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Patrimônio de afetação na recuperação judicial e na falência

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Agenda 18/06/2019 às 19:15

O patrimônio de afetação é importante instrumento de defesa de todos os envolvidos na incorporação imobiliária, devendo ser prestigiado e fortalecido.

O presente artigo se propõe a analisar o instituto do patrimônio da afetação, sob a ótica do Direito Falimentar e Recuperacional. Será abordado o conceito do instituto e do seu tratamento pela legislação nacional, além dos pontos controvertidos sobre o tema. Far-se-á, ao final, uma análise específica sobre o patrimônio da afetação na falência e se apontará a necessidade de previsão legal do instituo em sede de recuperação judicial.


1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho versa sobre patrimônio de afetação e, especificamente, sobre o tratamento deste instituto no direito da insolvência, notadamente nos processos de recuperação judicial e de falência.

O principal objetivo do estudo é analisar as consequências aos credores e ao próprio patrimônio afetado quando da insolvência do respectivo titular, nos termos da legislação e da interpretação dada pela jurisprudência pátria.

Para tal intento, foram utilizados dois métodos de averiguação de resultados: revisão da literatura pertinente e análise de casos concretos.

Ao final, o estudo abordará aquela que é atualmente a principal controvérsia sobre o tema: a aplicação ou não do art. 119, IX, da Lei de Recuperação e Falência (LRF) às hipóteses de recuperação judicial.


2. CONCEITO, CARACTERÍSTICAS E DISCIPLINA LEGAL DO PATRIMÔNIO DE AFETAÇÃO

O conceito de patrimônio, por sua relevância, é objeto de estudo há muito tempo no Direito Brasileiro. Segundo Pontes de Miranda, “No Código Civil e no Código Comercial, patrimônio é o ativo, que, se há passivo, é atingível por esse”[1].

Já para Silvio Rodrigues[2], “o patrimônio é formado pelo conjunto de relações ativas e passivas, e esse vínculo entre os direitos e as obrigações do titular, constituído por força de lei, infunde ao patrimônio o caráter de universalidade de direito (cf. Sylvio M. Marcondes Machado, Limitação de Responsabilidade do Comerciante Individual, n. 79)”.

Exatamente nesse sentido, vale frisar que o art. 91 do Código Civil Brasileiro estabelece que “Constitui universalidade de direito o complexo de relações jurídicas, de uma pessoa, dotadas de valor econômico”.

Patrimônio de afetação, por sua vez, é definido por Melhim Namem Chalhub como sendo “uma universalidade de direitos e obrigações destinada ao cumprimento de determinada função e integrado ao patrimônio geral [do titular]”[3].

Os atualizadores da obra de Pontes de Miranda trataram patrimônio de afetação como “uma forma de securitização dos créditos que se destinam à atividade de incorporação imobiliária”. E prosseguem destacando que “Por esse regime, ‘o terreno e as acessões objeto de incorporação imobiliária, bem como os demais bens e direitos a ela vinculados, manter-se-ão apartados do patrimônio do incorporador e consistirão patrimônio de afetação, destinado à consecução da incorporação correspondente e à entrega das unidades imobiliárias aos respectivos adquirentes’ (art. 30-A da Lei 4.591/1964 – Lei de Condomínios e Incorporações)”.

Ainda segundo os atualizadores da obra de Pontes, “Sua principal utilidade é distinguir esferas patrimoniais, dado que não se comunica com o acervo geral do incorporador, com outros patrimônios de afetação e, de modo notável, ele responde por dívidas e obrigações vinculadas à incorporação respectiva. Como bem salienta a doutrina, ‘a afetação visa a garantir que as receitas de cada incorporação sejam rigorosamente aplicadas na realização do respectivo empreendimento, impedindo o desvio de recursos de um empreendimento para o outro ou para as obrigações gerais da empresa incorporadora, que sejam estranhas às obrigações vinculadas ao empreendimento afetado. Por esse modo, a afetação atende a necessidade de conferir tutela especial a todos quanto contribuíram para a realização da obra, sejam aqueles que tenham contribuído para erigir o edifício com seu esforço pessoal – os trabalhadores – ou aqueles que a financiaram com seus recursos – os adquirentes e as entidades financiadoras – e, ainda, os credores preferenciais por créditos previdenciários e fiscais vinculados ao negócio (Chalhub, Melhim Namem. A incorporação imobiliária como patrimônio de afetação – A teoria da afetação e sua aplicação às incorporações imobiliárias. Comentários à MedProv. 2.221, de 04.09.2001. Revista de Direito Imobiliário. Vol. 55, p. 62. São Paulo: Ed RT, jul. 2003)”[4].

De forma resumida, portanto, patrimônio de afetação é uma universalidade de direito, destacada do patrimônio geral do respectivo titular, mas dele fazendo parte, vinculada a uma destinação específica.

O Direito brasileiro admite a afetação do patrimônio de determinada pessoa, natural ou jurídica, em algumas hipóteses. Para fins deste estudo, importa aquela referente às incorporações imobiliárias[5].

Vale lembrar que atividade incorporadora é aquela por meio da qual o dono do terreno, o promissário comprador, o cessionário de direitos ou o detentor da posse, vende antecipadamente unidades imobiliárias em edifício a ser construído ou em construção, captando, assim, recursos com vistas a financiar o próprio empreendimento.

Segundo Caio Mario da Silva Pereira[6], que vem a ser o autor do projeto que se converteu na Lei 4.591/1964, a incorporação apresenta os seguintes caracteres: (a) é uma espécie contratual típica, bilateral e sinalagmática, o que importa na sua submissão aos princípios contratuais inerentes (exceção do contrato não cumprido, cláusula resolutiva tácita, resolução) – e, para os atualizadores, a resolução por onerosidade excessiva por alteração das circunstâncias, desde que por fato imprevisível (arts. 478 a 480 do CC/2002); (b) é um contrato oneroso de execução sucessiva”[7].

Cuidará a incorporadora da gestão de seus empreendimentos, do adimplemento das mais diversas obrigações, da engenharia financeira a fim de concretizar a construção, do bom relacionamento e prestação de contas aos adquirentes de unidades autônomas, entre outras funções afins. Em outras palavras, o incorporador é o responsável por gerir o(s) empreendimento(s).

E o mesmo incorporador pode ter diversos negócios acontecendo ao mesmo tempo. Para que os compradores de unidades autônomas e demais players de uma incorporação específica não fiquem sujeitos aos riscos de outra incorporação, criou-se, na incorporação imobiliária, a figura do patrimônio de afetação.

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Assim, a incorporadora destaca parte de seu acervo patrimonial para dar a esta parte destinação específica, de empreendimento determinado. Ficam segregados, por exemplo, terreno e respectivas acessões, as receitas vinculadas, bem como as respectivas obrigações, sejam elas propter rem, tributárias, trabalhistas ou outras, sempre, claro, vinculadas a esta parte que foi afetada pela incorporadora.

Esse conjunto de bens, direitos e obrigações passa a ter destinação específica e a esta destinação fica vinculado, passando a ser visto de forma apartada do patrimônio geral (mas ainda dele fazendo parte).

Em outras palavras, o patrimônio afetado passa a ter autonomia negocial e gerencial. Responderá por seus encargos e auferirá as receitas relacionadas. Passa a se auto sustentar.

A ideia principal do patrimônio de afetação nas incorporações imobiliárias é trazer segurança aos adquirentes de unidades autônimas, reservando certos bens e toda a correspondente operação àquela destinação exclusiva.

Vale aqui abrir espaço para frisar que patrimônio de afetação não se confunde com outros possíveis caminhos de estruturação imobiliária, notadamente as SPEs (Sociedades de Propósito Específico).

Com efeito, as SPEs são sociedades constituídas para a realização de um ou mais negócios determinados[8]. Como se depreende das definições apontadas acima, não são patrimônio. São sociedades. E se não são patrimônio, menos ainda serão patrimônio de afetação.

Quando uma SPE é constituída por outra sociedade, esta retira de seu ativo os bens por meio dos quais capitaliza a SPE e recebe, em troca, a respectiva participação societária (quotas ou ações).

Pode acontecer, claro, de a própria SPE afetar seu patrimônio, mas esse é outro problema. Ao contrário do que ocorre nas SPEs, no patrimônio de afetação não há constituição de nova personalidade jurídica, nem troca de posições ativas e passivas do patrimônio original. Como dito, mesmo segregado, afetado, aquele patrimônio continua integrando o patrimônio de quem o afetou.

Uma das consequências de todo o mencionado acima é a mitigação do princípio da livre disposição da propriedade. Em outras palavras, estando parte do patrimônio afetado, é correto afirmar que seu detentor só poderá desta parte dispor nos limites legais e de acordo com os ditames estatutários e contratuais estabelecidos na afetação.

E aqui também se faz oportuno lembrar que nem todo patrimônio afetado é um patrimônio de afetação. E o exemplo da fundação ilustra bem isso. A fundação é um patrimônio afetado, mas não é um patrimônio de afetação. Com efeito, constituída a fundação, ela se destaca do patrimônio de quem a constituiu, passando a ser dotada de personalidade jurídica própria, nos termos dos artigos 62 e seguintes do Código Civil Brasileiro. O patrimônio de afetação strictu senso, como vimos, tem outras características.

E, por falar em características, eis algumas das mais importantes no que tange a patrimônio de afetação:

A Lei que trata do patrimônio de afetação nas incorporações imobiliárias é a 4.591/64[12], com redação, no que importa ao tema, dada pela Lei 10.931/2004.

Operação muito comum no universo das incorporações é a cessão de direitos creditórios, pela incorporadora, a instituição financeira. Nestes casos, o produto desta cessão também passa a integrar o patrimônio de afetação até o respectivo limite, conforme esclarecem os §§ 4º e 6º do art. 31-A da Lei 4.591/64. 

Ainda nesta linha (de o incorporador vender seus recebíveis), a entidade securitizadora que comprar os recebíveis poderá emitir certificados e os colocar à disposição do mercado. São os chamados certificados de recebíveis imobiliários (CRI) que, se forem colocados no mercado sob o regime fiduciário, segundo defende Fabio Ulhoa, constituirão também patrimônio afetado, nos termos dos arts. 10, II, e 11, da Lei 9.514/97[13].

Algumas considerações de ordem contábil também se fazem importantes para a exata compreensão do instituto. Como dito, o patrimônio de afetação deve ter orçamento e contabilidade próprios, separados da contabilidade geral do restante do patrimônio, mas também geridos pelo incorporador. Pode disto resultar um CNPJ autônomo.

A Lei 10.931 prevê a possibilidade de adoção de um regime tributário especial para o patrimônio de afetação, cuja aderência é facultativa.  

O patrimônio de afetação é fiscalizado por uma Comissão de Representantes. Esta Comissão exerce papel importante e pode até mesmo destituir a incorporadora da gestão do patrimônio de afetação se as coisas não estiverem fluindo bem.

Atingida sua finalidade, encerra-se a afetação, assim como se encerra quando da impossibilidade material de sua realização ou por deliberação extraordinária neste sentido.

Concluindo este tópico, vale dizer que também no Direito comparado encontra-se a figura do patrimônio de afetação, mencionando-se, por todas, a Lei Argentina nº 20.509.


3. O PATRIMÔNIO DE AFETAÇÃO NA FALÊNCIA

Feitas as considerações conceituais, indispensáveis para assentar as bases deste estudo, passa-se propriamente ao objeto do tema, que é o patrimônio de afetação inserido no universo da insolvência. Em outras palavras, o patrimônio de afetação na recuperação de empresa e na falência.

Não há dúvida, pelo que já pudemos observar, que o patrimônio de afetação tem como principal objetivo trazer segurança aos adquirentes das unidades imobiliárias, às instituições financiadoras e ao sistema habitacional como um todo. Na mesma linha, pode-se dizer que o instituto implica em um diferencial em termos de segurança, que pode ser refletido no preço de venda da unidade autônoma.

Com efeito, se determinada incorporadora tem a falência decretada e não houver patrimônio de afetação no caso concreto, todos os seus bens serão arrecadados à massa e os respectivos adquirentes das unidades imobiliárias terão que se habilitar no concurso universal. E, como detentores de privilégio real, estes adquirentes estarão atrás, na ordem de preferência falimentar, de outros importantes credores, como o fisco e os credores trabalhistas, reduzindo bastante, pois, as chances de receberem algo.

Risco idêntico, como ensina Melhim[14], corre o financiador da incorporação. Por outro lado, se aqueles credores adquiriram unidades imobiliárias de um patrimônio afetado, submeter-se-ão a situação bem mais favorável em caso de insolvência do incorporador, reduzindo significativamente a exposição aos efeitos da falência, como veremos a seguir.

Importante ter em mente que a criação do instituto afetação, em 2004 (Lei 10.931, de 2004) e a própria Lei de Recuperação Judicial e Falência, de 2005 (Lei 11.101, de 2005), no particular, estão bastante relacionadas com ‘o caso Encol’.

A Encol, na segunda metade do século XX, era uma das maiores construtoras e incorporadoras do Brasil, quiçá a maior. Chegou a ter mais de 20.000 (vinte mil) funcionários e faturava bilhões (em números atualizados). Quando faliu, em 1999, mais de 40.000 (quarenta mil) compradores de unidades autônomas foram prejudicados.

O legislador brasileiro, então, tomou providências para tentar evitar que danos dessa grandeza voltassem a se repetir. Assim, em 2004 foi promulgada a Lei 10.931 que, alterando a Lei que trata de condomínios em edificações e sobre incorporações imobiliárias (Lei 4.591, de 1964), instituiu o regime de patrimônio de afetação. E, no ano seguinte, foi promulgada a Lei de Falência e Recuperação de Empresas (Lei 11.101/2005).

No que diz respeito ao tema em foco, a Lei 11.101/2005 ao tratar dos efeitos da decretação da falência sobre as obrigações do devedor (Capítulo V, Seção VIII), dispõe que:

Art. 119. Nas relações contratuais a seguir mencionadas  prevalecerão as seguintes regras:

(omissis)

IX – os patrimônios de afetação, constituídos para cumprimento de destinação específica, obedecerão ao disposto na legislação respectiva, permanecendo seus bens, direitos e obrigações separados dos do falido até o advento do respectivo termo ou até o cumprimento de sua finalidade, ocasião em que o administrador judicial arrecadará o saldo a favor da massa falida ou inscreverá na classe própria o crédito que contra ela remanescer.

Ou seja, a Lei posterior expressamente manteve o quanto disposto em Lei anterior, especial neste particular, quanto ao patrimônio de afetação. Além disso, deixou claro que o patrimônio afetado permanece separado do patrimônio do falido até a extinção da afetação (termo ou cumprimento de sua finalidade).

Se o saldo do empreendimento afetado for credor, este saldo será arrecadado à massa. Por isso, a massa falida, como eventual credora do patrimônio de afetação, tem interesse em acompanhar todos os procederes da Comissão de Representantes, que passa a gerir o empreendimento específico.

Se, por outro lado, o saldo final for devedor, os credores inscreverão seus créditos (o saldo) na classe própria no procedimento concursal.

Diante da expressa determinação da Lei Falimentar, então, a insolvência da incorporadora será tratada conforme a Lei especial que, neste caso, é a Lei 4.591, alterada pela Lei 10.931 [15].

O art. 31-F da Lei 4.591 determina que “os efeitos da decretação da falência ou da insolvência civil do incorporador não atingem os patrimônios de afetação constituídos, não integrando a massa concursal o terreno, as acessões e demais bens, direitos creditórios, obrigações e encargos objeto da incorporação”.

Decretada a falência, a Comissão de Representantes (já existente ou instituída em virtude da quebra) convoca assembleia geral dos adquirentes para deliberação sobre a continuidade da obra e em que condições, ou a liquidação do patrimônio de afetação.

A Comissão de Representantes passa a ter amplos poderes na gestão do patrimônio afetado. Exemplo disso é que poderá firmar com os adquirentes das unidades autônomas o contrato definitivo a que estiver obrigado o incorporador, o titular do domínio e o titular dos direitos aquisitivos do imóvel, em decorrência de contratos preliminares (promessa de compra e venda, por exemplo).

E mais. Esclarece o §5º do mencionado artigo, por exemplo, que “o mandato outorgado à Comissão de Representantes confere poderes para transmitir domínio, direito, posse e ação, manifestar a responsabilidade do alienante pela evicção e imitir os adquirentes na posse das unidades respectivas”. 

Esclarece o §11º do mencionado artigo que, “Caso decidam pela continuação da obra, os adquirentes ficarão automaticamente sub-rogados nos direitos, nas obrigações e nos encargos relativos à incorporação, inclusive aqueles relativos ao contrato de financiamento da obra, se houver”.

Poderá a comissão de representantes, investida de mandato legal em caráter irrevogável, receber o preço e dar quitação em nome da incorporadora, bem como promover as medidas extrajudiciais ou judiciais necessárias a esse recebimento.

Como dito, havendo saldo positivo entre as receitas da incorporação e o custo da conclusão da incorporação, o valor correspondente deverá ser entregue à massa falida pela Comissão de Representantes. Havendo saldo negativo, habilitam-se os créditos.

Em suma, os adquirentes, por meio da respectiva comissão, passam a administrar o empreendimento (claro, se não tiverem optado pela liquidação), nos termos do art. 31-F e seguintes da Lei 4.591/64.

Se a insolvência for da companhia securitizadora, nos casos de certificados de recebíveis imobiliários, o art. 15 da Lei 9.514/97 dispõe que “no caso de insolvência da companhia securitizadora, o agente fiduciário assumirá imediatamente a custódia e administração dos créditos imobiliários integrantes do patrimônio separado e convocará a assembléia geral dos beneficiários para deliberar sobre a forma de administração, observados os requisitos estabelecidos no § 2º do art. 14”(sic) .

Fábio Ulhoa Coelho, ao comentar o art. 119, IX, da Lei 11.101[16], primeiramente critica a terminologia. Em seguida, explica a função do patrimônio separado, estatuindo que nas hipóteses de insolvência este não deve ser afetado, permanecendo em vigor as condições originais. Em linha com o que vimos no começo deste estudo, o autor aborda ainda as relações do patrimônio separado da seguinte maneira: (i) o credor de passivo do patrimônio separado deve exaurir primeiramente este para, se o caso, atingir o restante do patrimônio, (ii) o titular de passivo não separado não pode atingir o ativo separado, (iii) a instituição do patrimônio separado pode definir que nem mesmo após o exaurimento do patrimônio separado os bens não separados poderão ser atingidos por credores do patrimônio de afetação e (iv) eventual saldo só se reintegra ao patrimônio principal após a liquidação do patrimônio separado[17].

Manoel Justino, atualizando a obra de Pontes de Miranda, ao tratar dos bens arrecadáveis na falência também esclarece que “os patrimônios de afetação não poderão ser arrecadados, devendo observar-se as cautelas do inc. IX do art. 119, permitindo-se apenas o saldo a favor da massa falida, se houver, após o cumprimento da finalidade para a qual houve a afetação”[18].

Nessa mesma linha, acrescenta Ricardo Tepedino que não vê “óbice a que, antes disso [arrecadação do saldo positivo], se aliene o direito a receber esse futuro e eventual saldo, se tiver valor econômico. Naturalmente, se a afetação se tiver feito com fraude ou se enquadre nas hipóteses do art. 129 da LRE, sua ineficácia deve ser decretada”[19].

Melhim segue na mesma linha, reiterando a incomunicabilidade do patrimônio afetado, mesmo nos casos de insolvência da incorporadora. Referido autor, contudo, tece críticas ao disposto no art. 9º da Lei 10.931/2004 [20], pontuando que se o caso for de assumir a obra, os adquirentes de toda forma sub-rogar-se-ão nas dívidas e obrigações. O que a Lei deveria ter feito era criar condições mais favoráveis ao pagamento dessas dívidas e não dificultar a situação.

De tudo isso, é possível concluir, então, que no cenário da falência o patrimônio afetado não é arrecadado à massa.

Uma vez decretada a quebra, os adquirentes, por meio de comitê de representantes, passam a gerir aquele empreendimento se nesse sentido deliberarem. Assim, sub-rogam-se nos respectivos direitos e deveres e recebem, da Lei, amplos poderes, até mesmo para celebrar negócios jurídicos em nome da incorporadora falida.

Havendo saldo, este sim é arrecadado à massa. Havendo aporte dos adquirentes em montante superior ao que deveriam originalmente aportar, estes se habilitarão no processo falimentar pela diferença.

Sobre o autor
Ruy de Mello Junqueira Neto

Advogado graduado pelo Mackenzie (2005). Foi sócio de renomadas bancas de advocacia antes de fundar seu escritório. Foi diretor da Deloitte Touche Tohmatsu no Brasil. Mestrando em Direito Comercial pela PUC-SP. Palestrante e autor de diversos artigos acadêmicos. Co-autor do Livro “Direito Societário Aplicado”, publicado pela Saraiva em 2014.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

JUNQUEIRA NETO, Ruy Mello. Patrimônio de afetação na recuperação judicial e na falência. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5830, 18 jun. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/74588. Acesso em: 22 nov. 2024.

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