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Aspectos gerais dos recursos penais:princípios regentes

Agenda 18/05/2019 às 23:54

O presente ensaio tem o objetivo de expor sucintamente os princípios regentes da teoria dos recursos penais.Para tanto, optou-se por utilizar: a literatura legislativa penal, elementos teóricos, assim como a jurisprudência dos tribunais superiores.

Introdução. Em 1824, a primeira Carta Constitucional do Brasil oficialmente denominada como Constituição Política do Império do Brasil acolheu explicitamente o Princípio do duplo grau de jurisdição declarando que: “Para julgar as causas em seguida, e última instância haverá nas províncias do Império as relações, que forem necessárias para comodidade dos Povos”. 

Entretanto, as sucessivas Constituições do Brasil não seguiram a orientação da Carta Política de 1824, omitindo o duplo grau. Em que pese à ausência textual do princípio nas demais constituições, o fato é que o reexame integral da sentença de primeiro grau de jurisdição por órgão diverso e hierarquicamente superior daquele que prolatou a decisão é consagrado pelo sistema brasileiro. 

Em 25 de setembro de 1992, o Brasil depositou a carta de adesão ao Pacto em 25 de setembro de 1992, e no dia 06 novembro de 1992 promulgou, através do Decreto nº 678, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos. 

O art., 8. 2  h.  da Convenção Interamericana dos Direitos Humanos  de 1969 (Pacto San Jose da Costa Rica) prevê o direito de qualquer pessoa  recorrer da sentença para juiz ou tribunal superior. 

Como se sabe, os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem os adotados pela Convenção Interamericana, tal como o direito ao reexame de uma decisão. Por força da Emenda Constitucional nº 45/2004, a Convenção de Direitos Humanos foi reconhecida como equivalente a emenda constitucional, nos termos do parágrafo segundo do art. 5º da CRFB/88.

Assim, o modelo político adotado pelo Brasil reconhece o duplo grau de jurisdição, o direito ao reexame de decisões judiciais. Ademais disso, não se pode sustentar garantias processuais mínimas como o contraditório, ampla defesa e o devido processo legal, (art. 5º, LV), sobretudo no contexto do processo penal, sem o pressuposto do duplo grau de jurisdição. Significa reafirmar, então, a possibilidade de todo cidadão, no caso de inconformismo da decisão proferida, dela recorrer. O reexame da matéria impugnada deverá ser procedido por órgão diverso e de hierarquia superior dentro da estrutura judiciária. Nesse compasso, podemos definir recurso como o meio voluntário de se impugnar decisão judicial, postulando o seu reexame por um órgão distinto e de hierarquia superior àquela decisão proferida.  

A etimologia da palavra Recurso é proveniente do latim recursus que significa retroceder, voltar atrás, rever. Não obstante, todo recurso é, ao fim, um mecanismo voluntário de impugnação de atos decisórios emanados do Poder Judiciário, manejado antes da coisa julgada e na mesma relação jurídica processual, o qual visa, na maioria dos casos, a reforma, a invalidação, a integração ou mesmo o esclarecimento.    

Os princípios regentes  

1) Taxatividade – pelo princípio da taxatividade compreende-se que os recursos  dependem de previsão legal. Assim, o CPP define as hipóteses recursais e para as quais se destinam. De todo modo, não se exclui a interpretação extensiva, nos moldes do art. 3º do citado diploma processual, especialmente em relação a alguns recursos em espécie, como o Recurso em Sentido Estrito e o Agravo em execução, interpostos contra decisões proferidas pelo juiz da execução penal.

2) Fungibilidade  - O recurso erroneamente interposto pode ser  conhecido  pelo outro, desde  que  não tenha havido  má-fé da parte recorrente. O princípio da fungibilidade está previsto no art. 579 do CPP. Ao permitir textualmente a utilização de um recurso por outro, o legislador quis evitar desperdício de tempo e gasto da máquina judiciária, quando equívocos dessa natureza ocorressem, sem que tenha havido má fé do recorrente. Com a mesma razão, enaltece-se outro princípio da mesma grandeza: “o processo não pode sacrificar o fundo pela forma”. Assim, se o recorrente erroneamente interpuser recurso em sentido estrito ao invés do agravo em execução, por exemplo, o magistrado deve receber o recurso apresentado convertendo-o ao modelo adequado, com base no Princípio da Fungibilidade. 

3) Unirrecorribilidade - Cada decisão judicial deve corresponder a um único recurso. É a regra no processo penal. O paragrafo 4º do art. 593 do CPP, por exemplo,  dispõe que quando cabível a apelação, não poderá ser usado o recurso em sentido estrito, ainda que somente de parte da decisão se recorra. Há algumas exceções, como a prevista no art. 581 CPP (Recurso em sentido estrito). Outra circunstância excepcional à regra da unirrecorribilidade diz respeito à interposição dos recursos especial e extraordinário concomitantemente, conforme previsão legal (Artigos 102, III, e 105, III, da CRFB/88). 

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 4) Dialeticidade ou argumentatividade. Esse processo de diálogo, de argumentos e contra-argumentos entre interlocutores comprometidos é o que funda o princípio da dialeticidade ou da argumentatividade. Para o  processo penal  se firmar como um modelo democrático, inclusive na fase recursal, precisa oportunizar às partes o direito à fala, ao debate, à exposição das suas argumentações; consectários do Princípio Constitucional do Contraditório. Como fiscal dos direitos e garantias processuais, o juiz deve estar atento a todos esses momentos. Quando as partes não se conformam com a decisão proferida pelo julgador, poderão pedir o seu reexame. E para tanto, precisam expor claramente os argumentos e fundamentos do inconformismo que serão avaliados por um órgão superior dentro da hierarquia judiciária. As razões recursais e contrarrazões recursais são exemplos práticos desse princípio.  No caso do recurso de Apelação, nos termos do art. 600 CPP, assinado o termo de apelação, o apelante e, depois dele, o apelado terão o prazo de oito dias cada um para oferecer razões. O parágrafo § 4o  do mesmo artigo também enfatiza o oferecimento das razões e, consequentemente, das  contrarrazões, na hipótese de o  apelante declarar, na petição ou no termo, ao interpor a apelação, que deseja arrazoar na superior instância. Nesse caso, serão os autos remetidos ao tribunal ad quem onde será aberta vista às partes, observados os prazos legais, notificadas as partes pela publicação oficial. 

Além do quê, insta dizer que o direito à fala é tão expressivamente importante no processo penal, que constitui nulidade a falta de intimação do denunciado para oferecer contrarrazões ao recurso interposto da rejeição da denúncia, não a suprindo a nomeação de defensor dativo, conforme entendimento sumulado pelo STF (Súmula nº 707)

5) Voluntariedade -   Nos termos do art. 574 do CPP, os recursos serão voluntários. Significa dizer que as partes podem escolher em pedir ou não o reexame da decisão proferida. O recurso poderá ser interposto pelo Ministério Público, ou pelo querelante, ou pelo réu, seu procurador ou seu defensor.

Entretanto, no caso do Ministério Público, uma vez interposto o recurso, o Parquet não poderá desistir do recurso proposto por expressa determinação do art. 576 CPP.

De qualquer modo, é preciso destacar que as partes devem demonstrar interesse recursal, isto é, a vontade de recorrer deve estar voltada para o interesse de se obter a reforma, a modificação, ou mesmo o esclarecimento da decisão. Daí porque, alguns recursos interpostos podem ser inadmitidos porque não demonstrado o interesse recursal, conforme o parágrafo único do art. 577 CPP.

Imaginemos que o réu tenha sido condenado a pena de oito anos em regime inicial fechado. O acusado e a sua defesa técnica não se conformando com a pena aplicada recorrem da decisão. Por exemplo: Embora a pretensão acusatória sustentada pelo Ministério Público tenha sido julgada procedente, o órgão acusador não se conformou com o quantum da pena, entendendo que a sanção deveria ser majorada tendo em vista a gravidade do delito. Nesta simples hipótese é perceptível que ambos (defesa e acusação) possuem interesse em recorrer da decisão, seja no todo ou em parte.  Suponhamos em outra seara, que o réu tenha sido absolvido com base no art. 386 VII CPP, por não ter existido prova suficiente para a condenação.  Pode haver interesse de o acusado recorrer dessa decisão? A princípio pode parecer que não, mas não obstante a sentença absolutória no juízo criminal, uma ação civil poderá ser proposta contra ele, quando não tiver sido, categoricamente, reconhecida a inexistência material do fato.  (Art. 66 CPP). Significa dizer que, muitas vezes, o réu tem interesse em recorrer de sentença absolutória, com o fim de o tribunal, se julgar procedente o recurso, alterar a capitulação da sentença absolutória, evitando propositura de demanda cível.

 A questão do reexame necessário. 

Como esclarecido alhures, os recursos penais são voluntários.  Entretanto, o CPP no art. 574 “condiciona a validade da decisão judicial ao reexame da matéria pelo órgão de hierarquia superior”[1]. Significa que a sentença concessiva de habeas corpus impõe ao juiz prolator a obrigação de enviar os autos e, consequentemente, a sua decisão, à superior instância para reexame necessário. Ou seja: remessa de ofício ao Tribunal. A justificativa repousa no interesse público, procurado evitar que decisões sejam prolatadas contrariando os interesses da função acusatória. Trata-se de redação originária do CPP de 1941, cujos objetivos do processo e de alguns mecanismos se mostravam notadamente diferentes dos atuais. De qualquer modo, é preciso registrar que no caso do inciso I  do art. 574  do CPP,  a exigência se mantém, ao passo que no caso do inciso II, não mais subsiste,  por força da nova redação conferida pela Lei 11.689/2008  que alterou os dispositivos do rito comum, sobretudo no que se refere a absolvição sumária.  .  

6) Disponibilidade -  O princípio da disponibilidade recursal também se submete às exceções da lei.  Os atos de disposição são reconhecidos como a  renúncia e a desistência:  Enquanto que a  renúncia antecede a interposição impedindo  que esta ocorra, antecipando, portanto a preclusão ou o trânsito em julgado, a desistência é, via de regra, posterior à interposição, conduzindo à extinção do caminho recursal. Ademais, a renúncia e a desistência têm efeitos preclusivos, sendo, nesse compasso, irrevogáveis.  

As partes, em geral, podem desistir do recurso que tenham interposto. Querelante e querelado, no curso da demanda penal privada e proferida sentença absolutória ou condenatória, por exemplo, interpondo respectivos recursos no prazo legal, podem deles desistir.  No caso de demanda privada, há de se observar, entretanto, o recolhimento de custas recursais que podem incidir, segundo disciplina contida no código de organização judiciária de cada Estado. No mais, não há proibição quanto à desistência recursal. Entretanto, conforme mencionado acima, a questão é diferente para acusação pública, pois a relação jurídica de direito material controvertida é de natureza indisponível, havendo limitações à sua disponibilidade. Assim, ao MP é vedada a desistência de recurso que haja interposto nos precisos acordes do art. 576 CPP.  

7) Proibição da reformatio in pejus - Em termos literais reformatio in pejus significa “reforma para pior”. A proibição da reformatio in pejus  é consagrada no  direito processual penal brasileiro. Trata-se de expressiva representação e consolidação do Princípio da Ampla Defesa.  Instituto, inclusive, previsto no art. 617 CPP: “O tribunal, câmara ou turma atenderá nas suas decisões ao disposto nos arts. 383386 e 387, no que for aplicável, não podendo, porém, ser agravada a pena, quando somente o réu houver apelado da sentença.” O princípio, de extrema importância no sistema de justiça criminal, é aplicável em qualquer mecanismo de impugnação recursal. Sendo assim, é vedada a reforma do julgado da qual resulte modificação prejudicial à situação do recorrente-réu. 

Situação interessante pode ser demonstrada a partir  da decisão no HC-SP 153.431 STF. O  Ministro Celso de Mello suspendeu acórdão que determinava a execução provisória da pena de um homem condenado por crime contra a administração. Entendeu o magistrado que: “Se o juiz de primeira instância concede ao réu condenado o direito de aguardar em liberdade a conclusão do processo, e o Ministério Público não se insurge quanto a isso, não pode o Tribunal de Justiça suprimir o benefício.”  

Prossegue o Ministro aduzindo que houve  reformatio in pejus, o que é vedado pelo ordenamento jurídico:

"Em situações como a ora em exame, em que o Ministério Público sequer se insurgiu contra o capítulo da sentença que garantiu ao paciente o direito de recorrer em liberdade, não poderia o Tribunal de superior jurisdição suprimir esse benefício, em detrimento do condenado, sob pena de ofensa à cláusula final inscrita no artigo 617 do Código de Processo Penal". Relator: Min. CELSO DE MELLO. MEDIDA CAUTELAR NO HABEAS CORPUS nº 153.431 SÃO PAULO.

Da mesma forma reconhece-se a proibição da Reformatio in pejus indireta:

'Há reformatio in pejus indireta quando a sentença condenatória é anulada em recurso da defesa e o réu, submetido a novo julgamento, vem a ser condenado a pena superior àquela anteriormente fixada (HC 58.048-PR, DJ de 29.08.80); não, porém, se a sentença cuja nulidade foi reconhecida também havia sido objeto de recurso interposto pela acusação. Precedente citado (em sentido contrário à tese acolhida): HC 65.224-RS (DJ 25.09.87). HC 72.489-SP, Min. Marco Aurélio, 31.10.95.

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Referências

AGUIAR BRITTO, Cláudia. Processo penal comunicativo. Comunicação      processual à luz da filosofia de Jürgen Habermas. SC: Juruá. 2014

GRINOVER, Ada Pelegrini, Recursos penais. SP: RT. 2004

MEDIDA CAUTELAR NO HABEAS CORPUS nº 153.431 SÃO PAULO.

HC 65.224-RS (DJ 25.09.87). HC 72.489-SP, Min. Marco Aurélio, 31.10.95.

Cláudia Aguiar Britto é Pós-Doutora em Democracia e Direitos Humanos. Universidade de Coimbra (IGC) Doutora e Mestre em Direito Público e Ciências Penais. Especialista em Ciência Penal Militar. Professora de Direito Processual Penal IBMEC/RJ

[1] PELEGRINI. Ada. Recursos penais. RT

Sobre a autora
Claudia Aguiar Britto

Pós-Doutora em Democracia e Direitos Humanos. Universidade de Coimbra. IGC. Mestre em Ciências Penas. Doutora Direito Público (Processo Penal). Especialista em Direito Penal Militar. Advogada Criminalista. Professora Universitária.

Informações sobre o texto

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