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O ativismo judicial e a presunção de não-culpabilidade

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Com os acontecimentos recentes, especialmente, os julgamentos decorrentes da Operação Lavo Jato, voltou à tona um dos temas de grande divergência doutrinária, a saber, a presunção de inocência ou de não-culpabilidade.

1. INTRODUÇÃO

Com os acontecimentos recentes em terras tupiniquins, especialmente julgamentos decorrentes da Operação “Lavo Jato”, voltou à tona um dos temas efervescentes e de grande divergência doutrinária, a se saber, o tema deste trabalho, a presunção de inocência.

A presunção de inocência ou de não culpabilidade é classificada como um princípio Constitucional, que protege o cidadão de ser tratado como culpado antes de sentença penal condenatória.

Convém de início ponderar, que em nosso direito pátrio, os recursos que possam modificar o conteúdo da sentença penal condenatória, se esgota na esfera do segundo grau jurisdicional, sendo assim aplica-se ali o trânsito em julgado material, daí a razão para tantas controvérsias e apelo da comunidade para que este entendimento fosse exaurido.

Pelo exposto, fez se imprescindível a reavaliação da matéria, provocada pela análise de Habeas Corpus 126.292-92, onde a Suprema Corte Brasileira asseverou que ninguém será considerado culpado até confirmação da sentença em segunda instância, antecipando assim muitas execuções penais e restringindo recursos meramente protelatórios com a premissa de prescrição punitiva estatal.

Ocorre que no início do ano corrente, retoma-se essa antiga discussão, em tons cada vez mais acalorados por ocasião do julgamento do HC 152.752 – PR, cujo objetivo era a revisão de matéria da presunção de não culpabilidade. Porém como será demonstrado aqui neste trabalho mais tarde, o Habeas Corpus tem pressupostos legais, que segundo a decisão da Suprema corte brasileira demonstraram não serem violados no HC em comento. Ademais cumpre ressaltar que grande parte da sociedade considera que tal HC teve cunho político, tentando um salvo conduto para o famoso impetrante, trazendo assim o STF aos holofotes em análise ferrenha quanto ao ferimento do princípio da isonomia.

A crítica dessa mudança jurisprudencial recai em parte ao ativismo judicial firmado pelo Supremo Tribunal Federal. Estudiosos da lei alegam que o ideal seria uma emenda à constituição que versasse sobre o tema, positivando a tese, e respeitando os poderes legislativos.

O presente trabalho faz uma abordagem, que diz respeito à pesquisa qualitativa, a qual buscou o aprofundamento no contexto estudado e a perspectiva interpretativa, através do método dedutivo, operacionalizado em análise bibliográfica, baseada em doutrina e legislações, relacionadas à evolução histórica do entendimento jurisprudencial, visando entender o entendimento constitucional aplicado e analisar quais são as medidas tomadas para que seja respeitado o novo entendimento, tratando com paridade todos os cidadãos.


2. PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA

 A presunção de inocência, basicamente decorre de não se presumir culpado quem ainda não foi declarado como assim o sendo, ou seja, o autor de uma determinada infração penal somente deve ser preso após o transcurso do devido processo legal.

Esse princípio foi afirmado perante uma comissão internacional, a de Direitos Humanos de 1948, que em seu artigo 11 declara que:

Todo ser humano acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa [...] (ONU, 1948).

A Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica) prevê a garantia no artigo 8, 2:

Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa.

Também prevista na Convenção Europeia dos Direitos do Homem prevê, no artigo 6º, 2, que:

Qualquer pessoa acusada de uma infração presume-se inocente enquanto a sua culpabilidade não tiver sido legalmente provada.

O princípio da presunção de inocência ou não culpabilidade no ordenamento jurídico brasileiro vem lavrado no Artigo 5°, inciso LVII da Constituição de 1988 com o seguinte enredo: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.

Da interpretação destes dispositivos combinados com a Constituição Federal se extrai a informação que enquanto o acusado puder de alguma forma provar a sua defesa, ele ainda não será considerado culpado. Da impossibilidade de interpor recursos chamamos de trânsito em julgado, pois não há mais como reverter a decisão.

Para o jurista José Afonso da Silva:

[...] O momento no qual uma decisão torna-se imodificável é o do trânsito em julgado, que se opera quando o conteúdo daquilo que foi decidido fica ao abrigo de qualquer impugnação através de recurso, daí a sua consequente imutabilidade. Dá-se aí a preclusão máxima com a coisa julgada, antes da qual, por força do princípio da presunção de inocência, não se pode executar a pena nem definitiva nem provisoriamente, sob pena de infringência à Constituição [...] (2018).

Portanto, presunção de inocência nada mais é que o estado que o indivíduo possui até que acusação consiga provar que ele é culpado. Podendo o acusado se defender até que não reste nenhuma instância e nenhum recurso a apreciar a questão, respeitando-se assim o devido processo legal, a ampla defesa, contraditório e a inadmissibilidade de obtenção de provas por meios ilícitos. 

2.1 Origem no ordenamento jurídico brasileiro

Pode-se definir que o instituto da presunção de inocência veio à luz dos holofotes a partir do julgamento do Habeas Corpus 126.292-SP, impetrado por Maria Cláudia De Seixas em favor do paciente Márcio Rodrigues Dantas, tendo como coator o relator do HC Nº 313.021 Ministro Francisco Falcão, Presidente do Superior Tribunal de Justiça.

Para entendermos com clareza a presunção de não – culpabilidade se faz necessário uma breve introdução sobre os fatos anteriores a esta decisão.

2.2 Habeas Corpus

Preliminarmente cumpre aqui dizer que Habeas Corpus é um remédio judicial, preceituado em nossa carta magna em seu artigo 5° inciso LXVIII onde reza o seguinte: “conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder”

A liberdade não é só um direito amparado em lei, precipuamente é um direito inerente à dignidade humana. A famosa frase “Estou condenado a ser livre”, do filósofo existencialista Jean-Paul Sartre (1943), corrobora com este entendimento.

Baseado neste direito, o Habeas corpus foi criado com o intuito de proteger os direitos do paciente frente a alguma possível injustiça, coação ou constrangimento a liberdade de locomoção, decorrentes de abuso de autoridade ou poder.

Ferreira, Pinto, assevera que:

O habeas corpus nasceu historicamente como uma necessidade de contenção do poder e do arbítrio. Os países civilizados adotam-no como regra, pois a ordem do hábeas corpus significa em essência uma limitação às diversas formas de autoritarismo.

Este remédio constitucional foi criado com o intuito de proteger os direitos do paciente, sendo que em casos de urgência, este remédio pode ser pedido em caráter emergencial, o art. 654, caput do Código de Processo Penal dispõe que o habeas corpus poderá ser impetrado por qualquer pessoa em seu favor ou de outrem, provando assim seu caráter emergencial.

Nas palavras de Guilherme de Souza Nucci:

O trâmite do habeas corpus já é célere o suficiente para permitir o julgamento do mérito, independentemente da liminar. Entretanto, em alguns casos, a medida antecipatória realmente se torna indispensável. Ilustrando, ser preso preventivamente, quando as provas dos autos indicam ter o agente atuado em legítima defesa, contrariando o disposto pelo art. 3314 do CPP, requer liminar para liberar o detido ou para impedir a prisão do acusado (NUCCI, Guilherme de Souza, 2014).

Conclui-se que este remédio é de extrema importância para a proteção dos direitos individuais. Visando a proteção do hipossuficiente, ele é permitido a qualquer pessoa que entenda que precisa de sua proteção, inclusive para impetrá-lo, não é necessário a presença de um advogado, facilitando assim o acesso à justiça e a celeridade processual.

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2.3 Habeas Corpus 313.021

O paciente deste Habeas Corpus, a se saber Márcio Rodrigues Dantas, foi condenado em primeira instância à pena de 5 anos e 4 meses de reclusão, em regime inicial fechado, pela prática do crime de roubo majorado (art. 157, 2º, I e II do CP).

Irresignado com a decisão, a defesa apelou para o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, na esperança de uma reversão ou diminuição da pena, porém a decisão foi confirmada pelo juízo de segunda instância, negando provimento ao recurso e determinando a expedição de mandado de prisão contra o paciente em comento.

Ainda não conformado com a confirmação de posicionamento do juízo a quo, a defesa impetrou o pedido de Habeas Corpus com pedido liminar contra a decisão do acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que determinou o recolhimento cautelar do paciente.

Da análise deste remédio constitucional restou prejudicado o pedido, razão pela qual os interessados recorreram a suprema corte para satisfação de seus anseios através do Habeas Corpus 126.292.

2.4  Prisão Cautelar

Esse instituto decorre do sistema inquisitorial, prevalente na Idade Média, porque se acreditava que a liberdade do investigado atrapalhava a busca pela verdade dos fatos e então como precaução eles tolhiam a liberdade do acusado para que o mesmo não escapasse na pena que lhe seria aplicada.

Ainda hoje, as medidas cautelares são justificadas pela garantia que o processo seja eficaz e chegue ao fim, para preservação da ordem pública e ordem econômica e para uma melhor instrução processual.

Nossa Constituição atual declara no art. 5° no inciso LXI:

Ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita fundamentada de autoridade competente [...] (Brasil, 1988).

Este princípio é basicamente replicado pelo código processual penal brasileiro, vejamos:

Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva (Brasil, 1941, redação modificada em 2011).

São permitidos no Brasil cinco tipos de prisões cautelares, são elas: prisão em flagrante, prisão preventiva, prisão temporária e prisão em razão da pronúncia e prisão em decorrência de sentença condenatória recorrível.

Para introdução do nosso assunto, importa explicar a prisão decorrente do processo penal, aquela que acontece antes do trânsito em julgado, sobre isso o código processual penal determina sobre prisão preventiva:

Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria. Parágrafo único.  A prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares (art. 282, § 4o). Art. 313.  Nos termos do art. 312 deste Código, será admitida a decretação da prisão preventiva: I - nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos; II - se tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, ressalvado o disposto no inciso I do caput do art. 64 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal; III - se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência; Parágrafo único.  Também será admitida a prisão preventiva quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la, devendo o preso ser colocado imediatamente em liberdade após a identificação, salvo se outra hipótese recomendar a manutenção da medida (Brasil, 1941, redação modificada em 2011 pela Lei nº 12.403).

 Importa dizer que o sistema brasileiro também comporta a prisão temporária, que é decretada em caso de comprovada necessidade por 5 (cinco) dias, prorrogável por igual período se ficar provado que realmente precisa, essa prisão é disciplinada pela lei de n.º 7960/89 em casos que seja imprescindível para as investigações do inquérito policial; caso o indicado não tenha residência fixa ou não seja identificável; e em casos de fundadas razões de autoria ou participação dos seguintes crimes: homicídio doloso, sequestro ou cárcere privado; roubo; extorsão; extorsão mediante sequestro; estupro; atentado violento ao pudor; rapto violento; epidemia com resultado de morte; envenenamento de água potável ou substância alimentícia ou medicinal qualificado pela morte; for praticado por quadrilha ou bando; genocídio; tráfico de drogas; crimes contra o sistema financeiro e crimes previstos na Lei de Terrorismo.

Como demonstrado alhures, apenas em algumas hipóteses específicas é permitido a privação de liberdade antes do trânsito em julgado. Isso obedece ao princípio da ultima ratio do direito penal brasileiro, que determina que a prisão tem que ser a última opção a ser tomada, respeitando por sua vez um dos pilares da nossa carta magna que é o direito à dignidade humana.

2.5  Habeas Corpus 126.292- SP

Podemos dividir o entendimento jurisprudencial em antes e depois do habeas corpus em comento, em se tratando de presunção de inocência.

Ocorre que antes da decisão de 2009, A Suprema Corte ora se posicionava a favor e ora contra a inibição da execução provisória da pena, não mantendo padrão em suas decisões.

No julgamento do Habeas Corpus 84.078 – MG, julgado em fevereiro de 2009, o Supremo Tribunal tinha firmado entendimento de não considerar a execução antecipada de pena, e que a prisão antes do trânsito em julgado só poderia ser admitida como medida cautelar, tornando o princípio de não culpabilidade de caráter absoluto. Veja alguns pontos importantes do acórdão.

HABEAS CORPUS. INCONSTITUCIONALIDADE DA CHAMADA "EXECUÇÃO ANTECIPADA DA PENA". ART. 5º, LVII, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. ART. 1º, III, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. [...] A Constituição do Brasil de 1988 definiu, em seu art. 5º, inciso LVII, que "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória". [...]. A prisão antes do trânsito em julgado da condenação somente pode ser decretada a título cautelar. 4. A ampla defesa, não se pode visualizar de modo restrito. Engloba todas as fases processuais, inclusive as recursais de natureza extraordinária. Por isso a execução da sentença após o julgamento do recurso de apelação significa, também, restrição do direito de defesa, caracterizando desequilíbrio entre a pretensão estatal de aplicar a pena e o direito, do acusado, de elidir essa pretensão [...]EVANDRO LINS sintetizou na seguinte assertiva: "Na realidade, quem está desejando punir demais, no fundo, no fundo, está querendo fazer o mal, se equipara um pouco ao próprio delinqüente". 6. A antecipação da execução penal, ademais de incompatível com o texto da Constituição, apenas poderia ser justificada em nome da conveniência dos magistrados --- não do processo penal. [...] (STF - HC: 84078 MG, Relator: Min. EROS GRAU, Data de Julgamento: 05/02/2009, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-035 DIVULG 25-02-2010 PUBLIC 26-02-2010 EMENT VOL-02391-05 PP-01048) (Brasil, 1941, redação modificada em 2011).

 A ministra Ellen Gracie foi além em seu entendimento, deixando claro que cabe ao Estado provar a culpabilidade do acusado e não a ele provar sua inocência:

O domínio mais expressivo de incidência do princípio da não-culpabilidade é o da disciplina jurídica da prova. O acusado deve, necessariamente, ser considerado inocente durante a instrução criminal – mesmo que seja réu confesso de delito praticado perante as câmeras de TV e presenciado por todo o país (HC 84078, Relator(a): Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, DJe de 26/2/2010).

Neste entendimento, conquistado por sete votos a quatro, restou provado que o princípio da presunção de inocência não é condizente com a execução da sentença antes do trânsito em julgado da condenação.

Comemorada pela maioria da doutrina, essa jurisprudência ficou vigente até a decisão de 2016, no julgamento do HC 126.92- SP.

Inegável que se trata de assunto polêmico, afinal trata-se de princípio positivado na Constituição Federal de 1988, sobre isso o Ministro Gilmar Ferreira Mendes asseverou:

[...] O que se tem, é, por um lado, a importância de preservar o imputado contra juízos precipitados acerca de sua responsabilidade. Por outro, uma dificuldade de compatibilizar o respeito ao acusado com a progressiva demonstração de sua Culpa [...] (Mendes, Gilmar Ferreira, 2015).

No acórdão proferido uma das fundamentações foi que o exaurimento da revisão de matéria, do reexame de fatos e provas da causa e da fixação de pena, acontece no segundo grau de jurisdição, restando apenas recursos que não revisitaram a matéria novamente e, portanto, ali ocorre de fato a preclusão da matéria.

Outro ponto a ser considerado é que os recursos que restam a ser interpostos após o duplo grau de jurisdição, recurso especial e o recurso extraordinário, não interrompem a prescrição punitiva, como reza o artigo 117, inciso IV do Código Penal, “O curso da prescrição interrompe-se IV - pela publicação da sentença ou acórdão condenatórios recorríveis”, o que faz com que muitos utilizem estes recursos apenas de forma protelatória, até ser extinta a punibilidade por prescrição punitiva.

Restando a seguinte jurisprudência, vigente até os dias atuais:

EMENTA: CONSTITUCIONAL. HABEAS CORPUS. PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA (CF, ART. 5º, LVII). SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA CONFIRMADA POR TRIBUNAL DE SEGUNDO GRAU DE JURISDIÇÃO. EXECUÇÃO PROVISÓRIA. POSSIBILIDADE. 1. A execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência afirmado pelo artigo 5º, inciso LVII da Constituição Federal. 2. Habeas corpus denegado (HC 126292, Relator(a): Min.: TEORI ZAVASCKI, Plenário, DJe de 17.02.2016).

Em suas fundamentações ao voto do acórdão, o ministro Edson Fachin, que votou a favor da execução da pretensão punitiva a partir da confirmação em segunda instância, declarou:

A opção legislativa de dar eficácia à sentença condenatória tão logo confirmada em segundo grau de jurisdição está consentânea com a razão constitucional da própria existência dos recursos às instâncias extraordinárias. Sabem todos que o trânsito em julgado, no sistema recursal brasileiro, depende em algum momento da inércia da parte sucumbente. Há sempre um recurso oponível a uma decisão, por mais incabível que seja, por mais estapafúrdias que sejam as razões recursais invocadas. Os mecanismos legais destinados a repelir recursos meramente protelatórios são ainda muito incipientes […]

Se afirmamos que a presunção de inocência não cede nem mesmo depois de um Juízo monocrático ter afirmado a culpa de um acusado, com a subsequente confirmação por parte de experientes julgadores de segundo grau, soberanos na avaliação dos fatos e integrantes de instância à qual não se opõem limites à devolutividade recursal, reflexamente estaríamos a afirmar que a Constituição erigiu uma presunção absoluta de desconfiança às decisões provenientes das instâncias ordinárias (Grifos nossos).

Do ministro Luis Roberto Barroso, embasou seu voto em mutação constitucional e a adaptação a realidade, pudemos extrair a seguinte versão:

A ampla (e quase irrestrita) possibilidade de recorrer em liberdade aproveita sobretudo aos réus abastados, com condições de contratar os melhores advogados para defendê-los em sucessivos recursos8. Em regra, os réus mais pobres não têm dinheiro (nem a Defensoria Pública tem estrutura) para bancar a procrastinação. Não por acaso, na prática, torna-se mais fácil prender um jovem de periferia que porta 100g de maconha do que um agente político ou empresário que comete uma fraude milionária.

Outro ponto importante na justificativa do Ministro Barroso foi a prescrição punitiva causada por recursos protelatórios.

A necessidade de aguardar o trânsito em julgado do RE sp e do RE para iniciar a execução da pena tem conduzido massivamente à prescrição da pretensão punitiva ou ao enorme distanciamento temporal entre a prática do delito e a punição definitiva. Em ambos os casos, produz-se deletéria sensação de impunidade, o que compromete, ainda, os objetivos da pena, de prevenção especial e geral. Um sistema de justiça desmoralizado não serve ao Judiciário, à sociedade, aos réus e tampouco aos advogados.

Em suas razões, a mutação constitucional, que será tratada neste trabalho em um outro tópico, foi um dos temas recorrentes.

Ao citar o uso abusivo e procrastinatório do direito de recorrer, o Ministro citou:

No conhecido caso “Pimenta Neves”, referente a crime de homicídio qualificado ocorrido em 20.08.2000, o trânsito em julgado somente ocorreu em 17.11.2011, mais de 11 anos após a prática do fato. Já no caso Natan Donadon, por fatos ocorridos entre 1995 e 1998, o ex Deputado Federal foi condenado por formação de quadrilha e peculato a 13 anos, 4 meses e 10 dias de reclusão. Porém, a condenação somente transitou em julgado em 21.10.2014, ou seja, mais de 19 anos depois. Em caso igualmente grave, envolvendo o superfaturamento da obra do Fórum Trabalhista de São Paulo, o ex-senador Luiz Estêvão foi condenado em 2006 a 31 anos de reclusão, por crime ocorrido em 1992. Diante da interposição de 34 recursos, a execução da sanção só veio a ocorrer agora em 2016, às vésperas da prescrição, quando já transcorridos mais de 23 anos da data dos fatos.

Para Barroso o voto proferido em 2009, no HC 84078, possibilitou vários equívocos e injustiças e agora cabia a Suprema Corte reparar isto, revertendo entendimento jurisprudencial para remediar efeitos perversos, causados por aquele. Incluindo resgatar o prestígio do sistema judiciário perante a sociedade, quebrar a continuidade da impunidade, contribuir para a celeridade processual e fazer justiça para todos.

Já a Ministra Rosa Weber votou afirmando que não concordava com a mudança de jurisprudência, pois isso afetaria a segurança jurídica. Porém deixou claro que nada impediria que em um futuro plenário a jurisprudência fosse revista, pois a Constituição comporta leitura atualizada, à medida em que os fatos e a própria realidade evoluem, divergindo do voto do relator.

Chegada a vez do Senhor Ministro Luiz Fux, este sustentou que é necessário observar o que a sociedade pensa, e interpretar a constituição de acordo com a realidade vivida no presente. Sobre isso declarou:

Se o réu não é preso após a apelação, porque, depois da sentença ou acórdão condenatório, o próximo marco interruptivo da prescrição é o início do cumprimento da pena. Assim, após a sentença, não iniciado o cumprimento da pena, pode a defesa recorrer ad infinitum, correndo a prescrição. E veja que não há nenhuma inércia do Ministério Público. Isso é uma situação, isso é teratológico, absolutamente teratológico.

Votando a favor da mudança de jurisprudência, para amoldar-se aos dias atuais.

A ministra Carmem Lúcia declarou que este tema é de extrema importância não só para a área jurídica, bem como para a Sociedade que clama por melhoras na interpretação da Carta Magna, e votou no sentido que não parece ruptura ou afronta ao princípio da não culpabilidade penal o início do cumprimento de pena determinado quando já exaurida a fase de provas, que se extingue exatamente após o duplo grau de jurisdição, porque então se discute o direito.

Por seu turno o Ministro Gilmar Mendes afiançou que a presunção de não culpabilidade é um direito fundamental que impõe o ônus da prova à acusação e impede o tratamento do réu como culpado até o trânsito em julgado da sentença.

Pelo menos, o entendimento que nós temos hoje, aqui, é que se justifica a prisão, com base na garantia da ordem pública, em casos de possibilidade de repetição do delito em situações assemelhadas; em muitas situações, nós temos crimes extremamente graves, mas não se pode cogitar de sua possível repetição a justificar a prisão.

Terminou o Ministro, acompanhando o relator e denegando a ordem.

Com a palavra o Ministro Marco Aurélio, este declarou que não enxergava uma tarde feliz para a nação e disse ter dúvidas se a constituição continuaria a ser cidadã, caso mudasse a interpretação da presunção de não – culpabilidade.

Peço vênia para me manter fiel a essa linha de pensar sobre o alcance da Carta de 1988 e emprestar algum significado ao princípio da não culpabilidade. Qual é esse significado, senão evitar que se execute, invertendo-se a ordem natural das coisas – que direciona a apurar para, selada a culpa, prender –, uma pena, a qual não é, ainda, definitiva. E, mais, não se articule com a via afunilada, para ter-se a reversão, levando em conta a recorribilidade extraordinária, porque é possível caminhar-se, como se caminha no Superior Tribunal de Justiça e no Supremo Tribunal Federal, para o provimento do recurso especial ou do recurso extraordinário.

Votou, portanto, a favor do habeas corpus.

No que lhe concerne o Ministro Celso de Mello deixou claro que a presunção de inocência é uma conquista histórica dos cidadãos em sua permanente luta contra a opressão do Estado e o abuso de poder.

Na realidade, a presunção de inocência, a que já se referia Tomás de Aquino em sua “Suma Teológica”, constitui resultado de um longo processo de desenvolvimento político-jurídico, com raízes, para alguns, na Magna Carta inglesa (1215), embora, segundo outros autores, o marco histórico de implantação desse direito fundamental resida no século XVIII, quando, sob o influxo das ideias iluministas, veio esse direito-garantia a ser consagrado, inicialmente, na Declaração de Direitos do Bom Povo da Virgínia (1776). (Apud HC 126.292, p. 80).

Na defesa pelo seu ponto de vista, continuou:

Vê-se, desse modo, Senhor Presidente, que a repulsa à presunção de inocência – com todas as consequências e limitações jurídicas ao poder estatal que dessa prerrogativa básica emanam – mergulha suas raízes em uma visão incompatível com os padrões ortodoxos do regime democrático, impondo, indevidamente, à esfera jurídica dos cidadãos restrições não autorizadas pelo sistema constitucional.

O ministro um dos maiores defensores para que a jurisprudência a dotada em 2009 foi ferrenho em afirmar:

[...] no caso em exame, está a expor e a interpretar o sentido da cláusula constitucional consagradora da presunção de inocência, tal como esta se acha definida pela nossa Constituição, cujo art. 5º, inciso LVII (“ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”), estabelece, de modo inequívoco, que a presunção de inocência somente perderá a sua eficácia e a sua força normativa após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.

[...] Quando esta Suprema Corte, apoiando-se na presunção de inocência, afasta a possibilidade de execução antecipada da condenação criminal, nada mais faz, em tais julgamentos, senão dar ênfase e conferir amparo a um direito fundamental que assiste a qualquer cidadão: o direito de ser presumido inocente até que sobrevenha condenação penal irrecorrível [...] Isso significa, portanto, que inquéritos policiais em andamento, processos penais ainda em curso ou, até mesmo, condenações criminais sujeitas a recursos (inclusive aos recursos excepcionais interpostos para o Superior Tribunal de Justiça e para o Supremo Tribunal Federal) não podem ser considerados, enquanto episódios processuais suscetíveis de pronunciamento absolutório, como fatores de descaracterização desse direito fundamental proclamado pela própria Constituição da República [...] (Grifos nossos).

Por fim deixou claro seu desalento com a iminente mutação constitucional:

Lamento, Senhores Ministros, registrar-se, em tema tão caro e sensível às liberdades fundamentais dos cidadãos da República, essa preocupante inflexão hermenêutica, de perfil nitidamente conservador e regressista, revelada em julgamento que perigosamente parece desconsiderar que a majestade da Constituição jamais poderá subordinar-se à potestade do Estado.

Concluiu votando pelo deferimento do Habeas Corpus.

Por fim, o voto do Senhor Ministro Ricardo Lewandowski, presidente à época do voto, que revelou não conseguir ultrapassar a taxatividade do dispositivo constitucional, não entendendo como caberia interpretação dele. E demonstrou preocupação com a questão de um indivíduo ser preso sem ser culpado:

Em se tratando da liberdade, nós estamos decidindo que a pessoa tem que ser provisoriamente presa, passa presa durante anos, e anos, e anos a fio e, eventualmente, depois, mantidas essas estatísticas, com a possibilidade que se aproxima de 1/4 de absolvição, não terá nenhuma possibilidade de ver restituído esse tempo em que se encontrou sob a custódia do Estado em condições absolutamente miseráveis, se me permite o termo.

Finalizando assim os votos, restando o placar de 7 x 4, a Suprema Corte chega ao entendimento vigente até os dias atuais.

Sobre os autores
ADRIA

ACADÊMICA DE DIREITO DA UNIPAR

GUSTAVO

ACADÊMICO DE DIREITO DA UNIPAR

LAÍSSA

Acadêmica de Direito da UNIPAR

Informações sobre o texto

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