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Da inafastabilidade do Poder Judiciário e a reforma trabalhista

Agenda 23/07/2019 às 17:00

Explana-se alguns esclarecimentos e a visão da importância e relevância das alterações processuais em torno do direito trabalhista.

Foram significativas as alterações tanto do Direito Material do Trabalho como do Processo do Trabalho com a vigência da Lei 13.467/2017, contudo, pouco se veicula nas mídias em relação à alteração processual, havendo maior foco da mídia em esclarecimento à sociedade do Direito Material. Logo, visamos aqui trazer um pouco de esclarecimentos e a visão da importância e relevância das alterações processuais, contemplando o que verificamos de prejudicial e que carece de melhorias.

Não se visa aqui esgotar todos os temas alterados no Processo Trabalhista, já que foram alterados, com a nova lei, 38 artigos de 150 artigos referentes à Justiça do Trabalho e Processo do Trabalho, ou seja, a Lei 13.467/2017 altera mais de 25% dos dispositivos referentes ao Processo do Trabalho.

Assim, abordaremos alguns temas específicos, para melhor aprofundamento do debate, que permitirá ao leitor uma reflexão daquilo que consideramos retrocesso ou que necessite de nova alteração para melhoria do Processo do Trabalho.


Análise do art. 8º, caput e §2º da CLT. Violação à Separação de Poderes.

Em que pese estar no início da CLT, referindo-se ao Direito Material, imbui importantíssimo reflexo no Direito Processual, o que carece apreciação.

Art. 8º - As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por eqüidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público. (grifo nosso)

 [...]

Analisando o caput do dispositivo, observa-se que no campo da Integração do Direito do Trabalho, utiliza-se da Jurisprudência, ou seja, aquilo que o judiciário, interprete da Lei, extrai do texto legal (norma), cujas decisões reiteradas se transformam em Jurisprudência e seu resumo em súmula.

Analisemos agora o §2º do mesmo dispositivo.

§ 2o  Súmulas e outros enunciados de jurisprudência editados pelo Tribunal Superior do Trabalho e pelos Tribunais Regionais do Trabalho não poderão restringir direitos legalmente previstos nem criar obrigações que não estejam previstas em lei. (grifo nosso)    

Verifica-se aqui que o legislador neste parágrafo segundo é contraditório em relação ao caput. Neste parágrafo o legislador visa vedar a função essencial atribuída ao Judiciário, que é interpretar a lei.

Ora, se o caput define como integração a Jurisprudência, que é a interpretação do texto de lei, como pode agora, em seu parágrafo segundo, impedir essa interpretação jurisprudencial dos tribunais, impedindo que o Juiz possa ir além (criar obrigações) ou aquém (restringir direitos) transformando o Juiz no que no passado (escola exegética), nos findos do século XIX, era chamado de “A Boca da Lei”, ou seja, o Juiz devia aplicar o que a lei prescrevia, não lhe cabendo interpretação.

Verifica-se, portanto, que o parágrafo segundo é incompatível com o caput. Ademais, atua tolindo a função essencial do Judiciário que é ser interprete da Lei, ou seja, extraindo do texto legal a norma, o que ela de fato representa. O legislador aqui atua em real ofensa à Separação de Poderes, não havendo dúvidas da inconstitucionalidade do respectivo parágrafo.

Frisa-se ainda, que no mundo e no Brasil, o modelo Civil Low (prevalência da Lei) e Common low (prevalência das decisões judiciais) já se encontram amplamente aproximados, que no caso específico do Direito do Trabalho, já era comum a observância da Jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho – TST. Frisa-se ainda que com os Precedentes Obrigatórios do no novo Código de Processo Civil de 2015, preconizados nos arts. 927 e 928[1], a exemplo do Incidente de Resolução de Demanda Repetitiva; Recurso de Revista Repetitivo, sequer é necessário uma decisão reiterada e criação de súmulas para observância obrigatória do Judiciário, o que demonstra um legislador no ano de 2017, descompassado com o Direito atual.

Em razão do exposto, mister a Declaração de Inconstitucionalidade deste dispositivo.


Análise do art. 8º, §3º da CLT. Violação ao Princípio da Inafastabilidade do Poder Judiciário.

Observa-se nesse dispositivo novamente a tentativa do legislador em tolir o poder judiciário, em afronta ao Princípio da Inafastabilidade do Poder Judiciário (art. 5º, XXXV, da CF) [2], frisando que o judiciário poderia apreciar nas normas coletivas apenas aspectos formais da norma (art. 104 CC), como objeto lícito, agente capaz e forma prescrita e não defesa em lei, ou seja, não poderia o judiciário apreciar e anular uma cláusula contrária aos direitos protetivos do trabalhador, o que novamente demonstra descompasso do legislador.

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§ 3o  No exame de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, a Justiça do Trabalho analisará exclusivamente a conformidade dos elementos essenciais do negócio jurídico, respeitado o disposto no art. 104 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), e balizará sua atuação pelo princípio da intervenção mínima na autonomia da vontade coletiva.  (grifo nosso)

Esse descompasso do legislador fica mais nítido quando analisamos o art. 611-A, §5º, no qual em posição diversa ao art. 8º, §3º, ambos da CLT, reconhece o legislador a possibilidade de o judiciário anular cláusula de norma coletiva, ou seja, analisar seu conteúdo.

§ 5o  Os sindicatos subscritores de convenção coletiva ou de acordo coletivo de trabalho deverão participar, como litisconsortes necessários, em ação individual ou coletiva, que tenha como objeto a anulação de cláusulas desses instrumentos. (grifo nosso)

Trata-se, portanto, o art. 8º, §3º, da CLT de outro dispositivo inconstitucional.


Análise do art. 702, alínea “f” da CLT. Violação à Separação de Poderes.

Esse artigo possui argumentos semelhantes aos descritos nos tópicos anteriores, em que o legislador busca restringir as funções essenciais do poder judiciário, criando um regramento condicionante para edição de súmulas e jurisprudências.

Art. 702 - Ao Tribunal Pleno compete:

f) estabelecer ou alterar súmulas e outros enunciados de jurisprudência uniforme, pelo voto de pelo menos dois terços de seus membros, caso a mesma matéria já tenha sido decidida de forma idêntica por unanimidade em, no mínimo, dois terços das turmas em pelo menos dez sessões diferentes em cada uma delas, podendo, ainda, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de sua publicação no Diário Oficial;

Ora, se é o Judiciário que cria a jurisprudência, é ele que sabe quando se encontra esta consolidada ou não para se formar uma orientação jurisprudencial ou uma súmula. Ademais, esses regramentos já existem no Regimento Interno do TST, em sintonia ao que prescreve o art. 926, §1º, do CPC.[3]

Logo, cabe ao Judiciário e não ao legislativo definir os critérios para consolidação de sua jurisprudência, havendo no caso, afronta à Separação de Poderes.

Face ao exposto, não resta outra alternativa senão considerar tal dispositivo inconstitucional.

Entretanto, em que pese o legislador buscar mitigar a criação de Súmulas pelos tribunais, em especial o Tribunal Superior do Trabalho – TST, evidente que o legislador está em descompasso com a realidade e legislação atual, posto que o judiciário para se fazer valer de suas decisões, sequer precisa de súmula, pois conforme retro mencionado, com os Precedentes Obrigatórios do no novo Código de Processo Civil de 2015, preconizados nos arts. 927 e 928 supracitados, a exemplo do Incidente de Resolução de Demanda Repetitiva; Recurso de Revista Repetitivo, sequer é necessário uma decisão reiterada e criação de súmulas para observância obrigatória do Judiciário, o que evidencia um legislador no ano de 2017, descompassado com o Direito atual.


Referências

Consolidação das Leis do Trabalho

Constituição Federal de 1988

Código Civil 2002

Código de Processo Civil 2015


Notas

[1] Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão:

I - as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade;

II - os enunciados de súmula vinculante;

III - os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos;

IV - os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional;

V - a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.

§ 1º Os juízes e os tribunais observarão o disposto no art. 10 e no art. 489, § 1º , quando decidirem com fundamento neste artigo.

§ 2º A alteração de tese jurídica adotada em enunciado de súmula ou em julgamento de casos repetitivos poderá ser precedida de audiências públicas e da participação de pessoas, órgãos ou entidades que possam contribuir para a rediscussão da tese.

§ 3º Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica.

§ 4º A modificação de enunciado de súmula, de jurisprudência pacificada ou de tese adotada em julgamento de casos repetitivos observará a necessidade de fundamentação adequada e específica, considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia.

§ 5º Os tribunais darão publicidade a seus precedentes, organizando-os por questão jurídica decidida e divulgando-os, preferencialmente, na rede mundial de computadores.

Art. 928. Para os fins deste Código, considera-se julgamento de casos repetitivos a decisão proferida em:

I - incidente de resolução de demandas repetitivas;

II - recursos especial e extraordinário repetitivos.

Parágrafo único. O julgamento de casos repetitivos tem por objeto questão de direito material ou processual.

[2]  XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.

[3] Art. 926. Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente.

§ 1º Na forma estabelecida e segundo os pressupostos fixados no regimento interno, os tribunais editarão enunciados de súmula correspondentes a sua jurisprudência dominante.

§ 2º Ao editar enunciados de súmula, os tribunais devem ater-se às circunstâncias fáticas dos precedentes que motivaram sua criação..

Sobre o autor
Stélio Leonardo Alves Cintra

Auditor Fiscal do Trabalho Graduado em Engenharia Elétrica Graduado Bacharel em Direito Pós Graduado em Direito do Trabalho

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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