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Vulnerabilidade jurídica nos crimes contra a liberdade sexual

Agenda 29/04/2019 às 11:06

O presente artigo, aborda uma breve analise da vulnerabilidade jurídica nos crimes contra a liberdade sexual que implica analisar os crimes contra a dignidade sexual previstos no Código Penal.

O Código Penal Brasileiro datado de 1940 vem sofrendo modificações no seu texto, visando se ajustar às necessidades de cada época, tendo em vista que a dinamicidade do crime alcança proporções cada vez maiores e a legislação penal por estar defasada não pune com rigor determinadas práticas criminosas, fazendo com que a sensação de impunidade impere no país.

Nessa perspectiva abordar-se-á a vulnerabilidade jurídica nos crimes contra a liberdade sexual que implica analisar os crimes contra a dignidade sexual, previstos no Título VI do referido Código, os quais já tiveram suas redações modificadas pelas leis nº 10.224, de 15 de 2001, Lei nº 11.106, de 2005, Lei nº 12.015, de 2009 e Lei nº 12.978, de 2014.

Inicialmente, importante se faz compreender o conceito de vulnerabilidade jurídica que, segundo Marques (2003, p. 148) “consiste na falta de conhecimentos jurídicos específicos”, e, conforme Capez (2013) vulnerável é qualquer pessoa em situação de fragilidade ou perigo. O mesmo autor acrescenta que a lei não faz menção à capacidade para consentir ou à maturidade sexual da vítima, importando o fato desta se encontrar em uma situação de maior fraqueza moral, social, cultural, fisiológica, biológica etc.

Complementando os posicionamentos anteriores, Andreucci (2016, p. 1) explica que:

O termo ‘vulnerável’ foi introduzido no Código Penal pela Lei n. 12.015/2009, ao tratar dos crimes sexuais contra vulneráveis. Entretanto, a abrangência do citado termo foi limitada, indicando ser:

a) pessoa menor de 14 anos, para os crimes de estupro, corrupção de menores e satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente;

b) pessoa menor de 18 anos, para o crime de favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual;

c) pessoa que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato;

  d) pessoa que, por qualquer outra causa, não pode oferecer                  resistência.

Imprescindível se faz comentar a valiosa contribuição advinda das modificações na legislação penal pelas leis acima mencionadas, visto que, a partir do advento da Lei nº 12.015, de 2009, por exemplo, o bem juridicamente protegido deixa de ser apenas “a honra e a honestidade das famílias” para contemplar a liberdade e a dignidade sexual tanto do homem quanto da mulher (art. 213 do CP). Nesse escopo, Pierangeli e Souza (2010, p. 10) lecionam que "o bem juridicamente tutelado é a liberdade sexual do homem e da mulher, que têm o direito de dispor de seus corpos de acordo com sua eleição".

Entretanto, embora a Lei nº 12.015, de 2009 tenha aumentado a pena para o agente dos crimes previstos no Título VI do Código referido, entende-se que o Estado precisa avançar no combate aos crimes que violam o direito à dignidade sexual da pessoa, a exemplo da repressão à impunidade, como forma de garantir ao cidadão e à cidadã brasileira a liberdade de escolha do parceiro ou parceira com quem e quando deseja se relacionar. Nesse sentido, considera-se relevante visualizar algumas penas estabelecidas pelo Código Penal, o que pode gerar a sensação de impunidade e, consequentemente, fazer com que o crime prospere no país. Veja o quadro abaixo:

Quadro 1 – Alguns tipos de crimes previstos no Código Penal Brasileiro

TIPO DE CRIME

ARTIGO

PENA

Estupro (Lei nº 12.015, de 2009)

213

Reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos (caput);

Reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos - se a vítima for menor de 18 anos ou maior de 14 anos (§ 1o);

Reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos – se resultar em morte (§ 2o)

Assédio Sexual (Lei nº 10.224, de 2001)

216-A

Detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos (caput);

A pena é aumentada em até um terço se a vítima é menor de 18 (dezoito) anos (§ 2o)

Estupro de vulnerável (Lei nº 12.015, de 2009)

217-A

Reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos (caput)

Reclusão, de 10 (dez) a 20 (vinte) anos - Se resultar em lesão corporal de natureza grave (§ 3o);

Reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos  - Se resultar em morte (§ 4o )             

Satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente (Lei nº 12.015, de 2009)

218-A

Reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos

Favorecimento da prostituição ou de outra forma de exploração sexual de criança ou adolescente ou de vulnerável (Lei nº 12.978, de 2014)

218-B

Reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos (caput), acrescido de multa, se o crime é praticado com o fim de obter vantagem econômica (§ 1o)

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Fonte: Código Penal, 1940.

Veja no quadro acima que a maior pena é a de reclusão com 12 anos ou mais, a qual só será aplicada se o ato criminoso resultar em morte, o que permite compreender que o agente será punido pelo crime de homicídio e não pelo crime de estupro, embora aquele tenha sido o resultado deste.

Outro crime com pena entre 1 a 2 anos de detenção é o crime de assédio sexual que podem se comunicar com as penas assentadas no art. 144 do mesmo diploma legal, uma vez que possibilita a sua conversão em outras penas ainda mais brandas, conforme se pode conferir no texto da lei penal ipsis litteris .

Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando:

[...]

§ 2o Na condenação igual ou inferior a um ano, a substituição pode ser feita por multa ou por uma pena restritiva de direitos; se superior a um ano, a pena privativa de liberdade pode ser substituída por uma pena restritiva de direitos e multa ou por duas restritivas de direitos.

Para Greco (2015), a multa, enquanto pena pecuniária é impessoal e pode ser paga por qualquer pessoa, resultando, portanto, duplamente injusta, pois, “em relação ao réu, que não a quita e se subtrai, assim, à pena; em relação ao terceiro, parente ou amigo, que paga e fica, assim, submetido a uma pena por um fato alheio.”

Com isso, percebe-se uma legislação penal branda, razão pela qual não consegue inibir o crime no país. Esse entendimento dialoga com o posicionamento do promotor Carlos Eduardo Fonseca da Matta[1], quando afirma que as penas previstas no Código Penal, são demasiadamente brandas, tornando-se a maior causa do descontrole da criminalidade. Segundo ele, a legislação em comento é muito atrasada e extremamente favorável aos criminosos.

[1] Informações concedidas em entrevista à Revista Super Interessante, em 2002 e reeditada em 31 de outubro de 2016.

Outra crítica que precisa ser apontada diz respeito à falta de unificação entre as idades da pessoa considerada vulnerável que precisa de proteção integral do Estado, pois enquanto a Lei 8.069/90 - Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) conceitua criança como a pessoa com idade até 12 anos, o Código Penal considera vulneráveis as pessoas menores de 14 anos.

Concomitante, o legislador subtraiu o direito de amar das pessoas com enfermidade ou deficiência mental, quando vinculou ao estupro de vulnerável a conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com estas pessoas (art. 217-A), ou seja, qualquer um que possa manter uma relação com eles estará cometendo uma prática delituosa. Isso fere também um dos fundamentos da República Federativa do Brasil que é a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III)

Enfim, a análise sobre a vulnerabilidade jurídica nos crimes contra a liberdade sexual permite inferir que o Código Penal Brasileiro, apesar de ter sofrido modificações ao longo da sua história, ainda carece de ajuste, sobretudo no tocante à sintonia entre outros diplomas legais vigentes no país, a exemplo do que foi mencionado nos parágrafos anteriores. 

REFERÊNCIAS

ANDREUCCI, Ricardo Antonio. Idade da vítima e vulnerabilidade nos crimes contra a dignidade sexual (2016). Disponível em: http://emporiododireito.com.br/ leitura/idade-da-vitima-e-vulnerabilidade-nos-crimes-contra-a-dignidade-sexual-por-ricardo-antonio-andreucci. Acesso em: 8 set 2018.

BRASIL. Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Rio de Janeiro; Casa Civil / Congresso Nacional, 1940.

______. Constituição da República Federativa, de 1988. Brasília: Casa Civil/ Congresso nacional, 1988.

CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal 3, parte especial: dos crimes contra a dignidade sexual a dos crimes contra a administração pública. Med. São Paulo: Saraiva, 2013

GRECO, Rogério. Curso de direito penal – parte especial. V. III; 7. ed. Niterói: Impetus, 2010.

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal, Vol. 1. 17. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2015.

MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor. 4. Ed. São Paulo: RT, 2003, p. 148

PIERANGELI, José Henrique; SOUZA, Carmo Antônio de. Crimes sexuais. Belo Horizonte: Del Rey, 2010.

Sobre o autor
Paulo Alfredo Moraes

Bacharel em Direito - Unibalsas. Pós graduado em Ciências Penais, Direito Público e Criminologia - Uniderp. Mestrando em Direito Penal - Unifsa.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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