Resumo: Os games de educação para a sustentabilidade representam verdadeira manifestação de busca do atingimento dos princípios e objetivos da Política Nacional de Educação Ambiental. Esses jogos possibilitam a crianças e jovens a assimilação de valores ambientais. Nesses termos, a educação ambiental, um tema inerente ao Direito Ambiental, tem relação direta com as abordagens de Game Studies e com a Lei 9795/99, sendo o contexto escolar um ambiente propício para o desenvolvimento das finalidades do legislador brasileiro no que tange à assimilação dos valores ecológicos.
Palavras-chave: game studies; sustentabilidade; direito ambiental; educação ambiental.
1 INTRODUÇÃO
Inicie-se este texto mencionando que a ideia ecológica e sua relação com os jogos eletrônicos foi abordada no jornal francês “Le Monde”. Em abril de 2019, foi veiculada matéria jornalística no referido periódico da internet, intitulada “Les jeux vidéo peuvent-il sensibiliser à la cause écologique?”, de autoria dos jornalistas William Audureau e Corentin Lamy. A análise realizada no texto versa sobre a capacidade de tais mídias tratarem acerca de temas relevantes do cotidiano, tais como o meio ambiente, seja de forma profunda, seja de forma superficial.
“Os videogames podem sensibilizar quanto à causa ecológica?”, perguntam-se os autores no referido título do artigo. Da inocente proteção dos animais em Sonic the Hedgehog – jogo de 1991 do console Mega Drive – à tutela do fundo dos oceanos em Ecco the Dolphin – lançado um ano depois para a mesma plataforma –, da temática dos reatores nucleares em Final Fantasy VII – game que causou imensa repercussão no ano de 1997 no console Playstation – à concepção dos green games: os jogos eletrônicos cumprem função de entretenimento, mas também se valem de narrativas informativas e críticas. Eles trazem mensagens ideológicas, às vezes de forma ingênua, estranha ou até mesmo cínica (AUDUREAU; LAMY, 2019).
Rocha (2017) explicita no artigo intitulado “Jogos eletrônicos, direito do consumidor e princípio da fraternidade”, que uma das problemáticas que envolvem os videogames – no que diz respeito ao tema ambiental – é a questão da logística reversa do lixo eletrônico. Esse tema traz à tona o perigo no que diz respeito aos metais pesados presentes nos componentes internos desses aparelhos. A Lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos – Lei 12.305/10 – dispõe que a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos compõe o conjunto de atribuições individualizadas e encadeadas dos fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes, dos consumidores e dos titulares dos serviços públicos de limpeza urbana e de manejo dos resíduos sólidos, para minimizar o volume de resíduos e rejeitos gerados, bem como para reduzir os impactos causados à saúde humana e à qualidade ambiental decorrentes do ciclo de vida desses produtos (art. 3º, XVII). Ainda: no art. 6º, I, define como princípios dessa política sólidos a prevenção e a precaução.
É possível afirmar que a concepção acerca dos chamados green games está bastante conectada a essa perspectiva de prevenção e precaução, pois esses jogos são tanto aqueles capazes de estimular o pensamento ético para com a sustentabilidade ambiental – isso no plano do conteúdo do jogo –, como também se pode falar numa nova forma de consumir os produtos, que é a aquisição digital no lugar da compra de cartuchos ou mídias físicas, produzindo-se menos resíduos sólidos.
Prevenir e precaver o descarte do lixo eletrônico na natureza são atitudes fundamentais numa sociedade de risco em que os dejetos químicos podem ocasionar doenças como o câncer. Os autores Chang e Parham (2017, p. 2) abordam a questão do consumo da energia e da poluição por elementos químicos gerados pela utilização de computadores e jogos informáticos:
In relation first to matter, concerns have long been expressed about the difficulties of recycling the numerous, varied minerals and metals from which computers are manufactured and about the toxic chemicals – mercury and lead in circuit boards; cadmium in batteries, ink, cables and screens – that can contaminate groundwater, pollute air, or, in the case of cadmium, precipitate kidney, bone, or lung disease (see Mazurek 53-63; ewasteguide.info). Such concerns have been exacerbated by instances of social-environmental justice relating to the ‘offshoring’ of e-waste and the recycling of toxic matter in developing countries, with perilous human and environmental consequences (Rust 92-5; Maxwell and Miller ch.4; Urry). Correspondingly, in terms of energy use, carbon emissions, and, ultimately, climate change, Cubitt notes that, while cloud computing has been lauded as a greener alternative to ‘ecologically destructive’ hardware, the relentless move to media rich, interactive, and unendingly networked content that it helps serve is giving rise to demands which can only be met by vast and numerous server farms which are exponentially increasing energy use. For example, Cubitt reports that Blizzard, the company behind the globally popular massively multiplayer online role-playing game (MMORPG) World of Warcraft is estimated to have around five hundred servers in the US and beyond supporting its 7.7 million subscribers.
A inquietação sobre os problemas ecológicos se acentua na medida em que, ao longo dos séculos XX e XXI, a humanidade assiste às mazelas do dano ambiental. Em sua obra “La sociedad del riesgo: hacia una nueva modernidad”, Beck (1998) afirma que, na modernidade reflexiva, a produção social de riqueza vem necessariamente acompanhada da produção de novos riscos. Se num primeiro momento, na época da industrialização, os danos advinham somente das máquinas, agora, com as novas tecnologias, podem vir das nanopartículas, dos medicamentos, dos agrotóxicos, da energia nuclear, da poluição, etc. A sociedade de risco apresenta uma nova aflição, que atinge as searas ética, jurídica e pedagógica.
A crise ambiental pode ser entendida como a dissociação ou distanciamento do ser humano para com o meio natural, o que faz com que haja uma utilização predatória e antropocêntrica do meio ambiente. Isso gera poluição, aquecimento global, escassez de água, doenças, aumento de catástrofes ambientais, alterações climáticas, tempestades, erosão e descarte inadequado do lixo.
Diante do quadro de degradação do meio ambiente, é necessário que haja o planejamento ambiental, ou seja, a adoção de metas ou ações teleologicamente voltadas ao tema das soluções efetivas e da prevenção de danos. Assim é que são adotadas medidas como a gestão ambiental pelos governos e empresas; as políticas públicas de educação para a sustentabilidade; e a adequada destinação dos resíduos sólidos.
O planejamento ambiental consiste numa forma de se atingir o desenvolvimento sustentável com a minimização de impactos ambientais, conforme explicitam Rodrigo Cornacini Ferreira e Juliana Vamerlati Santos:
Na década de 1980, contrário a uma visão histórica muitas vezes positivista e progressista, atreladas a um desenvolvimento econômico desenfreado como se as fontes de recursos naturais fossem inesgotáveis, cresce a ideia de um planejamento racionalizando as ações antrópicas dentro das limitações de cada ecossistema. A este tipo de planejamento nomeou-se como planejamento ambiental, que pode ser entendido como todo planejamento que prioriza valorizar e conservar a biodiversidade, beneficiando de forma sustentável a vida de uma determinada biosfera. O objetivo principal do planejamento ambiental é atingir o desenvolvimento sustentável, minimizando os impactos ambientais, preservando e conservando a flora e a fauna. Um planejamento ambiental deve sempre buscar o equilíbrio entre o desenvolvimento econômico e limitações ligadas ao ecossistema, prevendo até mesmo possíveis desequilíbrios ecológicos, crises energéticas e alimentares de um território (FERREIRA; SANTOS, 2011, p. 15).
E a solução, ou pelo menos uma proposta de solução, para fins de conscientização ambiental, é que dentro da ideia de planejamento deva ser colocado o objetivo primordial de assimilação de valores ambientais pela sociedade, sem os quais cada célula, cada indivíduo em si continuará a contribuir com a degradação.
A educação para a sustentabilidade ingressa como método ou política capaz de mover cada um no rumo de uma visão holística, numa concepção fraterna, integrando todos a uma noção de comunidade, atentos ao fato de que o meio ambiente é bem comum, nos termos da própria Constituição Federal.
O objetivo geral do presente artigo é formular uma hipótese segundo a qual a disseminação da educação ambiental tem a capacidade de promover valores ambientais que devem ser construídos nos âmbitos estatal e privado. A economia criativa, dentro de sua proposta de desenvolvimento de “serious games” ou jogos sérios, contribui para o planejamento ambiental.
Objetiva-se demonstrar que as desenvolvedoras de “serious games”, em termos de ações, projetos e design de produtos, promovem a educação para a sustentabilidade. A partir do momento em que tais jogos são aplicados em contextos escolares, consegue-se ganhar um nível de eficácia ainda maior, que atende às finalidades da Lei 9795/99, no que tange aos princípios básicos e objetivos fundamentais da educação ambiental.
Trabalha-se o tema dos Game Studies enquanto campo de estudo de narrativas, design e repercussão social, mencionando exemplos de jogos que auxiliam na educação ambiental. É dizer: pretende-se demonstrar a relação entre a cibercultura para com a finalidade ecológica. Vai-se demonstrar o que são os valores ambientais, peças fundamentais na construção da sociedade fraterna comprometida com o planeta.
2 O PARADIGMA DA COMPLEXIDADE E A RACIONALIDADE AMBIENTAL NO CONTEXTO DOS GAME STUDIES
A complexidade ambiental comporta abordagens jurídicas, filosóficas e de ordem educacional. Cembranel (2015, p. 149-150) afirma que os estudos de Enrique Leff e Edgar Morin culminam numa “teoria da complexidade e racionalidade ambiental”. Na opinião da autora:
Existe uma relação próxima entre os conceitos de racionalidade ambiental cunhado por Enrique Leff e o conceito de complexidade cunhado por Edgar Morin. Ambos salientam que o todo é muito mais do que uma mera soma de partes e que todos os aspectos devem ser observados, jamais de forma distinta, mas como parte de um todo. A racionalidade prevê o entendimento do meio ambiente como um conjunto de ciências e campos disciplinares do saber, sistemas de valores e crenças evidenciando o ambiente como algo influenciável pelos diversos conhecimentos existentes. De modo semelhante, a complexidade busca valorizar o todo como algo baseado na educação e na visão desse conjunto, considerando sua complementaridade e indivisibilidade.
Enrique Leff, sociólogo ambientalista nascido no México, escreve obras a respeito da racionalidade ambiental. Trabalha tanto a questão da epistemologia – que é o conhecimento e sua metodologia –, como a racionalidade ambiental – que integra o contraponto à racionalidade do ponto de vista da economia.
Já Edgar Morin é um antropólogo e filósofo que aborda a teoria da complexidade em sua obra. O que é essa teoria? Trata-se de uma visão interdisciplinar que pode ser aplicada desde a área das ciências exatas e biológicas até a área de humanas. Esse pensamento, na ideia de Morin, tem por objetivo evitar estudos reducionistas e compartimentalizados.
O estudo das obras desses autores possibilita a observação de que o paradigma antropocêntrico necessita ser superado. Tal premissa, inserindo-se a uma ideia biocêntrica no seio do entendimento coletivo, sobretudo por meio da pedagogia/andragogia, pode ser a resposta para o futuro.
Assim é que se torna possível dar foco à seara pedagógica e à ideia de construção de uma ética para a sustentabilidade. Dentro da perspectiva do que indicam os princípios básicos e os objetivos fundamentais da educação ambienta previstos em lei, observa-se que somente o comportamento ético, capaz de levar o cidadão ao exercício político de uma crítica e de um posicionamento racional perante a atuação de governos, empresas e de toda a sociedade é que será útil e eficaz no desenvolvimento da tão almejada sustentabilidade para a presente e para as futuras gerações. O filósofo alemão Hans Jonas defende uma ética baseada no princípio da responsabilidade.
Barbosa (2017, p. 167) sustenta a “reformulação do imperativo categórico kantiano pelo imperativo jonasiano”. Nas palavras do autor:
[...] Daí se fazer necessário uma nova postura diante dos problemas modernos, uma nova proposta ética para a civilização tecnológica, que Jonas leva a cabo partindo do princípio da responsabilidade. Diante da eminente catástrofe do mundo natural e da própria humanidade, produzida pelo poder do ideal baconiano, faz-se ‘necessário agora, a menos que seja a própria catástrofe que nos imponha um limite, um poder sobre o poder – a superação da impotência em relação à compulsão do poder que se nutre de si mesmo na medida de seu exercício’ [...]. Trata-se de uma praticidade que equilibre os exageros e excessos do poder destrutivo humano. Se a ética tradicional e os sistemas de vida moderno se centraram no hoje e agora da vida, a proposta jonasiana leva em consideração a existência da geração futura como imperativo ético [...] (BARBOSA, 2017, p. 167).
Essa construção de uma educação para a sustentabilidade também se faz presente em termos de normas jurídicas. Primeiramente, veja-se o que diz a Lei 9795/99:
Art. 1º Entendem-se por educação ambiental os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade.
Art. 2º A educação ambiental é um componente essencial e permanente da educação nacional, devendo estar presente, de forma articulada, em todos os níveis e modalidades do processo educativo, em caráter formal e não-formal (BRASIL, 1999).
O Item 19 da Declaração de Estocolmo sobre o Meio Ambiente Humano e o art. 225, §1º, VI da Constituição de 1988 definem a educação ambiental como um verdadeiro princípio. E antes mesmo que houvesse uma lei definindo uma Política Nacional de Educação Ambiental, a própria Lei da Política Nacional de Meio Ambiente – Lei 6938/81 – já definia a educação ambiental em todos os níveis de ensino como um princípio.
Veja-se o que dispõe o art. 3º da Lei 9795/99, disciplinando os deveres de cada setor da sociedade no sentido de implementação da Política Nacional de Educação Ambiental:
Art. 3º Como parte do processo educativo mais amplo, todos têm direito à educação ambiental, incumbindo:
I - ao Poder Público, nos termos dos arts. 205 e 225 da Constituição Federal, definir políticas públicas que incorporem a dimensão ambiental, promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e o engajamento da sociedade na conservação, recuperação e melhoria do meio ambiente;
II - às instituições educativas, promover a educação ambiental de maneira integrada aos programas educacionais que desenvolvem;
III - aos órgãos integrantes do Sistema Nacional de Meio Ambiente - Sisnama, promover ações de educação ambiental integradas aos programas de conservação, recuperação e melhoria do meio ambiente;
IV - aos meios de comunicação de massa, colaborar de maneira ativa e permanente na disseminação de informações e práticas educativas sobre meio ambiente e incorporar a dimensão ambiental em sua programação;
V - às empresas, entidades de classe, instituições públicas e privadas, promover programas destinados à capacitação dos trabalhadores, visando à melhoria e ao controle efetivo sobre o ambiente de trabalho, bem como sobre as repercussões do processo produtivo no meio ambiente;
VI - à sociedade como um todo, manter atenção permanente à formação de valores, atitudes e habilidades que propiciem a atuação individual e coletiva voltada para a prevenção, a identificação e a solução de problemas ambientais (BRASIL, 1999).
Durante a Conferência Rio 92, foi celebrado o Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global. Nos Parâmetros Curriculares Nacionais, a educação ambiental é considerada um tema transversal. Deve ser abordada dentro de pautas econômicas, políticas e ecológicas em todas as disciplinas (CARVALHO; CARVALHO JUNIOR; GAMA, 2012, p. 526).
Assim, diante de tamanha responsabilidade da sociedade para com a educação ambiental, passaram a ser desenvolvidos, dentro da iniciativa privada, naquilo que ficou conhecido por economia ou indústria criativa, jogos eletrônicos – que podem ser considerados como exemplos de Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) – com a finalidade específica de promover a educação ambiental.
Quinaud e Vanzin (2018, p. 75) assim se referem quanto à economia ou indústria criativa:
A economia criativa desponta como um conjunto de atividades econômicas ligadas às artes, à cultura, às novas mídias e à criatividade em geral, tem forte conteúdo de intangíveis e requer habilidades especiais da força trabalho, além de apresentar estreita relação com os avanços científicos e tecnológicos. De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU) as atividades econômicas criativas encontram-se no cruzamento das artes, da cultura, dos negócios e da tecnologia, compreendendo o ciclo de criação, produção e distribuição de bens e serviços que utilizam o conhecimento e a criatividade como seus principais inputs (United Nations Conference on Trade and Development [UNCTAD], 2010). John Howkins (2005) concluiu que uma economia criativa seria a relação entre criatividade, o simbólico e a economia. Independente da definição das indústrias, o conjunto das atividades econômicas que dependem do conteúdo simbólico, como, por exemplo, do conhecimento e da criatividade, geram um tipo de economia.
Juliano Maurício de Carvalho e Pedro Santoro Zambon fazem a seguintes considerações sobre a relação entre jogos eletrônicos e indústria criativa:
Segundo esta definição, a atividade de jogar seria uma atividade de entretenimento diretamente ligada à ludicidade, mas com definições claras e delimitadas, tanto pelo tempo e espaço, quanto por regras previamente estabelecidas. Ao entrar em convergência com o suporte tecnológico eletrônico a partir dos anos 1960, ampliaram-se as possibilidades dentro do ato de jogar, criando uma nova mídia e permitindo maior imersão e interatividade. Deste modo concebe-se o game não apenas como um tipo genérico de jogo que se processa e opera por meio de um computador, mas também como uma linguagem, que, como tal, possui suas particularidades. ‘O videogame é um expressivo e complexo fenômeno cultural, estético e de linguagem, que foi capaz de desenvolver, ao longo de seu curto período de existência, toda uma retórica própria’ (CARVALHO; ZAMBON, 2013, p. 59).
Perceba-se, então, que a iniciativa deste artigo visa fazer uma associação entre a temática do meio ambiente e os Game Studies, um campo de estudos culturais que se desenvolveu internacionalmente a partir dos trabalhos de Espen Aarseth. Os Game Studies abordam as mais diversas formas de utilização dos jogos eletrônicos enquanto cultura e suas expressões semióticas, etnográficas, educacionais e antropológicas. É, portanto, um campo de estudo interdisciplinar, nos moldes propostos por Edgar Morin. Fragoso (2017, p. 20) levanta a questão dos desafios da pesquisa em games no Brasil e fala sobre a interdisciplinaridade referida:
[...] Essa divisão em ‘áreas subdisciplinares’ parece ser a base dos 3 eixos que caracterizam atualmente a pesquisa sobre games, identificados na literatura em língua inglesa como game programming (programação de games), game design (design de games) e game studies (estudos de games). O primeiro, game programming, trata da programação e aspectos técnicos em geral, no nível do software e do hardware. O segundo, game design, volta-se para questões relativas à criação: métodos e técnicas de projeto, desenvolvimento e validação de mecânicas, de dinâmicas, dos mundos de jogo e seus elementos. O terceiro, game studies, considera, por um lado, a inserção e influência dos games no cenário sociocultural, político e econômico e, por outro, aspectos internos do próprio game (características do mundo do jogo, de seus personagens, de sua narrativa, etc.), bem como de seu contexto imediato (experiência de jogo, gameplay, etc.). Os 3 são multidisciplinares, embora seja possível identificar uma área de conhecimento predominante em cada um: computação em game programming, Design em game design e Comunicação em game studies.
Bez et al (2015) mencionam que os jogos eletrônicos podem se caracterizar até mesmo como uma experiência hermenêutica. Assim, os alunos em sala de aula internalizam valores e a própria sensibilidade ecológica. Os autores tomam como exemplo prático o jogo “Sustain”, e afirmam que o direito ambiental pode ser ensinado de uma forma muito mais lúdica, em detrimento de paradigmas repetitivos e já enfadados. A educação jurídica precisa ser reconstruída tanto por alunos quanto por professores em sala de aula.
Outros exemplos de jogos que propõem a educação ambiental e que são referidos na literatura científica seriam o "Jogo do Meio Ambiente", que aborda as temáticas do lixo, da reciclagem, da poluição e das zonas urbana e rural (MEDEIROS; MIRANDA, 2011); assim como "Sim City", "Rollercoaster Tycoon" e "Civilization", que possibilitam a inserção do aluno nas noções de planejamento urbano (SQUIRE, 2006).
O diálogo entre os Game Studies e a educação ambiental tem uma perspectiva interdisciplinar que se adequa à ao pensamento de Morin (2003), o qual menciona que, ao mesmo tempo em que existe uma inadequação na maneira fragmentada ou isolada de se desenvolverem os saberes – questão metodológica –, há também o incremento dos problemas que demandam soluções globais, multidimensionais ou multidisciplinares – questão fática.
Morin (2003) entende que o progresso de uma ciência muitas vezes se dá não em função da sofisticação, mas simplesmente pela capacidade do estudioso de contextualizar o conhecimento. Aduz, ainda, que a proliferação de estudos ad hoc gera a própria regressão e enfraquecimento da democracia. Os doutores compartimentalizam suas análises, fecham o saber. Ao mesmo tempo, o cidadão comum fica alijado do avanço e das benesses que essa sabedoria poderia trazer à própria humanidade.
A colocação de Edgar Morin cabe como uma luva à presente proposta de argumento: visa-se demonstrar que a problemática existente sobre Meio Ambiente e Game Studies envolve a questão de como a educação ambiental tem capacidade de ganhar eficácia para fins de atendimento às finalidades da legislação brasileira. O objetivo do legislador é estabelecer a conscientização ambiental como um projeto educativo multinível – em caráter formal e não formal e em todos os níveis de ensino – que se coadune com o modelo previsto na Lei 6938/81 e Lei 9795/99 (BRASIL, 1981, 1999). As mencionadas TICs são apenas um pequeno exemplo de um compromisso bem maior estabelecido pelo Estado e pelos particulares.
Pergunta-se, então: pode-se considerar isso uma forma de planejamento ambiental? Em que medida tais jogos podem contribuir para a conscientização ambiental? Como esses games colaboram para o desenvolvimento político de uma ética ambiental e como é possível falar numa educação para os direitos humanos por meio desses projetos escolares?
Na era dos novos direitos e novos sujeitos é preciso falar em resgate e manutenção dos valores ambientais. São esses valores, a serem transmitidos pela educação ambiental, que serão capazes de promover a sustentabilidade.
3 DOS VALORES AMBIENTAIS
São exemplos de valores ambientais, conforme mencionam Bissaco e Bonotto (2017): a vida; a diversidade cultural; a diversidade de formas de conhecimento; a sociedade sustentável; o princípio participativo; a solidariedade; a responsabilidade; e a cooperação. Também pode ser mencionada a fraternidade como um valor.
O art. 4º da Lei 9795/99 traduz esses valores:
Art. 4º São princípios básicos da educação ambiental:
I - o enfoque humanista, holístico, democrático e participativo;
II - a concepção do meio ambiente em sua totalidade, considerando a interdependência entre o meio natural, o sócio-econômico e o cultural, sob o enfoque da sustentabilidade;
III - o pluralismo de idéias e concepções pedagógicas, na perspectiva da inter, multi e transdisciplinaridade;
IV - a vinculação entre a ética, a educação, o trabalho e as práticas sociais;
V - a garantia de continuidade e permanência do processo educativo;
VI - a permanente avaliação crítica do processo educativo;
VII - a abordagem articulada das questões ambientais locais, regionais, nacionais e globais;
VIII - o reconhecimento e o respeito à pluralidade e à diversidade individual e cultural (BRASIL, 1999).
Em tempos de cibercultura, de cibersociedade e de hibribização midiática, os jogos eletrônicos demonstram ser aquelas mídias que, no âmbito escolar, colaboram para o aperfeiçoamento das linguagens, do ensino de geografia, biologia, dentre diversas outras disciplinas.
A educação ambiental é, justamente por meio dessas novas formas de expressão, de associações entre game e internet, entre comunidades online e entre usuário e máquina-narrativa, uma forma de negócio para as empresas que concebem o software, mas também se constitui numa maneira de conscientização de um determinado público – as crianças e os adolescentes. Esses softwares são empregados tanto em escolas públicas como privadas, como relata a literatura científica nacional e estrangeira.
O aluno aprende com base numa experiência baseada no design do jogo, através de erros, desafios e premiações, construindo-se uma identidade por meio da busca da solução de problemas propostos nos games (SQUIRE, 2006). Há uma verdadeira internalização da sensibilidade ecológica. Assim, adquirirá o estudante uma visão humanística, holística e democrática acerca da proteção do meio ambiente.
E dentro daquilo que é mencionado pelo autor Isaías Mendes Barbosa, acerca de princípios éticos:
A ética jonasiana baseada no princípio da responsabilidade intenta refletir sobre a realidade moderna para propor caminhos de resolução aos problemas criados pelo ser humano. Se antes a ética estava centralizada nas relações humanitárias em nível antropológico, cultural, ético e político, no mundo tecnicista, transformador da natureza e do próprio ser humano, a ética jonasiana tem o desafio de responder a uma sociedade onde o avanço técnico-científico se torna o paradigma influente e imperativo de civilidade. Junto a ele devem se integrar as bases fundamentais da vida humana, a saber, a realidade planetária. Pois este se tornou objeto de consumo-descartável. A ética é uma proposta de vida que resgata princípios fundamentais da manutenção e continuação da sociedade humana. Por isso que o futuro, as gerações, a existência, a política, a tecnologia e o meio ambiente fazem parte essencial de sua reflexão. Num mundo em constante transformação, faz-se necessário uma base de fundamentação. E o princípio que maior corresponde com um envolvimento integral e participativo é o da responsabilidade” (BARBOSA, 2017, p. 168).
A construção de um paradigma ético e de uma ordem de valores para com a sustentabilidade encontra fundamento até mesmo na defesa do meio ambiente na Carta de 1988. Os direitos fundamentais são normas-princípios. A defesa do meio ambiente na Constituição é um princípio. Nem por isso deixa de ter aplicabilidade imediata, vez que o art. 5º, §1º da Carta Maior institui o princípio da máxima efetividade das normas constitucionais, que visa a dar maior densidade aos textos principiológicos.
Considerar essa premissa é dar ao cidadão a capacidade de encontrar, na própria Constituição, uma rede axiológica de fundamentos e de valores para a defesa do meio ambiente.
O próprio preâmbulo constitucional menciona a liberdade como um valor, a segurança como um direito, o bem-estar como um objetivo a ser atingido. Registra, também, a igualdade, que, no Estado Democrático de Direito, deve ser perseguida segundo um critério material e não apenas formal. A justiça se constitui na finalidade do próprio Direito, é o valor que dá gênese à construção de ordenamentos jurídicos e que fundamenta o Direito Ambiental.
E nos próprios “Princípios Fundamentais” constitucionais encontram-se, ainda, ideias como a dignidade da pessoa humana; a cidadania; a construção de uma sociedade livre justa e solidária; a garantia do desenvolvimento nacional; a erradicação da pobreza e da marginalização; a redução das desigualdades sociais e regionais.
Todas essas ideias são valores que podem ser trazidos pelos designers de games para o contexto dos jogos sérios, promovendo, no âmbito da educação ambiental, uma aliança entre o entretenimento e a ética para a sustentabilidade. A imersão no jogo, a conquista de fases, as vitórias angariadas e as narrativas construídas podem ser os alicerces do jovem cidadão que propaga, desde cedo, a cultura de um meio ambiente sadio, que precisa valorizar a reciclagem, a economia de energia, de água, a preservação da vida animal e da flora.
O aluno precisa tomar contato, também, com as situações distópicas – a poluição, o aquecimento global, o derretimento danoso das geleiras, as enchentes, etc. O jovem aprende, assim, o que promover e o que combater no âmbito do videogame de educação para a sustentabilidade. O art. 5º da Lei 9795/99 menciona:
Art. 5º São objetivos fundamentais da educação ambiental:
I - o desenvolvimento de uma compreensão integrada do meio ambiente em suas múltiplas e complexas relações, envolvendo aspectos ecológicos, psicológicos, legais, políticos, sociais, econômicos, científicos, culturais e éticos;
II - a garantia de democratização das informações ambientais;
III - o estímulo e o fortalecimento de uma consciência crítica sobre a problemática ambiental e social;
IV - o incentivo à participação individual e coletiva, permanente e responsável, na preservação do equilíbrio do meio ambiente, entendendo-se a defesa da qualidade ambiental como um valor inseparável do exercício da cidadania;
V - o estímulo à cooperação entre as diversas regiões do País, em níveis micro e macrorregionais, com vistas à construção de uma sociedade ambientalmente equilibrada, fundada nos princípios da liberdade, igualdade, solidariedade, democracia, justiça social, responsabilidade e sustentabilidade;
VI - o fomento e o fortalecimento da integração com a ciência e a tecnologia;
VII - o fortalecimento da cidadania, autodeterminação dos povos e solidariedade como fundamentos para o futuro da humanidade (BRASIL, 1999).
Assim, os jogos eletrônicos de educação para a sustentabilidade têm por objetivo primordial cumprir com esses objetivos e valores expressados na legislação. A construção do futuro e a garantia das futuras gerações depende dos valores baseados na sustentabilidade. Nesses termos é que se afirma que a contribuição dos videogames e jogos digitais de educação ambiental promove o planejamento para a sustentabilidade, dentro da perspectiva da cibercultura no contexto escolar.
CONCLUSÃO
Diante do que foi exposto, fica demonstrado que a Política Nacional de Educação Ambiental tem destinatários, os quais devem cumprir com os princípios e valores expressos na Lei 9795/99. Os jogos de videogame são uma forma de adaptar essas finalidades do ordenamento aos contextos escolares por meio da cibercultura, ou seja, a convergência das mídias – o jogo e a internet, ou apenas o jogo.
As interações entre a máquina e a criança ou jovem se dão por meio de propostas criadas pelos game designers e pelas narrativas contidas no game. Assim, os mecanismos de gamificação – tais como passar de fases, conquistar moedas e vitórias ou mesmo matar os inimigos – possibilitam o engajamento do aluno nas questões ecológicas, dentro de perspectivas hermenêuticas e de assimilação de valores.
Conclui-se afirmando que o universo dos games ganhamuito mais expressões benéficas que danosas na sociedade, e que os Game Studies constituem o campo de saberes voltados para essas facetas relacionadas ao design, manifestações culturais e antropológicas dos jogos. O Brasil com certeza ainda produzirá muito nesse âmbito de estudo e também em termos de concepção de títulos a serem lançados no mercado, graças à criatividade e empenho de todos que vem colaborando para os setores acadêmico e mercadológico.
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