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A litigância de má-fé e a efetividade da tutela jurisdicional

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Agenda 30/11/2005 às 00:00

7- A SANÇÃO

            As sanções específicas para a litigância de má-fé constam dos artigos 18 e 601 do CPC. No primeiro caso, temos duas espécies de sanções: a multa e a indenização.

            A multa será fixada em percentual não excedente a 1% sobre o valor da causa. A indenização, de seu turno, compreende os prejuízos honorários e todas as despesas. O valor da indenização pode ser especificado de duas formas. Diretamente e desde logo pelo magistrado, em valor não superior a 20% do valor da causa, ou relegado para liquidação por arbitramento. Neste último caso, não se aplica o limite de 20%.

            Na presença de litisconsórcio, "o juiz condenará cada um na proporção do seu respectivo interesse na causa, ou solidariamente aqueles que se coligaram para lesar a parte contrária." (art. 18, parágrafo 1º, do CPC)

            No processo de execução, a sanção é mais grave, pois trata-se de multa de valor de até 20% do valor do débito em execução, independentemente de outras sanções de natureza material ou processual.

            O valor reverte em proveito do credor e pode ser somado ao valor da execução, ou seja, pode ser exigido nos mesmos autos. Mas para amainar os efeitos da sanção, o parágrafo único do artigo 601 estabelece que "o juiz relevará a pena, se o devedor se comprometer a não mais praticar qualquer dos atos definidos no artigo antecedente e der fiador idôneo, que responda ao credor pela dívida principal, juros, despesas e honorários advocatícios."

            Na prática, raramente uma ou outra coisa ocorre, ou seja, a aplicação da sanção e a indicação de fiador.


8- CONCLUSÕES

            A conclusão que podemos tirar após uma breve análise das hipóteses que podem caracterizar litigância de má-fé e a aplicação de sanções processuais é a de que a disciplina do CPC é bastante abrangente e rígida. A realidade, porém, revela que muito poucas vezes, os dispositivos são aplicados.

            Muito se invoca para justificar este abrandamento o direito de ação, que estaria sendo cerceado. É da tradição de nossa cultura jurídica considerar o direito de ação de forma a mais ampla possível. As partes, por outro lado, banalizaram a invocação da litigância de má-fé, sem apresentar justificativa para sua aplicação no caso concreto.

            Quando a decisão deixa de apreciar a questão ou indefere o pedido de aplicação, raramente são manejados recursos. Nas faculdades, o tópico é muito pouco estudado. Na doutrina, ordinariamente muito pouco se fala da litigância de má-fé.

            Mas se a litigância de má-fé fosse efetivamente aplicada, certamente a prestação da tutela jurisdicional muito ganharia em celeridade. Quantas discussões inúteis, insidiosamente provocadas seriam banidas dos feitos? Quantas alegações absolutamente destituídas de fundamento e fundamentadas no desejo de protelação seriam afastadas?

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            Esta cultura disseminada nos meios jurídicos tem custado muito à efetividade da tutela jurisdicional. Podemos dizer com certeza que se a potencialidade das disposições relativas à litigância de má-fé tivessem sido melhor exploradas, muito da demora na tramitação dos feitos nunca teria lugar. Estes mecanismos estão no CPC desde a sua origem, e sempre foram tratados como disposições de segunda classe.

            É tempo de mudarmos esta situação. As reformas processuais não suprimiram todos os problemas e mazelas do processo civil. Muito ainda há por fazer, mas muito pode ser feito com o aparato jurídico de que já dispomos, bastando interpretá-lo e aplicá-lo com inteligência e bom senso.

            O objetivo deste texto é exatamente este. Chamar a atenção para este instituto e fomentar o seu debate, sobretudo, o seu resgate. Esta na hora de as faculdades reservarem maior atenção para a ética processual e para o seu contraponto, que é a litigância de má-fé; de os magistrados, seja provocado ou por atuação oficiosa, aplicarem com rigor a sanções processuais; de o Ministério Público atentar para a presença de atos que contrariam a boa-fé processual, apontando-os em todos os processos em que atuem.

            Os patronos, de seu turno, não devem menosprezar a advocacia, fazendo-se mercadores de tempo. O expediente que hoje vos serve, amanhã vos prejudicará.

            O aproveitamento da máxima eficácia destas normas muito pode contribuir para uma jurisdição mais eficaz e justa.

            Fica o convite ao leitor para que medite sobre o assunto e para que nos engajemos em uma luta pela mudança de mentalidade de todos os envolvidos na comunidade jurídica em prol do resgate da eficácia destas medidas.


Notas

            01

Outros aspectos desta inadequação podem ser identificados na vigência de dogmas como a intangibilidade pessoa na execução das obrigações de fazer, o que implicava na automatização da obrigação de perdas e danos como seu sucedâneo. Nestas hipóteses, o processo representava para o autor sempre a certeza da impossibilidade de obtenção do cumprimento da obrigação. Para reverter este quadro, tiveram advento os artigos 461 do CPC, 213 do ECA, e 84 do CDC, bem como alterações nos artigos 644 e 645 do CPC.

            02

E quem mais acaba preferindo esta última saída é exatamente quem mais precisaria de uma tutela rápida e eficaz. Não é de causar espanto, portanto, que milhões de pessoas sejam vítimas de um déficit de cidadania em vários países. A impressão que estas pessoas têm é a de que estão em "uma terra de ninguém". Hoje já se demora dias para fazer o Estado fornecer um medicamento. Imagine-se quando não existia a antecipação de tutela e as cautelares eram um "jogo" arriscado.

            03

Não há um excesso de demandas jurisdicionais. Há uma falta de tutela jurisdicional. Se o número de ações judiciais é elevado, seria muito maior se enormes camadas da sociedade soubessem quais seus direitos básicos e como fazê-los valer. Mas elas não sabem o que faz a Defensoria, o Ministério Público; que podem recorrer ao juizado especial sem necessidade de advogado; que podem ser beneficiadas pela Assistência Judiciária Gratuita, dentre muitas outras informações. Por que os direitos básicos assegurados na Constituição e em tantas outras leis ainda não fazem parte dos currículos escolares? Será que o stabilishment de poder teme a cidadania? Será que o Estado acredita que a melhor forma de acabar com a crise da jurisdição é reduzir as demandas à custa de violações a direitos?

            04

Se o leitor me permite um exemplo de duvidoso gosto, a pena de litigância de má-fé, enfim, a repressão à litigância de má-fé é como o demônio da tasmânia, animal extinto na Oceania: somente a conhecemos por livros.

            05

Muitas vezes as partes invocam a litigância de má-fé, mas não fundamentam a postulação, ou, então, quando a sentença não aprecia a argumentação ou a repele, deixam de interpor os recursos pertinentes.

            06

Quando falamos em validade de atos processuais, falamos em nulidades, ou seja, em pressupostos processuais objetivos intrínsecos.

            07

Destarte, fundamento legal é um conceito que abarca algo mais extenso do que fundamento legal. Nos sistemas de direito positivado do civil law em regra para cada fundamento jurídico há um fundamento legal, pois a fonte primária do direito é a lei. Esta é a regra, mas há exceções. É que a um mesmo fundamento jurídico podem estar relacionados vários fundamentos legais. Tal é o caso, por exemplo, da responsabilidade civil de uma prestadora de serviço público, que encontra respaldo na Constituição Federal, no Código Civil e no CDC. Por outro lado, por vezes inexiste mesmo um fundamento legal a respaldar a pretensão. Isso se verifica, por exemplo, nas construções jurisprudenciais contra legem. Há um fundamento jurídico, mas não necessariamente legal.

            08

Estes conceitos, hauridos do direito penal podem perfeitamente ser aplicados ao caso porque descortinam momentos subjetivos do agir, independentemente do reflexo jurídico que se lhe dê.

            09

Antes da citada Emenda Constitucional manifestei-me favorável a sua adoção sob certas condições, especialmente a de que fossem assegurados mecanismos que permitissem a atualização dos paradigmas jurisprudenciais. A respeito, ver o meu "Vinculação ao Precedente. Problemas e Soluções" disponível no site http://www.mundojuridico.adv.br.

            10

Assim como a pretensão e a defesa, também os incidentes apresentam fundamentos fáticos e jurídicos próprios, formando uma verdadeira causa de pedir.

            11

No caso da apelação da decisão que indefere liminarmente a inicial, se eventualmente for provida, é certo que o recurso não era protelatório. Aliás, em sendo recurso do autor, evidentemente que não se poderá afirmar ter ele intuito de protelação. Pelo contrário.

            12

Raramente isto acontece, ou seja, reconhecer-se má-fé na interposição de recursos especiais ou extraordinários. Talvez por isso estes meios impugnativos sejam utilizados com tanta freqüência.

            13

É extremamente discutível a possibilidade de conceder-se força à jurisprudência contra legem, pois a rigor, o papel da jurisprudência seria de aperfeiçoar a interpretação do texto legal, e não revogá-lo. Admitir-se esta última hipótese implicaria conceder ao julgador a faculdade de fazer as vezes do legislador e isto traz sombrias possibilidades, porque quebra com a tripartição de poderes. Por outro lado, o direito positivo avança a passo lento e considerar obrigatória uma lei anacrônica equivale a irracionalmente chancelar injustiças. No direito pátrio, ainda que com reservas, é admitida jurisprudência contra legem. Quando admitida, é perfeitamente possível uma postulação legítima contra texto expresso de lei.

            14

Uma das pospostas das reformas que estão sendo estudadas é a abolição do processo de execução de sentença autônomo. Bastaria pedir-se a seqüência do feito.

            15

À exceção dos legalmente previstos, como habitação (Recurso Especial nº 565820/PR (2003/0117309-7), 3ª Turma do STJ, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito. j. 16.09.2004, maioria, DJ 14.03.2005).

            16

A propósito, na ementa da Apelação Cível nº 176499/RS (9604662007), 4ª Turma do TRF da 4ª Região, Rel. Sérgio Renato Tejada Garcia. j. 11.06.2003, unânime, DJU 25.06.2003), consta: "1. A natureza da hipoteca como direito real traduz-se na sua oponibilidade erga omnes, portanto, aquele que adquire imóvel gravado, sem precaver-se contra os efeitos da relação que gerou o ônus, corre o risco de ter o seu patrimônio, a garantia, executado para a satisfação do credor hipotecário. 2. Cabia ao embargante utilizar o disposto no art. 815 do CC para remir a hipoteca e livrar-se da constrição. Como isso não ocorreu, assumiu os riscos próprios de um patrimônio gravado com esse direito real de garantia, razão pela qual não se pode afastar a execução da hipoteca em pauta (STJ, REsp nº 161052/SP, 3ª Turma, Rel. Min. Waldemar Zveiter, DJ 18-12-98, p. 347)"

            17

Rel. Des. Elaine Harzheim Macedo. j. 10.02.2004, unânime.

            18

Recurso Especial nº 638664/PR (2004/0010293-3), 1ª Turma do STJ, Rel. Min. Luiz Fux. j. 07.04.2005, unânime, DJ 02.05.2005.

            19

j. 23.09.2003, unânime, DJU 01.12.2003..

            20

"Na fraude à execução, não se perquire o elemento subjetivo, sendo este o diferencial em relação à fraude contra credores." (Apelação Cível nº 20010710166367 (Ac. 213700), 3º Turma Cível do TJDFT, Rel. João Egmont Leôncio Lopes. j. 28.02.2005, maioria, DJU 19.05.2005).

            21

Decidiu corretamente, portanto, a 12ª Câmara Cível do TJRS no julgamento da Apelação Cível nº 70010115723, Rel. Des. Orlando Heemann Júnior. j. 17.02.2005, unânime, onde ficou assentado que: "Ocorrendo a alienação de bens, quando pendente demanda de natureza indenizatória (decorrente de acidente de trânsito), capaz de conduzir à insolvência o devedor, o reconhecimento da fraude à execução se impõe. A alegação de boa-fé de parte dos segundos adquirentes se afigura irrelevante ao deslinde da causa, pois a questão se resume ao exame da existência de ação em curso, com citação válida, à época da transferência dos bens, e à circunstância de que a alienação conduziu o devedor ao estado de insolvência."

            22

Na ementa do Agravo de Instrumento, Processo nº 200404010389872/PR, 2º Turma do TRF da 4º Região, Rel. Juiz João Surreaux Chagas. j. 23.11.2004, unânime, DJU 09.03.2005, consta: "Não se configura como fraude à execução a alienação de patrimônio anteriormente à citação do devedor no processo executivo, sobretudo quando não comprovada a conduta lesiva ao Fisco, com intenção de gerar insolvência."

            23

Conforme lembra o julgamento do Recurso Especial nº 136038/SC (1997/0040882-5), 4ª Turma do STJ, Rel. Min. Barros Monteiro. j. 16.09.2003, DJU 01.12.2003: "É pressuposto ao reconhecimento da fraude de execução, quando ainda não realizada a penhora, a prova da insolvência de fato do devedor a ser demonstrada pelo credor."

            24

Ad exemplum: Apelação Cível nº 20010110881885 (Ac. 177893), 2ª Turma Cível do TJDFT, Rel. Adelith de Carvalho Lopes. j. 14.08.2003, unânime, DJU 17.09.2003, em cuja ementa consta: "A condição de ‘improbus litigator’ depende da verificação de ter o suposto litigante de má-fé, de forma dolosa ou culposa, causado dano à parte contrária." Na mesma esteira, admitindo as duas formas: Reexame Necessário e Apelação Cível nº 0203380-9 (17082), 7ª Câmara Cível do TAPR, Dois Vizinhos, Rel. Lauro Laertes de Oliveira. j. 13.08.2003, DJ 03.10.2003; ara Cível do TAPR, Dois Vizinhos, Rel. Lauro Laertes de Oliveira. j. 13.08.2003, DJ 03.10.2003

            25

Apelação Cível nº 73318-0/188 (200301844270), 3ª Câmara Cível do TJGO, Buriti Alegre, Rel. Des. João Waldeck Félix de Sousa. j. 19.02.2004, unânime, DJ 22.03.2004. No mesmo diapasão: Apelação Cível nº 29072/2002, 1ª Câmara Cível do TJMT, Cuiabá, Rel. Dr. Sebastião de Moraes Filho. j. 17.02.2003; Apelação Cível nº 2002.004287-0, 1º Câmara de Direito Civil do TJSC, Joinville, Rel. Des. Maria do Rocio Luz Santa Ritta. unânime, DJ 06.05.2005

            26

Apelação nº 0385292-8, 5ª Câmara Cível do TAMG, Rel. Mariné da Cunha. j. 20.03.2003, unânime.
Sobre o autor
Marcelo Colombelli Mezzomo

Ex-Juiz de Direito no Rio Grande do Sul. Professor.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MEZZOMO, Marcelo Colombelli. A litigância de má-fé e a efetividade da tutela jurisdicional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 882, 30 nov. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7481. Acesso em: 22 nov. 2024.

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