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O direito diante das três ecologias: ambiental, social e mental

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Agenda 04/09/2019 às 11:12

Relações possíveis entre a mediação e as três ecologias

Já vimos como as três ecologias estão intrinsecamente ligadas: a ambiental, a social e a mental. A ecologia social e principalmente a ecologia mental apontam para a Mediação. A Mediação é uma forma de autocomposição das controvérsias, assistida por um Mediador consciente e sensível, que facilita a busca de soluções, sem intervir, para que os sentimentos antagônicos possam ser superados e se encontrem novos modos mais satisfatórios de resolver a questão controvertida.

Trata-se de um verdadeiro não-poder. O Mediador diferentemente do Juiz, não dá sentença; diferentemente do árbitro não decide; diferentemente do conciliador não sugere soluções para a controvérsia. O Mediador fica no meio, não está nem de um lado e nem de outro, não adere a nenhuma das partes. É uma terceira pessoa quebrando o sistema binário do conflito jurídico tradicional em que o julgador adere a uma das partes e dá razão sempre a alguém, parcial ou totalmente.

Na verdade os conflitos são insolúveis, fazem parte da natureza do humano, enquanto houver vida haverá conflito. O que pode ser amenizado são as controvérsias que pontualmente acontecem nas relações sociais. O ato de resolver controvérsias, através da jurisdição estatal, representa um modo de neutralizar o dissenso, mais do que produzir consenso. Essa diferença é básica, pois ao neutralizar o dissenso procura-se apenas uma certa pacificação do litígio, de modo que as partes obedeçam o resultado porque emanado de uma autoridade legítima. Se a solução eliminou as causas da controvérsia, se produziu um real consenso entre as partes, isso não é essencial para a decisão do Juiz.

Na Mediação são buscadas livremente soluções, que podem mesmo não estar nos limites da controvérsia, que podem se criadas pelas partes, a partir de suas diferenças de percepções. Não só o lado objetivo e racional é analisado na Mediação, mas também as subjetivações que existem em todo desentendimento, sobretudo nas questões ecológicas. Essa é uma das características da Mediação, trazer à tona o lado oculto, os interesses subjetivos das partes, o lado não-verbal, que toda controvérsia tem, e que difere do lado explícito da questão. A Mediação vai além das aparências, incentivando que sejam colocados pelas partes também os pressupostos implícitos das controvérsias. O sistema da Mediação, ao contrário do sistema da dogmática jurídica, abre as questões, encara a complexidade e não fecha nem simplifica nunca. Seu objetivo não é a decidibilidade, mas sim o aumento da consciência sobre a controvérsia e dentro desse procedimento pode ou não ser obtido um resultado. A Mediação não tem por fim acabar com a controvérsia, mas mudar modos subjetivos de sentir.

Na dicção do saudoso e sensitivo mediador argentino Luis Warat:

Não é possível abordar um processo de mediação por meio de conceitos empíricos, empregando a linguagem da racionalidade lógica. A mediação é um processo do coração; o conflito precisamos sentí-lo ao invés de pensar nele; precisamos, em termos de conflito sê-lo para conhecê-lo. Os conflitos reais, profundos vitais, encontram-se no coração, no interior das pessoa. Por isso é preciso procurar acordos interiorizados! (WARAT, 2001, p. 35).

Na Mediação as diferenças são respeitadas e incentivadas. O sistema da dogmática jurídica procura estabelecer a uniformidade, eliminar os desvios, penalizar os culpados, obter a normalidade comportamental. Na Mediação não há culpados ou inocentes; as partes no tempo da Mediação estão em outro relacionamento, umas frente às outras despidas de julgamentos, sem se considerarem adversárias, procurando se colocar no lugar do outro (role play) e entender o que se passa com o outro. É uma relação de terapia do vínculo conflitivo para tentar formar um novo vinculo de natureza amorosa.

A Mediação valoriza o poder emancipatório que existe potencialmente num sistema jurídico, como mais importante que poder punitivo desse sistema. Uma sociedade para ser justa pode precisar de leis, como já dito, que têm função homeostática, mas só com boas leis não se chega a Justiça Social. É indispensável um nível de subjetivação que traga para a mente das pessoas, de modo consciente, o reconhecimento do outro como igual a si mesmo. Não é a toa que na sociedade judaico-cristã a maior das leis é “amar ao próximo como a si mesmo”.

Em matéria de ecologia, essa consciência de desejar aos outros uma vida equilibrada é até consagrada pela Constituição Brasileira no artigo 225:

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Artigo 225: Todos têm direito ao meio ambiente equilibrado, bem de uso comum do povo essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

Todavia, não basta deixar para o poder público e para a coletividade esse dever de manter o meio ambiente saudável. É preciso sobretudo a atuação individualizada e subjetiva de cada pessoa nas esferas ambiental, social e mental.

Nesse contexto, a Mediação surge como uma possibilidade de trabalhar com as formações subjetivas para auto-composição dos conflitos ambientais. No campo da ecologia a Mediação tem um papel muito relevante a desempenhar, pois o Direito Ambiental é o ramo do Direito que mais se liga à vida humana no nosso planeta dominado por um sistema econômico baseado no poder do dinheiro e não no poder da solidariedade social e mental.

Pode ser muito difícil e demorado mediar uma questão ecológica; geralmente é mais fácil tentar obter uma decisão judicial. Mas uma boa e demorada Mediação Ecológica, com base nas três ecologias, certamente trará resultados mais duradouros e mais profundos para todos os envolvidos, inclusive a coletividade.


Considerações finais

O Direito diante das três ecologias – ambiental, social e mental – precisa trabalhar com conhecimentos e sentimentos que vão muito além do ativismo judicial vigente no nosso assim chamado Estado Democrático de Direito que funciona quase exclusivamente nos limites da Dogmática Jurídica.

Esse trabalho com as três ecologias tem natureza transdisciplinar. Não é só para operadores jurídicos, mas também para todo tipo de profissionais como por exemplo sociólogos, psicólogos, comunicadores, filósofos, engenheiros, médicos, educadores, arquitetos, artistas, religiosos e demais pessoas voltadas à valorização da vida humana em harmonia com a natureza.

A Mediação Ecológica é o instrumento mais adequado para esse trabalho. A Mediação é um modo de superar a Dogmática Jurídica ultrapassada que o Direito Positivo cultiva cada vez mais no Brasil. Com a Mediação Ecológica poderemos construir novos paradigmas para resolver as controvérsias ambientais e preservar o planeta do desastre ambiental que se prenuncia para o futuro. A Mediação recupera a visão complexa que a Dogmática Jurídica simplificou. A Mediação é um dos grandes caminhos para realização da tão desejada virtude da Justiça. Tudo isso ajudará a encontrar o equilíbrio que vem sendo proposto pelas três ecologias, ambiental, social e mental, para a felicidade de todo o ser humano . Veremos esse dia?


Referências bibliográficas

COMPARATO, Fábio Konder. Ética. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.

DAMÁSIO, Antonio. Em busca de Espinoza: prazer e dor na ciência dos sentimentos. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.

FERRAZ Jr., Tércio Sampaio. Função social da dogmática jurídica. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1980.

FRANCISCO, Papa. Laudato Si’: sobre o cuidado da casa comum. São Paulo: Paulinas, 2015.

GUATTARI, Félix. As três ecologias. 12ª edição. Campinas, SP: Papirus, 1990.

JAPIASSU, Hilton. O sonho transdisciplinar e as razões da filosofia. Rio de Janeiro: Imago , 2006.

MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. 2ª ed. são Paulo: Cortez, 2000.

SANTOS, Boaventura de Souza. A crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência. São Paulo: Cortez, 2000.

WARAT, Luis Alberto. O ofício do mediador. Florianópolis: Habitus, 2001.

WEIL, Pierre et. al. Rumo à nova transdiciplinaridade. 3ª ed. são Paulo: Summus, 1993.

Sobre o autor
Ademir Buitoni

advogado e mediador em São Paulo, doutor em Direito Econômico pela USP

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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