com finalidade de cultivo.
4.3 O Direito Italiano
O Código Civil Italiano de 1865 não regulou expressamente o direito de superfície, omissão que não incorreu o legislador de 1942, que consagrando o esforço da jurisprudência e da doutrina, fruto de longa e sistemática tarefa construtiva, o regulou nos artigos 952 a 956. Essa tarefa foi baseada nas experiências alemã e espanhola, superando, desse modo, a disputa que dividia os juristas franceses.
Apresenta-se, portanto, sob duas feições essenciais: a primeira regula a possibilidade do direito sobre a superfície em favor de terceiro, que adquire o direito de construir em solo alheio e a segunda dispõe sobre o direito sobre construção pré-existente, que pode ser alienada separadamente da propriedade do solo [11].
4.4 O Direito Espanhol
Na Espanha, o Código Civil de 1889 não dera regulação especial ao direito de superfície, pois apenas fez referência a ele, quando da edição do código, estabelecendo no artigo 1611, a de sua aplicação e no artigo 1655 o permitindo implicitamente.
Posteriormente, através da Ley del Suelo de 16.05.56, regulamentada pelo Decreto de 17.03.1959, criou-se uma modalidade urbanística de direito de superfície, permitindo que o Estado, as entidades locais e demais pessoas públicas, dentro do âmbito de sua competência, assim como os particulares, podem constituir o direito de superfície em solo de sua propriedade com destino a construção de casas e outras edificações determinadas pelos Planos de Ordenação, pertencendo o domínio ao superficiário [12].
Em 26.06.1992, aprovado a reforma da Ley del Suelo, foram introduzidas inovações de matéria urbanística em consonância com a Constituição Federal, dentre as quais a imposição de uma regulamentação do uso do solo mais afeita aos interesses públicos, de modo a impedir a especulação imobiliária desenfreada. Dentre outros aspectos, destacam-se particularmente aqueles atinentes aos prazos de duração, que não poderão ultrapassar 75 anos, bem como os prazos para que sejam feitas as obras de edificações por particulares; além de regulamentar a superfície quanto a transmissibilidade e onerabilidade, forma de constituição (escritura pública), registro imobiliário e formas de extinção.
4.5 O Direito Português
Portugal, o último país do continente europeu a promulgar um Novo Código Civil, em 1966, foi quem melhor regulamentou o direito de superfície, pois o fez sistematizado em título próprio e em disposições claras e abrangentes, permitindo sua concretização tanto para construções quanto plantações.
Muito embora o artigo 2308 do Código Civil de 1867 não o dissesse claramente (como ocorrera inicialmente com a Itália e ainda ocorre com a França) entendia-se permitido o direito de superfície, pois admitia que o dono do prédio, onde existissem árvores alheias, se obrigasse a conservá-las no domínio alheio, pôr período não superior a 30 anos.
O Prof. ASCENSÃO o define como direito de colônia, ou seja, o "direito real de ter coisa própria incorporada em terreno alheio" [13], o que basta, segundo o mesmo, para distinguí-lo de qualquer outro direito real, observando MOTA PINTO, que o direito de superfície "é mais uma fórmula, dentro dum espírito de racionalização, que a lei excogitou e pôs a disposição dos particulares, para eventualmente darem uma mais adequada satisfação aos seus interesses”[14].
4.6 O Direito Suíco
A Suíça disciplinou a matéria nos artigos 675 e 779 do Código Civil de 01.01.1912, e pela Lei de 19.03.1965, tendo caracterizado o instituto como direito de ter e fazer construções sobre o solo alheio ou no subsolo deste, mas conceituando-o como uma servidão quanto à sua natureza jurídica.
4.7 O Direito Austríaco
O direito civil austríaco admitiu o fracionamento da propriedade, reconhecendo o direito de superfície, e incorporando-o ao Código Civil de 1811. Contudo, esse direito, tal como fora concebido, caiu em desuso, sendo substituído pelo teor da Lei de 26.04.1912, que estatuiu o direito superficial como um direito real, alienável e hereditário, incluindo também o direito de subsolo e de espaço aéreo, além de regular edificações e construções em pavimentos separados, edificados em terrenos do Estado ou de propriedade de instituições religiosas.
4.8 O Direito Holandês
O direito de superfície encontra-se disciplinado, na Holanda, nos artigos 101 a 105 do Código Civil, sendo definido como direito real de ter ou adquirir a propriedade de construções, obras ou plantações, sobre ou sob terreno alheio. Com relação especificamente à superfície, aplicam-se analogamente, os dispositivos atinentes à enfiteuse.
4.9 O Direito Belga
Na Bélgica, tal como na Holanda, o direito de superfície está comtemplado na Lei de 10.01.1824, que o define como sendo um direito real de ter plantações, obras ou construções sobre terreno alhieo. Não menciona nada com relação ao subsolo. PEREIRA LIRA noticia ter havido, outrora, diversos debates entre estudiosos de ambos sistemas, uns defendendo ser ele uma propriedade superficiária e outros entendendo ser apenas direito real.
4.10 O Direito Canadense
O Canadá, por sua vez, houvera adotado o modelo francês, onde não havia expressamente qualquer disposição legal que regulamentasse o direito de superfície. Entretanto, o Código Civil de Quebec de 01.01.1994 faz referência expressa ao direito superficiário, dedicando capítulo inteiro à matéria.
Reza o referido códex que a propriedade superficiária é aquela resultante do fracionamento do objeto do direito de propriedade existente sobre um imóvel, da transferência do direito de acessão ou da renúncia ao benefício da acessão.
4.11 O Direito Francês
Na França, diferentemente dos demais países da Europa, o direito de superfície não está disposto na legislação civil, encontrando-se entretanto sedimentado por força de construções doutrinárias.
Tal interpretação da doutrina deve-se ao particular entendimento que a mesma faz do disposto no artigo 553 do Código Civil francês de 1801, segundo o qual, salvo prova em contrário, todas as construções, plantações e obras existentes num terreno presumem-se feitas pelo proprietário e às suas expensas.
Analisando o referido dispositivo, que admite a possibilidade de provar-se o contrário, ou seja, de não ser do proprietário do imóvel as obras, construções e plantações, poderão ser estas de terceiro, no caso o superficiário, que as construiu e plantou, implicitamente previsto na norma francesa. A prova contrária se constituirá no direito de superfície.
4.12 O Direito Inglês
Autores esparsos relatam a existência, no direito inglês, de um conjunto de contratos superficiários reunidos sob o denominação de building-lease, onde se adquire, por contrato, o direito de construir em terreno alheio, por prazo determinado, mediante pagamento de um cânon. Findo o prazo, o imóvel retorna ao proprietário com todos as construções. Constitui-se como direito real, oponível à terceiros.
Segundo CUNHA GONÇALVES, a maior parte de Londres encontra-se nessa situação, pois está construída sobre terras pertencentes ao Duque de Westminster, em virtude da constituição de direito de superfície [15].
4.13 O Direito Russo
Com a revolução russa de 1917, todos os imóveis rurais e urbanos passaram a ser propriedade exclusiva do Estado, que mediante locação, com prazo máximo de doze anos, destinava-os aos particulares, atendendo a função social do imóvel, quer para fazer frente ao problema habitacional, quer para estimular a produção e o cultivo camponês.
Entretanto, segundo disciplina ORALNDO GOMES, o direito de superfície russo conferia ao seu titular o direito de construir sobre bem do Estado, mas também reservava ao Estado o direito de imitir-se na posse do bem quando lhe conviesse, consolidando assim a propriedade, mediante o pagamento do valor da construção por ele Estado avaliada, o que convenhamos, lhe era muito vantajoso [16].
Atualmente, a Rússia disciplina o direito de superfície no Código Civil..
4.14 O Direito Argentino
O Código Civil platino de 01.01.1871 não conhece o direito de superfície no rol dos direitos reais. Omite taxativamente qualquer referência ao mesmo, e mais, faz expressa exclusão do mesmo no artigo 2614.
5 O DIREITO DE SUPERFÍCIE NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA
5.1 Histórico Colonial
O direito de superfície vigeu no Brasil-Colônia, uma vez que fora adotado por esse as Ordenações Filipinas, as quais foram recepcionadas ‘in totum’ no direito pátrio colonial.
Mesmo com a Independência proclamada, nada mudou, pois uma lei de 20.10.1823 reafirmou o vigoramento das referidas Ordenações, bem como Leis e Decretos do trono português até a elaboração de nova legislação civil.
Já em 1864, por força da Lei 1.237 de 24.09.1864, tal instituto foi banido do ordenamento jurídico, sendo que LAFAYETTE PEREIRA, explicíta: “[...] Deixarão de figurar entre os direitos reais: a superfície. [17]” Os projetos de Código Civil elaborados por Joaquim Felício dos Santos e Antônio Coelho Rodrigues não o contemplaram; já o ante-projeto de Clóvis Beviláqua inicialmente não o continha, posteriormente fora incluído na revisão, mas relator o excluiu por ocasião da comissão especial na Câmara dos Deputados.
O Código Civil de 1916 não o enumerou nem como direito real, sequer como direito pessoal. Já entre a doutrina, ainda que pesem preclaras opiniões contrárias, inclinava-se a ampla maioria pela taxatividade imposta pela letra da lei, que espelhava o entendimento clássico derivado do Direito Romano.
5.2 O Direito de Superfície no atual Código Civil
5.2.1 Natureza Jurídica
Na Lei 10.406 de 10.01.2002, o direito de superfície adquiriu o ‘status’ de direito real, com previsão expressa no Título IV, sob a égide dos artigos 1369 a 1377. Como direito real, adere ao bem, sendo, portanto, alienável por ato ‘inter-vivos’ e transferível por sucessão legítima ou testamentária.
Para o Código Civil, é um direito concedido com o fim específico de urbanização, industrialização, edificação, cultivo, ou qualquer outra exploração de interesse social, podendo envolver terrenos públicos ou particulares, instituído na forma remunerada ou gratuita, por tempo certo e determinado.
Apesar da clareza da natureza jurídica do direito de superfície na Lei 10.406 de 10.01.2002, há doutrinadores que não se mostram concordes no que concerne à natureza do direito de superfície, apresentando diversas teorias com que visam explicá-las[18]. Sobre elas trataremos posteriormente nesse trabalho.
A sistemática utilizada pelo legislador na elaboração do anteprojeto do Código Civil, diferentemente da utilizada pelo mesmo na elaboração do Estatuto da Cidade, além de referir-se tanto a propriedade rural como a urbana, exclui a possibilidade desse instituto abranger também o subsolo, exceto no caso de obra cuja necessidade seja inerente à concessão superficial.
5.2.2 Constituição do direito no Código Civil
O direito é concedido pelo proprietário do terreno. É o fundeiro, ou dono do chão, do direito português, também chamado concedente. Ele irá permitir que uma outra pessoa possa construir ou plantar no imóvel de sua propriedade. Ou seja, irá atribuir a outrem a faculdade de construir ou manter, por tempo determinado, uma obra em seu terreno, ou nele fazer ou manter plantações.
O direito de construir ou plantar é assegurado ao superficiário. O superficiário passa a gozar na forma em que tiver sido convencionada e pelo tempo que tiver sido determinado, da faculdade de implantar em solo alheio, quer seja edificar, quer seja cultivar.
5.2.3 Escritura Pública
Conforme a orientação de MARCO AURÉLIO VIANA:
“A concessão de ter coisa própria incorporada em terreno alheio, que o proprietário assegura ao superficiário, reclama escritura pública, a qual deverá ser levada ao competente registro imobiliário, por tratar-se de direito real que adere a coisa” [19].
Via de regra, não se pode admitir que tenha assento no fólio real escritura que não contenha, além de elementos essenciais, prazo de duração.
5.2.4 Objeto
O direito de superfície previsto no Código Civil de 10.01.2002 tem como objeto as construções ou plantações levantadas em terreno alheio. Consoante explicita o ‘codex’ a restrição que se impõe está na impossibilidade de se edificar no subsolo.
Quis o legislador, portanto, delimitar o objeto, tratando nos termos de ‘construir’ e ‘plantar’, deixando de lado a possibilidade de se admitir como passível do direito de superfície qualquer coisa ou incorporação, tal como assentamento de vias férreas, as quais poderiam enquadrar-se no conceito amplo de obra.
Edificações, no magistério de SERPA LOPES, seriam “desde palácios de arte até a mais modesta habitação” [20].
Dessa maneira, fica bastante claro que o direito de construir envolve a edificação de construções que se destinem a servir o homem para qualquer finalidade que seja.
Pode ser a moradia, o comércio, a indústria, enfim, qualquer edificação que atenda a uma necessidade da pessoa natural, em uma das diversas áreas de sua atuação.
A lei civil não distingue entre construção e construção considerável, portanto devemos entender o conceito na forma mais ampla, abrangendo edifícios e outras obras.
5.3 O Direito de Superfície no Estatuto da Cidade
O direito de superfície, antes mesmo da vigência do Novo Código Civil, encontrou respaldo junto à Lei Federal 10.257 de 10.07.2001, denominada Estatuto da Cidade.
A referida Lei cuidou da regulamentação dos artigos 182 e 183 da Constituição Federal de 1988, e estabeleceu diretrizes gerais de política urbana, criando instrumentos para a efetivação da função social da propriedade urbana.
Salientemos, ademais, que diferentemente do Código Civil, o Estatuto da Cidade ateve-se ao direito de superfície somente no que tange à propriedade urbana, sem qualquer referência à propriedade rural.
O artigo 21, “caput”, do Estatuto da Cidade estabelece:
“O proprietário urbano poderá conceder a outrem o direito de superfície do seu terreno, por tempo determinado ou indeterminado, mediante escritura pública registrada no cartório de registro de imóveis”.
Destarte, o Prof. LAMANA PAIVA [21], enumera as seguintes diferenças fundamentais entre o direito de superfície do Código Civil de 2002 e o do Estatuto da Cidade:
- o Estatuto da Cidade refere-se a possibilidade de construir ou manter edificação já existente, enquanto o Código Civil admite somente o direito para a realização de novas edificações;
- o Código Civil admite o direito de superfície em solo urbano e rural, enquanto que o Estatuto da Cidade admite somente o direito de superfície em solo urbano;
- o Estatuto da Cidade prevê a possibilidade do subsolo ser alienado independentemente do solo, enquanto que o Código Civil prevê a alienação conjunta do solo e subsolo;
- o Estatuto da Cidade admite instituição por tempo determinado ou indeterminado, enquanto que o Código Civil estipula somente a instituição por tempo determinado.
6 ESPÉCIES DE DIREITO DE SUPERFÍCIE
Devido a inúmeras peculiaridades, podemos dividir o direito de superfície em várias espécies:
6.1 Direito de Superfície Simples
Diz-se, direito de superfície simples, aquele desprovido de qualquer peculiaridade que o especialize, podendo-se talvez, chamá-lo de puro, em contrapartida com aquele que contenha uma condição ou qualquer modalidade do ato jurídico, que se poderia genericamente chamar de direito de superfície condicional ou modal.
6.2 Direito de Superfície Social
Direito de superfície social, que seria aquele destinado a solucionar o problema de escassez de moradia das classes menos favorecidas, vedando-se a pena de comisso pelo não pagamento do solarium, obrigatoriedade de indenização ao superficiário, quando da extinção do direito de superfície, em razão da passagem do bem superficiário para o dono do solo.
6.3 Direito de Superfície "Ad aedificandum" e "Ad plantandum"
Direito de superfície "ad edificandum", quando se constituir com a finalidade específica do superficiário realizar uma edificação e direito de superfície "ad plantandum", quando a constituição do direito de superfície destina-se a realização, pelo superficiário de plantação. No primeiro estão englobadas a construção, como pôr exemplo, edifício, ponte, muro, monumento, etc.; para o segundo costuma-se chamar de vegetal, rústico ou agrícola.
Conforme esclarece DIANA BARBOSA:
“Cumpre observar que o proprietário do solo não pode exigir pagamento de qualquer taxa remuneratória pela transferência dos direitos sobre a superfície de um superficiário para outro, uma vez que, distintamente da enfiteuse, o proprietário não tem direito ao laudêmio quando da transmissão do direito”[22].
6.4 Direito de Superfície pôr Cisão
Direito de superfície pôr cisão, que é aquele que se constitui sobre terreno já edificado ou plantado, quando o proprietário cede a edificação ou a plantação a outrem, que se torna proprietário do bem superficiário, reservando-se o concedente, a propriedade do solo.
7 MODOS DE CONSTITUIÇÃO DO DIREITO DE SUPERFÍCIE
7.1 Considerações Gerais
Conforme já aludimos anteriormente, o direito de superfície, face as mudanças instituídas pelo Código Civil de 10.01.2002, poderá ser constituído em favor de outrem por ato jurídico ‘inter-vivos’, mediante escritura pública, quer seja na forma onerosa ou gratuita; e também via sucessória legítima ou testamentária. Uma pequena parcela doutrina estrangeira inclina-se em reconhecer também a possibilidade desse direito ser adquirido pela usucapião. Entretanto, em face a inadmissibilidade da usucapião parcial no direito brasileiro, optamos por não tratar essa forma de aquisição nesse trabalho
Vejamos as peculiaridades de cada uma dessas duas possibilidades de aquisição:
7.2 Constituição do Direito de Superfície por Contrato
Segundo a linha geral de nosso Código Civil, para constituição do direito de superfície pôr contrato, necessário, face sua natureza real, a forma solene, isto é, a escritura pública, para que produza os efeitos pretendidos.
Seria a forma então da substância do negócio e não para a prova dele, o que sugere a recusa, pelo ordenamento, dos efeitos desejados pelas partes, entre sí e para com terceiros.
Contudo não se pode olvidar, da possibilidade, não observada a forma exigida, da produção de efeitos obrigacionais entre os contratantes, pois aqui se aplica, sem sombra de dúvida as regras vigentes para os contratos translativos de domínio. Pode o negócio ser puro ou condicional, a termo ou modal, conforme o interesse das partes e a característica do instituto em exame permitir. Conforme o interesse, pode ser negócio oneroso ou gratuito, já que o ‘solarium’ ou a pensão superficiária não é de essência do instituto.
Em princípio, só o titular do direito de propriedade pode constituir o direito de superfície, salvo a hipótese de admissão de sobrelevação, que seria o direito de superfície constituído sobre a propriedade superficiária pelo titular do direito de superfície[23]. Na hipótese de co-propriedade, somente com anuência de todos os co-proprietários se poderá constituir direito de superfície em favor de terceiros; mas é plenamente possível constituir-se em favor de um ou mais condôminos, aplicando-se em ambas as hipóteses o artigo 633 e o artigo 635 e seguintes do Código Civil.
7.3 Constituição do Direito de Superfície por Sucessão
Na sucessão hereditária legítima o direito de superfície será transmitido aos herdeiros na forma da lei civil, sem alterações substanciais.
No caso do direito de superfície transmitido por disposição da última vontade, através de testamento, poderá o proprietário deixar, a superfície da qual possui o direito para um herdeiro legal, ou ainda para um legatário,e a propriedade do solo a outro herdeiro ou legatário distinto, ou ainda para a universalidade aos herdeiros, podendo desenhar no instrumento testamentário toda a estrutura do direito a ser constituído, "post mortem" [24].
Na hipótese de omissão, dever-se-á observar, em razão de ser negócio contratual típico, as regras estabelecidas, adotando-se, quando estas forem insuficientes, os costumes do lugar, e, até a analogia com institutos mais próximos (locação e enfiteuse). Vale lembrar que, nas duas hipóteses examinadas, a constituição do direito de superfície, se dará com a transmissão do título aquisitivo no Oficial de Registro Imobiliário competente, uma vez tratar-se de direito real.
8 ELEMENTOS SUBJETIVOS E ELEMENTOS OBJETIVOS DO DIREITO DE SUPERFÍCIE
8.1 Elementos Subjetivos
Quando se fala em elementos subjetivos de uma relação jurídica, volta-se o pensamento para as pessoas que podem figurar no vinculo jurídico que se está examinando.
Conforme nos preceitua o ilustre magistrado carioca MARCOS TORRES:
“Para constituição do direito de superfície na modalidade mais comum, isto é, através de contrato, como de regra acontece, exige-se capacidade civil genérica suficiente para a celebração do vinculo contratual e capacidade especial, pôr parte do concedente, para constituir o direito de superfície, pois é mister que seja proprietário do solo, nu ou com edificação e que possa alienar”[25].
Ao proprietário, chama-se de concedente ou superficiente, que é o dono do solo que outorga o direito de construir ou de plantar, ou aliena a construção ou o solo, reservando-se para si o remanescente, ou transfere o domínio do solo para um e a edificação ou plantação para outrem. Chama-se concessionário, superficiário, proprietário da construção ou da plantação, conforme a hipótese, a quem é conferido o direito de construir ou plantar, ou a quem se transfere a propriedade do solo ou de plantação, nesta ultima hipótese no direito de superfície formado pôr cisão.
É importante assinalar, que em qualquer dos polos da relação superficiária, pode-se ter como obrigado pessoas físicas ou jurídicas, nada impedindo que o direito de superfície seja constituído em favor de mais de uma pessoa, aplicando-se a elas as regras de co-propriedade.
8.2 Elementos Objetivos
Em sentido amplo, já vimos que pode ser objeto do direito de superfície, tanto o solo como o subsolo, podendo abranger área necessária ao implante da edificação e até não necessária, mas que tenha utilidade para o uso da obra. Em sentido estrito, elemento objetivo, atende a finalidade de constituição do direito de superfície.
Para RICARDO LIRA, o direito de superfície:
“pode ser constituído para construção, que se chamaria direito de superfície edilício ou para plantação, que se chamaria de direito de superfície vegetal, rústico ou agrícola, que pode atingir toda formação vegetal existente no solo, seja composta de uma floresta ou uma árvore”[26].
Se a constituição se dá pôr cisão, terá pôr objeto a construção ou a plantação e sua manutenção.
9 DIREITOS E OBRIGAÇÕES DO CONCEDENTE E DO CONCESSIONÁRIO
9.1 Direitos e Obrigações do Concedente
Com relação ao proprietário do imóvel, ou seja, o concedente do direito de superfície, podemos enumerar os seguintes direitos:
- utilizar a parte do imóvel que não constitui objeto do direito de superfície;
- receber do superficiário, o pagamento pela concessãoda superfície, caso tenha sido ajustada na forma onerosa;
- exercer o direito de preferência na aquisição da superfície;
- proceder à resolução da superfície antes do advento do termo, se temporária, se o superficiário não edificar ou plantar no tempo aprazado, ou se edificar em desacordo com o convencionado ou, ainda, se der destinação diversa daquela originariamente concedida; constituir gravames reais sobre o solo.
Em contrapartida, são suas obrigações:
- não praticar atos que impeçam ou prejudiquem a concretização, ou o exercício do objeto do direito de superfície;
- dar preferência ao superficiário na aquisição da propriedade do solo, cão esta se faça a título oneroso.
9.2 Direitos e Obrigações do Concessionário
Com relação ao superficiário, ou seja, concessionário do direito de superfície, podemos enumerar os seguintes direitos:
- utilizar a superfície do solo de outrem, nos termos da avença realizada;
- usar, gozar e dispor da construção ou da plantação superficiária como coisa sua, separa da propriedade do solo;
- onerar com ônus reais a construção ou plantação, que entretanto se extinguirão com o termo final da concessão da propriedade superficiária;
- exercer o direito de preferência na aquisição do solo, caso o proprietário pretenda aliena-la a título oneroso;
- reconstruir a edificação ou refazer a plantação, em caso de perecimento.
E suas obrigações, dentre outras:
- pagar a remuneração ajustada, no caso de a avença ter sido pactuada de forma onerosa;
- construir ou plantar exatamente conforme o acordado;
- pagar os encargos e tributos que incidirem sobre a obra superficiária e sobre o solo;
- conservar a obra superficiária;
- dar preferência ao senhor do solo à aquisição da propriedade superficiária.
10 INSTITUTOS AFINS NO DIREITO BRASILEIRO
10.1 Considerações Gerais
O direito de superfície, pôr sua natureza, tem contornos que o aproximam de outros institutos, contudo se afastam em características fundamentais, a justificar a coexistência de todos.
10.2 Enfiteuse e Direito de Superfície
A enfiteuse tem origem na Grécia, século V, a.C., vindo para o Direito Romano numa combinação do "ius emphytenticon" do grego, com o "ager vectigales" (arrendamento público dos romanos). Esta fusão se deu na Era Justiniana, com a finalidade de prender o lavrador à terra de terceira pessoa. Por este instituto os arrendatários não eram obrigados a deixar a terra, enquanto pagassem a renda convencionada com o "canôn".
Pode-se definir enfiteuse como o ato jurídico inter vivos ou de última vontade, onde o proprietário atribuiu a outrem o domínio do seu imóvel, pagando o adquirente (enfiteuta) uma pensão ou foro anual, certo e invariável, ao senhorio direto. O contrato de enfiteuse é perpétuo.
Nada mais é do que o direito real sobre a coisa alheia, que autoriza o enfiteuta a exercer sobre coisa imóvel alheia todos os poderes do domínio mediante pagamento ao senhorio direto de uma renda anual (foro). Em outras palavras: a enfiteuse é o contrato também denominado aforamento, bilateral e oneroso, no qual, por ato inter vivos ou por disposição de última vontade, o proprietário do imóvel confere, perpetuamente, a outrem o domínio útil deste, mediante o pagamento de uma pensão anual, invariável, denominada foro. Por ser perpétua, a enfiteuse não se confunde com o arrendamento propriamente dito. A enfiteuse deve abranger tão-somente as terras incultivadas, e o proprietário do imóvel reserva para si o domínio direto, atribuindo-se ao enfiteuta ou foreiro o domínio útil.
Pelo novo Código Civil (art. 2.038) ficou proibida a constituição de enfiteuses e subenfiteuses, subordinando-se as existentes, até sua extinção, às disposições do Código Civil anterior, a Lei 3.071 de 01.01.1916 e leis posteriores. Com essa restrição houve um achatamento na cobrança de laudêmio e a proibição da constituição de subenfiteuses, onde paulatinamente o senhorio direto e o enfiteuta passarão a ter interesse na extinção da enfiteuse, o que é desejo do legislador.
Cumpre reiterar que o novo Código Civil proibiu a constituição de enfiteuses e subenfiteuses de natureza particular. Não alterou a enfiteuse pública. A enfiteuse dos terrenos de marinha e acrescidos continua regulada por lei especial (art. 2.038, II, § 2º do Código Civil). E com ingresso no registro imobiliário.
Apurando as diferenças entre ambos institutos, MARCOS TORRES nos relata com clareza que:
“Distingue-se o direito de superfície da enfiteuse, a começar que na superfície o "solarium" não é de essência, enquanto na enfiteuse o foro é de essência. Pôr outro lado, o superficiário pode, alienar seu direito, de regra, sem consulta no concedente, o que não ocorre na enfiteuse, posto que tem o enfiteuta que oferecer o bem ao enfiteuticador, hipótese que também pode ser estabelecida ao contrato de constituição de superfície. Na enfiteuse, o comisso é conseqüência natural do não pagamento do foro, enquanto no direito de superfície, nem sempre vem consagrada esta hipótese. A enfiteuse é perpétua, enquanto o direito de superfície pode ser perpétuo ou temporário”[27].
10.3 Arrendamento e Direito de Superfície
O arrendamento encontra-se disciplinado não só no Código Civil Brasileiro, nos artigos 1211 até 1215, na qualidade locação, como também na Lei 4504/64 - Estatuto da Terra, nos artigos 92 até 95. Os defensores dessa corrente sustentam ser o direito de superfície um arrendamento, pois a cessão de uma coisa para uso de outra pessoa, mediante o pagamento de um aluguel, assim é a superfície a cessão de uma coisa para uso e gozo de outra pessoa, mediante o pagamento de um aluguel, denominado pelos romanos de solarium.
Esclarece BRAGA TEIXEIRA que:
"[...] a natureza jurídica desses dois institutos- arrendamento e superfície – é diversa, bastando-nos mencionar que se a superfície tem caráter real e confere ao superficiário a propriedade da construção ou plantação, o arrendamento tem caráter estritamente obrigacional, não podendo jamais conduzir o arrendatário a tornar-se dono da coisa arrendada"[28].
Entendemos que a diferença maior entre os dois institutos é o fato de que no arrendamento o pagamento é requisito necessário para sua configuração, diferentemente o que ocorre no direito de superfície onde não é necessário para a sua caracterização.
10.4 Usufruto e Direito de Superfície
Segundo o artigo 1390 e seguintes do Código Civil, o usufruto é o direito real de fruir as utilidades e frutos de uma coisa, enquanto temporariamente destacado da propriedade. No usufruto, sendo “intuitu personae”, o usufrutuário não pode transferir o direito, mas apenas o seu exercício, não se transferindo hereditariamente, sendo no máximo vitalício.
Entretanto existem defensores que sustentam ser o direito de superfície um usufruto. Alegam que "ao constituir-se o direito de superfície, tem origem, em favor do superficiário, um direito de uso e fruição do solo, com a finalidade concreta e específica de nele o superficiário construir."
Ora, como visto quando da conceituação, o usufruto é constituído “intuitu personae”, vale dizer, é intransferível, seja entre vivos ou por causa de morte. Diferentemente ocorre com o direito de superfície, onde o direito é transferível por ato de alienação ou por sucessão. Outra diferença está em que o usufrutuário é obrigado a respeitar a substância da coisa cedida a usufruto. No direito de superfície não. Aqui, o superficiário pode utilizar a superfície como melhor lhe aprouver, respeitando, apenas, o objeto da avença.
10.5 Servidão e Direito de Superfície
A servidão, prevista nos artigos 1378 e seguintes do Código Civil, preconiza que para sua existência devem existir dois imóveis, ou seja, um dominante e outro serviente e não se pode identificar no direito de superfície dois imóveis.
Nesse sentido, RICARDO LIRA discorre que:
“[...] a equiparação da superfície à servidão nos casos de terrenos sem construção, resultaria numa incongruência, pois a concessão ad aedificandum não teria existência jurídica imediata e poderia não tê-la jamais se ela não se seguisse à construção.[29]"
Além deste aspecto, a servidão “tem como objeto a prestação de alguma utilidade ao prédio dominante, enquanto no direito de superfície, o apoio prestado pelo solo à obra ou a plantação, não é simples utilidade, mas é a própria possibilidade de existência da propriedade superficiária”[30].
11 DURAÇÃO DO DIREITO DE SUPERFÍCIE
Pelo menos teoricamente, o direito de superfície pode ser concedido temporário ou perpetuamente. Em direito positivo, varia conforme o sistema. Em Portugal, o artigo 1524 do Código Civil, permite o ajuste perpétuo.
No direito civil brasileiro, encontramos duas situações aparentemente divergentes entre si: o Estatuto da Cidade prevê a possibilidade do direito de superfície ter prazo determinado ou indeterminado, enquanto que o Código Civil consagram como da sua essência a temporariedade determinada.
Segundo nos leciona o juiz MARCOS TORRES, parece ser antieconômico o estabelecimento da superfície perpétua. Caso sua constituição pressupusesse a perpetuidade, tal instituto assemelhar-se-ia à extinta enfiteuse, o que a toda evidencia não se faz necessário, face a finalidade de cada um deles[31]. No entender de SILVIO VENOSA, uma vez que o Código Civil aboliu a enfiteuse, não se confunde o prazo indeterminado com a perpetuidade, que entre nós é proibida[32].
Já para o direito de superfície temporário, com o advento do termo, dá-se o fenômeno da reversão, isto é, a passagem para a propriedade do concedente da propriedade superficiária, com ou sem indenização, conforme constar no documento que originar o título superficiário.
Em havendo indenização e existindo direitos de crédito garantidos pôr hipoteca, esta sub-roga-se no valor da indenização. O credor sem garantia, também poderá notificar o concedente, para que não realize o pagamento, arrestando ou penhorando o crédito do superficiário.
Nesse caso, entretanto, será necessário que o superficiário conheça o prazo da hipoteca, bem como o credor tome ciência da existência da concessão da superfície.
Apenas a título comparativo, no direito alemão, assinala MARTINS WOLFF, que “o proprietário pode escusar-se do dever de indenizar, oferecendo uma prorrogação do direito de superfície pelo tempo que dure a propriedade superficiária, e se o superficiário recusar esta proposta, perde direito a indenização”[33].
12 EXTINÇÃO DO DIREITO DE SUPERFÍCIE
O direito de superfície pode extinguir-se pôr diversas causas: pelo advento do termo de sua duração; pela renúncia do superficiário; pela confusão; pela resolução; pelo distrato; pelo não uso da propriedade para fins previstos no contrato (plantar e edificar); e, pelo abandono.
12.1 Extinção do direito de superfície pelo termo de duração
Com o advento do termo, extingue-se a superfície, voltando a viger o principio da acessão em sua plenitude, passando assim para o dono do solo a propriedade superficiária, através da reversão, onerosa ou gratuita e até mesmo, o levantamento da construção, pelo superficiário para entregar o solo no estado em que recebera[34]. Nesta última hipótese não há reversão.
Deve-se atentar aqui, que o título superficiário deve prever, de forma clara esta possibilidade, pois como podemos facilmente concluir, não é plausível economicamente demolir-se uma construção simplesmente para entregar o solo nu ao proprietário.
12.2 Extinção do direito de superfície pela renúncia do superficiário
O concessionário ou superficiário poderá renunciar ao direito de superfície, a qualquer tempo de sua vigência, uma vez que essa prerrogativa lhe é facultada pois, como já dissemos, trata-se de direito disponível e sem necessidade de contra-prestação.
Quanto à formalização da renúncia, entendemos que, assim como na sua constituição, faz-se necessário operar-se a lavratura de escritura pública em tabelião, a fim de preservar-se a forma jurídica exigida pelo Código Civil (artigo 1275), sendo também necessária a devida averbação à margem da matrícula do imóvel junto ao Registro Imobiliário competente.
12.3 Extinção do direito de superfície pela confusão
A extinção do direito de superfície por confusão irá ocorrer quando das seguintes hipóteses: quando o proprietário (concedente) adquirir o direito de superfície do concessionário, quando o concessionário (superficiário) adquirir a propriedade do proprietário (concedente); ou ainda quando uma terceira pessoa, adquirir tanto a propriedade do solo do proprietário como o direito de superfície do concessionário, consolidando assim, a plena propriedade do imóvel.
12.4 Extinção do direito de superfície pela resolução
No caso de ocorrer resolução do contrato constitutivo, extinguir-se-á o direito superficial nele contido, devendo, entretanto, a parte que se julgar prejudicada, denunciar o referido contrato para ensejar a respectiva averbação de cancelamento junto ao Oficial do Registro Imobiliário.
Não se deve aqui, confundir com a mera renúncia do direito do superficiário, que é ato unilateral, pois a resolução poderá implicar em direito indenizatório em face a eventual cláusula penal pactuada, ou seja, na hipótese da aplicação da cláusula resolutória, o que implica, de regra, na antecipação do término do direito de superfície, o concedente deverá pagar indenização pela reversão, se esta for prevista no contrato.
12.5 Extinção do direito de superfície pelo distrato
No caso de distrato provacado por ambas as partes (concedente e concessionário) não há maiores implicações, conquanto seja ele celebrado atendendo as disposições contidas no texto legal. Para tanto, deve-se obedecer ao princípio da atração da forma (artigo 1275 do Código Civil), operando o distrato por instrumento público lavrado nas notas de tabelião. A mesma vontade que é força motriz do nascimento da avença, o é para seu término.
12.6 Extinção do direito de superfície pelo não uso para os fins destinados
No caso de não ocorrer o uso da superfície para o fim a que foi destinado, operar-se-á a decadência do direito, uma vez que a construção ou plantação não foi feita até o prazo fixado legal ou contratualmente. Em alguns países, como Portugal, salvo disposição contratual, o prazo é de dez anos. Na Itália são vinte anos e na Espanha cinco anos.
Já em relação a propriedade superfíciária, ele não se extingue pelo não uso, pôr que trata-se de direito de propriedade. Contudo, é importante assinalar, que pode ocorrer à imposição de sanções, em razão do não uso representar ofensa ao princípio da função social.
12.7 Extinção do direito de superfície pelo abandono
A propriedade superficiária é suscetível de abandono por parte do superficiário, aplicando-se nesse caso os princípios aplicáveis à propriedade imobiliária.
MARIA HELENA DINIZ, distingue bem abandono de renúncia:
“Não há como confundir o abandono com a renúncia, porque, no primeiro, o proprietário despoja-se de seu direito com o propósito de não o ter mais em seu patrimônio, e na segunda, o titular abre mão de seu direito em favor de alguém”[35].
13 PROTEÇÃO DO DIREITO DE SUPERFÍCIE
Sendo o direito de superfície um direito real, poderá o superficiário utilizar-se dos meios permitidos pelo direito civil brasileiro para proteger o seu direito e a superfície na qual ele o exerce.
Para tanto, caso necessite, poderá utilizar-se de qualquer ações possessórias que julgar necessárias contra terceiros: seja manutenção da posse, reintegração da posse ou interdito proibitório. Igualmente plausível será o exercicio das ações petitórias: reivindicatória, contra quem o prive da posse; a negatória contra quem pretenda direitos sobre um ou outra.
Sendo possuidor e proprietário da superfície, cabe-lhe também, as ações de embargos de terceiros, de nunciação de obra nova e de dano infecto.
14 A FUNÇÃO SOCIAL DO DIREITO DE SUPERFÍCIE
A re-introdução do direito de superfície em nosso ordenamento, por certo que permitirá uma melhor utilização do solo urbano, mitigando as conseqüências nefastas de seu uso desordenado.
Analisando o principio da "superfícies solo cedit", podemos concluir que em sistemas mais perfeitos, a construção não acede ao solo, nem este àquela, ambos são objetos de direitos distintos, isto é, o direito de superfície", o que se constitui em grande significado para o direito em questão.
Tal é a importância social desse direito, que, antes mesmo da sociedade brasileira aviltar a reforma do Código Civil, na VIII Conferência Nacional dos Advogados, realizada em Manaus-AM, em maio de 1980, fora aprovada a reintrodução do direito de superfície, em proposição do Prof. RICARDO LIRA, a qual era embasada nos seguintes termos:
"O direito de superfície é uma categoria relevante do ponto de vista jurídico e social, que deve ser restabelecida, em nosso direito positivo, entre os direitos reais, apresentando-se, inclusive, como alternativa válida na implantação de uma política racional de controlo do uso do solo urbano e na solução do problema da reforma agrária e proteção do homem no campo que constrói e planta, matérias essencialmente ligadas às condições elementares da liberdade do homem"[36].
A existência do direito de superfície permitirá maior acesso a moradia pelas populações de baixa renda, pois ao invés dessas adquirirem o solo para construir; o solo com a edificação, poderiam fazê-lo apenas da propriedade superficiária, através de financiamento específico para este tipo de moradia, como pôr exemplo, antecipando o agente financeiro ao proprietário do solo, a aquisição da propriedade superficiária, recebendo em garantia do mútuo, a hipoteca da propriedade superficiária.
Por outro lado, nos centros urbanos, o dono do solo pode ceder a superfície para edificação e pactuar a construção no subsolo de garagens, lojas, escritórios, cinemas, teatros, arquivos, etc., conforme seu interesse, entregando o empreendimento para uma empresa de exploração imobiliária. Hoje, não tendo o proprietário a possibilidade de edificar compatível com a permissão de fazê-lo, só tem como alternativa alienar o terreno, o que as vezes se torna difícil conforme a sua localização ou celebrar contrato com empresas do ramo de incorporação, para que esta edifique, dando-lhe em pagamento unidades futuras, o que põe em risco acentuado a realização de seu direito futuro.
Não raro, necessário se faz transferir o domínio para empresa, para que esta obtenha empréstimo para construção, dando o terreno em hipoteca, obrigando-se por contrato a transferir o domínio das unidades ao então ex-proprietário. Tomado o empréstimo, não realizada a construção ou não realizado o pagamento do mútuo, o credor hipotecário vem com sua força sobre tudo, o solo e edificação, restando ao proprietário lesado, buscar reparação junto a empresa, que a esta altura já faliu ou estará concordatária, ou simplesmente fechou suas portas.
Em sendo admitido o direito de superfície e dele se utilizando, estaria o proprietário do solo garantido quanto a seu direito dominial, incidindo a ação do credor, sobre o bem superficiário, extinguindo-se a hipoteca com o advento termo do direito de superfície. Se extinguir por outra causa (na hipótese, por certo resolução por descumprimento da avença), a hipoteca continuará a gravar a propriedade superficiária.
Posto isso, nos é forçoso concluir, juntamente com MARCIO KLANG, que:
"Partindo-se da premissa de uma intervenção do Estado no domínio econômico, estabelecer-se-á um mercado imobiliário onde a divisão da propriedade entre o proprietário e o superficiário fosse estimulada por incentivos fiscais, tais como isenção, para o dono do solo, do pagamento do imposto predial ou territorial urbano, redução de alíquotas do imposto de renda, por certo lapso de tempo, para o dono do solo, idem para o superficiário, para lhe facilitar a viabilização da concessão ad aedificandum, alíquota reduzida do imposto de transmissão, isenção de pagamento de emolumentos pela lavratura da escritura pública e pelo registro no Registro Geral de Imóveis e muitas outras formas de tornar atraente a utilização do novo instituto" [37].
Evidente assim, que posta a questão aos olhos do jurista, deve ele pregar a reintrodução do instituto, pois tem o direito compromisso com a elaboração de uma sociedade justa, mais humana, permitindo a todos, o acesso a condições de vida mais decentes e mais igualitária.
15 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Importante, ao fim deste trabalho, verificar o porquê do ressurgimento do direito de superfície no direito brasileiro depois de tanto tempo afastado.
Nos últimos anos tem-se tentado conciliar as normas referentes à propriedade do Código Civil com o preceito disposto no artigo 5º, inciso XXIII da Constituição Federal, que consagra a função social da propriedade. Assim, as proposições de redefinição do direito de propriedade não são assunto opcional, mas um imperativo de ordem social, decorrente desses novos conceitos trazidos pela Magna Carta de 1988.
É neste contexto que se insere o direito de superfície, um poderoso instrumento tanto para atenuar a crise habitacional como também efetivar a reformulação agrária brasileira.
No caso do solo de propriedade do Estado, seria menos paternalista e mais flexível a utilização da concessão da superfície em detrimento da doação pura e simples, para o fim de construção de habitações populares e realização da reforma agrária. Já quanto aos terrenos particulares, o governo tem o poder de incentivar o uso do solo com o aumento progressivo da alíquota do IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) e do ITR (Imposto Territorial Rural) para terrenos não construídos e terras improdutivas, respectivamente.
Isto pode levar os proprietários desinteressados em alienar o imóvel a concederem o direito de superfície para que seu terreno seja construído ou plantado.
Além de ser um passo para a atenuação do problema habitacional e agrícola, a implementação destas simples medidas teria o condão de gerar milhares de empregos diretos, tanto no campo, como na cidade, no ramo da construção civil, tudo isso com bastante repercussão na esfera social.
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