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Do constitucionalismo aos novos direitos

O direito à privacidade na internet e sua manifestação pela via do direito ao esquecimento

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Agenda 11/06/2019 às 08:47

Do constitucionalismo aos novos direitos, chega-se ao tema do direito ao esquecimento na internet como sendo assunto relevante na doutrina e jurisprudência brasileiras.

Resumo: O constitucionalismo é estudado na doutrina jurídica como sendo a análise da garantia dos direitos fundamentais dos indivíduos em face do Estado, da separação entre os Poderes e do princípio do governo limitado. É importante, porém, fazer incursões pela própria História para verificar que no transcurso dos acontecimentos ocorreram eventos que evidenciam a corrupção nas realidades como a do constitucionalismo grego e o romano. Ainda: a História do pensamento jurídico possibilita uma avaliação não apenas da questão das tradicionais dimensões dos direitos fundamentais, mas também dos novos direitos e dos novos sujeitos como expressões de um Direito que deve se adaptar às crises da mundialização dos conflitos. Ao longo do texto, é dado como exemplo o direito ao esquecimento na internet como exemplo. Esse é um direito relacionado aos consumidores, grupo de titulares presumidamente vulneráveis pelo próprio CDC.

Palavras-chave: constitucionalismo; direitos fundamentais; novos direitos; direito ao esquecimento; história do direito.


1 INTRODUÇÃO

O constitucionalismo pode ser considerado como sendo a história das Constituições ou mesmo o estudo da evolução do Direito Constitucional. Os autores da ciência jurídica, na verdade, admitem diversas acepções para a palavra.

O sentido amplo de constitucionalismo significa que um Estado precisa de uma Constituição para se estruturar. Essa designação é bem pouco utilizada e sem serventia prática. O que mais interessa à presente análise seria o sentido estrito de constitucionalismo, que o indica como sendo a garantia de direitos fundamentais dos indivíduos em face do Estado, a separação entre os Poderes e o princípio do governo limitado.

O Estado organiza-se politicamente para que haja o atendimento e satisfação das necessidades humanas. É por isso que toda forma de arbítrio e de extrapolação das finalidades inerentes à segurança, justiça e liberdade devem ser rechaçadas dentro de uma comunidade. Em função de, ao longo do tempo, os governantes não terem observado os princípios de justiça e haverem praticado abusos no que concerne à utilização do poder político, houve a necessidade de limitação desse poder com fins garantísticos.

Para que se possa realizar uma arqueologia dos movimentos constitucionais, devem ser observados contextos diversos, que vão desde a Idade Antiga até o século XX e XXI. Assim, neste texto, far-se-ão considerações por meio de uma análise bibliográfica de diversos autores do Direito Constitucional, da História e da História do Direito, até que se chegue ao momento em que é possível falar na defesa dos novos direitos, que se constituem naqueles cujos titulares sofreram especificação com relação a etnia, gênero, faixa etária, etc, levando em consideração as crises sociais e os avanços tecnológicos, sendo todos eles manifestação de uma geração em que a fraternidade e a solidariedade permeiam o discurso jurídico e o reconhecimento de direitos subjetivos.


2 OS HEBREUS, O RESPEITO AO DIVINO E A LIBERTAÇÃO DAS GARRAS DO FARAÓ

O constitucionalismo antigo vai da Antiguidade até o final do século XVIII, com as revoluções liberais. Nesse período, não há constituições escritas, mas apenas as costumeiras ou consuetudinárias. A primeira experiência constitucional foi a do Estado hebreu, que era teocrático, com forte influência dos dogmas religiosos, que limitavam tanto os súditos como o próprio poder do soberano.

A referência à realidade dos hebreus como um marco do constitucionalismo ganha destaque na obra de Karl Loewenstein, em sua Teoría de la Constitución. Uadi Lammêgo Bulos, comentando as ideias do autor, faz as seguintes considerações:

Para Loewenstein, pois, o marco do nascimento do movimento constitucionalista foi entre os hebreus, que em seu Estado teocrático estabeleceram limites ao poder político pela imposição da Bíblia. Então caberia aos profetas, dotados de legitimidade popular, fiscalizar e punir os atos dos governantes que ultrapassassem os limites bíblicos. Eis aí a primeira experiência constitucionalista de que se tem registro (BULOS, 2007, p. 13).

Mas quem eram os hebreus? Cicco (2006) explica que eram um povo que vivia na Palestina, sendo monoteístas e ancestrais de Abraão. Teria sido José o grande responsável pela entrada dos hebreus no Egito mediante permissão do Faraó. Tendo José morrido, esse povo passou a ser perseguido e escravizado pelos egípcios, sendo essa narrativa bastante conhecida pela própria história bíblica. Moisés, o famoso hebreu da Bíblia, teria recebido um chamado de Deus para livrar seu povo da escravidão do Faraó, eis que teve a oportunidade de realizar o Êxodo pelo deserto.

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É interessante perceber que essa estrutura da sociedade primitiva colocava o poder divino numa função bastante relevante numa época em que o domínio do homem sobre o outro era pautado na força e na violência. Veja-se que é a Bíblia que apazígua a dominação, assumindo a comunidade um compromisso primordial não com o chefe político, mas com aquilo que gera toda a possibilidade de vida no plano terreno, o compromisso é com o divino. O Estado tem uma função que acaba atendendo ao anseio popular, ainda que isso não se dê nos moldes de hoje.

Flávia Lages Castro menciona que o Pentateuco seria composto pelos cinco primeiros livros da Bíblia, que seriam Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio. Esse conjunto de livros ganha a denominação de Torá, que teria sido criada pelo próprio Moisés. Fato é que a “[...] base moral da legislação Moisaca pode ser encontrada nos Dez Mandamentos, que teriam sido escritos ‘pessoalmente’ por Deus no Monte Sinai, como forma de aliança entre Ele e o Povo Escolhido” (CASTRO, 2007, p. 30).


3 A GRÉCIA, A DEMOCRACIA E SUCUMBÊNCIA ANTE A CORRUPÇÃO E AO IMPÉRIO MACEDÔNIO

Uma segunda experiência constitucional foi a da Grécia, com a democracia constitucional, na qual os que eram considerados cidadãos podiam participar nas decisões. De acordo com a lição de Tavares (2007, p. 4):

A Cidade-Estado grega representou o início de uma racionalização do poder, e até hoje constitui o único exemplo concreto de regime constitucional de identidade plena entre governantes e governados, uma vez que se tratava de uma democracia direta. Além disso, o regime constitucional grego estabelecia diferentes funções estatais, distribuídas entre diferentes detentores de cargos públicos, que eram escolhidos por sorteio, para tempo determinado, sendo permitido o acesso a esses cargos a qualquer cidadão.

O constitucionalista Canotilho faz uma crítica à realidade grega que, ao mesmo tempo que consagra cidadãos, traz também a figura do escravo. É uma democracia que trabalha a noção de inclusão e exclusão ao mesmo tempo, uma democracia paradoxal, que estende certas obrigações de natureza real – obrigações de direitos reais – a pessoas. Hoje, na realidade do século XXI, isso seria inaceitável. Até mesmo a prisão por dívida não é mais considerada no ordenamento brasileiro, mediante incorporação da proibição contida no Pacto de São José da Costa Rica, que tem status supralegal. Admite-se apenas a prisão em caso de dívida de alimentos.

Vejam-se as considerações de Canotilho acerca da realidade grega, sendo que o autor considera que ali não existe a verdadeira democracia:

[...] Como se vê, na cidade grega uns são mais iguais do que outros; a igualdade dentro de um esquema organizatório profundamente desigual, onde, ao lado do homem livre e igual (os hoplitos machos) e de não-homens (os escravos), existia um espectro ou continuum social de indivíduos cuja característica comum era a de se situarem «entre a escravatura e a liberdade». A polis não era uma sociedade democrática, mas um «clube de homens adultos» [...] (CANOTILHO, 2008, p. 28).

Karl Loewenstein discorre sobre a democracia direta grega da antiguidade, que sucumbiu ante o poder militar dos macedônios:

El ejemplo más famoso de democracia directa lo constituyen las Ciudades-Estado griegas donde dicha forma política estuvo operando durante un período no menor de dos siglos; su posibilidad de funcionamiento dependió de la existencia de una clase social que tenía tiempo para dedicarse a la política por poseer una economía no tecnológica basada en la esclavitud. Mientras que los griegos han dejado a la humanidad verdaderos tesoros en literatura, en arte, en filosofía, en ciencias naturales y en ciencias políticas, su sistema de gobierno resultó un fracaso; expulsaron a Temístocles, su Washington, que les había salvado del imperialismo persa y que tuvo que buscar un asilo inseguro en la corte de su mortal enemigo; desterraron a Arístides, que desde entonces se ha convertido en el símbolo de la honestidad política. Hicieron beber la copa de cicuta a Sócrates; se dejaron seducir por Cleón, que desde entonces cuenta como el prototipo de los demagogos; se rieron de Aristófanes y de sí mismos, e ignoraron las advertencias de Demóstenes sobre la quinta columna de Filipo. Y así, en los griegos, se cerró el círculo aristotélico bajo la bota militar de los macedonios (LOEWENSTEIN, 1979, p. 95-96).

Vieira (2009), fazendo uma análise histórica da realidade grega da Antiguidade, menciona que Atenas foi a única polis democrática daquela época. Os bons cidadãos eram aqueles interessados na vida comunitária e podiam participar na Assembleia. A autora, porém, faz a advertência de que a coesão social e unidade acabaram depois que sobreveio a Guerra do Peloponeso contra Esparta. Fato é que, depois da derrota, pode ser apontada como característica da sociedade ateniense a corrupção, o oferecimento de presentes em troca de favores. Os ideais antes defendidos de cidadão justo, belo e participativo, bem como a noção de uma comunidade harmônica e equilibrada foram se esfacelando.

E por que isso foi favorecido? A Guerra do Peloponeso deixou todas as polis gregas enfraquecidas. A consequência disso foi a posterior dominação pelo povo macedônio, o que resultou na inserção de Atenas no “processo de integração à cosmopolis” (CANDIDO, 2009, p. 340).

Comparando a realidade grega com os dias de hoje, principalmente levando em consideração a Constituição brasileira de 1988, é possível afirmar que o regime de governo da democracia se faz mais inclusivo, respeitando o povo soberano para a tomada de decisões, o pluralismo político e a universalidade do voto. A cláusula pétrea do voto direto, secreto, universal e periódico não impede que haja uma alteração, mediante emenda constitucional, daquilo que está entrincheirado: a opção política pode ser, no futuro, pela facultatividade no momento de votar.

A democracia, diretamente relacionada à ideia de cidadania, só será construída mediante exercício consciente de direitos e cumprimento responsável dos deveres de cada indivíduo numa sociedade. Infelizmente, a realidade brasileira é de omissão no cumprimento de deveres estatais como educação e saúde, prestações básicas sem as quais um povo sequer tem condições de ser cidadão.


4 ROMA E O DIREITO ROMANO

Saindo da realidade grega e buscando-se, ainda no Velho Continente, a terceira experiência de constitucionalismo, é possível afirmar que em Roma também houve a ideia de uma democracia e foram trabalhados conceitos que vigoram até hoje, como as noções de Principado e res publica.

Lembre-se que a primeira forma de república ocorreu justamente ali. Tratou-se de uma forma de governo direcionada aos interesses da pluralidade de indivíduos, após os patrícios terem derrubado o rei etrusco Tarquínio. Porém, fato é que tal realidade acabou não funcionando como deveria, no interesse da comunidade. Converteu-se em palco de interesses específicos daqueles que eram considerados senadores, que se utilizaram do seu poder político e econômico para conquistar ainda mais poder.

Castro (2007) menciona que os cargos do Executivo eram temporários e de curta duração, enquanto os cargos dos senadores eram vitalícios. Quem exercia cargo no Executivo era chamado de magistrado.

Ainda na realidade romana, vão surgir os termos província e Principado, que não devem ser confundidos. Quanto às províncias, seriam nada mais nada menos que o campo de atuação de um magistrado determinado por lei, por um senador ou pelos próprios exercentes da magistratura, após determinadas conquistas territoriais. Assim afirma Arecco (2007, p. 26):

Provincia indica originariamente la esfera de acción asignada a un magistrado con imperio sea por ley, senadoconsulto o acuerdo entre los colegas de magistratura, en cuya virtud se le faculta para vencer (pro vincere) al territorio cuya sumisión se le ha encargado. Dado que el imperio es fuerza o poder de mando militar como expresión más plena de potestad política, la provincia representa la parcela de esa facultad conferida a un cónsul o pretor. Imperio y provincia surgen así como atributos de carácter personal de un magistrado supremo, sin tener todavía para nada el significado de un territorio demarcado con que luego se entenderán dichos términos.

Na medida em que o império romano ia se expandindo, anexava as províncias e isso provocava cada vez mais desigualdade social. Em Roma, havia privilégios; aos submissos, recaíam tributos e humilhação.

Já o Principado seria o período do Império Romano no qual Otaviano Augusto foi investido no poder de Príncipe. Esse foi o primeiro imperador de Roma, tendo antecedido os outros mais famosos, que foram Júlio César e Marco Antônio.

Uma visão crítica sobre o período do Principado necessariamente conduz à questão da corrupção. Perceba-se que, da mesma forma como se apontou para Atenas, a corrupção é uma mácula que se faz presente de longa data na política dos povos. Em artigo que analisa especificamente o período do Principado romano, Souza (2016, p. 102) menciona:

Nossa análise das ações de combate à corrupção em Roma aponta para uma maleabilidade da organização jurídica daquela sociedade. Através da interpretação das práticas corruptas e das medidas coercitivas e punitivas é possível analisar o desenvolvimento de um aparato legal atrelado às modificações e transformações daquela sociedade. A análise da relevância do Senado e a compreensão das atuações dos imperadores auxiliam no entendimento do compartilhamento do poder e no estabelecimento dos espaços de negociação. Nesse sentido, o estudo das acusações de repetundae nas quais Plínio atuou aponta para o papel crucial do Senado no combate à corrupção política e para o seu fortalecimento como corte de justiça e espaço de resolução de demandas político-administrativas durante o Principado.

Uma das formas de combate à corrupção foram as acusações ou processos de "repetundae". Os estudos do constitucionalismo costumam ignorar esse viés: o aspecto da corrupção que vigorou nos períodos de dominação entre os povos da Antiguidade, bem como as formas de combate a essa corrupção. Se o constitucionalismo representa a forma de limitação do poder político contra o abuso e arbitrariedade, fica aqui uma crítica à parcela da literatura jurídica que faz omissão a essas questões.


5 UMA INGLATERRA QUE TRAZ AS IDEIAS DE MONARQUIA CONSTITUCIONAL, RULE OF LAW E CONSTITUIÇÃO MISTA

Por fim, antes de adentrar nas revoluções liberais, vale mencionar a experiência da Inglaterra, em que houve vários documentos escritos que foram incorporados à Constituição Inglesa não escrita, como a Magna Carta (1215); o Petition of Rights (1628); o Habeas Corpus Act (1679); o Bill of Rights (1689); e o Act of Settlement (1701).

O autor Lazari (2017) situa o constitucionalismo inglês dentro da noção de constitucionalismo antigo. Já Tavares (2007) aparta o constitucionalismo da Antiguidade do constitucionalismo da Idade Média, situando a realidade inglesa no segundo. Apesar dessa divergência classificatória existente na literatura jurídica, o mais importante a ser considerado é o aspecto contextual que traz as noções de monarquia constitucional, rule of law e Constituição mista.

Tavares (2007) considera que a Inglaterra abandona a ideia de monarquia absolutista pela monarquia constitucional, mas isso se dá de maneira lenta e progressiva e mediante construção institucional. Foi no século XVII que o país trouxe a Constituição mista – aqui, a noção está diretamente relacionada com os estamentos vigentes à época.

Nas palavras de Tavares (2007, p. 6):

O direito constitucional inglês constituiu um modelo político-jurídico único em sua época, que contemplava o Poder Real, a aristocracia e os comuns. Formou-se, então, um sistema de governo misto, que não se identificava nem com as monarquias absolutas, nem com as repúblicas aristocráticas, nem com os regimes puramente democráticos, já experimentados à época.

Compreende-se como Constituição mista aquela Carta Política que vigorou em determinada época histórica de molde a proporcionar às diversas classes sociais então existentes a participação equilibrada no exercício do poder. A sociedade de então, dividida que se encontrava em estamentos, impôs a ideia de que todos estes deveriam ter acesso ao poder, que não deveria restar nas mãos de uma única parcela da sociedade.

A doutrina da separação dos poderes na Inglaterra do século XVII também pode ser destacada. Havia pouca eficácia em deixar nas mãos do mesmo órgão as funções de elaborar a lei e atuar conforme ela. O país, então, assimilou o distanciamento entre as funções legislativa e executiva como condição para o desenvolvimento do rule of law (TAVARES, 2007, p. 8).

A Constituição histórica seria aquela que vai se formando lentamente ao longo do tempo, por mento da incorporação de usos e costumes, precedentes judiciais e até mesmo de alguns documentos escritos. Exemplo perfeito seria a Constituição inglesa.

Sobre o autor
Thiago dos Santos Rocha

Thiago dos Santos Rocha é um advogado e autor de livros e artigos jurídicos, graduado em Direito pela Universidade Federal do Maranhão. É especialista em Direito do Consumidor, em Direito Constitucional Aplicado e em Direito Processual Civil pela Faculdade Damásio. Em seus textos acadêmicos, promoveu o diálogo entre Direito e Game Studies, abordando temas como: videogames e epilepsia; advergames e publicidade infantil; gameterapia e planos de saúde; videogames e política nacional de educação ambiental; etc. Também publicou obras na área de Direito Médico, tendo escrito os livros "A violação do direito à saúde sob a perspectiva do erro médico: um diálogo constitucional-administrativo na seara do SUS" (Editora CRV) e "A aplicação do Código de Defesa do Consumidor à relação médico-paciente de cirurgia plástica: visão tridimensional e em diálogo de fontes do Schuld e Haftung" (Editora Lumen Juris).

Informações sobre o texto

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