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A importância da teoria da imputação objetiva para o ordenamento jurídico brasileiro

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Agenda 08/04/2019 às 15:03

Materialização do risco no resultado

O segundo nível de imputação, a ser analisado depois da verificação da criação de um risco relevante e proibido, consiste em constatar se o risco produzido se refletiu no resultado (ou se este foi produto de outros fatores). Nesse contexto, são analisadas as “causas imprevisíveis” ou “cursos causais extraordinários ou hipotéticos” (ou, ainda, causas supervenientes relativamente independentes à conduta). Não se imputará objetivamente um resultado ao autor, quando este não detinha controle sobre o desenrolar causal dos acontecimentos. Por exemplo, o atropelador não responde pela morte do pedestre ferido se esta se deu por força de um incêndio no hospital. Também se enquadram neste nível de imputação os riscos que não tiveram nenhuma influência no resultado (e, portanto, teriam ocorrido de qualquer maneira). Há casos nos quais o resultado teria ocorrido de qualquer modo, ainda que o agente empregasse toda a diligência recomendada para a situação (GONÇALVES, 2012, p. 264).

Para que haja Imputação Objetiva é preciso que o resultado corresponda exatamente ao risco proibido criado. Desta forma, não haverá Imputação Objetiva em três situações:

  1. Resultado Aleatório: Embora o resultado tenha sido causado pela conduta, ele não corresponde ao risco proibido criado por ela.
  2. Resultado que esta fora do âmbito de proteção de norma de cuidado. Não há imputação objetiva se o resultado não corresponde ao fim de proteção da norma de cuidado violada.
  3. A Conduta Alternativa Irrelevante. Não há imputação objetiva se ficar demonstrado que a conduta correta não teria evitado o resultado.

Âmbito de Alcance do tipo

O terceiro e último nível de imputação consiste em examinar se o risco gerado está compreendido no alcance do tipo. Constatados os níveis anteriores de imputação, deve-se analisar se o risco encontra-se dentro do “alcance do tipo, o fim de proteção da norma inscrita no tipo (ou seja, da proibição de matar, ferir, danificar, entre outras)”. Pode haver casos, segundo Roxin, em que o tipo não compreende “resultados da espécie do ocorrido, isto é, quando o tipo não for determinado a impedir acontecimentos de tal ordem. Esta problemática é relevante em especial nos delitos culposos” (GONÇALVES; ESTEFAM, 2012, p. 322).

Os eventos que não correspondam à função do direito penal não são objetivamente imputáveis como crime. A função do direito penal é impedir condutas que ofendam ou ameacem de forma relevante bens jurídicos alheios. Não há imputação objetiva nas seguintes situações:

  1. Lesão Insignificante: O princípio da insignificância torna atípica a conduta, pois, constitui situação fora do âmbito de alcance do tipo.
  2. Participação na Autocolocação da vítima em risco.
  3. Heterocolocação consentida.

Ementa: Violação de direito autoral com intuito de lucro. Art. 184, §2º, do Código Penal. Autoria e materialidade comprovadas. Conduta ocasional, contudo, que não se insere no âmbito de vigência da norma, cabendo invocar, especificamente neste caso, o delito de bagatela. Absolvição decretada. Recurso provido. ( Tribunal de Justiça de São Paulo Processo: 0028826-73.2009.8.26.0405 .Órgão julgador:10ª Câmara de Direito Criminal Relator(a):Francisco Bruno Comarca:São Paulo Data do julgamento:13/09/2012 Data de registro:16/09/2012).

Para nós, a ausência da imputação objetiva conduz à atipicidade do fato. Não se trata de causa de justificação (excludente da antijuridicidade). Uma conduta que, p. ex., conduz alguém a submeter-se a um risco normal na vida em sociedade, o chamado “risco tolerado”, não gera adequação típica, i.e., não constitui nenhum tipo incriminador. Assim, não há tipicidade no fato de induzir alguém a se colocar em tal situação que venha a correr um risco natural na vida social, tolerado e permitido pela ordem jurídica. A criação de risco permitido é atípica, ainda que produza resultado jurídico. De modo que não existe delito por ausência de fato típico (JESUS, 2011, p.325).


A IMPUTAÇÃO OBJETIVA NA JURISPRUDÊNCIA

A Teoria da imputação objetiva, por ser relativamente nova, e por não estar contemplada no Sistema Finalista, o qual norteia atualmente nosso Código Penal, não é reconhecida por grande parte dos magistrados em suas sentenças, porém, alguns tribunais, já aplicam tal Teoria. Merece destaque a orientação do Superior Tribunal de Justiça que, em diversos casos, já reconheceu a Teoria da Imputação Objetiva, tanto para afastar a imputação como para reconhecê-la.

Cite-se, como exemplo, julgado prolatado em 2009, no qual se concedeu ordem de habeas corpus em favor do paciente, engenheiro naval a quem, embora se pudesse falar em nexo de causalidade entre sua conduta e o resultado, não se poderia imputar objetivamente a morte de um mergulhador profissional, pois o risco por ele gerado mostrou-se juridicamente permitido. Note-se que, embora não citado na ementa, aplica-se ao caso o princípio da confiança (que Roxin analisa dentro do risco permitido e Jakobs trata destacadamente, como excludente da imputação causalisticamente constatada); confira-se:

“Habeas Corpus. Homicídio Culposo. Vítima — Mergulhador Profissional Contratado Para Vistoriar Acidente Marítimo. Art. 121, §§ 3º e 4º, primeira parte, do Código Penal. Trancamento de Ação Penal. Ausência de Justa Causa.

Para que o agente seja condenado pela prática de crime culposo, são necessários, dentre outros requisitos: a inobservância do dever de cuidado objetivo (negligência, imprudência ou imperícia) e o nexo de causalidade. No caso, a denúncia imputa ao paciente a prática de crime omissivo culposo, na forma imprópria. A teoria do § 2º do art. 13 do Código Penal, somente poderá ser autor do delito quem se encontrar dentro de um determinado círculo normativo, ou seja, em posição de garantidor. A hipótese não trata, evidentemente, de uma autêntica relação causal, já que a omissão, sendo um não agir, nada poderia causar, no sentido naturalístico da expressão. Portanto, a relação causal exigida para a configuração do fato típico em questão é de natureza normativa. Da análise singela dos autos, sem que haja a necessidade de se incursionar na seara fático-probatória, verificou que a ausência do nexo causal se confirma nas narrativas constantes na própria denúncia. Diante do quadro delineado, não há falar em negligência na conduta do paciente (engenheiro naval), dado que prestou as informações que entendia pertinentes ao êxito do trabalho do profissional qualificado, alertando-os sobre a sua exposição à substância tóxica, confiando que o contratado executaria a operação de mergulho dentro das regras de segurança exigíveis ao desempenho de sua atividade, que mesmo em situações normais já é extremamente perigosa. Ainda que se admita a existência de relação de causalidade entre a conduta do acusado e a morte do mergulhador, à luz da teoria da imputação objetiva, seria necessária a demonstração da criação pelo paciente de uma situação de risco não permitido, não ocorrente, na hipótese. Com efeito, não há como asseverar, de forma efetiva, que engenheiro tenha contribuído de alguma forma para aumentar o risco já existente (permitido) ou estabelecido situação que ultrapasse os limites para os quais tal risco seria juridicamente tolerado. Habeas corpus concedido para trancar a ação penal, por atipicidade da conduta.”(STJ, HC 68.871/PR, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, Rel. p/ Ac. Min. Og Fernandes, 6ª Turma, julgado em 06.08.2009, DJe05.10.2009). (GONÇALVES, 2012, p. 270).

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PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO CULPOSO. MORTE POR AFOGAMENTO NA PISCINA. COMISSÃO DE FORMATURA. INÉPCIA DA DENÚNCIA. ACUSAÇÃO GENÉRICA. AUSÊNCIA DE PREVISIBILIDADE, DE NEXO DE CAUSALIDADE E DA CRIAÇÃO DE UM RISCO NÃO PERMITIDO. PRINCÍPIO DA CONFIANÇA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. ATIPICIDADE DA CONDUTA. ORDEM CONCEDIDA.

Afirmar na denúncia que “a vítima foi jogada dentro da piscina por seus colegas, assim como tantos outros que estavam presentes, ocasionando seu óbito” não atende satisfatoriamente aos requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal, uma vez que, segundo o referido dispositivo legal, “A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas”.

Mesmo que se admita certo abrandamento no tocante ao rigor da individualização das condutas, quando se trata de delito de autoria coletiva, não existe respaldo jurisprudencial para uma acusação genérica, que impeça o exercício da ampla defesa, por não demonstrar qual a conduta tida por delituosa, considerando que nenhum dos membros da referida comissão foi apontado na peça acusatória como sendo pessoa que jogou a vítima na piscina.

Por outro lado, narrando a denúncia que a vítima afogou-se em virtude da ingestão de substâncias psicotrópicas, o que caracteriza uma autocolocação em risco, excludente da responsabilidade criminal, ausente o nexo causal.

Ainda que se admita a existência de relação de causalidade entre a conduta dos acusados e a morte da vítima, à luz da teoria da imputação objetiva, necessária é a demonstração da criação pelos agentes de uma situação de risco não permitido, não-ocorrente, na hipótese, porquanto é inviável exigir de uma Comissão de Formatura um rigor na fiscalização das substâncias ingeridas por todos os participantes de uma festa.

Associada à teoria da imputação objetiva, sustenta a doutrina que vigora o princípio da confiança, as pessoas se comportarão em conformidade com o direito, o que não ocorreu in casu, pois a vítima veio a afogar-se, segundo a denúncia, em virtude de ter ingerido substâncias psicotrópicas, comportando-se, portanto, de forma contrária aos padrões esperados, afastando, assim, a responsabilidade dos pacientes, diante da inexistência de previsibilidade do resultado, acarretando a atipicidade da conduta.

Ordem concedida para trancar a ação penal, por atipicidade da conduta, em razão da ausência de previsibilidade, de nexo de causalidade e de criação de um risco não permitido, em relação a todos os denunciados, por força do disposto no art. 580 do Código de Processo Penal.STJ (STJ, HC 46.525-MT, Quinta Turma, rel. Min. Arnaldo Esteves, j. 20.03.06)

EMENTA: APELAÇÃO. NULIDADE PROCESSUAL. LESÃO CORPORAL CULPOSA. COMPORTAMENTO DA VÍTIMA. CAUSA DETERMINANTE. TEORIA DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA.Não há falar em nulidade processual, haja vista ser inaplicável a esta Justiça Especializada o instituto da defesa preliminar introduzido no CPP pela Lei nº 11.719/2008. O Diploma adjetivo castrense dispõe de rito próprio, inexistindo lacuna a sersuprida.Embora o Laudo do Instituto de Criminalística tenha apontado como causa determinante do acidente o excesso de velocidade, os autos revelam terem os peritos desconsiderado o comportamento da vítima.Inolvidável ter o ofendido fomentado o risco, violando, por impulso, o dever de autoproteção e infringindo, por consequência, as normas de trânsito cuja expectativa social deveria cumprir.Os depoimentos testemunhais não deixam dúvidas sobre o estado de embriaguez da vítima e confirmam o semáforo aberto no momento do sinistro, tendo o ofendido se lançado à frente do carro sem o menor cuidado.Por inexistir culpa, deve ser considerada atípica a conduta nos moldes do art. 439, alínea b, do CPPM. Em virtude de a Apelação ter efeito devolutivo amplo, restituindo à Corte toda a matéria para reanálise, necessária a alteração da alínea emquestão, por ser mais benéfica ao réu.Preliminar de Nulidade. Rejeitada por unanimidade.Recurso Negado. Decisão majoritária.(STM AP 132520097120012 AM 0000013-25.2009.7.12.0012 Publicação 20/09/2012 Vol: Veículo: DJE Julgamento 16 de Agosto de 2012 Relator Maria Elizabeth Guimarães Teixeira Rocha)

APELAÇÃO CRIMINAL. ACUSADA QUE DEIXOU DE LANÇAR, EM LIVROS PRÓPRIOS, NOTAS FISCAIS DE ENTRADA DE MERCADORIA. DENÚNCIA PELO CRIME-MEIO (FALSIDADE IDEOLÓGICA). SENTENÇA ABSOLUTÓRIA POR INSUFICIÊNCIA DE PROVAS DA EXISTÊNCIA DOS CRIMES. DECISÃO DO CONSELHO DE CONTRIBUINTES ATESTANDO A AUSÊNCIA DE QUALQUER PREJUÍZO À ORDEM TRIBUTÁRIA. CONDUTAS DIVORCIADAS DE PONTENCIALIDADE LESIVA SUFICIENTE A ENGANAR AS AUTORIDADES FAZENDÁRAIS. FÉ PÚBLICA NÃO PREJUDICADA. CONDUTAS MATERIALMENTE ATÍPICAS PORQUE INÁBEIS A CRIAR OU INCREMENTAR RISCO JURIDICAMENTE RELEVANTE E PROTEGIDO. APLICAÇÃO DA TEORIA DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA. INEXISTÊNCIA DE OFENSA A BEM JURÍDICO PROTEGIDO QUE IMPEDE SE DENUNCIE PELO CRIME-MEIO. ABSOLUTA INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE. SENTENÇA DE ABSOLVIÇÃO MANTIDA, PORÉM, COM FUNDAMENTAÇÃO DIVERSA.

Pelo conceito constitucional do tipo penal, a subsunção do comportamento exige, além das dimensões formais, subjetiva e normativa, a imputação objetiva, ou seja, a criação ou incremento de risco juridicamente protegido e socialmente relevante caracterizada pelo efetivo prejuízo ao bem jurídico tutelado.

A falsidade ideológica, divorciada de um mínimo de potencialidade ofensiva, e, por isso, inábil a enganar as autoridades fazendárias, não se mostra materialmente típica porque incapaz de prejudicar efetivamente a fé pública, carecendo, portanto, de imputação objetiva.(TJ PR ACR 6837609 PR 0683760-9 Orgão Julgador 2ª Câmara Criminal Publicação DJ: 508 Julgamento 21 de Outubro de 2010 Relator João Kopytowski).


CONCLUSÃO

Como visto, ao longo do tempo, através da evolução do direito penal, o qual evoluiu juntamente com nossa sociedade, foram apresentados alguns sistemas penais, os quais se mostraram adequados para a época, porém, tiveram que ser substituídos por novos sistemas, como forma de se adequar a nova realidade do direito.

Dessa forma, e conforme demonstrado, conclui-se que a reforma da parte geral do atual Código Penal, a qual se deu em 1984, baseada no sistema Finalista, mostrou-se adequada para a época, porém, deixou de se mostrar plenamente eficaz ao longo do tempo. Seria papel do nexo causal vincular determinado resultado à seu real causador. No entanto, o desenvolvimento da sociedade fez que com que diferentes situações concretas surgissem, de forma a se questionar a real eficácia dos critérios de causalidade, já consolidados na árdua tarefa de atribuir a justa responsabilização penal.  

A tarefa principal do direito penal estava em distinguir um fato realmente causado por determinado agente daqueles fatos que poderiam ser atribuídos ao acaso, estando estes últimos fora dos limites da imputação penal. Para que essa tarefa fosse cumprida com êxito, a teoria da conditio sine qua non fora substituída por novas e modernas teorias que à época propunham a resolução dos problemas da causalidade no direito penal: a missão era tão difícil que apesar da contribuição de tais teorias para o aprimoramento da questão, nenhuma foi capaz de resolver os problemas já existentes de forma completa e definitiva. Nesse contexto, Claus Roxin sistematiza os conceitos de Karl Larenz e Richard Honig para criar uma verdadeira teoria da imputação objetiva. Buscando criar uma teoria geral, Roxin elabora vários critérios objetivos de imputação por meio de uma casuística ampla que gerou uma tópica amplamente criticada.

Com surgimento do Sistema Funcionalista e da Teoria da Imputação Objetiva de Roxin, Teoria esta não englobada por todos, pelo Sistema Finalista, e que mostra-se de suma importância para a solução de alguns casos, vemos a necessidade de atualizar novamente o direito penal, de forma a abranger de forma inequívoca a Teoria em estudo, como forma de se adequar ao atual momento do direito penal. Conforme alguns julgados apresentados dentre os inúmeros existentes, podemos perceber que se não fosse a Teoria da Imputação Objetiva, os agentes seriam condenados de forma indevida, com base na Teoria da “Conditio sinequa non” presente no sistema Finalista, Teoria esta, que não consegue dar solução satisfatória a determinados casos.

Conforme pode ser observado, esse trabalho teve como objetivo, não a observância de forma altamente detalhada nas minúcias da teoria da imputação objetiva e suas complexas vertentes, mas limitou-se a traçar em linhas gerais as principais informações sobre tal Teoria e sua aplicabilidade no direito penal.

Com este breve estudo, procuramos, sinteticamente, apresentar os fundamentos dogmáticos e a estrutura básica da teoria da imputação objetiva, de modo a introduzir o leitor naquela que, talvez, seja a teoria que mais discussões suscite na moderna teoria do crime.

Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROCHA, Rodrigo Pivato. A importância da teoria da imputação objetiva para o ordenamento jurídico brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5759, 8 abr. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/73079. Acesso em: 18 dez. 2024.

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