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Responsabilidade civil pela perda de uma chance de cura ou sobrevivência.

Os parâmetros da quantificação da indenização

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Agenda 06/03/2023 às 17:00

A fixação dos valores indenizatórios se dá por um procedimento racional fundamentado na valoração das chances perdidas.

1. INTRODUÇÃO

O presente artigo tem como propósito analisar a aplicação, nos tribunais brasileiros, da teoria da perda de uma chance, no âmbito da responsabilidade civil dos profissionais da saúde.

Atualmente, a responsabilidade civil ocupa um papel central no direito civil, tendo como função a busca da reparação na tentativa de restaurar um equilíbrio moral e patrimonial. O estudo deste tema é altamente relevante haja vista que a teoria da perda de uma chance, em especial, representa uma ampliação das possibilidades de compensação à vítima.

A presença de direitos fundamentais em torno do objeto deste conteúdo também é um dos fatores pelos quais reverbera a sua importância. O direito à vida, à saúde e a um tratamento médico de qualidade, adequado e transparente, são alguns exemplos. Quando alguém se submete a um procedimento médico, seja ele qual for, está depositando nos profissionais a expectativa de uma conduta idônea e zelo extremo. O paciente, via de regra, não possui conhecimento técnico sobre a sua condição, a não ser as próprias informações recebidas em consulta, podendo, portanto, ser considerado vulnerável. Se ocorre frustração quanto ao resultado, as consequências podem ser drásticas, violando alguns dos bens jurídicos mais essenciais do ordenamento.

O reconhecimento da perda de uma chance de cura, de aumento de tempo e qualidade de vida, ou ainda de qualquer outra vantagem ou prejuízo advindo de erro médico, representa uma evolução relativamente recente na área da responsabilidade civil.

Apesar disso, não há unanimidade doutrinária acerca desta espécie ser ou não um novo tipo de dano, com características próprias. Isso reflete na prática jurídica, tornando dissonantes entre si os diversos julgados sobre a matéria, especificamente no quesito da quantificação do valor indenizável.

Através da análise documental de jurisprudências, procurar-se-á um possível parâmetro dos critérios de concessão nas situações em que houve perda da oportunidade de se alcançar uma vantagem ou de evitar um prejuízo decorrente de um dano causado por profissional da área médica – desde que essa chance seja séria e real.

Desta forma, o problema da pesquisa é responder como se caracterizam os parâmetros utilizados pelos julgadores ao condenar um profissional da área da saúde, que tenha causado a perda de uma chance por erro médico; e no percurso, averiguar a classificação doutrinária e jurisprudencial deste dano.

Para atingir aos objetivos acima descritos, o presente artigo será dividido em três partes, a saber: a primeira, discorrerá acerca do conceito de responsabilidade civil, abordando os seus pressupostos e as espécies de dano. A segunda, explorará os elementos caracterizadores da teoria da perda de uma chance. Por fim, a terceira analisará como se dá a responsabilização dos médicos e, posteriormente, a sua relação com a teoria estudada. Além disso, serão trazidos apontamentos sobre alguns julgados acerca do tema, discorrendo a respeito dos critérios utilizados pelo julgador para a fixação do quantum debeatur.

Vale ressaltar que para o desenvolvimento da pesquisa na elaboração do presente artigo, a opção foi pelo tipo exploratório, utilizando-se o método indutivo, por meio da pesquisa bibliográfica e da coleta de dados em doutrinas, artigos jurídicos, documentos e textos virtuais e jurisprudências.


2. RESPONSABILIDADE CIVIL

Para o alcance dos propósitos almejados, faz-se pertinente adentrar no conceito de responsabilidade civil, bem como nos pressupostos para sua configuração e as espécies de dano admitidas na doutrina, uma vez que este instituto é a modalidade de direito em que reside o problema da pesquisa.

2.1 CONCEITO DE RESPONSABILIDADE CIVIL

A responsabilidade civil nasce sempre que uma obrigação anterior for descumprida. Assim pontua Stoco (2014, p.180):

Toda vez que alguém sofrer um detrimento qualquer, que for ofendido física ou moralmente, que for desrespeitado em seus direitos, que não obtiver tanto quanto foi avençado, certamente lançará mão da responsabilidade civil, para ver-se ressarcido. A responsabilidade civil é, portanto, a retratação de um conflito.

Apesar do conceito parecer simples, esse instituto do direito civil é deveras abrangente, permeando as mais diferentes esferas da sociedade. “Toda atividade que acarreta prejuízo traz em seu bojo, como fato social, o problema da responsabilidade. Destina-se ela a restaurar um equilíbrio moral e patrimonial provocado pelo autor do dano”. (GONÇALVES, 2013, p. 19).

Essa obrigação anterior – que quando descumprida torna-se um conflito – pode ser de dois tipos: de natureza extracontratual ou de natureza contratual. Assim doutrina Farias, Netto e Rosenvald (2014, p. 59):

Do ponto de vista formal, na primeira se incorre quando da inobservância de qualquer dever emanado de uma relação obrigacional, enquanto da segunda a responsabilidade nasce de um dano sofrido por alguém, prescindindo-se de uma preexistente relação entre lesante e lesado, sendo suficiente o descumprimento de um dever que emerge do tráfico social.

A obrigação de natureza extracontratual, ou também chamada Aquiliana, se origina no dever legal que todos possuem de não causar dano a ninguém. “Há uma obrigação genérica, a todos imposta, de não lesar a ninguém – neminem laedere –, cuja inobservância induzirá a responsabilidade civil”. (NERILO, 2016, p. 21, grifo do autor). Este dever é conhecido como a cláusula geral da responsabilidade civil, e está expresso no art. 186, do CC (Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002): “Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. (BRASIL, 2002).

Por sua vez, na esfera contratual, o fundamento jurídico se encontra no art. 927 do CC brasileiro (Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002), que dispõe: “Art. 927. Aquele que, por ato ilícito causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.” (BRASIL, 2002). Esta responsabilidade tem origem no acordo de vontades. Para diferenciá-las, assim explicou Gagliano e Pamplona Filho (2014, p. 42):

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[...] para caracterizar a responsabilidade civil contratual, faz-se mister que a vítima e o autor do dano já tenham se aproximado anteriormente e se vinculado para o cumprimento de uma ou mais prestações, sendo a culpa contratual a violação de um dever de adimplir, que constitui justamente o objeto do negócio jurídico, ao passo que, na culpa aquiliana, viola-se um dever necessariamente negativo, ou seja, a obrigação de não causar dano a ninguém.

A diferença mais básica entre ambas é que, na aquiliana, como o dever de indenizar surge a partir de uma obrigação legal, pode ocorrer um dano entre autor e vítima que nunca se conheceram antes. A consequência disso é que o lesionado possui o ônus de comprovar a culpa. Enquanto na contratual a culpa é, via de regra, presumida, pois anterior ao fato danoso existiu uma relação obrigacional contratual.

2.2 PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL

Há quatro pressupostos na responsabilidade civil: ação ou omissão, nexo de causalidade, dano e culpa. Acerca disso, coexistem duas teorias no nosso ordenamento jurídico.

Na teoria da responsabilidade objetiva, não é preciso provar a culpa. Essa teoria é adotada em algumas situações legais onde a reparação depende apenas da comprovação do dano e do nexo de causalidade entre este e o agente. Um exemplo é o abuso de direito, contido no art. 187, CC (Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002): “também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”. (BRASIL, 2002).

Por outro lado, para configurar a responsabilidade subjetiva, é preciso que estejam presentes os quatro pressupostos. Essa é a teoria que foi adotada como regra pelo Código Civil brasileiro.

Todos os pressupostos da responsabilidade civil têm a devida importância dentro de suas particularidades. Para tanto, é impreterível que cada um seja brevemente comentado.

2.2.1 Ação ou omissão

O primeiro pressuposto é a ação ou omissão, que se caracteriza por ser um fato jurídico que é um ato ilícito. “O fato ilícito nada mais é do que o fato antijurídico, isto é, aquele acontecimento cujos potenciais efeitos jurídicos são contrários ao ordenamento jurídico” (FARIAS; NETO; ROSENVALD, 2014, p. 124).

Se for uma ação que causa o dano, esta deve ser voluntária; já a omissão pode ocorrer quando alguém tem o dever jurídico de agir para evitar o dano, e acaba se omitindo.

2.2.2 Culpa

A culpa, por sua vez, pode se manifestar através de um dolo direto – conhecido como culpa lato sensu – ou então de um dolo eventual – conhecido como culpa stricto sensu. Assim explica Matielo (2001, p. 16):

À primeira espécie denomina-se dolo direto, ação ou omissão consciente direcionada ao alcance de um resultado certo; é querer deliberadamente infringir dever fixado normativamente. À segunda, dolo eventual, assunção consciente do risco de que o evento danoso venha a produzir-se; ainda que ciente disso, o agente toma a possibilidade abstrata da causação do prejuízo como parte integrante da sua ação e prossegue rumo ao que deseja, disso podendo resultar muito proximamente o dano a alguém.

Ainda sobre culpa, cabe ressaltar como ocorre a sua aferição. Doutrina Gonçalves (2013, p. 34 e 35):

É consenso geral de que não se pode prescindir, para a correta conceituação de culpa, dos elementos “previsibilidade” e comportamento do homo medius. Só se pode, com efeito, cogitar de culpa quando o evento é previsível. Se, ao contrário, é imprevisível, não há cogitar de culpa.

[...] O Previsível da culpa se mede pelo grau de atenção exigível do homo medius. A obligatio ad diligentiam é aferida pelo padrão médio de comportamento, um grau de diligência considerado normal, de acordo com a sensibilidade ético-social.

É preciso, portanto, reunir dois requisitos simultâneos: verificar se o resultado danoso era previsível (previsibilidade da consequência), e após, comparar a atitude do agente com um tipo padrão (referência).

2.2.3 Nexo de Causalidade

O terceiro pressuposto da responsabilidade civil é o nexo de causalidade. “O nexo causal estabelece uma ligação ininterrupta entre o dano e o ato ou fato”. (NERILO, 2016, p. 51). Sem essa relação de causalidade não se admite a obrigação de indenizar. O dano só pode gerar responsabilidade quando for possível estabelecer um nexo causal entre ele e seu autor.

Todavia, alguns problemas surgem quando há mais de uma causa para a ocorrência do dano, ou ainda, a existência de múltiplos danos para uma ou mais causas interligadas entre si. Segundo Farias, Netto, e Rosenvald (2014, p. 458):

O fenômeno da concorrência ou concurso de causas, ou da existência de concausas, será assim determinado sempre que mais de uma condição do evento danoso possa ser considerada como elemento que contribui de alguma forma para a geração do dano. A concausa será, portanto, uma condição que concorre para a produção do dano junto com a conduta inicialmente imputada, modificando o curso normal do processo causal iniciado.

As concausas podem ser simultâneas ou sucessivas. A primeira diz respeito a um só dano, ocasionado por mais de uma causa simultaneamente, ou seja, um dano final que pode ser atribuído a vários motivos. Um exemplo ilustrativo é dado por Nerilo (2016, p. 68):

Em um determinado parque de diversões havia um brinquedo com defeito há tempos e, por isso, não deveria ser utilizado. Uma equipe técnica de manutenção foi chamada e fez alguns ajustes, porém, não deixou claro se o brinquedo estava apto, ou não. Neste ínterim, chegou o final de semana e, por falha dos funcionários responsáveis pela atração, a cadeira que apresentava defeito foi ocupada por uma adolescente. A menina caiu de uma altura considerável e faleceu no local.

No caso acima, é possível identificar um único dano: a morte da menina. No entanto, as causas são várias, podendo ser citadas o defeito no produto, a falta de aviso por parte dos funcionários do parque e a ausência de clareza da empresa de manutenção. Como todas estas causas atuaram simultaneamente, são chamadas de concausas simultâneas. “Quando há um só dano, torna-se relativamente fácil resolver o problema das concausas: todos respondem solidariamente”. (NERILO, 2016, p. 69).

Ao contrário, as concausas sucessivas produzem uma cadeia de causas e efeitos, ou seja, causas diferentes, com danos diferentes, para cada fato. A dificuldade está em saber qual delas deve ser escolhida como a responsável pelos danos. Outro exemplo explicativo de acordo com Nerilo (2016, p. 69):

[...] um homem foi esfaqueado no abdômen em uma briga de bar, foi socorrido e levado ao hospital, mas não foi atendido de pronto, devido à superlotação do nosocômio. Seis horas depois, encaminharam-no a outro hospital com UTI, pois já havia perdido muito sangue e corria risco de vida. Porém, no caminho, sofreu acidente dentro da ambulância que o transportava, em razão de um abalroamento desta com outro veículo. Depois destes acontecimentos, esse homem faleceu. Feito os exames periciais, constatou-se que o esfaqueamento, por si só, não teria dado causa à morte da vítima.

Neste caso, houve uma cadeia de acontecimentos que se interligam entre si, e que juntos, um após o outro, contribuíram para consequências que influenciaram no resultado final, ocasionando o falecimento.

Quando o nexo causal passa por uma relação de concausas sucessivas, fica mais difícil averiguar os responsáveis pelo dano. A doutrina e jurisprudência desenvolveram três teorias capazes de esclarecer esse problema.

A teoria da equivalência das condições causais ou teoria da conditio sine qua non, segundo Correia-Lima (2012, p. 30) significa que: “causa será toda condição que haja contribuído para o resultado em sua configuração concreta”. Em outras palavras, não há diferenciação entre causa e condição. Se várias condições ocorreram para o mesmo resultado, todas elas têm a mesma relevância. Por consequência da sua amplitude, esta teoria não é aplicada no direito civil brasileiro.

Já na teoria da causa mais próxima ou dos danos diretos e imediatos, cada um só responde pelo dano direto e imediato da sua ação ou omissão. Para definir as responsabilidades dos agentes, basta que seja considerada qual foi a causa imediata, sem necessidade de remontar acontecimentos anteriores mais distantes. Somente importa a condição que aparece em último lugar na série. “É indenizável todo dano que se filia a uma causa, desde que esta seja necessária, por não existir outra que explique o mesmo dano.” (GONÇALVES, 2013, p. 357).

Parte considerável da doutrina adota a teoria dos danos diretos e imediatos. Defendem que esta foi admitida pelo legislador, e que isso se revela claramente no art. 403, CC (Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002): “Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual”. (BRASIL, 2002).

A terceira e última teoria é a da causalidade adequada. Aqui se procura identificar qual causa é potencialmente apta para produzir o dano. Examina-se então a adequação da causa em função da probabilidade e possibilidade de esta ter determinado o resultado. Dessa forma, quanto maior é a probabilidade com que determinada causa se apresente para gerar o dano, tanto mais ela é adequada com relação a ele. Portanto, quando houver pluralidade de causas, afirma Nerilo (2016, p.72) que “há que se separar qual, ou quais, foram decisivas, importantes, eficientes para a produção do dano final.”

É possível encontrar inúmeras jurisprudências em que esta teoria foi aplicada, podendo-se então afirmar que há uma divisão doutrinária e jurisprudencial acerca do assunto. Esse tema será aprofundado no tópico 4.2, em que se discutirá a relação de causalidade especificadamente na responsabilidade por erro médico.

2.2.4 Dano

Esse pressuposto diz respeito a própria lesão ao bem jurídico – seja ele de natureza patrimonial, moral, estética, etc. – e, pode ser entendido como toda desvantagem ou prejuízo que a vítima sofre. “O dano é o fato jurídico desencadeador de responsabilidade civil. Não há responsabilidade civil sem dano. [...] o dano é o elemento que dispara o mecanismo ressarcitório”. (FARIAS, NETTO E ROSENVALD, 2013, p. 201).

Um dano só poderá ser objeto do pleito de indenização, se for atual e certo. Para que se cumpra o requisito da atualidade basta que o dano exista ao tempo da responsabilização civil. “O dano deve existir no momento em que se aponta a um indigitado para que ele seja condenado a reparar, ou compensar.” (NERILO, 2016, p.87).

A iliquidez do dano não o torna desatualizado. Durante a sentença poderá ser definido o quantum debeatur, que nada mais é do que a apuração das perdas sofridas.

Já o requisito da certeza, significa que é necessário que o dano seja fundamentado em um fato preciso e não em mera hipótese. Conforme aponta Gonçalves (2014, p. 364), isso afasta a possibilidade de reparação do dano meramente hipotético ou eventual, que pode não se concretizar.

No direito civil brasileiro, esse pressuposto também serve para definir a medida da reparação. Sobre o alcance da indenização, doutrina Stoco (2014, p.1665):

[...] indenizar significa reparar o dano causado à vítima, integralmente. Se possível, restaurando o statu quo ante, isto é, devolvendo-a ao estado em que se encontrava antes da ocorrência do ato ilícito. Todavia, como na maioria dos casos se torna impossível tal desiderato, busca-se uma compensação em forma de pagamento de uma indenização de caráter monetário.

Dessa forma, é possível auferir que não há nenhum tipo de responsabilidade civil sem ter ocorrido dano, e ainda, que o valor indenizatório é fixado de acordo com a própria extensão do mesmo.

2.3 ESPÉCIES DE DANO

Tradicionalmente, a doutrina costuma classificar o dano em duas grandes categorias: patrimonial e extrapatrimonial. “Consagrou a Carta Magna o direito da vítima de obter reparação patrimonial, expressa nas perdas e danos, e também imaterial, por ofensa a bens pertencentes ao patrimônio subjetivo, interno e anímico, ligados à personalidade”. (STOCO, 2014, p. 1665).

O dano patrimonial nada mais é do que aquele que atinge o patrimônio do ofendido. “O dano patrimonial traduz lesão aos bens e direitos economicamente apreciáveis do seu titular. Assim ocorre quando sofremos um dano em nossa casa ou em nosso veículo”. (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2014, p. 59).

Para comprová-lo, conforme defende Nerilo (2016, p.90), é preciso demonstrar como era o patrimônio da vítima antes, e como ficou depois do ocorrido. A diferença que caracteriza aquilo que efetivamente se perdeu é chamada de dano emergente ou dano positivo. “É o dano que emerge do fato”. (NERILO, 2016, p.90).

Além disso, como é possível constatar no art. 402 do CC/02, há também o reconhecimento do lucro cessante – também denominado como dano negativo –, que se depreende do trecho “o que razoavelmente deixou de lucrar”.

Por conseguinte, o dano extrapatrimonial está aludido em dois incisos do art. 5º, da Constituição da República Federativa do Brasil (BRASIL, 1988):

V – É assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem.

X – São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.

Na legislação infraconstitucional, o Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 6º, inciso VI (Lei 8078, de 11 de setembro de 1990) – que discorre sobre os direitos básicos do consumidor – também o menciona: “A efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos”.

Conjuntamente, a cláusula geral de responsabilidade civil, contida no art. 186 do CC/02, já referido anteriormente, compreende expressamente o dano exclusivamente moral.

O dano extrapatrimonial abrange tudo aquilo que ofende a vítima como ser humano, não lhe atingindo o patrimônio. É a lesão de bens que integram os direitos da personalidade, tais como honra, dignidade, bom nome, entre outros. São interesses que não estão à venda no mercado e, portanto, não é possível lhes estipular um valor. Daí reside a dificuldade em quantificar indenização por dano que lesiona bens que na realidade não são “quantificáveis”.

A categoria dano extrapatrimonial engloba várias espécies que constituem danos individuais com regras e características específicas. O mais conhecido é o dano moral. Não obstante o dano moral esteja consagrado na lei, seu conceito é copiosamente subjetivo. Assim pontua Farias, Netto e Rosenvald (2014, p. 332):

Ocorre que o dano moral nada tem a ver com a dor, mágoa ou sofrimento da vítima ou de seus familiares. O pesar e consternação daqueles que sofrem um dano extrapatrimonial não passam de sensações subjetivas, ou seja, sentimentos e vivências eminentemente pessoais e intransferíveis, pois cada ser humano recebe os golpes da vida de forma única, conforme o seu temperamento e condicionamentos.

[...] Isto implica aceitar que fatos prosaicos do cotidiano e de pequena importância para alguns de nós, possam representar grandes abalos para outras pessoas.

Na prática, o dano moral tem sido reconhecido jurisprudencialmente com a aferição do interesse afetado, se ele é digno de proteção ou não. Dessa forma, se consagrou algumas situações inclusive em que o dano é presumido, ou seja, cujo reconhecimento prescinde a culpa. Alguns exemplos são: inscrição indevida no cadastro de inadimplentes, atingindo a honra e imagem da vítima; dano moral por morte de filho, indiscutivelmente abalando de maneira grave o emocional dos pais; e publicação não autorizada de imagem de pessoa para fins econômicos ou comerciais, que também afeta a imagem do ofendido.

O dano existencial – que impede a vítima de executar atividades necessárias para uma vida com qualidade – e, o dano estético – que fere a configuração física da pessoa – são outras duas espécies doutrinariamente reconhecidas na classe do dano extrapatrimonial. Há que se falar ainda, no dano pela perda de uma chance, centro da presente pesquisa, que será devidamente examinado no próximo capítulo.

Cabe ressaltar que desde 1992, com a edição da Súmula 37 do Superior Tribunal de Justiça, é possível a cumulação em uma mesma ação, de pedido de reparação material e moral. E, posteriormente, em 2009, o mesmo tribunal inovou esse entendimento publicando a Súmula 387, que diz: “É lícita a cumulação das indenizações de dano estético e dano moral”. Ou seja, modernamente é possível cumularem-se três tipos distintos de dano, em um mesmo processo.

Segundo Tartuce (2017, p. 350), existe uma tendência atual em se reconhecer novos danos, ampliando ainda mais o papel fundamental desse pressuposto da responsabilidade civil. Sobre o assunto, esse autor classifica os danos existentes em duas grandes categorias: danos clássicos ou tradicionais (que inclui os danos materiais e morais) e danos novos ou contemporâneos (que são os danos estéticos, morais coletivos, sociais e danos pela perda de uma chance).

Sobre os autores
Fernanda Trentin

Mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina. Professora no Curso de Direito na UNOESC, Campus de São Miguel do Oeste.

Bruna de Amorim

Bacharel em Direito pela UNOESC São Miguel do Oeste

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TRENTIN, Fernanda; AMORIM, Bruna. Responsabilidade civil pela perda de uma chance de cura ou sobrevivência.: Os parâmetros da quantificação da indenização. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7187, 6 mar. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/75920. Acesso em: 25 nov. 2024.

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