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O princípio da ampla acessibilidade aos cargos públicos.

A exigência de três anos de atividade jurídica para os concursos à Magistratura e ao Ministério Público

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5. A LEI Nº 8.906/94 E A SITUAÇÃO DOS INCOMPATIBILIZADOS COM A ADVOCACIA

Dispõe o Capítulo VII da Lei nº 8.906/94, Estatuto da Advocacia de da Ordem dos Advogados do Brasil, sobre as incompatibilidades e impedimentos para o exercício da advocacia. O artigo 27 da citada lei conceitua incompatibilidade como a proibição total, e o impedimento como a proibição parcial do exercício da advocacia.

O art. 28 do referido diploma legal cuida das incompatibilidades, que impedem o exercício da advocacia, inclusive em causa própria, abrangendo: a) chefe do Poder Executivo e membros da Mesa do Poder Legislativo, bem como seus substitutos legais (inciso I); b) membros de órgãos do Poder Judiciário, Ministério Público, tribunais e conselhos de contas, juizados especiais, justiça de paz, juízes classistas, assim como todos os exercentes de função de julgamento em órgão de deliberação coletiva da administração pública, direta ou indireta (inciso II); c) ocupantes de cargos ou funções de direção em órgãos da Administração Pública direta ou indireta, compreendidas suas fundações, empresas controladas e concessionárias de serviço público (inciso III); d) ocupantes da cargos ou funções vinculados, direta ou indiretamente, a qualquer órgão do Poder Judiciário, bem como os notários e registradores (inciso IV); e) ocupantes de cargos ou funções vinculados, direta ou indiretamente, a atividade policial de qualquer natureza, militares de qualquer natureza, enquanto na ativa (incisos V e VI); f) ocupantes de cargos ou funções com competência de lançamento, arrecadação ou fiscalização de tributos e contribuições parafiscais (inciso VII) e, por fim, g) os ocupantes de funções de direção e gerência em instituições financeiras, inclusive privadas (inciso VIII).

As hipóteses de impedimento encontram-se previstas no art. 30 e circunscrevem-se, basicamente, a servidores da administração direta ou indireta contra a Fazenda Pública respectiva (inciso I) e membros do Legislativo, contra ou a favor de pessoas jurídicas de direito público, empresas públicas, sociedades de economia mista, fundações públicas, entidades paraestatais ou empresas concessionárias ou permissionárias de serviço público (inciso II).

No que se refere às hipóteses de incompatibilidade, contempladas no art. 28 do Estatuto, é preciso atentar que as pessoas que se enquadrem nas mesmas encontram-se absolutamente inabilitadas para o exercício da advocacia, tendo inclusive sua inscrição cancelada, de ofício, pela respectiva Seccional, quando da posse, caso já inscritas anteriormente na Ordem dos Advogados do Brasil.

Em tais hipóteses, resta impossibilitada de praticar atos postulatórios, na condição de advogado, inclusive em causa própria, por norma de ordem pública, incorrendo até mesmo em sanção penal, na hipótese de descumprimento da norma proibitiva.

Portanto, adverte-se, neste ponto, ainda uma vez, a necessidade de comedimento, por parte do legislador ordinário, não só no que se refere a não limitar demasiadamente o rol de funções ou cargos a serem considerados "atividade jurídica" para os fins do art. 93, I e do art. 129, § 3º, ambos da CF, mas também a prever ressalva expressa para as hipóteses de pessoas incompatibilizadas, nos termos da Lei nº 8.906/94, art. 28.

Não se pode condicionar o acesso a cargo, emprego ou função pública a um requisito o qual o candidato esteja legalmente impedido de suprir. Não há que se exigir que funcionários do Poder Judiciário, da polícia ou da administração tributária, por exemplo, peçam exoneração de seus cargos e advoguem, pelo prazo de três anos, para terem acesso ao certame admissional às carreiras da Magistratura e do Ministério Público.

Esta é uma das razões pela qual a tendência em reconhecer quase que tão somente a advocacia como "atividade jurídica" para fins do preconizado pela Emenda Constitucional nº 45, é essencialmente equivocada [20], devendo ser ampliado o rol das atividades aptas ao suprimento do requisito e, inclusive, fazendo ressalva expressa em relação aos incompatibilizados com a advocacia.

Neste ponto, interessante conferir o teor de r. aresto prolatado pelo Egrégio Tribunal Regional Federal da 2ª Região, através de sua Primeira Turma, em sede de embargos de declaração, in verbis:

PROCESSUAL CIVIL – EMBARGOS DE DECLARAÇÃO – SERVIDOR PÚBLICO EXERCENTE DE CARGO DE TÉCNICO DO TESOURO NACIONAL – CONCURSO PARA PROCURADOR DA FAZENDA – PRÁTICA FORENSE – IMPOSSIBILIDADE LEGAL DE SUPRIR EXIGÊNCIA – I. A exigência de prática forense como condição para inscrição em concurso público para os que possuem cargo público e têm incompatibilidade legal para o exercício da advocacia soa sem razoabilidade, posto que restariam excluídos de todos os concursos cuja exigência fosse imposta, configurando afronta ao direito de igualdade. II. Embargos de declaração improvidos. Decisão unânime. (TRF 2ª R. – EDAC 2000.02.01.041099-1 – RJ – 1ª T. – Rel. Des. Fed. Ney Fonseca – DJU 07.06.2001)

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Vê-se, portanto, que a inobservância de razoabilidade pelo legislador infraconstitucional, neste ponto, fatalmente inquinará a nova lei de inconstitucionalidade, seja por afronta à isonomia, seja por ferimento à universalidade de acesso aos cargos públicos, conforme já visto.


6. COMPETÊNCIA PARA REGULAMENTAR A EC nº 45/04

Preliminarmente, nos parece bastante evidente caracterizarem-se os dispositivos constitucionais enfocados como norma constitucional de eficácia limitada – até mesmo pela amplitude e equivocidade da expressão atividade jurídica, bem como pela necessidade de interpretação restritiva, em virtude da natureza de norma restritiva de direitos -, razão pela qual abstemo-nos de maiores indagações nesta seara.

Ademais, dispôs a Emenda Constitucional nº 45/04, em seu artigo 7º, sobre a regulamentação da matéria por ela tratada, nos seguintes termos:

Art. 7º

O Congresso Nacional instalará, imediatamente após a promulgação desta Emenda Constitucional, comissão especial mista, destinada a elaborar, em cento e oitenta dias, os projetos de lei necessários à regulamentação da matéria nela tratada, bem como promover alterações na legislação federal objetivando tornar mais amplo o acesso à Justiça e mais célere a prestação jurisdicional.

Neste passo, de se recordar que o art. 93, caput, exige a edição de Lei Complementar, e não simples lei ordinária, para regulamentar o Estatuto da Magistratura, valendo o mesmo quanto ao Estatuto do Ministério Público, a teor do disposto no art. 128, § 5º. [21]

Do exposto, percebe-se que, enquanto não editadas as Leis Complementares aptas a regulamentar as inovações constitucionais em comento, a disposição não poderá gozar de eficácia alguma. A única espécie normativa apta a prover a necessária regulamentação da norma constitucional, e retirar a equivocidade do termo empregado pelo legislador constituinte, é a lei em sentido próprio, e ainda qualificada como complementar, observados todos os parâmetros do processo legislativo exigido a tal espécie normativa pela própria Carta Magna.

Parece-nos evidente que nenhum outro órgão que não o Congresso Nacional, através da edição da espécie normativa apropriada, já declinada, dispõe de atribuições para regulamentar a novel disposição constitucional, pelas razões já declinadas.

Neste ponto, elucidativa a observação de HELY LOPES MEIRELLES:

"A Carta de 1937, no art. 122, outorgou expressamente ao Executivo competência [22] para estabelecer requisitos de acessibilidade mediante ato próprio. Essa orientação foi rejeitada na Constituição Federal de 1946. Na vigência da Constituição Federal de 1988 e dando inteira aplicação ao seu art. 37, I, o Colendo STF, Pleno, decidiu, com acerto, que, ‘em linha de princípio, impende entender que a Constituição reserva à lei estipular requisitos e condições de provimento de cargos públicos, por via de concurso, também no que concerne à qualificação profissional e inclusive idade.’ (ADI 10.040-9, RTJ 135/528 e 958 e RDA 189/222)." [23]

Portanto, conforme se depreende da lição do retrocitado doutrinador, o próprio Pretório Excelso já reconheceu extrapolar a atribuição administrativa a fixação de requisitos e condições para o ingresso em carreiras públicas – exatamente por serem regulamentações restritivas de direito constitucionalmente assegurado -, tanto mais com relação normas restritivas de direitos para cuja regulamentação a própria Carta Magna exige a edição de lei complementar.

Não é outro o entendimento de HUGO NIGRO MAZZILLI, que se expressa nos seguintes termos:

"Sem regulamentação, cremos que o requisito de prévio exercício de atividade jurídica não é auto-aplicável, de maneira que, se vier a ser exigido em editais de concurso, sem anterior regulamentação, poderá ser questionado por meio de mandado de segurança." [24]

Isso sob pena de ferimento dos pluricitados princípios da isonomia e da universalidade de acesso aos cargos públicos, além de evidente usurpação de competência legislativa, reservada, na espécie, ao Parlamento.

Sobre o acerto da tese aqui esposada, confira-se o seguinte decisão liminar, em sede de controle concentrado de constitucionalidade, pelo Supremo:

"AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – LIMINAR – CONCURSO PÚBLICO – JUIZ DO TRABALHO SUBSTITUTO – REQUISITOS – IMPOSIÇÃO VIA ATO DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO – Exsurgindo a relevância jurídica do tema, bem como o risco de serem mantidos com plena eficácia os dispositivos atacados, impõem-se a concessão de Liminar. Isto ocorre no que previstos, em Resolução Administrativa do Tribunal Superior do Trabalho, requisitos para acesso ao cargo de juiz estranhos a ordem jurídica. Apenas a lei em sentido formal (Ato Normativo emanado do Poder Legislativo) pode estabelecer requisitos que condicionem ingresso no serviço público. As restrições e exigências que emanem de ato administrativo de caráter infralegal revestem-se de inconstitucionalidade. (José Celso de Mello Filho em Constituição Federal Anotada). Incompatibilidade da imposição de tempo de prática forense e de graduação no curso de Direito, ao primeiro exame, com a ordem constitucional." (STF – ADIMC 1.188 – DF – TP – Rel. Min. Marco Aurélio – DJU 20.04.1995)

O entendimento referido encontra-se, inclusive, sumulado. A Súmula 14 do E. STF, embora cancelada em regime jurídico-constitucional anterior, readquiriu atualidade, com a promulgação da Constituição de 1988, no entendimento de doutrina respeitável. [25]

Embora refira-se à exigência de idade em concurso público, é aplicável ao tema em exame, dado o paralelismo das situações. O teor de seu enunciado é o seguinte:

"Não é admissível, por ato administrativo, restringir, em razão da idade, inscrição em concurso para cargo público."

Comentando referido enunciado, ROBERTO ROSAS ensina:

"A nosso ver, o princípio constitucional da acessibilidade aos cargos não pode ser tolhido pela mera intenção administrativa, que está aquém da conveniência administrativa. De fato, à Administração deve ser dada a oportunidade de discricionariamente recrutar os seus servidores numa faixa de idade, segundo sua conveniência. Mas a lei criadora dos cargos indica esse parâmetro (v. Hely Lopes Meirelles, Direito Administrativo Brasileiro, 27ª ed., Malheiros Editores, 2002, p. 407; RTJ 75/243, 74/878, 72/952)." [26][27]

Não obstante todo o exposto, diversos tem sido os Tribunais e Ministérios Públicos que tem, quando da abertura dos certames, regulamentado por conta própria a EC nº 45/04, no particular, o que, conforme já nos manifestamos, é de flagrante inconstitucionalidade.

Não obstante, passando ao largo da legitimidade ou ilegitimidade de tal regulamentação, tem-se podido verificar discrepâncias entre os diversos Órgãos sobre as atividades que estariam compreendidas na expressão atividade jurídica. Vejamos, exemplificativamente, alguns dos requisitos exigidos em diferentes certames.

O Tribunal de Justiça do Estado do Pará, em seu edital nº 01/2005, de 31 de agosto de 2005 prevê, relativo ao concurso para o ingresso na magistratura daquele Estado, em seu item 3, intitulado "Dos requisitos básicos para a investidura no cargo", a obrigatoriedade de atividade jurídica por, no mínimo, 3 anos, exigindo, no subitem 3.4., para comprovação de tal requisito, prova de ter o candidato exercido, durante o referido período, exercido as seguintes atividades: a advocacia, o magistério jurídico em nível superior, a assessoria ou consultoria jurídica, ou o exercício de cargo ou função pública privativos de bacharel em direito. [28]

Já o Tribunal Regional Federal da 1ª Região, no edital de abertura do XI concurso público para provimento do cargo de Juiz Federal Substituto, em seu item 3, faz a mesma exigência, reconhecendo como atividade jurídica o exercício de advocacia, sem o cômputo de estágio, ou de cargo ou função pública para os quais se exija diploma de bacharel em direito (inciso VI). [29]

Por outro lado, o Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região, no Edital ESAF nº 57, de 05.09.2005, em seu item 5, intitulado "Do ingresso na magistratura do trabalho da 7ª Região", no subitem 5.1., exige do candidato a comprovação de 3 anos de atividade jurídica, no mínimo, reconhecendo como tal a advocacia, o exercício de cargo, emprego ou função pública privativos de bacharel em direito, ou magistério jurídico, sejam efetivos, permanentes ou de confiança, ou ainda, na condição de bacharel em direito, de cargo, emprego ou função de nível superior, com atividades eminentemente jurídicas (subitem 5.3.). [30]

Ainda a título de exemplo, convém informar que o Ministério Público do Estado de Rondônia, em seu edital nº 50/2005-GAB-PG, que regulamenta o XVIII Concurso para ingresso na carreira do Ministério Público daquele Estado, exige, igualmente, os referidos 3 anos (item 3.2.7.), reconhecendo, como tal, o exercício da advocacia (6.1.2.), desempenho de cargo, emprego ou função pública, ou magistério jurídico, privativos de bacharel em direito e, ainda, o exercício de cargo, emprego ou função pública, de nível superior, com atividade eminentemente jurídica, desde que na condição de bacharel em direito (6.1.3.), e até mesmo estágio oficial, com duração semanal não inferior a 20 horas semanais (6.1.4.) [31].

Pois bem, já deixamos claro que, em nosso juízo, tal regulamentação carece totalmente de fundamento legal e constitucional, dada a natureza da novel norma inserta na Carta Política pela EC nº 45/04, no que se refere ao tema sub examine.

Mas, analisando os diferentes requisitos exigidos pelos diversos certames, valendo-nos dos sucintos exemplos retro-mencionados, percebemos que alguns se caracterizam como mais restritivos nas atividades que entendem compreendidas na expressão atividade jurídica, ao passo que outros mostram-se mais abrangentes.

Assim, passa-se da exigência de cargo privativo de bacharel em direito, sem o cômputo do período de estágio, em um certame, à admissão de cargo ou emprego de nível superior, desde que na condição de bacharel em direito, e com atividade eminentemente jurídica, admitido o cômputo do estágio.

Com a devida vênia, as últimas posições parecem-nos as mais acertadas, por conciliarem o interesse público com o direito individual, eis que nos parece que certas atividades, a despeito de não serem privativas de bacharéis em direito, possuem carga notável de juridicidade.

A auto-regulamentação das exigências em análise por parte das bancas dos certames acabou por originar um Pedido de Providências ao Conselho Nacional de Justiça – CNJ - [32], que deverá expedir, em breve, uma resolução sobre o assunto.

O relator da matéria no Conselho, MARCOS FAVER, pronunciando-se sobre o assunto adianta entendimento que distingue atividade jurídica de prática forense, destacando a maior amplitude da última:

"Prática forense é o que se exigia anteriormente, mas, agora, mudou. O texto estabeleceu atividade jurídica do bacharel. O Conselho tem que definir em linhas gerais o que é a atividade jurídica. Mas, evidentemente, a prática é uma atividade jurídica. Atividade jurídica é o critério genérico. E a atividade forense é um critério específico" [33]

É importante observar que a expressão "exigindo-se do bacharel" deve ser interpretada como exigência de atividade jurídica na posse da condição de bacharel em direito, e não como de atividade privativa de bacharel – até porque, conforme já visto, se esta fosse a pretensão do legislador constituinte derivado, ele teria feito tal exigência expressamente -.

O Conselheiro MARCOS FAVER adiantou entendimento pessoal no sentido de que, por exemplo, o exercício de atividade, por um bacharel em Direito, no âmbito de um cartório, deve ser considerado como atividade jurídica. No mesmo passo, exemplificou com o escrivão de polícia. [34]

Sobre os autores
Geziela Jensen

Mestre em Ciências Sociais Aplicadas pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). Membro da Société de Législation Comparée (SLC), em Paris (França) e da Associazione Italiana di Diritto Comparato (AIDC), em Florença (Itália), seção italiana da Association Internationale des Sciences Juridiques (AISJ), em Paris (França). Especialista em Direito Constitucional. Professora de Graduação e Pós-graduação em Direito.

Luis Fernando Sgarbossa

Doutor e Mestre em Direito pela UFPR. Professor do Mestrado em Direito da UFMS. Professor da Graduação em Direito da UFMS/CPTL.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

JENSEN, Geziela; SGARBOSSA, Luis Fernando. O princípio da ampla acessibilidade aos cargos públicos.: A exigência de três anos de atividade jurídica para os concursos à Magistratura e ao Ministério Público. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 838, 19 out. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7427. Acesso em: 5 nov. 2024.

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