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Da permanência do usufruto vidual do companheiro

Agenda 25/11/2005 às 00:00

1. Da colocação prática do tema.

            O título do presente texto surgiu da análise de uma situação concreta:

            - a companheira, que conviveu em união estável por mais de 10 (dez) anos com seu companheiro até o falecimento deste, não existindo bens aquestos, mas somente bens particulares, e havendo outros herdeiros preferenciais, não teria nenhum direito sucessório?

            Iniciamos o estudo pelo novo Código Civil, analisando o que este diploma dispôs acerca da sucessão do companheiro.

            O Código Civil tratou do tema em apenas um único artigo, o 1.790. Assim, tomamos como ponto de partida o disposto no caput deste dispositivo. Prevê o mesmo:

            - "A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas seguintes condições:"

            Prima facie constata-se que, pelo atual Código Civil, os companheiros só irão participar da sucessão de seus consortes quando houver bens adquiridos a título oneroso durante a referida união.

            Como no caso estudado, a companheira supérstite não amealhou qualquer patrimônio com o de cujus, e, lembrando que há parentes preferenciais à esta, à luz apenas do Novo Código Civil não teria qualquer direito sucessório.

            Portanto, com o objetivo de evitar que a companheira supérstite fique desamparada, torna-se necessária uma análise dos demais institutos sucessórios decorrentes da união estável, o direito real de habitação e o usufruto, os quais foram introduzidos por duas leis que regulavam as matérias, a Lei 8. 971/94 e 9. 271/96.


2. Da plena vigência formal das normas 8. 971/94 e 9. 271/96.

            As normas que regulavam o direito sucessório antes do advento do novo Código Civil não foram revogadas, tácita ou expressamente.

            Este entendimento foi adotado pela comissão do Conselho Federal de Justiça, criada para firmar entendimentos acerca do CCB, que assim pronunciou-se: não tendo havido qualquer revogação expressa pelo CCB no tocante à Lei 9.278/96, deve permanecer aplicável o direito real de habilitação do companheiro, previsto em seu artigo 7º.

            A primeira conclusão que se extrai do enunciado proferido pela Comissão de estudos do Novo Código Civil é que do ponto de vista formal não se pode de imediato excluir-se do nosso mundo jurídico o conteúdo das Leis 8.971/94 e 9.278/96, no tocante ao campo sucessório.

            É claro que há que ser feito o exame material, pois todas as normas que encontrarem-se em choque com as normas mais atuais, do novo Código Civil, deverão ser tida como revogadas.

            Desta forma, passa-se a análise do instituto jurídico cuja aplicação em face do atual Código Civil pretende-se estudar, o usufruto vidual do companheiro supérstite.

            A Lei 8.971/94, em seu artigo 2º, nos incisos I e II, prevê o chamado usufruto vidual, que outorgou ao companheiro supérstite os mesmos direitos que eram previstos ao cônjuge supérstite pelo revogado Código Civil.

            Logo de início, cumpre registrar que já existe alguma doutrina sobre o tema, e que esta afirma ponto de vista justamente contrário ao ora defendido, ou seja, de que as normas de direito sucessório da Lei 8.971/94 foram revogadas pelo novo Código Civil.

            Citam-se como brilhantes exemplos as lições dos insignes juristas, pedindo-se vênia para abaixo transcrevê-las:

            - o Professor Sílvio de Salvo Venosa, em sua obra "DIREITO CIVIL – DIREITO DAS SUCESSÕES VII", 3ª. Edição, que na pág. 120 assim se manifesta, in verbis:

            "De acordo com o art. 2º., essa participação seria do usufruto da quarta parte dos bens do de cujus, se houvesse filhos deste ou comuns, enquanto não constituísse nova união (art. 2º., I). Teria direito ao usufruto da metade dos bens, na mesma situação, se não houvesse filhos, ainda que houvesse ascendentes do companheiro morto (art. 2º., II ). Na falta de descendentes e de ascendentes, o convivente teria direito à totalidade da herança (art. 2º., III ). Ora, o art. 1.790 do novo Código Civil disciplina a forma pela qual se estabelece o direito hereditário do companheiro ou da companheira, de forma que os dispositivos a esse respeito na Lei 8.971/94 estão revogados."

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            - o professor e Defensor Público do Estado do Rio de Janeiro, Luiz Paulo Vieira de Carvalho, em texto publicado na REVISTA DE DIREITO TJ-RJ no 57, "O NOVO CÓDIGO CIVIL – SUCESSÕES LEI 10.406 DE 10 DE JANEIRO DE 2002. A NOVA ORDEM DE VOCAÇÃO HEREDITÁRIA", pág. 61:

            "Já quanto ao usufruto legal sucessório, houve revogação expressa do parágrafo 1º. do art. 1.611 do Código anterior pelo Código de 2002 (vide 2.045). Mesmo que tal revogação não fosse expressa, tal direito perdeu o sentido, a necessidade prática, tendo em vista que o cônjuge e o companheiro foram contemplados em propriedade (direito real por excelência) em relação ao patrimônio do de cujus, pelo referido diploma, a não ser que lhes faltem, no caso concreto, legitimidade para tanto."

            Ousamos discordar dos brilhantes Juristas acima colacionados, pelas razões que passaremos a tecer.

            Quanto a afirmação feita pelo Professor Silvio de Salvo Venosa de que "o art. 1.790 do novo Código Civil disciplina a forma pela qual se estabelece o direito hereditário do companheiro ou da companheira, de forma que os dispositivos a esse respeito na Lei 8.971/94 estão revogados." (grifos nossos), é justamente sobre a necessidade de complementação da parca legislação existente no novo Código Civil que se torna necessário buscar auxílio nas normas que as antecederam sobre o tema, como aliás foi feito pela Comissão de Interpretação do Novo Código Civil, criada pelo Conselho da Justiça Federal, como já acima citado.

            Desta forma, a mera alusão a existência de uma norma constante do atual código civil para afastar a incidência das demais existentes nas Leis 8.971/92 e 9.278/96 não se mostra suficiente, até em virtude da lacuna legal existente.

            Quanto a afirmação feita pelo nobre Defensor Público e Professor Luiz Paulo Vieira de Carvalho, de que "houve revogação expressa do parágrafo 1º. do art. 1.611 do Código anterior pelo Código de 2002" (grifos nossos), esta revogação (parágrafo 1º do artigo 1.611 do antigo Código Civil) foi apenas em relação ao usufruto vidual do cônjuge, que se localizava no revogado Código Civil e não do usufruto vidual do companheiro supérstite, direito este que encontra-se na Lei 8.971/92.

            Quanto a segunda afirmação feita de que "tal direito perdeu o sentido, a necessidade prática, tendo em vista que o cônjuge e o companheiro foram contemplados em propriedade (direito real por excelência) em relação ao patrimônio do de cujus," (grifo nosso), tal assertiva somente se aplica nos casos de existir patrimônio comum.

            Assim, não havendo patrimônio comum, mas apenas particular, como na hipótese ora tratada, ficaria o companheiro supérstite desamparado, restando-se apenas, conforme o caso, o direito real de habitação. Portanto, a utilidade do usufruto vidual, que não foi revogado, permanece íntegra e preemente, justamente para aquelas hipóteses para que foi prevista, inclusive de quando da sua utilização na sucessão do cônjuge, já que nesta o mesmo era utilizado de forma subsidiária, justamente na inexistência de patrimônio comum, o que não existe mais, já que conforme o novo Código Civil, o cônjuge irá sempre herdar em direito de propriedade, daí porque a afirmação feita pela nobre Defensor Público e professor Luiz Paulo Vieira de Carvalho, data maxima venia, só valeria, tanto no aspecto formal quanto no aspecto material, à sucessão do cônjuge, mas não na sucessão do companheiro, que tem nas leis anteriores ao atual diploma civil sua aplicação necessária à integração do direito sucessório do companheiro supérstite.

            Apenas para ilustrar-se a afirmação acima feita, relativa a utilização subsidiária do usufruto vidual na sucessão do cônjuge, transcreve-se v. acórdão que demonstra a jurisprudência cristalizada pelo Superior Tribunal de Justiça sobre o tema, abaixo in verbis:

            "RECURSO ESPECIAL 1993/0012109-0

            Relator(a) Ministro BARROS MONTEIRO (1089)

            Órgão Julgador T4 - QUARTA TURMA

            Data do Julgamento 25/04/1994

            Data da Publicação/Fonte DJ 06.06.1994 p.14278 RSTJ VOL.:00064 p.00210 RT VOL.:00710 p.00178

            Ementa: Inventario. Usufruto Vidual. Regime De Comunhão Parcial. Viúva Meeira nos Aquestos.

            Reconhecida a comunhão dos aquestos, não tem a viúva meeira, ainda que casada sob regime diverso do da comunhão universal de bens, direito ao usufruto vidual previsto no art. 1.611, par. 1., do Código Civil. Precedente do STF.

            Recurso Especial não conhecido.

            Acórdão por unanimidade, não conhecer do recurso" (grifos nossos)

            Lançamos com última questão a análise da incidência do usufruto vidual em concomitância com o direito real de habitação, ou seja, na hipótese de coexistirem as condições para o implemento de ambos os direitos. Pergunta-se: o usufruto vidual deverá ser implementado conjuntamente ao direito real de habitação?

            Deixamos tal indagação sem resposta, já que o objeto de nosso breve estudo está concluído, querendo-nos crer que tais questões são de imprescindível importância para dar integral proteção post mortem aos companheiros.

Sobre o autor
Guilherme Celidonio

defensor público do Estado do Rio de Janeiro (RJ)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CELIDONIO, Guilherme. Da permanência do usufruto vidual do companheiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 875, 25 nov. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7633. Acesso em: 5 nov. 2024.

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