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Contributo para se repensar a crise migratória

Nos últimos anos Síria, Afeganistão, Iraque e Líbia passam por situações de conflitos que forçaram milhares de pessoa decidirem morrer em seus países ou em busca dos Direitos Humanos arriscar trajetórias incertas.

Após a Segunda Guerra Mundial, a União Europeia vive uma das maiores crises migratórias nos últimos tempos. Imigrantes de vários países da África, Oriente Médio e Ásia, em situações de guerras, perseguições, fomes, ações de grupos terroristas, intolerância religiosa, entre outros, buscam na União Europeia o seu refúgio.

Em 1951, após a Segunda Guerra Mundial, foi realizada a Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados, e em seu artigo 1° traz a característica do “refugiado” como todo aquele que se desloca para outro país por “fundado temor ou estar sendo perseguido por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas com o objetivo de buscar refugio e que não possa ou não queira retornar ao seu país de origem”.

Nos últimos anos países como a Síria, Afeganistão, Iraque e Líbia passam por situações conflitantes e que agridem os Direitos Humanos. Estes na sua maioria buscam asilo na Europa através de trajetórias inseguras pelo Mar Mediterrâneo com a esperança nos olhos de poder viver dignamente e em paz.

Quando chegam ao país acolhedor ainda enfrentam grandes dificuldades, dentre elas a xenofobia. Os líderes buscam combater a aversão dos cidadãos contra os estrangeiros, porém é uma batalha que tem muito para percorrer e ser superada.


A Crise Migratória

Desde 2011 houve um aumento significativo de imigrações em virtude da situação crítica da guerra na Síria que perdura por todos esses anos. Na União Euopéia os principais destinos desses deslocados são Alemanha e Itália. O governo italiano formado pela Liga de extrema-direita por um lado e o populista M 5 S (Movimento Cinco Estrelas), gerou muito debate na EU, pois, por um lado, a Itália é o principal ponto de desembarque da maioria dos migrantes e busca com isso maior contribuição dos demais membros da EU, para dividir a fatura social resultado da execução da Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados, a qual todos os membros da EU são signatários e para ‘sensibilizar’ estes parceiros, adotou medidas mais rígidas para a chegada dos imigrantes, o que gerou repercussão internacional. A Alemanha por outro lado, também endureceu para a entrada de imiograntes que chegavam pelo sul, adotando a política de não aceitar imigrantes que já estejam cadastrados em outros países membros, tal estratégia é também adotada de forma dissimulada por outros estados membros. Assim, a Itália que recebe 77% de toda onda migratória teria que arcar com esses imigrantes (European Comission I, II and III).

Muitos refugiados da Síria buscam asilo na Europa pela arriscada travessia pelo Mar Mediterrâneo. De acordo com a Agência da ONU para Refugiados –ACNUR - “Estima-se que 362.000 refugiados e migrantes arriscaram suas vidas cruzando o Mar Mediterrâneo em 2016, sendo que 181.400 pessoas chegaram na Itália e 173.450 na Grécia.

No primeiro semestre de 2017, mais de 105.000 refugiados e migrantes entraram na Europa” (ACNUR). Desde 2017 mais de 2700 pessoas morreram ou desaparecem no mar durante a travessia.


A Guerra Civil na Síria

A Síria tem enfrentado uma Guerra Civil desde 2011. O país enfrentava uma situação de desemprego, corrupção, repressão e falta de liberdade política, quando adolescentes após serem presos, foram torturados por pintaram o muro de uma escola na cidade de Deraa com mensagens revolucionárias.

O povo sírio não se conformou com a atitude do governo e logo iniciaram as manifestações por mais liberdade contra o governo de Bashar al-Assad. As forças de segurança do governo sírio abriu fogo contra os ativistas, o que elevou a tensão entre ambos os lados e mais ativistas saíram às ruas pedindo a saída de Assad. Com a maior intensificação dos manifestantes, o governo buscou sufocar ainda mais, porém, apenas gerou mais determinação entre os manifestantes. Centenas de milhares de sírios saíram às ruas em todo país exigindo a desistência e saída de Assad.

Com o ataque aos manifestantes, simpatizantes do grupo antigoverno começaram a utilizar armas tanto para se defender quanto expulsar as forças de segurança do governo. Assad considerou o ataque como terrorismo apoiado por estrangeiros. Logo, a violência tomou proporções gigantescas, ultrapassando de meros conflitos para uma verdadeira batalha entre o governo e sua oposição se tornando em uma guerra civil por todo o país. O Estado Islâmico e a Frente Nusra, aliada a al-Qaeda se aliaram aos ativista contra o governo.

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De acordo com a ONU, estima-se que mais de 400 mil pessoas foram mortas pela guerra e até o ano de 2016, 5 milhões de pessoas fugiram do país, sendo a maioria mulheres e crianças. Desses, 10% buscaram refúgio na Europa.


A União Europeia e o fluxo migratório

Metade do fluxo migratório é em decorrência da Guerra Civil na Síria e norte da África. Em 2018, com a adoção de maior controle das fronteiras exteriores da Europa gerou maior dificuldade para os imigrantes chegarem ao solo europeu, com isso aumentou o número de mortes de imigrantes no Mediterrâneo. Somente nos meses de junho e julho, 850 pessoas morreram o que representa 28% a mais do que no mesmo período de 2017(NETTO, 2018). Esse número de mortes representa 50% do total dos mortos de todo o ano!

Os números foram fornecidos na semana passada pela Agência das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur) e causam espanto porque, nos últimos anos, nunca tão poucos migrantes chegaram à Europa quanto em 2018 – em que pese o discurso alarmista de partidos populistas.

Infelizmente, não foram todos os países europeus que tiveram a mesma visão humanitária, países como Hungria construiu uma barreira por toda fronteira com mais ou menos 175 km de distância e a Inglaterra reforçou sua política de fronteira. Apesar de alguns países não visarem de forma solidaria o refúgio há países como Alemanha, Áustria, Itália e Grécia que tem aberto as portas e acolhido devidamente estes e respeitado os direitos internacionais e humanos dos refugiados.

Muitos países europeus não possuem capacidade habitacional e básica para receber tantos migrantes em curto tempo de prazo. Por isso, encontram grande dificuldade de ajudar mais os migrantes que chegam todo o dia.

Em junho de 2018 os líderes da União Europeia se reuniram em Bruxelas para discutir acerca dos refugiados. O líder da Itália, Giuseppe Conte, encontrava-se insatisfeito com toda a situação, uma vez que o seu país é a porta de entrada para a maioria deles e os demais países tinham pouco comprometimento em receber as demais pessoas ficando, portanto, sobrecarregado.

Após esta reunião os países europeus entraram em consenso acerca da cooperação de todos os países com a situação atual. Dentre os pontos que foram acordados temos: reforçar o controle de fronteiras externas; criação de plataformas de desembarque para os que forem resgatados do mar; criação de centros de controles em países voluntários onde os refugiados serão recolhidos e redistribuídos conforme a disponibilidade de cada país; financiamento a países do Norte da África e Turquia na busca de impedir a saída migratória destes locais.


Refugiados e a Xenofobia

Outra barreira que os refugiados encontram quando adentram o país europeu é a xenofobia. Xenofobia é a aversão a pessoas ou coisas estrangeiras, podendo ser caracterizado como preconceito ou como transtorno psiquiátrico. Muitos cidadãos europeus são contra a acolhida dos refugiados em seus países.

Muitos cidadãos saíram às ruas para manifestar contra a chegada dos refugiados na Suécia, Alemanha, Espanha e França. Na Alemanha cerca de 6 mil ativistas saíram as ruas para protestar a chegada dos estrangeiros no dia 27 de agosto de 2018. A chanceler alemã reagiu as manifestações e disse que discursos racistas não tem lugar nas ruas da Alemanha e reforçou o policiamento para combater os manifestantes.

Entre as principais motivações para o aumento da xenofobia na Europa temos:


Convenção relativa ao Estatuto do Refugiado (1951) e o Direito Internacional Humanitário

Foi através da Convenção do refugiado de 51 que se estabeleceu pela primeira vez após a Segunda Guerra Mundial um instrumento internacional e universal que visa a proteção do refugiado. Esta proteção internacional abrangeu qualquer pessoa que possua fundado temor em seu país de origem, independente de grupo social ou político. O princípio da universalidade presente neste instrumento é aplicado no sentido jurídico da definição de refugiado.

Encontramos em seu primeiro artigo a definição de refugiado, in verbis:

Que, em consequência dos acontecimentos ocorridos antes de 1º de janeiro de 1951 e temendo ser perseguida por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas, se encontra fora do país de sua nacionalidade e que não pode ou, em virtude desse temor, não quer valer-se da proteção desse país, ou que, se não tem nacionalidade e se encontra fora do país no qual tinha sua residência habitual em consequência de tais acontecimentos, não pode ou, devido ao referido temor, não quer voltar a ele.

De acordo com este artigo é refugiado aquele que possua fundado temor em seu país de origem. É importante destacar que final do artigo prevê que o refugiado não deve ser devolvido ao seu país de origem caso o mesmo não possa ou não queira voltar, conhecido como princípio do non-refoulement. Desta forma, os países próximos são obrigados a receber os refugiados, exercendo o princípio da solidariedade bem como a obrigação moral.

Outro fato importante na presente Convenção é que a proteção não esta em cima do dano, mas na preservação para que este dano não ocorra. Nela encontramos duas formas de soluções aos refugiados, quais sejam: temporária e duradoura.

No Direito Internacional Humanitário o refugiado em concordância com a Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951, possui um conceito amplo de refugiado, sendo este “protegido enquanto pessoa civil, quer como estrangeiro em território de uma Parte no conflito quer como habitante de um território ocupado.” (DEYRA, p.126).

Dentre outras garantias que Convenção de 1951 traz encontramos o direito de ser tratado como qualquer outro estrangeiro no país é, tanto em direitos quanto em deveres. Ou seja, é abrangido os mesmos direitos aos refugiados no que toca a aquisição de bem móvel ou imóvel, trabalho assalariado. As garantias se estendem a outros temas, in verbis:

o reflete no que se refere à propriedade móvel e imóvel, uma vez que o artigo 13 traz que o refugiado terá direitos igualmente a qualquer estrangeiro naquele país.

Em suma, os refugiados são amplamente protegidos pelo Direito Internacional Humanitário e a Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados, os quais se complementam para que seja sempre mais favorável a proteção ao refugiado, como ser humano que é, independentemente de sua nacionalidade ou motivação.


Conclusão

Após tantos anos de guerra civil na Síria e outros países do norte da África, é possível notar por um lado, o número impressionantemente alto e crescente de mortes no Mediterrâneo e por outro, a população europeia reage pressionando o parlamento e os governos para que reduzam a onda imigratória, nesta época de crise econômica e de emprego. Os milhares que não morreram na travessia passam por uma bateria de controles em intermináveis de cadastros para estar legal no espaço europeu. De posse ‘dos papais’ homens, mulheres, crianças, passam a sofrer um sofisticado sistema de violência cultural e social, gerando aos imigrantes o reforço dos laços religiosos e culturais de sua origem, aglutinando-os, o que reitera ainda mais a diferença com a cultura e valores europeus.

Além de tantos traumas que os refugiados carregam, encontram obstáculos e grandes desafios de serem realmente aceitos pela população do país acolhedor, sofrendo ainda a chamada xenofobia. Mas ainda possuem a esperança de poderem ter um futuro melhor e em paz.

Longe de se ver fim dessa crise migratória na Europa, a batalha solidária continua sendo necessário à cooperação e conscientização de todos. Com a melhor redistribuição dos refugiados, ações mais abrangentes, campanhas contra a xenofobia entre outras ações realizadas em conjunto será possível amenizar em parte e gradativamente a crise existente.

O Direito Internacional Humanitário bem como a Convenção relativa ao Estatuto do Refugiado possuem diretrizes e garantias a fim de preservar seus direitos como ser humano para que em meio a tantas tragédias vividas possam realmente obter o refúgio e a paz que tanto procuram e tem direito.

A vulnerabilidade de cada imigrante é tão trágica quanto a de todo o coletivo, e a necessidade de se repensar os protocolos internacionais de compensação de financeira parta suportar a humilhação do ser humano seria um passo importante para inicio da solução dos refugiados.


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Sobre os autores
João Ernesto Paes de Barros

Professor Mestre, doutorando na Universidade de Lisboa, advogado em Portugal e no Brasil, porfessor de Direito das Obrigações, Contratos e Responsabilidade Civil.

Ana Cristina Tetzlaff Alves

Bacharel em Direito pela Faculdade Católica Rainha da Paz, FCARP, Araputanga, Mato Grosso, Brasil.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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