5. A RESPONSABILIDADE CIVIL NO DIREITO BRASILEIRO
Antes de adentrar sobre a responsabilidade no direito de família sob a óptica da alienação parental, é necessário entender a responsabilidade civil de forma geral para melhor compreensão e associação do tema.
Em tese, as atitudes que ocasionam prejuízos a terceiros traz a tona a questão da responsabilidade como forma de restaurar ou restabelecer os danos provocados, sendo este o foco da responsabilidade civil.
A responsabilidade civil surge a partir de uma conduta danosa de outrem, ou seja, quando ocorre uma violação, seja ela patrimonial ou personalíssima. Para Pablo Stolze e Pamplona Filho (2017, p.51) a “responsabilidade, para o direito, nada mais é, portanto, que uma obrigação derivada- um dever jurídico sucessivo -de assumir as consequências de um fato “.
Ainda sobe o tema, discorre (GAGLIANO e PAMPLONA FILHO, 2014, p.743) ”responsabilidade civil deriva da transgressão de uma norma jurídica preexistente, impondo, ao causador do dano, a consequente obrigação de indenizar a vítima”.
A responsabilidade civil foi trazida no código civil de 1916 onde a culpa ou dolo do agente era elemento essencial para que o dano causado fosse reparado, passando a vítima o dever de comprovar a conduta culposa do agente, aliando-se o código a teoria subjetiva. No entanto, ainda na vigência do Código civil de 1916 observou-se que em muitos casos essa comprovação por parte da vítima era impossível , o que dificultava a responsabilização do agente causador dos danos, onde então surgiu também a possibilidade de em determinados casos a responsabilidade civil ser baseada no dever de ressarcir a vítima, sem o enfoque no pressuposto da culpa, surgindo a chamada teoria do risco, que aplica a responsabilidade objetiva.
Para Venosa (2014) a noção clássica de culpa foi sofrendo, no curso da História , constantes temperamentos em sua aplicação.e dessa forma as primeiras atenuações em relação ao sentido clássico de culpa traduziram-se nas “presunções de culpa” e em mitigações no rigor da apreciação da culpa em si.
Apesar de tal inovação, o código civil de 1916 continuou trazendo a responsabilidade subjetiva como regra geral, sendo também a regra adotada no Código em vigor de 2002.
A responsabilidade civil pode ser classificada em contratual e extracontratual. A primeira é aquela obrigação oriunda de um dever estipulado em contrato que foi descumprido, enquanto esta a última é quando a obrigação de reparar o dano é devido uma conduta comissiva ou omissiva, ou seja, surge a partir da violação de um dever jurídico que não é estabelecido contratualmente, que destaca-se no art. 186 do Código Civil de 2002.
O ordenamento brasileiro abrange ainda duas classificações para a responsabilidade civil, baseada no elemento culpa: a da responsabilidade objetiva e a subjetiva. A responsabilidade civil subjetiva será aquela em que o dano é causado em face de ato doloso ou culposo. Para Pablo Stolze e Pamplona Filho (2017), a culpa, por ter natureza civil, se caracterizará quando o agente causador do dano atuar com negligência ou imprudência, conforme doutrina através da interpretação do art. 186 do Código Civil, já a responsabilidade objetiva é aplicada nos casos em que não se faz necessário a caracterização da culpa. “O sistema civil brasileiro , adota, abrange originalmente a teoria subjetivista, conforme observado no texto do art.186 do Código Civil de 2002, que fixa a regra geral da responsabilidade civil” (GAGLIANO e PAMPLONA FILHO, 2017, p.63).
5.1 OS PRESSUPOSTOS FORMAIS DA RESPONSABILIDADE CIVIL
O código civil brasileiro em seu art. 186 dispõe que: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito” e o art.927 do mesmo diploma afirma que: “Aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo, confirmando o que já preceitua o art.186 do Código Civil”.
Desta forma, observa-se que para a caracterização da responsabilidade em reparar um determinado dano, é preciso a presença de quatro pressupostos: a conduta humana, a culpa, o dano e o nexo de causalidade.
5.1.1 Conduta humana
A conduta humana seja ela de omissão ou comissão é um fato jurídico, e o primeiro pressuposto da responsabilidade civil, pois é o foco da transgressão de um dever jurídico de forma voluntária ou involuntária, constituindo-se um ato jurídico ilícito. Para Venosa (2014, p,27) "[...] No sistema da responsabilidade subjetiva, o elemento subjetivo do ato ilícito, que gera o dever de indenizar, está na imputabilidade da conduta do agente". Afinal, sem conduta humana contrária ao ordenamento jurídico não há que se imputar a alguém um dever de reparação cível.
Conforme propõe Gonçalves (2017) ato jurídico é espécie de fato jurídico. O fato jurídico se divide em fatos naturais e fatos humanos, sendo a conduta humana um fato humano, que poderá ser por meio de uma conduta lícita ou ilícita. Lícitos seriam os atos humanos a que a lei refere os efeitos almejados pelo agente, enquanto que os ilícitos seriam aqueles praticados contra o ordenamento jurídico, e esse ultimo é o que gera obrigações na esfera da responsabilidade civil, culminando com o preceituado no art. 186 e 927 do código civil de 2002.
Essa conduta humana, se baseia apenas na intenção de realizar, mesmo que o resultado deste ato não seja o esperado, caso seja sancionado pelo ordenamento jurídico é considerado ilícito e deverá ser motivo de reparação.
Assim, aquele que através de ato que cause dano a outrem, de forma dolosa ou por negligência, imprudência ou imperícia, por ação ou omissão , irá gerar a responsabilidade civil. Para Gonçalves (2017): o ato ilícito é uma fonte de obrigação de indenizar ou ressarcir o prejuízo causado, previsto no art. 927 do CC, através da prática de infração a um dever de conduta, por meio de ações ou omissões culposas ou dolosas do agente, das quais resulta dano a outrem.
Desta forma, evidencia-se que se leva em conta na conduta humana não é o elemento volitivo, ou seja, na intenção do autor em praticar o dano e sim a consciência da sua pratica, independente de saber ou não da ilicitude do ato.
Vale ressaltar que apesar do ato antijurídico ser a regra geral para ocasionar o dever de indenização, é possível que em determinados casos a conduta lícita também ocasione tal dever. Gagliano; Pamplona Filho (2017) explica que a antijuridicidade, é regra geral que acompanha a ação humana desencadeadora da responsabilidade, e observa-se que a imposição do dever de indenizar poderá existir mesmo quando o sujeito atua licitamente, concluindo que haverá responsabilidade civil sem necessariamente haver ilicitude, ainda que excepcionalmente, por força de norma legal.
5.1.2 Nexo de causalidade
O nexo de causalidade vem expresso no verbo “causar” do art. 186 do CC, este é a ligação da conduta humana ao dano ocasionado, ou seja,se determinada conduta do agente não foi a responsável por causar dano a outrem não há que se falar em ressarcimento, dado a inexistência do nexo de causalidade, constituindo-se elemento indispensável tanto no que diz repeito a responsabilidade subjetiva como na objetiva.
Gonçalves (2016) estabelece que é uma relação de causa de efeito entre o ato e as consequências danosas e que se houver dano mas não estiver relacionado com o comportamento do agente inexiste relação de causalidade.
Venosa (2014) afirma que há dificuldade em estabelecer o nexo de causalidade e definir se a conduta do agente realmente deu causa ao dano sofrido pela vitima, principalmente quando um dano decorre de ações múltiplas.
Diante disso existem três principais teorias que se propõem a explicar o nexo de causalidade, que valem a pena serem brevemente expostas.
A teoria da equivalência das condições ou conditio sine qua non, estabelece que todo acontecimento que concorre para um dado resultado é considerado como nexo de causalidade, inclusive sendo a teoria adotada no Código Penal Brasileiro. É o preconizado por Gagliano e Pamplona Filho (2016, p.143) ”[...] esta teoria é de espectro mais amplo, considerando elemento causal todo o antecedente que haja participado da cadeia de fatos que desembocaram no dano”. .
Já a teoria da causalidade adequada o nexo causal só seria possível se a conduta do agente fosse realmente a adequada para o resultado. Tartuce (2017, p. 346) ”Por esta teoria, somente o fato relevante ao evento danoso gera a responsabilidade civil, devendo a indenização ser adequada aos fatos que a envolvem mormente nas hipóteses de concorrência de causas”.
A teoria dos danos diretos e imediatos, para Gonçalves (2016,p 361) “[...]Requer ela haja, entre a conduta e o dano, uma relação de causa e efeito direta e imediata. É indenizável todo dano que se filia a uma causa desde que necessária, por não existir outra que explique o mesmo dano”.
É importante esclarecer que há divergências doutrinárias quanto a teoria adotada pelo Código Civil de 2002, pois parcela doutrinária entende que foi acolhida a teoria da causalidade adequada nos arts. 944 e 945 do CC/02, enquanto outros afirmam ser a teoria da causalidade direta ou imediata a adotada, conforme o que dispõe no art; 403 do CC/02.
Cavaliere Filho (2000, p.51) é adepto da teoria da causalidade adequada “[...] causa para ela, é o antecedente, não só necessário, mas também adequado à produção do resultado. Logo, nem todas as condições serão causa, mas apenas aquela que for mais apropriada para produzir o evento”.
Diferente é o pensamento de Gagliano e Pamplona Filho(2016, p 149):
"Alinhamo-nos ao lado daqueles que entendem mais acertado o entendimento de que o Código Civil brasileiro adotou a teoria da causalidade direta ou imediata (teoria da interrupção do nexo causal), na vertente da causalidade necessária. E a essa conclusão chegamos ao analisarmos o art. 403 do CC/2002".
Nesse mesmo sentido, entende Gonçalves (2016 ,p.362):
Das várias teorias sobre o nexo causal, o nosso código adotou, indiscutivelmente , a do dano direto e imediato, como está expresso no art.403.Dispõe, com efeito, o mencionado dispositivo legal: Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual.
Apesar da divergência com o posicionamento de Cavaliere Filho, Gagliano e Pamplona(2016) ressalta as jurisprudências do ordenamento brasileiro que vêm acolhendo em determinados casos a teoria da causalidade adequada, embora a regra positivada seja a do art.403 do CC/02.
5.1.3 A Culpa
O último pressuposto a ser brevemente abordado é o da culpa, que diferentemente do dano, nem sempre é indispensável para a configuração da responsabilidade civil.
Percebe-se a partir da leitura art. 186 do CC/02 que a conduta realizada pelo agente do dano deve ter sido realizada voluntariamente, seja uma ação ou omissão ou ao menos de forma negligente ou imprudente. Portanto, na responsabilidade civil subjetiva é exigível a comprovação da culpa, ao contrário da responsabilidade objetiva que prescinde deste elemento. Assim discorre Gagliano e Pamplona Filho (2016, p.185):
"(...) ao lado da responsabilidade decorrente do ilícito (art.186), em cuja noção encontra-se inserida a ideia de culpa, poderá o magistrado também reconhecer a responsabilidade civil do infrator, sem indagação do elemento anímico (responsabilidade objetiva), em duas outras situações (além daquela referente ao abuso de direito -187- que não pressupõe culpa), previstas no parágrafo único do referido dispositivo".
O conceito de culpa se dá de forma ampla e estrita. De acordo com Gonçalves (2016) : a culpa em sentido amplo irá englobar o dolo, que é a intenção de alguém violar determinada ordem jurídica, enquanto que no sentido estrito decorre somente da conduta por meio de negligência, imprudência ou imperícia, concluindo que a culpa significa a falta de diligência e o dolo a violação de um dever jurídico.
Miragem (2015, p. 263) conceitua imprudência como a conduta do agente que, tendo condições de prever suas consequências danosas à vítima, deixa de fazê-lo, dando início ou continuidade ao comportamento do qual decorrerá o dano., e que o critério para identificação de previsibilidade de consequências é objetivo, onde será baseado pelo padrão de conhecimento exigido por uma pessoa comum, do homem médio. Ainda destaca a negligência que é a ausência do dever de diligência, de cuidado, em que também terá como base o homem médio e a imperícia que é a falta do dever de perícia e diferente dos deveres de prudência e diligência que se exige de todas as pessoas comuns, será exigível apenas para alguém que em razão de sua qualidade profissional e conhecimentos específicos não exerce sua aptidão profissional durante sua atuação, ocasionando dano a terceiro, situação conhecida como culpa profissional.
Como já colocado anteriormente o dano causado a reparação civil será avaliado de acordo com a sua extensão da conduta danosa, como previsto no art.944 ,caput do CC/02. Gonçalves (2016) explica que não há distinção no Código Civil entre dolo e culpa para fins de responsabilizar o agente pela conduta, pois sendo esta danosa ou culposa irá existir o dever de reparação, na qual a extensão deste prejuízo causado será avaliado para assim estabelecer a indenização.
No entanto, culpa ainda pode ser avaliada em graus, podendo ser auferida como grave, leve e levíssima. Tal divisão é relevante ser destacada, tendo em vista que o Código Civil de 2002 trás no art. 944, parágrafo único, uma graduação da culpa do agente como parâmetro de indenização, podendo ser grave, leve e levíssima, conferindo ao judiciário estabelecer uma maior equidade em suas decisões quanto ao grau de culpa e a proporcionalidade da indenização.
5.1.4 O dano
O dano corresponde a um prejuízo, seja ele na esfera moral ou patrimonial, que decorre de uma conduta omissiva ou comissiva. Deste modo, não existindo dano, não há o que se indenizar.
O dano material é o que atinge o patrimônio da vítima, ou seja, seus bens e direitos econômicos, enquanto o dano moral ofende a pessoa como ser humano, sua imagem e honra, ferindo os direito de personalidade, a honra, dignidade e intimidade.
Tanto a Constituição Federal Brasileira nos artigos 1º, III que estabelece a dignidade da pessoa humana como princípio fundamental e 5º, V e X do mesmo diploma legal e o Código Civil de 2002, no art. 186, trataram de resguardar o direito de indenização por dano moral. Destaca-se que esta possibilidade trazida está diretamente ligada a função da reparação civil e sua natureza jurídica, que apesar de ainda controversa, conforme Gonçalves (2016, p. 404) “ Tem prevalecido, no entanto, o entendimento de que a reparação pecuniária do dano moral tem duplo caráter: compensatório para a vítima e punitivo para o ofensor”.
Para Gagliano e Pamplona Filho (2016) este dano para ser considerado indenizável precisa configurar uma real violação de interesse jurídico patrimonial ou extrapatrimonial e ainda ser um dano certo, efetivo, mesmo se tratando de um dano moral é preciso uma mensuração, mas não da dor sofrida pela vítima e sim da real violação a um direito personalíssimo.
Ademais, é importante discorrer que existe a possibilidade de uma mesma conduta gerar a possibilidade de tanto atingir os direitos de personalidade como os patrimoniais , justificando a cumulação de dano moral com material. Neste sentido Gagliano e Pamplona Filho( 2016,p. 134) esclarecem sobre o assunto:
Ressalte-se que a controvérsia jurisprudencial acerca da cumulatividade dos danos morais e patrimoniais tem como marco importante o ano de 1992, quando o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula 37,em consonância com a nova ordem constitucional, afirmando “são cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato”.
Portanto, o dano moral ou material é indispensável para ensejar a responsabilidade civil objetiva ou subjetiva, inclusive sendo utilizado como parâmetro para a fixação da indenização, nos termos do art. 944, caput do CC/02: “ A indenização mede-se pela extensão do dano”.