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A Lei nº 13.811/2019 e os seus reflexos na união estável

A presente perquirição almeja compreender a alteração legislativa do art. 1.520 do Código Civil, realizada por meio da Lei n. 13.811/2019, que veda expressamente o casamento de menores de 16 (dezesseis) anos, e os seus reflexos na união estável.

1. INTRODUÇÃO

O casamento é a entidade familiar mais tradicional do Direito, tanto que o atual Código Civil pouco inovou a respeito, tratando-o com primazia ao discipliná-lo, exaustivamente, quanto a sua celebração, regime e consequências jurídicas na seara de direitos e obrigações dos nubentes, embora a união estável tenha se tornado cada vez mais constante no Brasil, enquanto forma de constituição de família, a ponto de gerar debates doutrinários e jurisprudenciais referentes à sua equiparação ao matrimônio.

Nesse contexto, a Lei n. 13.811/2019 vedou o casamento, de forma absoluta, àqueles que não atingiram a idade núbil, qual seja, 16 (dezesseis) anos (art. 1.517 do CC), ao alterar o art. 1.520 do Código Civil, nos seguintes termos: “Não será permitido, em qualquer caso, o casamento de quem não atingiu a idade núbil, observado o disposto no art. 1.517 deste Código”.

 Todavia, não esclareceu, como já era de se esperar em vista da legislação civil conservadora, se tal vedação se estende à união estável de modo a inviabilizar direitos e obrigações aos que vivem como se casados fossem com idades inferiores à núbil.

A propósito, observa-se um vácuo legal para as pessoas entre 14 (quatorze) e 16 (dezesseis anos) incompletos. Isso, porque, a união com menores de 14 (quatorze) anos completos faz com que o maior incida no crime de estupro de vulnerável, ao passo que se unir com maior de 16 (dezesseis) anos não inviabiliza a conversão em casamento, prevista na Constituição Federal (art. 226, §3º).

Salienta-se que antes mesmo da alteração legislativa de 2019, apenas a menor de 16 (dezesseis) anos grávida poderia se casar e, até 2005, a outra hipótese de casamento abaixo da idade núbil seria no caso de extinção da punibilidade para o estuprador que se casasse com a vítima (para evitar a imposição ou cumprimento de pena criminal), vedado o matrimônio em se tratando de relações sexuais consensuais.

 Logo, já existia a lacuna legal para a união estável dos incapazes fora das aludidas hipóteses excetuadas pelo Código Civil para o casamento, que não passavam pelo crivo do Estado e dispensavam a autorização dos pais ou responsáveis. Uma situação fática com consequências pouco analisadas na esfera legal.

Assim, com o objetivo de analisar tais consequências legais, imperiosa a contextualização nacional e internacional da referida alteração legislativa que traz uma vedação absoluta às uniões civis daqueles que ainda não atingiram a idade núbil, com o intuito de não desprezar a realidade fática dos brasileiros em face da idealização legislativa, até mesmo como uma forma de não deixar ao desabrigo legal pessoas que não se enquadram nos requisitos do matrimônio, os quais, muitas vezes, servem de parâmetro às uniões estáveis.

Para atingir tal intento, inicialmente, far-se-á uma análise da justificativa do projeto de lei da Deputada Laura Carneiro a fim de se aferir a sua motivação e o espeque no direito nacional e internacional, assim como os eventos sociais relativos à mulher e à proteção da infância e adolescência, especialmente no que tange ao combate ao casamento infantil.

A propósito, observa-se que a referia parlamentar baseou-se em estudo da Organização Não Governamental Promundo, datado de 2015, com a seguinte conclusão:

Segundo estudo capitaneado pela Organização Não Governamental Promundo, publicado em 2015, o Brasil é o quarto país em números absolutos com mais casamentos infantis no mundo. Três milhões de mulheres afirmaram ter casado antes dos 18 anos.

Mais do que isso, o estudo indica que 877 mil mulheres brasileiras casaram-se com até 15 anos de idade e que, atualmente, existiriam cerca de 88 mil meninos e meninas (com idades entre 10 e 14 anos) em uniões consensuais, civis e/ou religiosas no Brasil (CARNEIRO, 2018).

Na sequência, será analisado o aspecto histórico e jurídico do casamento no Brasil, observando a evolução legislativa ao longo dos anos, desde o Brasil Império até a atualidade, em paralelo à proteção dos infantes, mormente do sexo feminino.

Ao final, observar-se-á o tratamento legal e jurisprudencial da união estável e o seu reflexo da realidade brasileira de uniões sem o crivo do Estado com absolutamente incapazes, porém, não considerados vulneráveis pelo Direito Penal.

Enfim, o presente trabalho almeja constatar se há eficácia social no combate, por meio de lei, ao casamento infantil com o impedimento total ao enlace de absolutamente incapazes, em vista da persistência de uniões estáveis de menores e se, diante da nova legislação, tais situações fáticas ficariam sem o amparo legal para direitos e obrigações equivalentes aos do matrimônio.

Para tanto, na apuração de dados, foi realizada pesquisa bilbiográfica e documental em livros e artigos científicos, bem como no texto de lei e no teor de jurisprudências do Estado de Santa Catarina e das Cortes Superiores.

2. DESENVOLVIMENTO

No dia 12 de março de 2019 entrou em vigor a Lei n. 13.811/2019, que confere nova redação ao art. 1.520 do Código Civil (CC), suprimindo as exceções permissivas ao casamento infantil, de modo que, atualmente no Brasil, o casamento passa a ser permitido, apenas, para pessoas com 16 (dezesseis) anos completos e mediante a autorização dos pais ou responsáveis, considerando que ainda são menores, com fulcro no art. 1.517 do diploma civil.

Tal alteração legislativa foi justificada pela Deputada Federal Laura Carneiro em vista da realidade brasileira, com um número alarmante de casamentos infantis, e do movimento internacional, que reflete na esfera jurídica de muitos Países, para o combate ao matrimônio de absolutamente incapazes. Assim se depreende do texto do Projeto de Lei n. 56 de 2018:

A correlação entre o casamento precoce e a gravidez na adolescência, o abandono escolar, a exploração sexual e outros males são mais que atestados pela literatura especializada e demanda dos governos e parlamentos uma resposta enérgica no que concerne à proteção da dignidade das crianças e jovens.

Uma das agendas de enfrentamento sugeridas por estudos como o já citado e outros estudos recentes como o do Banco Mundial intitulado “Fechando a Brecha: Melhorando as Leis de Proteção à Mulher contra a Violência” é justamente a relacionada à eliminação de brechas legais para o casamento infantil.

O projeto de lei que ora apresentamos visa dar um passo adiante nesta agenda ao modificar a antiga redação do Artigo 1520 do Código Civil que prevê exceções para o casamento infantil, ao 1) permitir casamento de menores de 16 anos em casos de gravidez e para 2) evitar imposição ou cumprimento de pena criminal.

Esta segunda exceção, é bem verdade, foi, para o bem, expungida do ordenamento jurídico por força da Lei 11.106/2005, que alterou expressamente os incisos VII e VIII do Art.107 do Código Penal, eliminando, portanto, a possibilidade de casamento para evitar imposição ou cumprimento de pena criminal. No entanto, a própria presença dessa redação, ainda que destituída de eficácia, atenta tanto contra a dignidade das crianças quanto contra a imagem do país no exterior.

Em relação à primeira exceção, relacionadas a casos de gravidez, cumpre notar que se trata de legislação incompatível com os avanços da ciência e das políticas públicas, que já demonstraram, respectivamente, os prejuízos psicológicos e sociais deste tipo de união, incompatível com o nível de desenvolvimento psicossocial de crianças. Cumpre notar, ainda, que se trata de política discriminatória, uma vez que incide de modos distintos sobre meninos e meninas.

Longe de constituir inovação, a exclusão desta exceção, aliás, nada mais é do que a adequação da legislação pátria a um movimento global de proteção à infância e juventude. Para que se tenha uma ideia, na América Latina, apenas Venezuela, Guiana, Guatemala, Honduras e Brasil prevêem permissão para o casamento abaixo da idade legal em casos de gravidez.

O tratamento adequado, dessa maneira, deve se dar pelo acompanhamento psicossocial e fortalecimento das redes de proteção governamentais e, sobretudo, familiares de atendimento a crianças e adolescentes, sem descuidar da importância central de organizações da sociedade civil.

Consideramos ainda que, mais do que suprimir do texto as exceções elencadas, é importante fazer constar a vedação expressa a qualquer tipo de exceção que atente contra a dignidade das nossas crianças, motivo pelo qual optamos por uma nova redação ao invés da revogação pura e simples do dispositivo.

Nestes termos, solicito a chancela dos ilustríssimos pares no sentido de adequarmos a legislação brasileira aos avanços e padrões internacionais de proteção às crianças e adolescentes e às próprias modificações impressas na legislação pátria, como as provocadas por força da Lei 11.106/2005 (CARNEIRO, 2018).

Como se vê, o intento maior da nova legislação é resguardar a dignidade humana de crianças e adolescentes, especialmente do sexo feminino, a fim de que não sejam submetidas a casamentos precoces que comprometem o seu presente e o seu futuro.

A desigualdade de gêneros tornou-se a principal preocupação de organizações não governamentais como a Promundo, sendo uma das boas influências à Deputada Laura Carneiro. A respeito, depreende-se informação do site oficial da organização (<https://promundo.org.br/sobre-o-promundo/>):

Promundo é uma organização não governamental que atua em diversos países do mundo buscando promover a igualdade de gênero e a prevenção da violência com foco no envolvimento de homens e mulheres na transformação de masculinidades.

[...]

Desde sua fundação no Brasil em 1997, o Promundo ampliou sua atuação para diversos países do mundo para contribuir com o avanço da equidade de gênero. Além de realizar campanhas e grupos educativos, em contextos de pós-conflito trabalhamos com grupos de terapia que criam espaços seguros para que homens e mulheres se recuperem de traumas. Atualmente, já adaptamos nossas metodologias em mais de 22 países.

Grandes organizações incluindo a Organização das Nações Unidas, o Banco Mundial, a Organização Mundial de Saúde e governos nacionais já apoiaram nossa causa, trabalhando como parceiros em nossas iniciativas ou adotando nossos programas e implementando-os em inúmeras comunidades em todo o mundo.

Como se vê na supracitada redação do projeto de lei, o Banco Mundial também passou a se preocupar com a questão de gênero, não só apoiando causas como da Promundo, mas também investindo em estudos como “Fechando a Brecha: Melhorando as Leis de Proteção à Mulher contra a Violência”, o qual também influenciou positivamente a Deputada Laura Carneiro, uma vez que visa à eliminação de brechas ao casamento infantil nas legislações dos Países.

De qualquer forma, a preocupação internacional com os temas “crianças e adolescentes” e “proteção à mulher” é antiga e reflete na evolução legislativa do final do Século XX até o período contemporâneo.

A respeito, a Convenção Internacional sobre Direitos da Criança e do Adolescente estabelece no seu art. 1 que, “considera-se como criança todo ser humano com menos de dezoito anos de idade, a não ser que, em conformidade com a lei aplicável à criança, a maioridade seja alcançada antes”.

O Brasil ratificou a referida Convenção em 24 de setembro de 1990 e a incorporou ao próprio ordenamento jurídico por meio do Decreto n. 99.710/1990, dispondo no seu art. 1º que, “A Convenção sobre os Direitos da Criança, apensa por cópia ao presente Decreto, será executada e cumprida tão inteiramente como nela se contém”.

Com efeito, o art. 5º do Código Civil determina que, “A menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil”, porém, apresenta algumas exceções ao permitir a cessação anterior, no parágrafo único, pelo casamento (inciso II).

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Ocorre que não basta o casamento em qualquer idade para que o adolescente faça cessar a menoridade civil, devendo ser atingida, antes, a capacidade matrimonial ou idade núbil, que, como já dito reiteradamente, é de 16 (dezesseis) anos completos, a teor do art. 1.517 do diploma civil com a novel redação.

Sobre a idade núbil, depreende-se da Declaração Universal de Direitos Humanos:

Artigo 16°

1. A partir da idade núbil, o homem e a mulher têm o direito de casar e de constituir família, sem restrição alguma de raça, nacionalidade ou religião. Durante o casamento e na altura da sua dissolução, ambos têm direitos iguais.

2.O casamento não pode ser celebrado sem o livre e pleno consentimento dos futuros esposos.

3.A família é o elemento natural e fundamental da sociedade e tem direito à proteção desta e do Estado.

Outrossim, dispõe o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos de 1966, in verbis:

Artigo 23 – 1. A família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e terá o direito de ser protegida pela sociedade e pelo Estado.

2. Será reconhecido o direito do homem e da mulher de, em idade núbil, contrair casamento e constituir família.

3. Casamento algum será celebrado sem o consentimento livre e pleno dos futuros esposos.

4. Os Estados-partes no presente Pacto deverão adotar as medidas apropriadas para assegurar a igualdade de direitos e responsabilidades dos esposos quanto ao casamento, durante o mesmo e por ocasião de sua dissolução. Em caso de dissolução, deverão adotar-se as disposições que assegurem a proteção necessária para os filhos.

Destarte, sem previsão específica, restou a cada País signatário estipular a própria idade núbil, desde que observada a razoabilidade de modo a impedir o matrimônio infantil.

Tal conclusão pode se extraída do texto expresso do art. 16 da Convenção sobre eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher, ipisis literis:

1. Os Estados-Partes adotarão todas as medidas adequadas para eliminar a discriminação contra a mulher em todos os assuntos relativos ao casamento e às ralações familiares e, em particular, com base na igualdade entre homens e mulheres, assegurarão:

a) O mesmo direito de contrair matrimônio;

b) O mesmo direito de escolher livremente o cônjuge e de contrair matrimônio somente com livre e pleno consentimento;

c) Os mesmos direitos e responsabilidades durante o casamento e por ocasião de sua dissolução;

d) Os mesmos direitos e responsabilidades como pais, qualquer que seja seu estado civil, em matérias pertinentes aos filhos. Em todos os casos, os interesses dos filhos serão a consideração primordial;

e) Os mesmos direitos de decidir livre a responsavelmente sobre o número de seus filhos e sobre o intervalo entre os nascimentos e a ter acesso à informação, à educação e aos meios que lhes permitam exercer esses direitos;

f) Os mesmos direitos e responsabilidades com respeito à tutela, curatela, guarda e adoção dos filhos, ou institutos análogos, quando esses conceitos existirem na legislação nacional. Em todos os casos os interesses dos filhos serão a consideração primordial;

g) Os mesmos direitos pessoais como marido e mulher, inclusive o direito de escolher sobrenome, profissão e ocupação;

h) Os mesmos direitos a ambos os cônjuges em matéria de propriedade, aquisição, gestão, administração, gozo e disposição dos bens, tanto a título gratuito quanto à título oneroso.

2. Os esponsais e o casamento de uma criança não terão efeito legal e todas as medidas necessárias, inclusive as de caráter legislativo, serão adotadas para estabelecer uma idade mínima para o casamento e para tornar obrigatória a inscrição de casamentos em registro oficial (grifou-se).

Tal Convenção foi ratificada pelo Brasil e incorporada ao ordenamento jurídico pátrio mediante o Decreto n. 4.377, que entrou em vigor em 13 de setembro de 2002, época na qual ainda existiam as exceções permissivas aos casamentos de infantes, apesar da clareza da legislação supranacional no sentido de que tais enlaces não poderiam ter efeitos legais.  De outra banda, são pedidas providências legais aos Países signatários para estipular idade mínima, sem, contudo, estabelecer qualquer parâmetro, deixando grande margem de discricionaridade e subjetividade.

Nesse contexto de preocupação internacional com a questão do casamento de infantes, um grupo de especialistas das Nações Unidas fez uma Declaração conjunta, em 11 de outubro de 2012, para marcar o primeiro dia internacional das meninas, nos seguintes termos:

Genebra – “As meninas que são forçadas a se casar podem estar se comprometendo com um casamento análogo à escravidão para o resto de suas vidas. As meninas que são vítimas de casamentos servis experimentam servidão doméstica, escravidão sexual e sofrem violações de seu direito à saúde, à educação, à não discriminação e à liberdade contra a violência física, psicológica e sexual.

Todo ano, cerca de 10 milhões de meninas são casadas antes de completar 18 anos de idade. No mais terrível destes casos, as meninas muito jovens, como as de oito anos de idade, estão sendo casadas com homens que podem ser três ou quatro vezes mais velhos.

O casamento infantil atravessa países, culturas, religiões e etnias; 46% das meninas menores de 18 anos são casadas no Sul da Ásia; 38% na África Subsaariana; 29% na América Latina e no Caribe; 18% no Oriente Médio e no Norte da África; e em algumas comunidades na Europa e na América do Norte também.

O casamento de crianças é uma violação de todos os direitos da criança. Ele força as crianças, especialmente as meninas, a assumir responsabilidades para as quais elas não estão muitas vezes física e psicologicamente preparadas.

As meninas que são forçadas a casar enfrentam uma vida de violência no lar, onde são física e sexualmente abusadas, sofrem tratamento desumano e degradante e, finalmente, a escravidão.

Casamentos precoces também impactam o direito das meninas à educação, à saúde e à participação nas decisões que as afetam. As meninas que se casam cedo muitas vezes abandonam a escola, reduzindo significativamente a sua capacidade de adquirir habilidades e conhecimentos para tomar decisões informadas e obter renda. Um obstáculo para as meninas e para o empoderamento das mulheres, essa realidade também dificulta a sua capacidade de se livrar da pobreza.

‘Crianças noivas’ são mais propensas a engravidar em uma idade precoce e, como resultado, enfrentam um maior risco de morte materna e lesões devido à atividade sexual precoce e à gravidez.

Uma vasta gama de instrumentos internacionais reconhece o direito ao livre e pleno consentimento para o casamento. Em particular, a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres afirma que o casamento de uma criança não terá efeito legal, enquanto que a Convenção sobre os Direitos da Criança requer que os Estados tomem todas as medidas eficazes e adequadas para abolir práticas que são prejudiciais às crianças.

Hoje, no primeiro Dia Internacional das Meninas das Nações Unidas, chamamos os Estados a aumentar a idade do casamento para 18 anos para meninos e meninas, sem exceção, e adotar medidas urgentes para impedir o casamento de crianças. Tal como acontece com todas as formas de escravidão, os casamentos forçados precoces devem ser criminalizados. Eles não podem ser justificados por motivos tradicionais, religiosos, culturais ou econômicos.

No entanto, uma abordagem que só incida sobre a criminalização não pode ter êxito em combater eficazmente os casamentos forçados precoces. Isto deve ir de mãos dadas com campanhas de sensibilização do público para enfatizar a natureza e os danos causados por casamentos forçados e programas comunitários para ajudar a detectar, aconselhar, reabilitar e abrigar, quando necessário. Além disso, o registro de nascimento deve ser universalizado de modo a apoiar a prova de idade e impedir o casamento forçado precoce.

Neste Dia Internacional das Meninas, lembramos aos Estados a sua obrigação de promover e proteger os direitos das meninas, e combater as práticas nocivas contra elas – incluindo o fim do casamento forçado precoce, em acordo com o direito internacional.

Nenhuma menina deve ser forçada a casar. Nenhuma menina deve estar comprometida com o casamento servil, a servidão doméstica e a escravidão sexual. Nenhuma garota deve sofrer de violações ao direito à saúde, à educação, à não discriminação e à liberdade contra a violência física, psicológica e sexual. Nenhuma menina sequer”.

O Brasil não está imune ao desassossego da comunidade mundial, pelo contrário, pois a sua história aponta para casamentos infantis, especialmente de meninas, como algo recorrente ao longo do tempo, tanto na forma de enlace sob o crivo do Estado, amparado pela legislação de regência, quanto de uniões estáveis.

Enquanto Colônia de Portugal, as primeiras normas observadas pelo Brasil, no que tange ao casamento, foram determinadas pela Igreja Católica no Concílio de Trento, de 1563.

A respeito, Clóvis Beviláqua explica que tal Concílio:

[...] decretou a rigorosa observância de certas solenidades externas, tendentes a dar ao casamento toda a necessária publicidade e conseqüente garantia. Assim foi prescrito por essa Assembléia religiosa: 1º, que o casamento fosse precedido por três enunciações feitas pelo pároco do domicílio de cada um dos contraentes; 2º, que fosse feita, de modo inequívoco, diante do pároco celebrante, a manifestação livre do mútuo consentimento; 3º, que a celebração fosse realizada pelo pároco de um dos contraentes ou por um sacerdote devidamente autorizado, na presença de tuas testemunhas, pelo menos; 4º, finalmente, que o ato se concluísse pela solenidade de benção nupcial. O livre consentimento dos contraentes, a presença do pároco e das testemunhas é que são essenciais para que haja o casamento católico (BEVILÁQUA, 1976, p. 55).

Como se vê, a preocupação maior era com o ritual religioso, com a estrita observância da solenidade, sem qualquer referência à idade mínima para que fosse permitida a celebração do matrimônio.

Ressalta-se que o Código de Direito Canônico de 1083 determinava as idades mínimas de 16 (dezesseis) anos para o homem e 14 (quatorze) anos para a mulher contraírem núpcias (CAPARELLI, 1999, p. 60).

Prosseguindo na marcha histórica, a primeira Constituição Brasileira, de 1824, não trouxe preceito sobre a família brasileira, visando, apenas, proteger o clã imperial. Em 17 de abril de 1863 assinou-se Decreto real reconhecendo três formas de casamento: Católico, disciplinado pelas normas do Concílio de Trento e as disposições constitucionais do Arcebispo da Bahia; Misto, de um católico com quem confessasse religião dissidente, contraído de acordo com as formalidades do Direito Canônico; e de pessoas de seitas diferentes, celebrado de acordo com as prescrições das respectivas religiões. Após a Proclamação da República, em 24 de janeiro de 1890, é editado o Decreto n. 181, criando o casamento civil, regulamentado pelos princípios da Constituição Republicana (BEVILÁQUA, 1976, p. 56).

Com efeito, preocupação maior havia com a supremacia do culto católico, o que fez tardar a separação de Igreja do Estado, de modo que o casamento civil só foi estabelecido com a Proclamação da República.

O Código Civil de 1916 apresenta o sistema de Direito de Família fundado no casamento e tendo por cerne a organização do patrimônio, marginalizando a união estável frente ao enlace civil válido (LOBO, 2004).

Sobre a forma de casamento adotada pela legislação de 1916, explicitou Lobo (2004) no artigo intitulado “A repersonalização das relações de família”, no que pertine:

É na origem e evolução histórica da família patriarcal e no predomínio da concepção do homem livre proprietário que foram assentadas as bases da legislação sobre a família, inclusive no Brasil. No Código Civil de 1916, dos 290 artigos da parte destinada ao direito de família, 151 tratavam de relações patrimoniais e 139 de relações pessoais. A partir da década de setenta do século XX essas bases começaram a ser abaladas com o advento de nova legislação emancipadora das relações familiares, que desmontaram as estruturas centenárias ou milenares do patriarcalismo.

A questão patrimonial muito atrelada ao matrimônio restava patente no regime dotal previsto no Código Civil de 1916 nos artigos 278 a 288.

Detalhe interessante chama a atenção: o regime dotal foi feito objetivando a aquisição de patrimônio pelo homem após o enlace com a mulher, demonstrando o forte traço patriarcal do sistema de família presente na legislação de 1916. Nesse sentido:

Dote, no sentido técnico, consiste em um bem ou conjunto de bens que a mulher, ou um terceiro por ela, transfere ao marido, para que este tire de seus rendimentos os recursos necessários para atender aos encargos do lar. (VENOSA, 2014, p. 372-373).

Ademais, o referido diploma civilista considera a mulher relativamente incapaz (art. 6º), necessitando do consentimento do marido para atos da vida civil, presumindo-se a autorização deste para compra de bens indispensáveis à economia doméstica (art. 247, I) ou para contrair obrigações atinentes à indústria ou à profissão exercida com autorização do marido ou suprimento judicial (art. 247, III).

Não bastasse, o marido era considerado o chefe da sociedade conjugal (art. 233), possuindo o poder exclusivo de fixação e alteração do domicílio familiar (art. 233, III), representando a esposa legalmente (art. 233, I).

Em arremate, a desigualdade de gênero era evidente até no que tange à idade núbil, sendo de 18 (dezoito) anos para os homens e 16 (dezesseis) para as mulheres (art. 183, XII, CC/16). Mas isso não era tudo, como ensina Madaleno (2019):

Também no passado era permitido o casamento de menores para evitar a imposição ou o cumprimento de pena criminal, ou em caso de gravidez, e o juiz podia suprir o consentimento dos pais para evitar a aplicação de pena ao agressor.

[...]

Para minimizar um pouco este chocante contraste de um casamento de menores de 16 anos, o revogado artigo 214, parágrafo único, do Código Civil de 1916, estabelecia a possibilidade de o juiz determinar a separação de corpos dos cônjuges enquanto não atingissem a idade matrimonial, aguardando que os adolescentes se tornassem fisicamente adultos e isto só ocorria aos 21 anos de idade, ao tempo do Código Civil de 1916 e aos 18 anos a partir do Código Civil de 2002.

A Constituição Federal de 1988 trouxe a igualdade entre homens e mulheres no art. 5º, caput, afirmou que a família é a base da sociedade e tem especial proteção do Estado no seu art. 226 e expôs a igualdade entre os filhos no art. 227, §6º.

Nesse cenário constitucional nasceu o Código Civil de 2002, atualmente em vigor, que ao tentar inovar a matéria, trouxe poucas mudanças quanto ao casamento, nem mesmo o conceituando, mostrando que a tendência conservadora do antigo regramento não foi de todo superada.

Maria Berenice Dias leciona (2016, p. 257):

O livro do Código Civil que trata do direito das famílias, obviamente, só poderia começar pelo casamento. Tal é a preocupação com a família matrimonializada, que a lei lhe dedica nada menos do que 110 artigos. Ainda assim, o legislador não traz qualquer definição nem tenta conceituar o que seja família ou casamento. Não identifica sequer o sexo dos nubentes. Limita-se a estabelecer requisitos para a sua celebração, elenca direitos e deveres dos cônjuges e disciplina diversos regimes de bens. Também regulamenta o seu fim, ou seja, as questões patrimoniais, que decorrem da dissolução do vínculo conjugal.

 E ainda:

Limitou-se a incorporar a legislação que regulava as uniões estáveis e esqueceu as famílias monoparentais. Assim, no atual estágio da sociedade, soa bastante conservadora a legislação que, em sede de direito das famílias, limita-se a regulamentar, de forma minuciosa e detalhada, exclusivamente o casamento, como se fosse o destino de todos. Como diz Marcos Colares, o casamento parece fundar-se em um ideal de estabilidade e institucionalização de papéis fixos.

Quanto à união estável, a Constituição Federal já tinha estabelecido no art. 226, § 3º, que, “Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”. Tal disposição foi regulamentada pela Lei n. 9.278/1996 e corroborada pelo atual Código Civil no seu art. 1.723, ao determinar que, “É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”.

Em complemento, o codex civilista dispôs no §1º do referido artigo que, “A união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do art. 1.521”.

Com isso, levanta-se a dúvida: se a união estável equipara-se ao casamento, inclusive no que tange aos impedimentos matrimoniais, deveria observar também a idade núbil para se constituir e produzir efeitos legais?

Importante fazer um adendo, no sentido de que o casamento com impedimento legal é nulo, não produzindo efeitos, nos termos do art. 207 do vigente diploma civil, de modo que a união estável seria tida por ineficaz ou até mesmo inexistente.

A resposta para a indagação não é tão simples, pois deve perpassar a análise da proteção ao menor, especialmente do sexo feminino. Ora, não reconhecer a união e negar efeitos legais, como alimentos e divisão de bens, protege o companheiro que estabelece convivência antes de atingir a idade núbil?

Por outro lado, permitir tais uniões sem qualquer sanção legal, não prejudicaria a menina de 14, 15 ou 16 anos incompletos (lembrando que abaixo de 14 anos caracteriza estupro de vulnerável forte na Súmula n. 593 do STJ) que ainda deveria estar estudando e acaba se evadindo da escola, ceifando suas chances de um futuro melhor?

A propósito, destaca-se julgado da Corte Catarinense, proferido pelo Desembargador Rodrigo Collaço:

APELAÇÃO - INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA - ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE - DESCUMPRIMENTO DE DEVER INERENTE AO PODER FAMILIAR (ART. 249 DO ECA) - GENITORES REPRESENTADOS EM FACE DA EVASÃO ESCOLAR DA FILHA DE 14 ANOS - PEDIDO DE IMPOSIÇÃO DE MULTA - SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA - IMPOSSIBILIDADE - EXTINÇÃO DO PODER FAMILIAR EM FACE DA MAIORIDADE DA ADOLESCENTE ALCANÇADA PELA UNIÃO ESTÁVEL - EXEGESE DOS ARTS. 1.635, INC. II, E 5º, INC. II, DO CÓDIGO CIVIL - DOLO E CULPA ADEMAIS NÃO DEMONSTRADOS - SENTENÇA REFORMADA - RECURSO PROVIDO (TJSC, Apelação / Estatuto da Criança e do Adolescente n. 2012.070659-4, de Videira, rel. Des. Rodrigo Collaço, Quarta Câmara Criminal, j. 23-05-2013).

Apesar de ser socialmente reprovável que meninas passem a conviver com homens nos primeiros anos da adolescência, de outro vértice, reconhecer a sua união estável, equiparando-a ao casamento, garante todos os direitos de cônjuge à companheira menor.

Isso, porque nem mesmo a própria lei pode estabelecer diferenciação entre o enlace matrimonial e aquele de fato, pois quando o fez para o direito sucessório no art. 1.790 do Código Civil, o dispositivo restou julgado inconstitucional pelo Plenário do STF nos recursos extraordinários com repercussão geral sob o n. 646.721 e n. 878.694.

Nesse norte foi elaborado o Código de Processo Civil de 2015, que, nos dizeres de Maria Berenice Dias (2016, p. 412):

O Código de Processo Civil, a seu modo, tenta eliminar estas diferenciações. Impõe que a parte indique na petição inicial se vive em união estável (CPC 319 II). Em todas as vezes que faz referência ao casamento, sempre insere a união estável (CPC 23 III, 53 I, 73 § 3.º, 189 II; 600 parágrafo único, 620 II, 1.048 § 3º). No capítulo que trata das ações de família, expressamente assegura rito especial à ação de reconhecimento e extinção da união estável (CPC 693). O mesmo e igual tratamento é outorgado ao divórcio e à dissolução consensual da união estável (CPC 732).

Ocorre que como muito bem observou a referida doutrinadora, apesar de a equiparação legal ser possível entre os institutos do casamento e da união estável, fato é que esta última não precisa da chancela estatal, sendo ingenuidade do legislador pensar que obstando o casamento em determinadas hipóteses, possa obstar também a união estável. Destaca-se (DIAS, 2016, p. 420):

De maneira absolutamente descabida e até um pouco ingênua, o legislador olvida-se que os parceiros não precisam da chancela estatal para constituírem união estável. Assim, quando a lei diz (CC 1.521): não podem casar, há como tornar obrigatório tal comando. É só não celebrar o casamento. Desatendida a proibição legal, o casamento é nulo (CC 1.548 II), podendo, a qualquer tempo, ser desconstituído por iniciativa dos interessados ou do Ministério Público (CC 1.549). Há mais. Anulado o casamento, os efeitos da sentença retroagem à data da sua celebração (CC 1.563), e o enlace simplesmente desaparece como se nunca tivesse existido.

Com referência à união estável, contudo, não há como fazê-la sumir. Dispõe a lei (CC 1.723 § 1.º): a união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do art. 1.521. Ou seja, nas mesmas hipóteses em que é vedado o casamento, é proibida a união estável. No entanto, em que pese a proibição legal, se ainda assim a relação se constitui, não é possível dizer que ela não existe.

Logo, existindo a união, de toda forma, ainda que enquadrada nas hipóteses de vedação legal ao casamento, negar os direitos dela decorrente não seria a solução mais justa na visão de Dias (2016, p. 421), pois seria o mesmo que negar divisão de patrimônio, desonerar de obrigação alimentar e excluir o direito sucessório, ressaltando o disposto no art. 1.561 do CC/02, no sentido de que, “Embora anulável ou mesmo nulo, se contraído de boa-fé por ambos os cônjuges, o casamento, em relação a estes como aos filhos, produz todos os efeitos até o dia da sentença anulatória”.

Com isso, Maria Berenice Dias (2016, p. 422) esclarece que, “em se tratando de união estável que afronta aos impedimentos legais, há que se invocar o mesmo princípio e reconhecer a existência de uma união estável putativa”, atribuindo-se efeitos ao enlace de fato.

Derradeiramente, sustenta  que, “não existe idade mínima para a constituição de união estável (CC 1.550 I), até porque não há como exigir o consentimento dos pais ou responsáveis” (Dias, 2016, p. 422).

No mesmo sentido, Belmiro Pedro Welter (2003, p. 100) entende que não se exige idade mínima, tampouco a capacidade civil, para que seja constituída a união estável, considerando-a um fato jurídico lícito, mas, ressalta que a questão é polêmica, havendo manifestação doutrinária em contrário.

Por sua vez, Hélio Borghi (2005, p. 31) compreendendo que o casamento é contrato e a união estável, em paralelo, é ato jurídico lícito, afirma que para esta é aplicável o limite etário de 16 anos, exigindo-se a capacidade para expressar o intuito de constituir família.

A questão, portanto, é controvertida e sem resposta definida pela doutrina e pela jurisprudência, todavia, com o advento da Lei n. 13.811/2019, que veda totalmente o casamento de absolutamente incapazes, extinguindo qualquer exceção legal a respeito, e com a equiparação cada vez mais profunda do enlace matrimonial à união estável, espera-se que a questão comece a se definir no meio jurídico de modo a resguardar os direitos dos interessados, afastando a obscuridade e insegurança jurídica sobre o tema.

3. CONCLUSÃO

Diante de todo o exposto, conclui-se que a Lei n. 13.811/2019, suprimiu as exceções legais ao casamento de absolutamente incapazes, estabelecendo como idade núbil absoluta os 16 (dezesseis) anos completos, mas, manteve a necessidade de autorização dos pais ou responsáveis para tanto, observando que a maioridade civil continua sendo alcançada aos 18 (dezoito) anos completos.

Ademais, verificou-se que o projeto da referida lei, elaborado pela Deputada Laura Carneiro atentou-se ao número alarmante de casamentos infantis, especialmente de meninas, no Brasil e no mundo, gerando a preocupação de organizações e instituições mundiais.

Aliás, constatou-se que os temas relacionados à proteção dos infantes e das mulheres já eram objetos de tratados e convenções internacionais desde o século XX até o presente momento, sendo muitos destes incorporados ao ordenamento jurídico brasileiro, porém, sem maiores cuidados do legislador nacional e dos operadores do Direito quanto à modificação e/ou interpretação da legislação interna vigente pouco sintonizada com tais questões.

Esse descuido legislativo vigorou ao longo dos séculos no País, desde o Império, adentrando à República, em vista da cultura brasileira de casar meninas precocemente, amparada pelas leis canônicas que vigoraram por muito tempo e que nem mesmo foram superadas quando a lei civil passou a tratar do matrimônio.

Tanto é assim que o Código Civil de 1916 ainda previa idades núbeis distintas para homens e mulheres, sendo a da mulher inferior, e admitia exceções à idade mínima para as núpcias, as quais subjugavam a mulher a casamento precoce para evitar a desonra da gravidez e do estupro.

A propósito, as exceções mencionadas continuaram vigorando, até mesmo de forma inacreditável, no Código Civil de 2002, promulgado já em pleno século XXI, sendo suprimida primeiramente a do estupro, em 2005, e neste ano de 2019, a da gravidez.

Veja-se que a Constituição Federal de 1988 já apregoava a igualdade entre homens e mulheres e o Código Civil de 2002 foi promulgado sob seu manto, mas, não foi capaz de superar o conservadorismo prejudicial às mulheres e aos absolutamente incapazes num primeiro momento.

Nesse contexto, seria esperar demais uma regulamentação exclusiva à união estável no atual diploma civil, embora o esforço legislativo tenha sido grande para equipará-la ao casamento, inclusive no que tange aos impedimentos matrimoniais, sem esclarecer de que forma a violação de tal norma sofreria sanção ou repercutiria na esfera patrimonial de companheiros.

Salienta-se que o Código Civil chegou a ser contraditório ao equiparar os efeitos do casamento à união estável, mas negar ao companheiro os mesmos direitos sucessórios do cônjuge, tanto que o STF julgou esse tratamento diferenciado como inconstitucional.

Partindo desse pressuposto, a união estável contraída com absolutamente incapaz estaria eivada de vício por impedimento matrimonial, devendo ser tida por inexistente?

Se a resposta for sim, a menos que todas as uniões estáveis com menores de 16 (dezesseis) anos sejam consideradas putativas, prejudicam-se os efeitos patrimoniais advindos da equiparação ao casamento. Todavia, por outro lado, indaga-se se seria o suficiente para evitar tais enlaces, resguardando o presente e o futuro de meninas, parecendo que a resposta é não.

Isso, porque as adolescentes passam a viver em uniões de fato sem pedir permissão para tanto ao Estado e sem prévia consulta aos seus direitos e obrigações na legislação pátria, sem contar que ainda saem do enlace com filhos para sustentar, nenhuma renda e baixa escolaridade, de modo que ceifar direitos patrimoniais, como, por exemplo, a pensão alimentícia a ser paga pelo ex-companheiro e a partilha de bens adquiridos na constância da vida em comum, viria em benefício do maior que passou a conviver com a menor e nenhum resguardo traria à menina em situação de vulnerabilidade social.

Logo, há uma ingenuidade do legislador ao querer combater o casamento infantil com uma simples alteração legislativa, quando a realidade fática brasileira mostra um número crescente de uniões estáveis de meninas entre 14 (quatorze) e 16 (dezesseis) anos incompletos na sociedade atual, especialmente nas classes menos abastadas, gerando evasão escolar, exploração sexual, gravidez na adolescência, etc, sendo exatamente esses os males que a comunidade internacional objetiva combater.

De fato, seria injusto não reconhecer a boa intenção legislativa no combate ao casamento infantil em conjunto com as organizações, instituições e governos de todo o mundo, porém, não cabe ao Direito Civil, sozinho, resolver a questão que traz em seu bojo uma multidisciplinaridade.

Com efeito, a legislação que abriga os direitos das crianças e dos adolescentes deve-se cercar-se dos cuidados para evitar evasão escolar sob a escusa de que a menina absolutamente incapaz contraiu união estável, o serviço de assistência social deve ser mais atuante nas comunidades carentes, deve-se investir na educação da sociedade como um todo, desde os bancos escolares até as campanhas de circulação nacional, o amparo psicológico deve ser mais acessível e fornecido pelo Estado para o maior número de meninas, o direito de família deve sofrer maiores modificações, tanto na parte legislativa, quanto na judiciária e arbitral, para reestruturação familiar e o resguardo da menor em seu seio por mais tempo, evitando a violência de pais e outros parentes contra a infante, sem contar outras tantas soluções que podem ser dadas após um estudo sério e aprofundado da questão por especialistas, caso exista o interesse público para tanto.

Enfim, um tímido passo no combate às uniões com infantes, especialmente do sexo feminino, foi dado pela legislação civil, mas, está longe de ser o suficiente.

4. REFERÊNCIAS

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Sobre as autoras
Ana Caroline Oliveira Montalbano

Bacharel em Direito pela Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul) - láurea acadêmica; Especialista em Direito Público e Direito Aplicado pela Universidade Regional de Blumenau (FURB) em convênio com a Escola Superior da Magistratura de Santa Catarina (ESMESC).

Ana Caroline

1. Bacharel em Direito pela Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul); Especialista em Direito Público e Direito Aplicado pela Universidade Regional de Blumenau (FURB) em convênio com a Escola Superior da Magistratura de Santa Catarina (ESMESC); Assessora Jurídica no Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC).

Informações sobre o texto

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