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Mediação Ambiental: uma realidade

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Agenda 03/09/2019 às 10:17

Ante a crise ambiental, a mediação desponta como uma das esperanças para a solução de tantos conflitos. Conheça o que sobre isso dispõe o Decreto 9.760/2019.

RESUMO: O artigo a seguir faz uma breve explanação acerca da crise ambiental e seus reflexos no Direito. Prossegue discorrendo sobre os princípios de Direito Ambiental, com enfoque no desenvolvimento sustentável, na prevenção e precaução, na informação e na participação comunitária, do poluidor pagador e da responsabilização. A partir da sanção gerada pelo dano ambiental, argumenta que a mediação se torna a mais eficaz ferramenta para solução do litígio existente, sob o prisma dos princípios elencados.

Sumário:1. Introdução. 2. A Sociedade de Risco. 3. Crise Ambiental. 4. A mediação nos conflitos ambientais. 5. Decreto 9.760/19. 6. Considerações finais.


1.INTRODUÇÃO

Atualmente, devido a vários fatores, se constata a falência e a ineficácia da estrutura estatal para lidar e solucionar as lides ambientais. A crise do Estado, da ingovernabilidade sistêmica e da inflação legislativa soma-se à morosidade e excesso de burocracia que pairam sobre os tribunais e têm por consequência a ineficácia das soluções adotadas. Assim, primeiramente, foi abordada a sociedade de risco e seus efeitos, culminando na crise ambiental latente no Estado contemporâneo.

Adiante, uma breve discussão sobre a mediação como proposta à solução dos conflitos, comungado ao pluralismo jurídico paralelo ao direito estatal, onde mediação através da participação de todos os setores será o vértice da gestão ambiental.


2. DESENVOLVIMENTO

2. A Sociedade de Risco

Através dos tempos, consolidou-se a ideia de que a natureza existia única e exclusivamente para suprir as necessidades humanas. Com efeito, o progresso é uma meta a que se curvam as nações, cujas consequências ao meio ambiente ficaram ainda mais visíveis a partir da Revolução Industrial e o aparecimento das produções em massa.  Contemporaneamente, a sociedade se caracteriza pela ameaça constante da catástrofe, onde podemos destacar a sociedade de risco[2] caracterizada pela na ineficácia das instituições em conter este processo, sobretudo de ordem ambiental.

Nesta esteira, urge o conceito da irresponsabilidade organizada, onde se ocultam as origens dos problemas, caracterizando um estado de invisibilidade, negando a existência e as responsabilidades na percepção dos riscos. Outrossim, o risco é configurado por uma situação fática ameaçadora da sociedade, conhecida, ou seja, sua ocorrência pode ser prevista e sua probabilidade calculada. No entanto, quando vislumbramos ameaça desconhecida, estaremos diante do perigo.

A ideia do risco é perceptível na discrepância entre a capacidade de ação e de previsão dos riscos e seus malefícios, onde estes, cada vez mais imprevisíveis, multiplicam-se descontroladamente em termos de escala e frequência. Assim, insiste-se na negativa dos riscos e suas consequências ao meio e ao homem, quando as ações não preveem compensação ou mitigação acerca destes, culminando num quadro de insatisfação e crise da sociedade para lidar com a questão ambiental.

A crise ambiental provém deste modelo de sociedade, eivado de uma imprevisibilidade das consequências de suas ações, e a invisibilidade como forma de negação deste modelo social, cuja geração e criação são efetuadas pela própria sociedade. Cabe ponderar que a ciência não garante a segurança nos processos produtivos, sobretudo no domínio da natureza, podendo, desta forma, vez por outra, contribuir para agravar ou multiplicar os incontroláveis e invisíveis riscos.

A irresponsabilidade organizada vem enquadrada nesta invisibilidade que se traduz nas formas, instrumentos e meios utilizados para ocultar as origens e efeitos dos riscos ecológicos. Cumpre colacionar a ausência de políticas de gestão dos riscos, a fim de minimizar ou mitigar suas consequências.

A sociedade do risco configura uma forma avançada de abordar a crise ambiental, eis que enfoca esta sob um prisma multidimensional. De fato, constata-se que a gestão dos riscos passa longe da democracia e da participação ambiental.

Neste viés, a multiplicação dos riscos, inclusive em escala planetária, requer uma nova forma de racionalidade, de organização e padrões da forma de atuação estatal, objetivando obter um modelo sociológico.


3. Crise Ambiental

Podemos destacar que o progresso, baseado primordialmente na exploração dos recursos naturais cujo escopo único objetiva a maximização da acumulação do capital, resulta na inevitável crise ambiental em que “as condições tecnológicas, industriais e formas de organização e gestão econômica da sociedade estão em conflito com a qualidade de vida.”[3]

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Nesta esteira, a crise ambiental, externada na ineficácia deste modelo consolidado, impõe um repensar na instituição e contextualidade das formas de relações políticas, sociais, jurídicas, culturais e econômicas como transformação e mudança do modelo vigente em esgotamento, interagindo com a práxis na busca de resultados efetivos considerando a conscientização necessária à preservação ambiental.

Cumpre ainda destacar que nem o sistema capitalista – que por ser individualista incentiva a agressividade ambiental pela competitividade – nem o socialismo – baseado numa economia de escala caracterizada pela falta de um contexto de liberdade – não foram suficientes para superar a crise ambiental.

De fato, é notória a incapacidade dos sistemas econômicos existentes em face da necessária higidez ambiental, cuja ameaça abarca a sadia qualidade de vida do homem atual bem como das futuras gerações. Para a existência da vida no globo necessário ponderar que se trata de uma rede de interligação onde o todo está conexo com as partes e vice-versa.

No campo do Estado contemporâneo, o direito gera uma ética de responsabilidade que alicerça os meios. A economia, de outra banda, vem eivada de uma ética de convicção destinada aos fins. Assim, por detrás do direito vislumbra-se um neoliberalismo fugaz, que prega um estado mínimo exacerbando o capital e colocando em xeque a vida.

Historicamente, na seara jurídica, dos direitos civis e políticos vinculados à liberdade, à igualdade, à propriedade, vislumbrados ao longo dos séculos XVIII e XIX, emergiram os direitos sociais, que por sua vez ensejam garantias em face do poder público, como o direito ao trabalho, à saúde e à educação, entre a segunda metade do século XIX e as primeiras décadas do século XX.

Com efeito, a sociedade em eterna evolução histórica, desperta novos direitos, e como aponta Bobbio[4], três razões principais impulsionaram este desenvolvimento, quais sejam: o aumento de bens considerados merecedores de tutela, a extensão da titularidade destes bens e ainda porque o homem é visto na concreticidade das diversas maneiras de ser em sociedade, como criança, velho, doente, etc....

Com a percepção da finitude dos recursos naturais, surge a necessidade do direito em tutelar o bem ambiental, mais efetivamente a partir de Estocolmo em 1972. Posteriormente, na década de 80, observamos a ruína do sistema socialista implantado na União Soviética. Após o fim deste regime, o capitalismo proliferou-se pelo mundo sem qualquer concorrente direto, sob o manto atual do neoliberalismo. Neste ponto, não podemos olvidar a globalização, seus reflexos e consequências no mundo da informação e tecnologia e sua relação com o meio ambiente.

Neste contexto, a partir das atrocidades vivenciadas durante a II Guerra Mundial e mais enfaticamente nas décadas de 70 e 80[5] emergem os direitos difusos (também denominados direitos de solidariedade ou transindividuais) cujo titular transpassa o homem individual, eis que se tratando de meio ambiente, podemos aduzir que “possui a característica de ser indivisível. Não há como cindi-lo. Trata-se de um objeto que, ao mesmo tempo, a todos pertence, mas ninguém específico o possui.” [6]


4. Mediação Ambiental

Considerando a relação do ser humano com o seu ambiente, deve-se mencionar que a efetividade e concretização de tais diretrizes de limitações objetivando a preservação requerem participação, informação e educação intensa de todos, convergindo poder público e coletividade na evolução conjuntural no viés da preservação. Nesta via, a Constituição Federal de 1988 foi cristalina ao prescrever em seu artigo 225[7] o direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Como dispõe a Constituição Federal[8] e a legislação vigente, toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente é considerada infração ambiental. De conseguinte, o comportamento omissivo ou comissivo que onde se depreenda quaisquer dos núcleos apresentados é o pressuposto da sanção. No caso de configuração de ferimento da norma, urge a responsabilidade sendo “...a que resulta da infringência de norma da Administração estabelecida em lei ...”[9].

Não obstante, devemos primordialmente constar que a responsabilização, na esfera ambiental, ora em comento, deve ser enfocada sob o prisma da coerência na busca da conscientização geral no que concerne ao viés ambiental. Derani[10] é enfática ao lecionar que “A realização da cidadania, em contrapartida, reclama um real conhecimento do direito, não pelo temor ao seu poder repressivo, mas para a consciência da amplitude da ação modificadora e mobilizadora da vida social do cidadão”.

De fato, a sanção administrativa não pode afastar seu papel informativo, educativo e conscientizador, incentivando a participação de todos os setores, abrangendo uma visão que considere os aspectos históricos, culturais, sociais, econômicos que vai além da simples imposição da punição legalmente descrita, mas sob um ponto de vista pedagógico de melhoria para a saúde e o meio ambiente.

Deste ponto de partida, tais valores devem também se refletir nos campos dos direitos interno e internacional, de forma a concretizar uma relação harmônica entre o meio ambiente e o desenvolvimento, almejando sua sustentabilidade.

Neste desiderato, a conscientização global da crise ambiental requer uma gestão participativa dos recursos naturais, cuja figura do Estado fica comprometida com a causa ambiental, em princípios e valores, proporcionando uma integração entre o Estado e a sociedade. Perfunctoriamente analisado, assim podemos retratar o Estado de direito Ambiental:

É aquele que tem como tarefas prioritárias os valores ambientais, fundados em normas constitucionais, que deverão ser integrados num horizonte plural (diversificado e intrinsicamente concorrente ou conflitante) de princípios rectizes e de outras normas-fim, segundo um nível de harmonização e de concordância prática, não compatível com quaisquer formas de reducionismo.[11]

Ao perquirir o pluralismo inserindo nas contradições materiais e nos conflitos sociais, visto como a marca de ruptura do instituído, o Estado Ambiental designa a existência de mais de uma realidade, compatível assim com a visão transdisciplinar ambiental, envolvendo as situações da vida e a diversidade das culturas. O prof. Wolkmer[12] é magistral:

O novo pluralismo jurídico, de características participativas, é concebido a partir de uma redefinição da racionalidade e uma nova ética, pelo refluxo político e jurídico dos novos sujeitos – os coletivos; de novas necessidades desejadas – os direitos construídos pelo processo histórico; e pela reordenação da sociedade civil – a descentralização normativa do centro para a periferia; do Estado para a sociedade; da lei para os acordos, os arranjos, a negociação. E, portanto, a dinâmica interativa e flexível de um espaço público aberto, compartilhado e democrático.

Consagra-se a cidadania participativa e solidária, efetivando uma democracia pluralista que incentiva a conscientização pela formação do Direito configurado pela autenticidade do “sistema de conselhos”, disseminados paralela e conjuntamente com os níveis de esfera do poder local (bairro, distrito, municípios...). Acerca do Estado de Direito Ambiental e da participação, podemos ainda elencar que:

A lógica que orienta este novo modelo de Estado em construção é de que a sociedade política deve orientar seus esforços no sentido de levar a coletividade a preservar aquilo que existe e recuperar o que deixou de existir. As funções deste Estado são de proteger e defender o meio ambiente, promover a educação ambiental, criar espaços de proteção ambiental e executar o planejamento ambiental. São estas as ações positivas do Estado, já que passam por obrigações políticas, legislativas, administrativas e penais.[13]

Destarte, da legislação ambiental requer e almeja uma gestão participativa acerca do aproveitamento dos recursos naturais cujo escopo prioritário jaz em fazer face às mudanças globais que transformaram os conglomerados transnacionais nos grandes controladores do poder e do capital. Assim, a abertura para a participação e gestão dos recursos naturais deve ser aberta, irrestrita, levando a coletividade a preservar o que existe e recuperar o que deixou de existir, promovendo a educação ambiental, indiscriminadamente.

Neste sentido, a mediação é universalmente conhecida entre os grupos humanos desde as sociedades mais primitivas. É frequentemente utilizada como alternativa ao sistema judiciário para solucionar as disputas intersubjetivas. Pode ser definida como uma solução não ad­versarial que possui como característica a voluntariedade, a rapidez, a economia, a informalidade, a autodeterminação e, principalmente, uma visão do futuro.

Atualmente a mediação é aplicada em diversos domínios, seja pessoal, comunitário, nacional ou internacional. Em sentido amplo, é a intervenção de uma terceira pessoa neutra para favorecer a resolução de litígios nos conflitos de trabalho, familiares, comerciais ou sociais.

Há que se buscar mecanismos de resolução paralelos à jurisdição, mais eficazes, mais eficientes, que prescindem do poder de atuar que o próprio Estado elaborou, compondo os conflitos de interesses e dessa forma resguardando a ordem jurídica. Hoje, é indubitável que o poder Judiciário busca cumprir um dos pressupostos do Estado Moderno, e assim exerce o seu poder para a solução de conflitos interindividuais.

Diferentemente do que ocorre com vários outros conflitos, em sede ambiental nem sempre é possível verificar os limites do direito subjetivo tutelado. Os bens ambientais são plenamente disponíveis pelo homem, apesar de sua titularidade universal.

Sobre o autor
Rafael Ramos Rodolfo

Advogado em Florianópolis/SC, OAB/SC 15.001. Pós Graduado em Direito da Empresa pela FGV e Direito Ambiental pela UNISUL. Advogado especialista na Área Ambiental Experiência de mais de 15 anos no mercado. OAB/SC 15.001

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