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Vulnerabilidades sucessórias em empresas familiares decorrentes de investimentos offshore

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7. JOINT TENANCY WITH RIGHTS OF SURVIVORSHIP

Não basta apenas alertar os interessados acerca de um possível risco da sucessão quando se tem patrimônio em outros países, sendo necessário expor alternativas para evitar qualquer tipo de empasse aos herdeiros.

Dentre as soluções hábeis para prevenir a necessidade de inventário no exterior a doutrina vem desenvolvendo o joint tenancy with rights of survivorship.25 Trata-se de um instituto, comum em jurisdições que seguem o sistema de common law, como os Estados Unidos, Inglaterra, as Ilhas Virgens Britânicas, entre outros.

Se aplicado a empresas offshore, as ações da pessoa jurídica serão de propriedade de mais de um sócio, sendo que cada um é tratado como proprietário de 100% delas. Diante deste fato, na medida que cada sócio falece, a propriedade vai se materializando nas pessoas dos sócios sobreviventes sem necessidade de abertura de inventário no país da empresa offshore.26

Se a família ou pessoa física optar pela utilização da joint tenancy with rights of survivorship, uma análise prévia e cuidadosa das peculiaridades de cada família, e de eventuais restrições impostas pelo direito brasileiro deve ser feita, para evitar qualquer tipo de princípios opostos do direito internacional privado, e é de suma importância que todo planejamento tenha o cuidado para evitar a violação dos direitos de terceiros.27

Pode ocorrer a insuficiência de parcela disponível no patrimônio de um patriarca (ou matriarca) para colocar herdeiros que não sejam necessários como um joint tenant. O recolhimento do imposto estadual de doação e/ou herança também deve ser analisado em cada caso, para que a alternativa não torne desvantajosa ou onerosamente excessiva.

Cumpre destacar que esta alternativa frequentemente é escolhida por ser uma solução economicamente menos onerosa do que outras alternativas mais sofisticadas e complexas como, por exemplo, as estruturas fiduciárias de trusts e fundações privadas no exterior.28

Ainda, o tenant estaria ciente do momento em que esse fato se operaria, bem como a operacionalização de fato. Ou seja, a previsibilidade na utilização dessa vertente é tão grande, que acaba trazendo vantagens para a continuidade dos trabalhos da sociedade controlada por uma holding offshore.

Além da parte financeira da sucessão, a previsibilidade traz ainda outros benefícios em relação ao controle da sociedade. Quando um planejamento sucessório é estudado, o empresário pode decidir para quem deseja deixar o controle da sociedade. Apesar de óbvio, é importante destacar que nem sempre o herdeiro que controlará as atividades societárias e o dia a dia da empresa.


8. CONCLUSÃO

Analisando a natureza jurídica das sociedades denominadas holdings, foi possível expor pontos de atenção para que a sua utilização seja feita de forma correta, visando a melhor arquitetura jurídica na proteção do patrimônio pessoal ou social.

A importância de explorar esse tema é justamente o fato do Brasil ser um dos países que mais possui empresas familiares do mundo, sendo que 90% dessas empresas não passam da segunda geração, conforme mencionado no decorrer desta análise.

Por isso, tornou-se tão importante a discussão acerca do planejamento sucessório. A blindagem do patrimônio pessoal ou social não é efetiva se não for planejada de forma estratégica, principalmente quando falamos em holdings offshore.

Como vimos acima, apesar de todos os benefícios existentes na constituição de holdings em paraísos fiscais ou países com tributação favorecida, sua estrutura deve ser muito bem pensada para não virar um elefante branco no momento da sucessão.

As questões jurídicas que sondam o momento da sucessão devem ser muito claras e entendidas desde o início, quando se opta pela utilização de uma possibilidade ou outra, quando se tem patrimônio no exterior.

Nesse viés, cumpre destacar que a forma mais adequada de transmitir os bens e patrimônios oriundos das holdings offshore, sem que exista qualquer tipo de barreia jurídica ou social, seja um inventário, seja uma discussão acerca de um testamento, seja o simples fato de ser uma demanda tratada no exterior, economicamente onerosa, seria optando pela corrente que defende a intuição da doutrina da joint tenancy with rights of survivorship.

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Apesar de muito recente, o tema deve ser melhor estudado, bem como a possibilidade de aplicação e aceitação de uma corrente de commom law no Brasil, um país 100% civilista. Todavia, diversos princípios do direito internacional privado se aplicam no momento da resolução de qualquer sucessão internacional.


Notas

1 WERNER, René, KIGNEL, Luiz. E Deus criou a empresa familiar. Editora: Xis Livros. Alagoas, 2015, p. 26.

2 DANGUI, Alexandre. Holding Company, Planejamento Sucessório, Tributário e Patrimonial. Disponível em: https://www.adlogados.com/artigos/visualizar/holding-company-planejamento-sucessorio-tributario-e-patrimonial.

3 Opcit, 2015, p. 28.

4 WERNER, René, KIGNEL, Luiz. E Deus criou a empresa familiar. Editora: Xis Livros. Alagoas, 2015.

5 MAMEDE, Gladson; MAMEDE, Eduarda Cotta. Holding familiar e suas vantagens. 6ª Ed. São Paulo: Atlas, 2014.pp. 30-34.

6 COELHO, Fábio Ulhôa; FÉRES, Marcelo Andrade. Empresa Familiar – Estudos Jurídicos. Editora: Saraiva. São Paulo, 2014.

7 PANSANI, Gustavo Marsola; GUENA, Rodrigo Soncini de Oliveira. Planejamento sucessório e a utilização de holding familiar no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5677, 16 jan. 2019. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/66027/planejamento-sucessorio-e-a-utilizacao-de-holding-familiar-no-brasil>. Acesso em: 22 mar. 2019.

8 O termo compliance tem origem no verbo em inglês to comply, que significa agir de acordo com uma regra, uma instrução interna, um comando ou um pedido, ou seja, estar em “compliance” é estar em conformidade com leis e regulamentos externos e internos.

9 As novas notas explicam que: 1) “A desobrigação de comprovar documentalmente a origem lícita dos recursos se refere ao momento de transmissão da Dercat, assim como ocorre na demais declarações prestadas à RFB” – ou seja, no momento da adesão ao programa, em novembro de 2016 –; 2) “A subsunção da hipótese legal de ingresso e permanência no RERCT [Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária] poderá ser objeto de procedimento de ofício específico para tal fim”; e 3) “A RFB, mediante intimação, concederá prazo razoável para que o optante ao RERCT apresente a comprovação sobre a origem lícita dos recursos regularizados.

10 SOARES DA SILVA, David Roberto R., DE PRADO VASCONCELLOS, Roberto. Planejamento Patrimonial: Família, Sucessão e Impostos. Editora: B18, São Paulo, 2018. pp. 20-22.

11 Ibid., p. 26.

12 SOARES DA SILVA, David Roberto R., DE PRADO VASCONCELLOS, Roberto. Planejamento Patrimonial: Família, Sucessão e Impostos. Editora: B18, São Paulo, 2018. p. 23.

13 COMPARATO, Fábio Konder; SALOMÃO FILHO, Calixto. O poder de controle na sociedade anônima. 5. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008.

14 COELHO, Fábio Ulhôa. Curso de direito comercial. Ed. — São Paulo: Saraiva, volume 2: direito de empresa. 2013, p. 17.

15 Ibid., p. 16.

16 MONEDA, Willian. Empresas offshore: legitimidade e vantagens. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 19, n. 4180, 11 dez. 2014. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/31340/legitimidade-e-vantagens-das-empresas-offshore>. Acesso em: 15 out. 2015

17 https://exame.abril.com.br/NEGOCIOS/OS-MOTIVOS-PORQUE-TANTAS-EMPRESAS-FAMILIARES-FRACASSAM/

18 PRADO, Fred John S. A holding como modalidade de planejamento patrimonial da pessoa física no Brasil. Jus Navigandi. 2011. Disponível em <https://jus.com.br/artigos/18605/a-holding-como-modalidade-de-planejamento-patrimonial-da-pessoa-fisica-no-brasil>. p. 87.

19https://www.adlogados.com/artigos/visualizar/holding-company-planejamento-sucessorio-tributario-e-patrimonial.

20 RICCA, Domingues. Sucessão na empresa familiar. Editora: CLA. São Paulo, 2017. pp. 16 – 18.

21 COSTALUNGA, Karime; KIRSCHBAUM, Deborah.; PRADO, Roberta Nioac. Sucessão Familiar e Planejamento Societário I. 1ed.São Paulo: Editora Saraiva, 2009, pp. 217-235.

22 FORGIONI, Paula A. Teoria geral dos contratos empresariais. 2ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. Pp 45-52.

23 CLETO, Nivaldo. Principais Motivos para abrir uma Holding Familiar. Artigo publicado no site https://www.nivaldocleto.cnt.br/sitefiles/artig13/2013_01.html.

24 Supremo Tribunal Federal, HC 59.977, Ministro Oscar Corrêa, RTJ 102/619.

25 O termo joint tenancy with rights of survivorship pode ser comparado a uma locação conjunta ou com direito de sobrevivência, ou seja, é um tipo de propriedade concorrente na qual coproprietários têm o direito de sobrevivência, o que significa que se um proprietário falecer, o interesse do proprietário na propriedade passará para o proprietário sobrevivente.

26 MAMEDE, Gladson; MAMEDE, Eduarda Cotta. Holding familiar e suas vantagens. 6ª Ed. São Paulo: Atlas, 2014.pp. 30-34.

27SICKLER, Sandra. Use Joint Tenancy Only with Extreme Caution. Marquette Elder's Advisor: Vol. 1: Iss. 2, Article 8.

28 RANDOLPH, Mary. Avoiding Probate with Joint Tenancy. 2018, p. 03.

Sobre os autores
Lívia Marina Siqueira de Moraes Stival

Advogada do escritório Andersen Ballão Advocacia. Especialista em Direito Internacional Privado pela Academia de Direito Internacional da Haia, e Université Catholic de Louvain. Former Conselheira Jurídica Adjunta da Corte Permanente de Arbitragem da Haia (CPA). Membro da Comissão de Arbitragem da OAB/PR.

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