RESUMO
O artigo pretende tensionar, analiticamente, os fatos políticos e econômicos no qual passa o Estado brasileiro na atualidade e os rebatimentos que esse quadro implica nos direitos sociais. Para isso, transitamos pelos fatos e acontecimentos que vem sendo gestado no país desde o Golpe de Estado impetrado para a deposição da presidente eleita Dilma Rousseff em 2016. Dito isso, esse dedo analítico está dividido em duas partes: o primeiro versa sobre os acontecimentos que ocorreram pós-eleição presidencial de 2014. O segundo, por sua vez, diz respeito aos interesses colocados em prática a partir da figura do presidente Michel Temer e as consequências para os direitos sociais. Objetiva-se o entendimento dos interesses que estão por traz desse quadro e o que essa narrativa provoca para a sociedade civil e, consequentemente, ao Estado brasileiro. Para isso, metodologicamente, fizemos uso de fontes atuais, de jornais e revistas. Concluímos com a afirmativa de que a elite brasileira tem ódio à democracia e está disposta a não compactuar com nenhum tipo de concessão, menor que seja, às classes menos favorecidas.
PALAVRAS-CHAVE: Golpe Político; Política Partidária; Economia; Direitos Sociais.
INTRODUÇÃO
Uma tradição pode aparecer e aprisionar um povo, pode levá-lo a acreditar que o passado é seu futuro, e que o senhor é seu servo, e pode, por isso, manter uma ordem social em que a vasta maioria da população estaria sujeita às condições de exploração e dominação (THOMPSON, 2002, p. 61).
18 de Brumário[1] é um dos clássicos textos de um dos maiores pensadores do século XIX, Karl Marx. Escrito a partir de uma análise profunda sobre os acontecimentos que ocorreram na França entre os anos de 1841 e 1851, que levaram ao poder, a partir de um golpe de Estado, Napoleão III, busca, entre outras coisas, entender os mecanismos e interesses da classe que almejou o poder e suas relações com a classe operária. Nele, Karl Marx faz uso do materialismo histórico dialético onde disseca os princípios daquilo que seriam e é a luta de classes, a doutrina do Estado, o papel dos partidos políticos na vida social, objetivando uma análise conjuntural acerca do Estado francês.
Karl Marx de certo modo era otimista quanto à história. Via nela a possibilidade de reconstrução do passado a partir do aprendizado do presente. Ele denominava de “força regeneradora” a capacidade das classes sociais, principalmente a classe operária, de procurar entender os mecanismos de poder e encontrar respostas e saídas para as situações que esta se via implicada na história. Contudo, fazendo um paralelo com a história recente brasileira esse otimismo marxista nos “sopra um sopro” de areia nos olhos. O que vimos e estamos a vivenciar são circunstancias onde a classe trabalhadora, aquela que vende sua força de trabalho para a classe detentora dos meios de produção, vem fortemente sangrando a cada dia.
Tudo isso começou quando o PT venceu, democraticamente, nas urnas, o pleito presidencial em 2014 levando ao posto público mais alto, numa reeleição disputadíssima com o PSDB, Dilma Vanda Rousseff. A partir daí, o grupo que saiu derrotado nas urnas minou de todas as formas, através da figura do candidato derrotado, o então Senador Aécio Neves (PSDB/MG) para frear as ações do novo mandato que começou em primeiro de janeiro de 2015.
A partir daí, o que se viu e o que estamos a vivenciar é uma história dantesca de retrocessos e atrasos em todos os campos da vida social, tendo rebatimentos de maneira objetiva em todas as políticas públicas que vinham sendo gestadas na administração governamental federal do partido do PT. Dito isso, tentarei me debruçar sobre uma onda de acontecimentos e energia social urgente e insurgente que move a passos largos para retirar todo e qualquer tipo de contribuição no campo progressista. De longe, estarei tentando responder inquietações que nos levaram a estar neste exato ponto: ponto de extrema fragilidade da democracia brasileira a partir da politização do judiciário, da corrupção generalizada nas instituições públicas e um ódio criado pelos grandes veículos de comunicação ao partido dos trabalhadores (PT). Dessa forma, o que estou a empreender, nada mais é do que um pilar da nossa missão como futuros analistas de avaliação de políticas públicas a partir do momento que busco juntar as peças da conjuntura brasileira que vem sendo imbricada desde 2014 até a atualidade.
Denomino, pois, de “dedo analítico” o que estou a descrever e analisar, tendo em vista que estou entrando num mar de lama gigantesco, formada por vários fatos, enredos e narrativas de múltiplas dimensões que corroboraram para tal quadro. O conteúdo é de todo modo, vasto, grandioso, formada por várias camadas. Nesse sentido, trarei um que irei denominar de “um dedo de prosa” porque será inviável trazer todos os dedos das mãos para esta empreitada tendo em vista que o conteúdo que estou a adentrar dá para construir dezenas de centenas de milhares de análises provenientes da fecundidade e profundidade dos fatos e relações que estamos a vivenciar atualmente e nos últimos anos.
Além disso, sou totalmente humilde, ao mesmo tempo, audacioso em trazer uma temática que hoje se mostra tão nebulosa para tantos especialistas e grandes acadêmicos. Contudo, não poderia fugir dessa temática dada as consequências que estamos a presenciar no campo das políticas públicas implantadas e que hoje sofrem uma corrosão de grande envergadura a partir das ações e dos objetivos do atual governo que já denomino ultra neoliberal-conservador[2].
Desta maneira, em um primeiro momento, trarei as tramas que foram decisivas para o começo da derrocada do governo da então eleita presidenta Dilma Rousseff em 2015. Para isso, farei uso dos noticiários dos principais jornais que começaram a publicizar as fragilidades do novo governo a partir de uma ação conjunta entre aqueles que saíram derrotados do pleito, conjugado com uma elite que não mais corroborava com as políticas compensatórias colocadas em consonância pelos governos dos Partidos dos Trabalhadores desde que Lula assumiu a cadeira presidencial.
O presidencialismo de coalização[3], colocado como prática como modo de governar desde que o primeiro presidente eleito pós-regime ditatorial assumiu o posto público maior do país não mais dava conta dos interesses em disputas. Se existiam interesses em disputa, não podemos fugir da narrativa que esse contexto nos revela, isto é, que essa disputa pelo poder também se dá no campo das disputas de classe. A rigor, tínhamos uma elite que não mais corroborava com as práticas até então amealhadas. O quadro que se pintou no Brasil depois que Lula tornou-se presidente da República, mudou o panorama contextual e a tela da sociedade brasileira. Por mais concessão que ele tenha feito aos detentores do Capital, é inegável que tivemos um progresso e melhorias nas condições de vida da população mais pobre do país. Exemplifico, por exemplo, a grande quantidade de pessoas pobres que passaram a estar nas Universidades públicas, que, até então, era um espaço dedica a elite econômica e política do país. Como diz uma frase da União Nacional dos Estudantes (UNE), “a universidade passava a pintar-se de povo”. Além disso, a inclusão através do consumo possibilitou que muitos desfavorecidos socialmente pudessem usufruir de casa própria, viajar de avião, comprar eletrodomésticos e possuir direitos até então negados, como os direitos das empregadas domésticas.
Contudo, governar, só foi possível porque aqueles que ascenderam ao poder colocaram em prática ações que confirmam a tese do presidencialismo de coalização criada por Abranches (1988),
O Brasil é o único país que, além de combinar a proporcionalidade, multipartidarismo e o “presidencialismo imperial”, organiza o Executivo com bases em grandes coalizões. A esse traço peculiar da institucionalidade concreta brasileira chamarei, à falta de melhor nome, “presidencialismo de coalizão”[4].
Para o historiador e cientista político André Pereira, o termo coalizão de governo “se refere ao processo pelo qual diferentes partidos políticos se unem, como objetivo de constituir e/ou apoiar o Executivo” [5]. E esse modos operantes de governar foi colocado em prática por todos os governos pós-regime ditatorial.
No segundo momento dessa imersão temos o governo do presidente Michel Temer, pós-deposição da presidenta Dilma Rousseff. Neste momento começa a desconstruir tudo aquilo que foi pensado e colocado em pauta nas eleições presidenciais. Mudou-se o presidente, mudaram-se as ações. Denominada de “Ponte para o Futuro”, documento realizado pelo governo que substituíra todas as intenções colocadas para aprovação popular nas urnas em outubro de 2014. Um documento que trata das principais diretrizes e linhas de ações que o governo faria a partir de então. Era um movimento que rumava para um completo desmonte do Estado. Encontra-se nele, e foi dado início, ações como privatizações, desvinculação constitucional dos gastos sociais que objetivam diminuir o Estado nas ações, planos, programas e políticas públicas para a camada social daqueles que mais necessitam. Uma reforma trabalhista onde prevalecem os interesses do patrão. Em contrapartida, o trabalhador fica refém das garras exploratórias daqueles. A busca por aprovar uma reforma previdenciária que eleva a idade mínima de aposentaria, não considerando qualquer estudo sobre as disparidades locais, estaduais e regionais. Tudo isso corroborado por um quadro político de legisladores da pior espécie que, ao contrário do que pensa e necessita o povo brasileiro, vota medidas contra os interesses daqueles que deveriam representar.
1 GOLPE: TRAMAS DE AÇÕES QUE CULMINARAM NA RUPTURA DEMOCRÁTICA EM 2016
Bourdieu (1989) afirma que a vida social é configurada por narrativas simbólicas. A vida social é constituída ou criada pelos sujeitos através de narrativas que possuem significados. Uma narrativa se sobrepondo a outras e, assim, temos a configuração de um quadro onde o tensionamento dos interesses passa a ocorrer. Para Marx (2002) a atualidade dos fatos podem ser compreendidos a partir da luta de classes[6]. Para ele, temos uma distinção bem clara do que está em jogo neste momento na sociedade brasileira: aqueles que pensam que o Estado deve agir a serviço da população, principalmente dos menos favorecidos e aqueles que se posicionam que o Estado deve ser mínimo. Por mínimo entende-se que o Estado deve ocupar menos espaço na cena da vida social dos sujeitos, deixando que esse espaço seja narrado pelos interesses das forças do mercado.
Independente da corrente teórica que pode ser utilizada para a análise do atual cenário brasileiro, o que pode ser facilmente notado é uma congruência desses dois olhares que convergem para a seguinte afirmação: a narrativa, na visão bourdieziana, ou a força da classe social, na visão marxista, que detêm hoje o poder é aquela que neste momento está vencendo a batalha. E, neste momento, no atual cenário político brasileiro as forças ou narrativas conservadores e explicitamente do mercado, sem nenhuma concessão para as classes baixas, é que estão surfando na onda dos seus interesses a partir do momento que começaram a engendrar uma série de ações, a partir de um grupo político que saiu derrotado das urnas em 2014, para a deposição da presidenta Vanda Dilma Rousseff.
A partir de primeiro de janeiro de 2015, o grupo que saiu derrotado nas urnas, encabeçado pelo candidato derrotado Aécio Neves, trabalhou para inviabilizar a governabilidade do então governo eleito. Dessa forma, os parlamentares eleitos, na sua grande maioria, conservadores tradicionais, passaram a dificultar as ações do governo no parlamento brasileiro, travando as pautas enviadas pelo mesmo.
Dito isso, o governo passou a deixar de lado o que vinha propagando e era sua imagem na campanha presidencial e passou a colocar em prática uma série de ações que eram objetivos do programa político derrotado, ou seja, da oposição. A partir desse momento, o que passa a ser visualizado é um partido que se diz voltado para os interesses dos trabalhadores, agindo explicitamente a partir de ações e uma agenda voltada para a classe empresarial. Aos poucos, a base social do Partido dos Trabalhadores (PT) que garantiu a vitória da então presidenta nas urnas, afasta-se do governo provocando uma escala crise generalizada. Abre-se, portanto, as portas para que a direita brasileira trabalhe com todas as ferramentas para derrubar o atual governo. Mesmo realizando concessões múltiplas aos interesses dos opositores, procurando governar com seus adversários, não foi possível conter a fúria daqueles que perderam o palco principal no teatro da cena política brasileira.
Confluindo com outros fatores, como a forte crise econômica mundial e uma recessão planejada, que derrubou o PIB, criaram uma situação de extrema vulnerabilidade. A partir daí uma série de ações foram sendo gestadas, com o apoio massivo da grande mídia do país, do judiciário brasileiro e dos parlamentares que são representantes da elite econômica. Também não descartamos a hipótese de um agenciamento político externo, principalmente, advindas de potências que vislumbravam e objetivavam a queda de um governo cunhado como sendo Partido dos Trabalhadores.
Entre os vários fatores os quais foram propícios para a formação de um mal-estar na sociedade civil e que foi conteúdo para a deflagração do golpe político jurídico e midiático, elencamos três personagens os quais pensamos serem os que mais foram decisivos para a derrubada e deposição da presidenta. Contudo, não descartam-se outros. Entre eles, destaca-se: primeiro a insatisfação populacional, principalmente daqueles que votaram na presidenta. A partir do momento que seu governa deixa de lado a agenda política que foi vitoriosa e passa a colocar em prática a agenda do opositor. Ou seja, a presidenta Dilma Rousseff, vendo-se numa trincheira política, deixa de lado a agenda de cunha progressista e traz para a cena uma série de medidas que eram criticados por ela na campanha eleitoral e que fazia parte do conteúdo político do adversário. Procurava agradar os opositores políticos no parlamento para poder governar, ao mesmo tempo perdia sua popularidade frente à sociedade civil. Esta, viu-se enganada, tendo que ver medidas antipopulares (contra ela) sendo colocadas em consonância, tais como elevação de tarifas, como as de luz elétrica e gasolina, além de desenvolver uma política econômica extremamente conservadora, colocando no mais alto cargo político no que diz respeito à economia um representante dos interesses dos bancos.
A outra parcela da população é justamente aquela que não via na presidenta um caminho para os seus interesses. Esta, por sua vez, não votou na candidata por não enxergar que seu governo tenha trazido melhorias para a sua vida. Também sentiram-se afetados pela novelização da corrupção propagada pela mídia contra seu governo. Fato que impulsionou a ida desta camada para as ruas pedir o impedimento da presidenta. E a outra parcela diz respeito ao grande capital que não mais compactuava com decisões, por mais mínimas que fossem, para as camadas menos favorecidas representados por parlamentares, a grande maioria deles, envolvidos em corrupção.
Com esse conteúdo, ficava patente a concretização, da busca por retirar da presidência Dilma Rousseff. Para isso, bastava apenas de um ingrediente, ou seja, um elemento que pudesse colocar no centro para a deposição. Não tardou e daí surgiu aquilo que denominaram de pedalas fiscais, isto é, manobras fiscais que, por mais que sejam uma “costura fiscal”, não estão previstas na Constituição como passíveis de crime de responsabilidade.
Foram inúmeros os movimentos nas ruas pedindo o afastamento da presidenta Dilma Rousseff. Surgiram inúmeros grupos que vestiam a camisa anticorrupção e que se mostravam representantes dos que aboliam, com todas as forças, as tramas especuladas pela grande mídia e que foi desenvolvida naquilo que se denominou de Operação Lava Jato.
A partir da ação dos técnicos burocratas na figura dos delegados da Polícia Federal, procuradores e juízes da Lava Jato, entram em cena a politização da justiça. A partir de uma veia moralista, estes se erguem como arautos da moralidade e buscam “varrer da cena política” todos aqueles que não estão em consonância com um Estado Democrático de Direito “limpo” e “puro”. Dessa forma, esse aporte técnico burocrático passava a ser os representantes da classe média, classe média baixa e aqueles que por não entender o conflito de classe, como os das camadas menos favorecidas acabaram sendo utilizados como massa de manobra nos movimentos que foram deflagrados.
É necessário pontuar que os conflitos de classe nem sempre aparecessem de maneira clara e limpa. Na grande maioria das vezes, aparecem borradas, manchadas, e dessa forma, aqueles que não a compreendem tornam-se facilmente manipuláveis. Neste caso, por exemplo, a classe minoritária e abastada aparece na cena política como defensora universal anticorrupção, o que passou a ter um caráter positivo para as demais classes sociais. Mascara a sua verdadeira face para a obtenção do apoio incondicional das demais classes para poder dar cabo aos seus múltiplos interesses. Logo, travestiram-se de defensores dos interesses do “cidadão” e do “país”. Dessa forma, tivemos a concretização de dois personagens, de um lado, um governo e um partido corrupto que deveria ser extinto a todo custo. Do outro lado, um viés oposicionista que trazia consigo uma áurea instaurado da moralidade pública.
Percebam que o conflito de classe[7] nesse momento histórico fervilha. Mas fervilha de maneira não muito explícita dado os múltiplos interesses em jogo. E o que se percebe é que atravessam a classe trabalhadora novos interesses dado que ela acompanhou a classe média nas manifestações pela deposição. Isso ilustra que os interesses corporificados pelo então governo não estava em consonância com aqueles que mais os apoiavam, isto é, a classe menos favorecida que, empurrados pela carnavalização midiática, ergueram-se para restaurar “a ordem e progresso” que almejavam após a deposição da presidenta Dilma Vanda Rousseff que ocorreu em junho de 2016.
2 “PONTE PARA O FUTURO?” OS INTERESSES EM CENA A PARTIR DO GOVERNO DO PRESIDENTE MICHEL TEMER.
Como afirma Leda Paulina num artigo do livro denominado “por que gritamos golpe?”[8], em contraposição ao documento apresentado pelo então Presidente da República, pós-deposição da Presidenta Dilma Rousseff, intitulado de “Ponte para o futuro”, na verdade estamos diante de um documento que aponta para “uma ponte para o passado”.
A indagação “Ponte para o futuro?” faz referência a um documento apresentado pelo governo Michel Temer a sociedade brasileira quando assumiu a presidência da República. Neste, o mesmo propõe a volta, de maneira intensificada do neoliberalismo, ou novo neoliberalismo que começa a assolar a América Latina. Quando nos reportamos com a adjetivação – “de maneira mais intensificada” – estamos atribuindo que nos governos Lula e Dilma essa agenda continuou viva, mas com menos intensidade do que foi reimplantada com Michel Temer.
Para entendermos o neoliberalismo é necessário retomarmos um importante documento denominado de Consenso de Washington que, por sua vez, diz respeito às ideias, concepções e ações derivadas de artigo escrito pelo economista John Williamson que traz robustamente, as ações do mercado e a diminuição do Estado na economia.
Somos cônscios que desde a década de 1990 o Brasil foi tomado de assalto pelas ações neoliberais que já estavam sendo colocadas em prática nos países europeus desde a década de 70 e 80[9]. Aqui, começou a ganhar força a partir do governo Collor de Melo e intensificado nos governos de Fernando Henrique Cardoso. As ações as quais foram sendo gestadas e cunhadas no Brasil, fazem referência às orientações que foram desenvolvidas no pretenso consenso que ganhou forte impacto nas ações do Estado brasileiro e consequências negativas para a sociedade civil não detentores do capital com a diminuição das ações do Estado.
As principais características contidas neste documento, que foram “copiadas e coladas” no documento “Ponte para o futuro”, conforme a firma Paulani (2017):
[...] desregulamentar de modo geral a economia, promover a abertura financeira, promover a abertura comercial e a atração dos investimentos estrangeiros diretos, liberar o câmbio e, finalmente, reduzir o tamanho do Estado, o que significava comprimir os gastos públicos, manter rígida disciplina fiscal e privatizar todas as empresas estatais mesmo aquelas situadas em setores estratégicos (p. 70).
Como podemos denotar a partir das características deste documento, que vem a tona de maneira muito forte para a sociedade civil trabalhadora, é a ideia de “modernização do Estado” brasileiro. Essa idéia costumeiramente vem sendo vendida como algo benéfico para a sociedade civil, mas suas ações apontam para outras direções, tais como: política monetária bastante rígida com juros reais elevadíssimos, bem como outras medidas que só beneficiam o capital financeiro, por exemplo, isenção tributária aos ganhos que as grandes empresas possuem não residentes (que são enviados para outros países), alterações legais para dar mais garantias aos credores do Estado e a torrente diminuição dos direitos sociais ganhos com muita luta, suor e sangue pós-regime ditatorial.
O que se tem e pode ser abstraído a partir desses interesses é a busca pela inserção do país nos interesses do grande capital mundial. E isso foi e está sendo implantado com a total dissecação dos direitos sociais da classe menos favorecidas e sendo entregues aos detentores dos meios de produção.
A adoção do denominado tripé macroeconômico faz parte desses interesses. Ele se caracteriza por três básicas e nefastas ações: regime de metas de inflação, produção de superávits primários nas contas públicas e adoção do regime de câmbio flutuante. Em outras palavras, desde a implantação em 1999, o que estamos vivenciando é um ofensiva desenfreada para o pagamento dos juros da dívida (quando mencionamos metas de inflação), e, convergido em momentos quando, por exemplo, a economia não vai bem, o governo precisa optar por fazer um direcionamento do seu capital. De maneira geral, os tributos vão para o pagamento aos grandes bancos deixando os direitos sociais, serviços públicos e as políticas públicas de maneira geral, totalmente desamparada.
É necessário salientar que essas medidas foram acentuadas pelos governos do PT na era Lula e Dilma. Contudo, temos uma diferenciação dos governos anteriores porque estes, combinados com a continuidade da agenda neoliberal que agora vem robustamente com o governo Temer, foram adotadas medidas no âmbito das políticas sociais. Temos como exemplo, o “Bolsa Família” que se caracteriza como um programa de distribuição de renda para os menos favorecidos ou que estavam vivendo na miséria. Para além dele, como apontam os especialistas, é a importância da elevação do valor real do salário mínimo para além da inflação. Essa ação, para os estudiosos, muito além do programa Bolsa Família (que possui seus méritos) foi o principal motor para alavancar a renda do brasileiro e diminuir, mesmo que minimamente, o fosso entre as camadas sociais quando afetou o perfil da distribuição de renda no país[10].
Além dessas medidas, os governos Lula-Dilma colocaram prática o acesso facilitado ao ensino superior para as classes menos favorecidas, o que democratização o acesso a Universidade, através da expansão do número de vagas. A interiorização do ensino através da criação de 18 novas universidades, feito que governos anteriores negligenciaram. Além disso, tivemos centenas de programas sociais criados, implementados e geridos pelo Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), bem como o “Programa de Cisternas”, o “Minha Casa Minha Vida”, “Luz para Todos”, programas na área da cultura, ações voltadas para as “minorias” sociais dos tipos “cotas” e similares e elevação dos direitos de determinados setores, como o das empregadas domésticas.
Nota-se, portanto, um feito contraditório se olharmos para os interesses do grande capital no que estava sendo colocado em prática pelos governos do PT. Por um lado, temos um governo que dava de “mãos beijadas” os dividendos para o capital financeiro. Em contrapartida, a partir do momento que ampliam-se programas, projetos, ações e políticas públicas para atender a população menos favorecidas, como vinha ocorrendo, ampliava-se a gestão do Estado. Estávamos, diante, portanto, de uma situação que espelhava um cenário de oposição. Mas isso só foi aceita pelas elites do grande capital porque até então os rendimentos que estavam obtendo nos governos do PT foram, até então, os maiores que já obtiveram historicamente. Dessa forma, a contradição, de certo modo, foi acomodada.
Contudo, esse cenário começa a mudar a partir da crise internacional a partir de 2008. A elite econômica a partira dos seus representantes políticos começou a desmanchar esse cenário, tendo em vista que não coadunava com seus interesses. Era necessário, na visão deste, diminuir o Estado e trazê-los, particularmente para os interesses do grande capital.
Esse cenário chegou ao ápice no governo Dilma e muito do que se viu como crise foi resultado, apontam os estudiosos da área da economia, dos vários erros das ações econômicas do governo. Dito isso, o agravamento econômico levou a uma conturbação e agitação no cenário político, intensificado pelas manifestações de maio e junho de 2013, onde percebeu-se uma forte tensão nas eleições de 2014.
Com já foi dito anteriormente, pós-vitória nas eleições de 2014, o grupo político derrotado realizaram-se todas as ações para inviabilizar a governabilidade pela presidenta eleita. Onde criou-se uma narrativa para a sua deposição e a ascensão de Michel Temer a presidente do país.
Michel Temer assume a presidência do país e traz consigo a agenda neoliberal purificada das ações do Estado aos moldes dos governos do PT no âmbito dos programas sociais, das ações e políticas públicas voltadas para os setores menos desenvolvidos. Estamos, portanto, diante de uma “ponte para o passado”, conforme trabalharam Collor de Melo e Fernando Henrique Cardoso. Para Paulani (2017):
[...] essa ponte, agora em construção pelo golpista Temer com auxílio dos tucanos, não mira apenas os programas sociais e políticas públicas petistas. Ele busca principalmente destruir a Constituição de 1988 e os direitos sociais que ela garante. Sob o pretexto de que “um novo regime fiscal requer um novo regime orçamentário”, o programa de Temer fala claramente em acabar com a obrigatoriedade constitucional dos gastos com educação e saúde, o que significa menos escolas e creches e menos verbas para as universidades públicas e para a valorização dos professores em todos os níveis. Significa também a impossibilidade de terminar a construção do SUS, o fundamental e civilizatório Sistema Único de Saúde no Brasil (p. 74).
Portanto, como podemos extrair desse apanhado analítico é a consumação dos interesses mais profundos do neoliberalismo através do documento “Ponte para o futuro” que nada mais é do que a subtração do Estado e a própria desconstrução de nação, uma vez que o objetivo é a extinção de qualquer direito social e das políticas públicas voltadas para as camadas menos favorecidos. Em contrapartida, acentuam-se as desigualdades e disparidades sociais, onde o Estado passa a olhar apenas para os interesses do grande capital. Dito isso, como afirma, Jacques Ranciére, a elite brasileira possui “ódio à democracia” e isso vai resvalar nas suas ações políticas, por exemplo, ao destituir uma presidente eleita democraticamente, para que o Estado seja mínimo para as demais classes e totalmente devoto aos seus interesses.
BIBLIOGRAFIA[11]
AVRITER, Leonardo. Impasses da democracia no Brasil. Minas Gerais, Civilização Brasileira, 2018.
MIGUEL, Luis Felipe. Democracia e representação: territórios em disputa. São Paulo: Editora Unesp, 2014.
________________. Dominação e resistência: desafios para uma política emancipatória. São Paulo, Boitempo, 2018.
RANCIÉRE, Jacques. O ódio à democracia. São Paulo: Boitempo, 2017.
SINGER, André. Os sentidos do lulismo: reforma gradual e pacto conservador. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.
SOUZA, Jessé. A tolice da inteligência brasileira: ou como o país se deixa manipular pela elite. 2ª ed. Rio de Janeiro: LeYa, 2018.