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As organizações internacionais e o adensamento da governança global por meio da reforma da ONU

Agenda 23/06/2019 às 10:44

Assistimos a um processo de multiplicação de organizações internacionais que devem ser cada vez mais representativas, para que sejam legítimas. Nesse contexto, a reforma da ONU cumpre um papel preponderante na amplificação da governança global.

 

Assistimos, atualmente, a um grande processo de multiplicação de Organizações Internacionais. Esse fato remete à necessidade crescente de promover maior cooperação e coordenação internacional, visto que os Estados já não conseguem desempenhar todas as suas funções de forma individual. A atuação das Organizações Internacionais e a sofisticação de suas funções contribuíram muito para a ampliação dos institutos jurídicos do Direito Internacional, dentre os quais podemos destacar: o que se refere à Jurisdição, à Responsabilidade, aos meios de solução pacífica de controvérsias internacionais e o que se refere ao Direito dos Tratados, assim como podemos destacar a maior codificação do Direito e o desenvolvimento progressivo do Direito Internacional como um todo.

A ampliação de Organismos Internacionais amplia e inova, sobremaneira, o universo conceitual do Direito Internacional. Ainda, nesse último século, assistimos ao surgimento do Direito do Desenvolvimento, o que promoveu o reconhecimento ao Direito ao Desenvolvimento como um direito fundamental humano. Além disso, observa-se atualmente, uma reavaliação, em escala global, dos diversos conceitos utilizados no âmbito das Relações Internacionais à luz da consideração de grandes temas globais como os Direitos Humanos, o Meio Ambiente, a Justiça Internacional, a Segurança Humana, entre outros temas que afetam toda a humanidade.

O surgimento das inúmeras Organizações Internacionais viabiliza a convivência dos Estados no plano internacional, o que permite maior intercâmbio de ideias e de experiências, o que promovem maior solidariedade Internacional.

O advento dos organismos multilaterais trouxe às Relações Internacionais contemporâneas uma maior complexidade e sofisticação, assim como conferiu uma maior institucionalização. Tais entes modificaram definitivamente as estruturas do Direito Internacional, visto que puseram fim ao monopólio estatal da personalidade jurídica que existia outrora, assim como findaram alguns privilégios e imunidades aos Estados. As organizações internacionais criaram novas regras de sua própria composição, passaram a participar em procedimentos judiciais internacionais, expandiram a capacidade de celebrar tratados e acordos, e também ampliaram as vias de cooperação internacional assim como viabilizaram a integração regional e sub regional.

Os Estados passaram a necessitar das Organizações Internacionais para sua própria convivência com seus pares, e nelas encontram um veículo ideal para a promoção da solidariedade internacional. Logo, os Organismos Internacionais conferiram meios para uma convivência mais justa e equânime no plano internacional, pois regulam questões que envolvem diferentes atores do Direito Internacional que nem sempre se encontram em posições igualitárias.

A principal Organização Internacional é a ONU (Organização das Nações Unidas), e como tal encarna o ideal de paz e de igualdade entre as nações. Um ponto central discutido na atualidade sobre a ONU se refere à representatividade desse organismo em seus dois principais órgãos: O Conselho de Segurança e Assembleia Geral. Através de forte embasamento histórico, o autor identifica a origem do princípio da igualdade entre as nações como um evento bastante recente, pois remonta a nova ordem internacional inaugurada pela Carta de São Francisco de 1945, uma vez que, antes disso, os documentos internacionais faziam referência apenas ás “grandes potencias e seus aliados”, ou aos “países amantes da paz”, até mesmo no âmbito da Liga das Nações (OI precursora da ONU de 1919).

A Organização das Nações Unidas, através de seu documento constitutivo, adotou a Assembleia Geral da ONU, como órgão deliberativo onde o princípio da igualdade entre os Estados é praticado. Nele, participam todos os países-membros da organização, onde cada um tem um voto, sem qualquer restrição de cunho econômico, social, demográfico ou militar. Isso foi possível pois, a maior parte das decisões tomadas no âmbito do órgãos, são de cunho meramente recomendatório.

Os artigos 18 e 19 da Carta da ONU trazem em seu bojo a questão da igualdade jurídica dos Estados Membros de uma associação de Estados e a expressão política dessas soberanias em algum tipo de comunidade de Estados. Esses aspectos devem ser analisados dentro dos critérios de representação política e do método da diferenciação estrutural entre as capacidades distintas no quadro das comunidades que integram um sistema político. Apesar do disposto no artigo 19 da Carta da ONU, há bastante tolerância aos países em dificuldades econômicas.

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A ONU considera o princípio da igualdade entre os Estados como um valor absoluto. Entretanto, as desigualdades  físicas, sociais, econômicas e políticas que existem entre os países podem comprometer a questão do voto, e tais decisões podem atingir de forma diferente as diferentes populações de cada país. A igualdade jurídica entre os Estados quanto ao voto observada na AGNU, não se repete em outros organismos internacionais como no caso do FMI, onde o direito ao voto leva em consideração determinados critérios na tomada de decisões.

Assim, expõe-se as desigualdades entre os países ao classificá-los em três grupos: as superpotências, as potências médias, e o resto do mundo. Critica, ainda, que países de pequena relevância populacional tenham o voto com o mesmo peso da Índia e da China, por exemplo. Em contrapartida, ressalta que o processo decisório pautado exclusivamente na maioria pode ser prejudicial aos países com menor expressão. Logo, o sistema internacional figura como ordem pouco equitativa e equânime. Isso enseja menor segurança e estabilidade também, pois cria uma atmosfera conflitiva em potencial.

Nesse sentido, pode-se questionar a existência de uma democratização do poder mundial. Pode não ser possível existir um poder mundial nos moldes da Sociologia Clássica, é portanto, sua democratização total seria improvável. Entretanto, cumpre ressaltar que há um poder mundial de fato. O problema da “Democratização” do poder mundial é confrontado ao problema da representação efetiva dos cidadãos, o que não tem a ver com as assimetrias estruturais derivadas tão somente da desigualdade econômica ou política, mas sim simplesmente da questão demográfica e de representação interna.

Na prática, a maior parte das resoluções da Assembleia Geral são a partir de consenso e não de votação, e esta quando ocorre, observa-se as tradicionais maiorias automáticas criadas de um lado, por um número expressivo de países em desenvolvimento e, de outro lado, de alguns pouco países ocidentais alinhados aos EUA, com um certo número de abstenções ao voto.

É consenso entre muitos juristas e internacionalistas a necessidade de promover uma ampla  reforma na ONU, pois apesar de ser bastante relevante e eficiente, possui sérias limitações institucionais. Os pontos de maior necessidade de mudança, são, a saber: o processo decisório da Assembleia Geral das Nações Unidas, o processo decisório do Conselho de Segurança e seu respectivo poder de veto.

O Conselho de segurança é composto por 15 membros, sendo 5 membros permanentes e 10 membros temporários que se revezam em mandatos. Os 5 membros tem poder de veto sobre as deliberações do conselho. O conselho de segurança e os P5, remetem ao Princípio de Segurança Coletiva que emergiu no pós Segunda Guerra Mundial. Nesse momento, havia tensão politico-militar entre os EUA e URSS. O veto impediria que um neutralizasse medidas do outro. O uso da força nas Relações Internacionais é vedado pela Carta da ONU (sendo permitido apenas para repelir injusto ataque), logo cabe ao Conselho de Segurança regular as questões de segurança na Sociedade Internacional, sendo suas principais funções: Adoção de medidas coercitivas podendo interromper relações comerciais, econômicas, de comunicação, transporte etc; autorizar o uso da força para manter ou restaurar a paz e segurança internacional; determinar a existência de situações em que haja ameaça a paz, ruptura de paz ou atos de agressão; agindo em nome do conjunto dos Estados-Membros. Tal Conselho foi alterado apenas uma vez, em 1965, momento no qual ocorreu a ampliação do número de membros não permanentes. Porém, após o fim da Guerra Fria, por sua importância, ganhou protagonismo e atualmente é visto como o mais importante foco de necessidade de alterações.

Os críticos da atual conformação do Conselho de segurança apontam que o mesmo reflete a tensão política do pós guerra e que não se adaptou as mudanças politicas que ocorreram desde então, não estando apto a atuar na nova realidade política, econômica e social . Logo, existe um “status quo” cristalizado e imutável que não se coaduna com a atual conjuntura geopolítica mundial em definitivo. Além disso, há um explícito déficit de representatividade e de participação. Ainda assim, o Conselho de Segurança ampliou suas atribuições, atuando em questões sensíveis como o Meio Ambiente e os Direitos Humanos. Apesar de ter havido uma ampliação no número de países-membros da ONU, não ocorreu um aumento proporcional no Conselho de segurança. Em adição, não há representatividade adequada dos países em desenvolvimento no âmbito do CS, fazendo assim, que esse careça de legitimidade em suas decisões. Ainda, a reforma não deve se restringir a uma mera revisão nos métodos de trabalho e de funcionamento, deve antes, ser pautada, principalmente, na questão da ampliação da representatividade e de legitimidade do CS.

Há bastante resistência contra as tentativas de reforma do CS. O Argumento contra reforma é que um maior número de participantes dificultaria muito a tomada de decisões céleres, tomadas em caráter emergencial, isso comprometeria a eficiência e a eficácia do órgão. Além disso, há argumentos pautados no temor de que uma mudança, ou emenda à carta da ONU pudesse gerar outros questionamentos e outras mudanças, as quais poderiam atingir os princípios mais sensíveis da ONU. A maior oposição quanto aos pleitos de reforma é quanto ao veto. Todas as inciativas de reforma, mudança ou mitigação do poder de veto são paulatinamente recusadas pelos P5.

Devido a inércia dos P5 em promover mudanças reais no CS, as quais vão fatalmente, lhes reduzir poder, diversos países, atualmente se organizam em prol desse pleito comum: A necessidade de reforma do Conselho de segurança da ONU. O G4, a união africana e a Uniting for Consensus (antigo Coffee Club) são os principais grupos demandantes por reformas no CS, que o tornem mais adequado á Geopolítica internacional e que inclua os países em desenvolvimento com relevância.

Em 1989, o então presidente José Sarney propôs a criação de uma categoria adicional de países no Conselho de Segurança sem direito a veto; Em 1997 foi proposta a fórmula Razali que propunha a criação de cinco novos assentos permanentes e quatro não permanentes; Em 2004 o Secretário Geral da ONU estabeleceu duas propostas, mas ambas foram derrubadas. A maioria das propostas buscavam a ampliação do número de assentos e de privilégios em geral, poucas eram as propostas que modificavam métodos de trabalho. As discussões continuam, faz-se necessário, então, passar a uma fase de negociações para obtermos resultados mais concretos por meio de possíveis concessões.

A posição oficial do Itamaraty é que o Brasil mantém seu pleito por um assento como membro permanente do Conselho de Segurança da ONU, tendo sido um importante ator nesse debate e assumindo posição demandante nesse pleito, no âmbito do G4.

 

 

Sobre a autora
Tatiana Lopes

Odontóloga pela Universidade Federal Fluminense. Pós graduada em Políticas Sociais e Gestão Púbica pelo Centro Universitário Barão de Mauá. Acadêmica do curso de bacharelado em Direito na Universidade Federal Fluminense. Mestranda em Sociologia e Direito PPGSD-UFF

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LOPES, Tatiana. As organizações internacionais e o adensamento da governança global por meio da reforma da ONU. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5835, 23 jun. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/74801. Acesso em: 5 nov. 2024.

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