Furto de vestuário. Analogia com crime famélico. Aplicação do princípio da insignificância ou da bagatela
Rodrigo Mendes Delgado[1]
Heloiza Beth Macedo Delgado[2]
Resumo: O estudo ora apresentado versa acerca de caso de furto de produtos de vestuário ao qual se requereu a aplicação analógica do entendimento para situações de furto famélico, vez que o acusado furtou bermudas e um par de chinelos para suprir suas necessidades básicas de vestimenta. Além disso, defendeu-se a aplicação do princípio da bagatela ou da insignificância por uma medida de política criminal e de humanidade. Demonstrou-se que referido princípio já se encontra assentado no Supremo Tribunal Federal e já foi aplicado em vários casos similares ao apresentado neste ensaio. Entretanto, essa visão de política criminal ainda não perpassa todo o Poder Judiciário, ainda sendo majoritária a visão punitivista do Direito Penal. É fundamental que o Direito Penal do futuro não continue a ser uma fábrica de punições.
TESE DE DEFESA
1. Apresentação do caso
O caso ora apresentado foi denunciado pelo Ilustre Representante do Ministério Público do Estado de São Paulo, nos termos abaixo expostos[3]:
Consta do incluso inquérito policial que, no dia 29 de abril de 2017, por volta das 09h40, na Rua ..., nº ..., Centro, nesta cidade e comarca de ..., J. L. D. S., qualificado nos auto, subtraiu para si 1 (um) par de chinelos da marca Rider avaliado em R$ 22,90 (vinte e dois reais e noventa centavos), pertencente à vítima Alexandra da Silva Almeida.
Consta, ainda, que, logo em seguida, no Estabelecimento Comercial situado na esquina das Ruas Ribeiro de Barros com a São José, Centro, nesta cidade e comarca de Birigui, J. L. D. S. tentou subtrair para si 2 (duas) bermudas Jeans, avaliadas em 98,80 (noventa e oito reais e oitenta centavos) e pertencentes à vítima Jennifer Peres.
Conforme foi esclarecido, na data dos fatos, J. adentrou à Loja ... onde, aproveitando-se da distração dos vendedores, apoderou-se de 1 (um) par de chinelos da marca Rider e se evadiu do local.
Em seguida, J. entrou nas dependências da Loja ... onde simulou interesse na compra algumas peças de roupa, levando-as ao provador. Assim, após provar diversas peças de roupas, J. devolveu apenas parte delas e se apossou de 02 (duas) bermudas jeans. Em seguida, J. deixou o local.
Diante do quadro fático narrado, o Ministério Público do Estado de São Paulo pediu o recebimento da Denúncia para regular processamento da ação penal e, ao final, fosse o denunciado condenado nas penas do artigo 155, caput, por duas vezes, combinado com o artigo 71, ambos do Código Penal, ou seja, furto simples na modalidade continuada.
Diante do processualmente apurado, o Ministério Público do Estado de São Paulo requereu a procedência da Ação Penal, com a consequente condenação do acusado nas penas do artigo 155, caput, por duas vezes, combinado com o artigo 71, ambos do Código Penal, ou seja, furto simples na modalidade continuada, impondo-se a pena acima do mínimo legal, em decorrência dos maus antecedentes; reconheceu a atenuante da confissão, mas requereu sua compensação com o quadro de reincidência do acusado e, finalmente, na terceira fase da dosimetria da pena, pediu a causa de aumento do crime continuado, ex vi do art. 71 do Código Penal. Por fim, o Douto Parquet requereu que o regime inicial a ser estabelecido para início do cumprimento da pena fosse o fechado, tendo em vista que, em sua opinião, o acusado não faz jus à substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, nos termos do art. 44 do Código Penal.
O douto Magistrado do caso condenou o acusado, elegendo, para fundamentar sua decisão, os seguintes argumentos, cujos excertos seguem abaixo:
A ação penal é procedente.
Ao término da instrução criminal, e após um atento exame das provas existentes nos autos, não há como se deixar de reconhecer que a materialidade e a autoria dos fatos narrados na denúncia restaram comprovadas.
Nesse sentido, temos: o auto de prisão em flagrante (fls. 03); o recibo de entrega (fls. 05); a nota de culpa (fls. 10); o boletim de ocorrência (fls. 11/14); o auto de exibição e apreensão (fls. 15/16); o auto de entrega (fls. 17/18); o auto de avaliação (fls.55); o relatório policial (fls. 128/129); as declarações das vítimas e a confissão apresentada pelo acusado em ambas as fases da persecução penal.
O acusado, quer na delegacia, quer em juízo, confessou ter subtraído os bens de ambas as vítimas, para uso próprio. Afirmou ser usuário de drogas (fls. 09 e 221/222).
A confissão livre e espontânea prestada no processo serve como importante elemento de convicção para evidenciar a autoria e amparar a condenação, quando encontrar sustentação nos demais elementos de convicção produzidos.
De fato, no caso, a confissão do réu encontrou total respaldo nas demais provas carreadas aos autos.
(...)
Nos delitos de furto, quase sempre praticados na clandestinidade, a palavra da vítima é de excepcional importância, sobretudo quando harmoniosa e coincidente com o conjunto probatório, como é o caso.
As declarações das vítimas foram confirmadas pelos depoimentos das testemunhas.
(...)
Vale lembrar que o acusado foi surpreendido na posse de todos os objetos furtados, sem apresentar justificativa aos milicianos. A apreensão de bens furtados em poder do agente inverte o ônus da prova, de forma que deveria o acusado justificá-la, de maneira inequívoca, mas assim não procedeu, pelo contrário, acabou confessando a prática de todos os delitos por ela praticados naquele dia, o que transmuda em certeza qualquer dúvida acerca da autoria.
(...)
Anoto que, apesar de a capitulação dos dois furtos, na denúncia, ser de consumados, o certo é que a acusação narrou um furto tentado e um consumado, cuja prova se confirmou em juízo. Este o motivo da procedência total da ação, e não parcial, porque o réu se defende dos fatos e não da capitulação jurídica, lembrando que foram narrados, na denúncia, um furto tentado e um consumado.
Descabida, pois, a pretendida condenação do réu em dois furtos consumados.
Anoto, por oportuno, que, mesmo que tenha ocorrido a devolução total dos bens e não tenham as vítimas sofrido desfalque total em seus patrimônios, isso, repita-se, ocorreu em razão da ação da funcionária da empresa da segunda vítima juntamente com a polícia. Lembro, outrossim, que o artigo 155, em nenhum momento, exige, para a tipificação do delito de furto, o efetivo desfalque no patrimônio da vítima. Em outros termos, praticada a subtração, se a coisa for recuperada pela vítima, tal fato não afasta a responsabilidade penal do agente.
A prova coletada nos autos é substanciosa e convincente, ficando evidente a autoria dos crimes por parte do réu, no crime ora apurado.
Assim, além da robusta prova oral colhida na instrução, há também indícios mais que suficientes para a prolação de decreto condenatório. Aliás, neste ponto, tratando-se de delito, na maioria das vezes, praticado às escondidas, não se pode abrir mão dos indícios para o estabelecimento da verdade real. E a definição de indício vem estabelecida no próprio Código de Processo Penal, no artigo 239. Com isso, constata-se que o juiz formará a sua convicção na livre apreciação da prova, e, diante do nosso sistema processual, o indício é o fato provado que, por sua ligação íntima com o fato probando, autoriza a concluir algo sobre este, até porque os indícios estão inscritos no título da prova, e, assim, a autoria do delito, pelo sistema do livre convencimento, pode ser demonstrada, validamente, pela força probante dos indícios.
Ainda que assim não fosse, lembre-se que o furto é delito, em regra, dependente de clandestinidade, por isso, a prova não é das contundentes, vistosas, bastando a apreciação adequada de elementos formadores da convicção e aptos a embasar um édito condenatório.
(...)
As condutas encontram tipicidade na exata correspondência com o delito definido no artigo 155 caput (uma vez) e no artigo 155, caput, c.c. o artigo 14, inciso II (uma vez), na forma do artigo 71, todos do Código Penal.
Neste ponto, entendo não ser caso de se admitir o princípio da insignificância (crime de bagatela), como pretendido pela defesa, porque, além de a res furtiva não ser pequeno valor R$ 72,80 (fl. 55), isso em nada beneficia o réu, vez que o legislador brasileiro não acolheu o princípio da insignificância para afastar o delito. Em outros termos, o fato de as coisas furtadas terem valor irrisório não significa que o fato seja tão insignificante para permanecer no limbo da criminalidade, visto que no direito brasileiro o princípio da insignificância ainda não adquiriu foros de cidadania, de molde a excluir tal evento de moldura da tipicidade pena, mormente no caso, em que o réu, em um dia, praticou dois furtos, um consumado e um tentado.
Como se verá doravante, o réu é reincidente em crimes patrimoniais, o que só vem confirmar a não aplicação do princípio mencionado.
Inexistem causas que afastem a ilicitude da conduta, excluam a culpabilidade do agente ou extingam a punibilidade. Embora o acusado tenha alegado estado de necessidade, não vislumbro a presença do perigo atual, como exigido pelo artigo 24, caput, do Código Penal, além do que poderia ele ter realizado outras condutas lícitas, que não a subtração de bens alheios. Entendimento contrário autorizaria que todas as pessoas que passassem por dificuldades, pudessem furtar bens de terceiro, o que é inadmissível.
Pelos mesmos motivos acima elencados, não prospera a alegação da defesa quanto ao furto famélico, lembrando que as excludentes de ilicitude devem ser demonstradas pelo acusado, mas a defesa técnica não trouxe nenhum indício sequer de que o réu realmente se encontrava em estado de necessidade. Não havia perigo atual ou iminente contra qualquer direito do réu ou de terceiro que justificasse a sua conduta ilícita, pois, repito, a jurisprudência é uníssona no sentido que a mera dificuldade financeira não autoriza o cometimento de crimes patrimoniais.
Ademais, não obstante o acusado tenha alegado que seria usuário de droga, tais alegações não restaram comprovadas, até porque a defesa não juntou quaisquer documentos, não requereu qualquer exame de dependência químico-toxicológico ou de insanidade mental, nem tampouco arrolou testemunhas que demonstrassem sua alegação e o réu, em seu interrogatório, demonstrou-se lúcido.
Reconheço, pois, a ocorrência dos delitos e passo a aplicar a pena.
O réu não registra maus antecedentes e as demais circunstâncias previstas no artigo 59 do Código Penal não lhe são desfavoráveis, razão pela qual a pena deve ser fixada no mínimo legal, ou seja, 01 (um) ano de reclusão, e pagamento de 10 (dez) dias-multa, no valor mínimo unitário, para cada um dos crimes.
Na segunda fase, elevo a pena em 1/2 (metade), em virtude da agravante da multirreincidência específica (fls. 248, 249 e 250), resultando a pena de 01 (um) ano e 06 (seis) meses de reclusão, e pagamento de 15 (quinze) dias-multa, no menor valor legal, para cada um dos delitos.
Ainda nesta fase, deixo de reconhecer a atenuante da confissão espontânea, porque o réu, embora tenha assumido a autoria da subtração, tentou justificar o ato, alegando estado de necessidade, que é uma excludente de ilicitude, procurando eximir-se de sua responsabilidade penal, lembrando que o entendimento deste Juízo é no sentido de que a confissão espontânea a que alude o artigo 65 do Código Penal, como circunstância determinante de alguma redução de pena, é aquela sem ressalvas, sem desculpas para o gesto criminoso, a qual não restou configurada no caso.
Na terceira fase, quanto ao furto praticado na loja “Oliveira Jeans”, há uma causa de diminuição de pena a ser reconhecida, qual seja, a tentativa. Assim, diante do iter criminis percorrido pelo acusado, sobretudo porque os atos executórios foram praticados até a fase final, chegando bem próximo à consumação do delito (o réu foi detido logo após sair do estabelecimento com a res furtiva), com fundamento no artigo 14, inciso II, do Código Penal, reduzo a pena em seu mínimo, ou seja, 1/6 resultando 01 (um) ano e 03 (três) meses de reclusão, e pagamento de 12 (doze) dias-multa, no seu valor mínimo legal (art. 49 e parágrafos do CP), ficando mantida a pena do outro crime (furto consumado).
Ainda na terceira fase, considerando que o réu, mediante mais de uma ação, praticou delitos da mesma espécie e natureza, valendo-se do mesmo modo de execução, reconheço a ocorrência de crime continuado e aplica a pena de um dos crimes (o mais grave), com o aumento de 1/6 (um sexto), resultando na dosimetria final de 01 (um) ano e 09 (nove) meses de reclusão, e pagamento de 17 (dezessete) dias-multa.
O aumento de um sexto é porque o entendimento deste Juízo é o de que, para dois crimes, aumenta-se à pena em um sexto; para três, em um quinto; para quatro, em um quarto; para cinco, em um terço; para seis, na metade; e para sete ou mais crimes, eleva-se em dois terços.
Ainda na terceira fase, não é caso de aplicação do furto privilegiado, porque, apesar do pequeno valor da res furtiva, o acusado é reincidente específico, o que afasta a concessão do benefício.
Levando-se em conta a detração penal disposta na Lei nº 12.736/12 (art. 2º, que acrescentou o § 2º ao art. 387 do CPP) e o fato de o réu possuir reincidência específica, entendo que, no caso, o regime de cumprimento da reprimenda corporal deverá ser o semiaberto.
O acusado deverá continuar a responder preso por este processo, pois foi preso em flagrante e assim permaneceu durante a instrução, além do que estão presentes os requisitos da custódia cautelar, como se verá doravante.
Fixo cada dia-multa no valor mínimo unitário legal, diante a ausência de informações seguras sobre a capacidade econômica do réu.
Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE a ação penal para CONDENAR J. L. D. S., qualificado nos autos, ao cumprimento da pena de 01 (um) ano e 09 (nove) meses de reclusão, em regime inicial semiaberto, e pagamento de 17 (dezessete) dias-multa, no valor mínimo unitário, dando-a como incurso nas penas do artigo 155, caput, e artigo 155, caput, c.c. o artigo 14, inciso II, na forma do artigo 71, todos do Código Penal.
Impossível a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito, uma vez que sendo o réu reincidente em crimes patrimoniais, não preenche os requisitos legais à sua concessão, nos termos do art. 44, inciso II, do Código Penal. Ademais, a reincidência é específica, o que afasta até mesmo a aplicação do § 3º do mesmo artigo e Diploma.
Consigno que o acusado ficou preso cautelarmente desde 29/04/2017 até a presente data, período sobre o qual fica reconhecida a detração penal, para fins de cumprimento do restando da pena, nos termos do que dispõe o artigo 1º da Lei nº 12.736/12.
Deve, no entanto, a Serventia, ao expedir a Carta de Guia, atentar para se consignar a condenação total constante do dispositivo acima, com as observações consignadas no parágrafo anterior (detração penal).
O acusado deverá continuar a responder preso por este processo, eis que sua prisão em flagrante foi convertida em prisão preventiva, conforme decisão proferida a fls. 117/118, a cujos argumentos me reporto, como razão de decidir, assim como aqueles expostos a fls. 127.
Outrossim, seria uma verdadeira contradição que tivesse sido mantido preso durante toda a instrução e agora, condenado, viesse a recorrer em liberdade.
De outra parte, necessária a custódia cautelar do réu para assegurar a aplicação da lei penal, eis que condenado à pena a ser cumprida em regime inicial semiaberto, certamente, se liberto for, procurará se evadir, frustrando o cumprimento da pena.
Anote-se ainda que o réu é reincidente específico, o que só vem confirmar a necessidade de manutenção da sua prisão cautelar, para a garantia da ordem pública.
Ainda a confirmar a necessidade da manutenção da prisão cautelar, estão as decisões proferidas no Habeas Corpus impetrados em favor do acusado, que, no início, teve a liminar indeferida e, ao final, a ordem denegada (fls. 143 e 252/256), demonstrando o acerto deste Juízo na segregação cautelar do acusado.
Recomende-se o réu na prisão em que se encontra.
Os objetos apreendidos já foram restituídos, nada mais devendo ser decidido a respeito (fls. 15/16 e 17/18).
Fixo cada dia-multa no valor mínimo unitário legal, diante a ausência de informações seguras sobre a capacidade econômica do réu.
Com o trânsito em julgado da presente, oficie-se ao Cartório Eleitoral, nos termos do artigo 28 da Resolução nº 23.399/13 do TSE, instruindo o ofício com cópias da presente sentença e eventual Acórdão, bem como das certidões de trânsito em julgado para as partes.
Com o devido respeito, uma sentença dura para uma realidade tão delicada.
2. Tese defensiva
1. O caso, data maxima venia, não requer a solução drástica e desproporcional que, com o devido respeito, o douto Parquet requereu e o douto Magistrado a quo aplicou.
2. O valor dos bens subtraídos, consoante já dito e devidamente apurado, é de pequena monta, ou seja, um chinelo marca “Rider” de R$22,90 e duas bermudas jeans no valor de R$98,80.
3. Sendo importante deixar consignado que, em relação às duas bermudas, o denunciado não logrou retirar as mesmas da esfera de disponibilidade do proprietário, configurando a forma tentada (art. 14, II, CP). Ademais, não há notícia de violência ou grave ameaça à pessoa, o que, por conseguinte, não obsta a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, nos termos do art. 44 do Código Penal.
4. Assim, sem razão o douto Magistrado a quo quando diz, fls. 265, verbis: “Impossível a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito, uma vez que sendo o réu reincidente em crimes patrimoniais, não preenche os requisitos legais à sua concessão, nos termos do art. 44, inciso II, do Código Penal. Ademais, a reincidência é específica, o que afasta até mesmo a aplicação do § 3º do mesmo artigo e Diploma”.
5. Cada caso concreto submetido ao Judiciário possui suas especificidades e deve ser tratado de forma particularizada e não generalizada.
6. As generalizações, ademais, são posturas político-criminalmente não recomendadas, sob pena de transformar-se o Direito Penal em uma Indústria da Punição.
7. Consoante dito, o valor da res furtiva é de apenas R$22,90 (vinte e dois reais e noventa centavos), tendo em vista que o denunciado não logrou êxito na subtração das duas bermudas. UM VALOR INEGAVELMENTE ÍNFIMO!
8. O douto Magistrado a quo fez constar, fls. 261, litteris: “Anoto, por oportuno, que, mesmo que tenha ocorrido a devolução total dos bens e não tenham as vítimas sofrido desfalque total em seus patrimônios, isso, repita-se, ocorreu em razão da ação da funcionária da empresa da segunda vítima juntamente com a polícia. Lembro, outrossim, que o artigo 155, em nenhum momento, exige, para a tipificação do delito de furto, o efetivo desfalque no patrimônio da vítima. Em outros termos, praticada a subtração, se a coisa for recuperada pela vítima, tal fato não afasta a responsabilidade penal do agente” (grifos acrescidos). O artigo não exige, mas a interpretação teleológica e político-criminal recomenda a efetiva lesão do bem jurídico penalmente tutelado.
9. A interpretação meramente literal da lei penal não atinge os fins sociais a que se destina. O fato da ausência de prejuízo à vítima e, por conseguinte, a ausência de prejuízo ao bem juridicamente tutelado, a contrario sensu do entendimento do ilustre Magistrado, deve sim ser levado em consideração.
10. Não se pode negar que, in casu, houve um desvalor da ação. Entretanto, também não se pode negar que, para a configuração do ilícito penal deve haver, igualmente, um desvalor do resultado, é dizer, um dano ao bem juridicamente tutelado. O que, no caso presente, restou ausente.
11. O Professor Luiz Flávio Gomes[4] assim faz constar: “A relação que existe entre eles é a seguinte: o desvalor da conduta (a sua desaprovação) é pressuposto lógico do desvalor do resultado (ou seja: sem a constatação da desaprovação da conduta, não se pode falar em desaprovação do resultado jurídico). O desvalor da conduta é um prius frente ao desvalor do resultado. Partindo-se da premissa de que não há delito sem ofensa ao bem jurídico, jamais poderá incidir qualquer sanção penal sem a constatação de um resultado jurídico (da lesão ou perigo concreto de lesão ao bem jurídico). Todos os crimes são dotados de resultado jurídico (sejam materiais, formais ou de mera conduta, consumados ou tentados, comissivos ou omissivos etc;). A exigência de um resultado (jurídico) em todos os crimes, aliás, vem exigida pelo art. 13 do CP (teleologicamente interpretado)”.
12. E continua sua explanação[5], nestes termos: “Esta interpretação consente e impõe descobrir em cada delito um resultado ofensivo com relação ao bem jurídico (resultado lesivo ou perigoso): não somente nos delitos com resultado naturalista (nos delitos materiais), mas inclusive nos de ação ou de mera conduta, a razão da incriminação deve ser buscada não só em uma contrariedade da vontade do sujeito aos imperativos jurídicos (desvalor da ação), mas sobretudo na modificação exterior das relações humanas, enquanto seja objetivamente prejudicial para o bem jurídico tutelado (desvalor do resultado)” (grifos acrescidos).
13. Sem dano, sem pena (sine damnum sine poena).
14. Portanto, não se pode alegar que houve dano para quaisquer das vítimas.
15. Além disso, outro ponto que ressalta neste caso é a questão do valor da res furtiva, como dito acima.
2.1. Da incidência do princípio da insignificância ou da bagatela
16. O caso requer, inquestionavelmente, a incidência do instituto descriminalizador do Princípio da Bagatela ou da Insignificância.
17. É inquestionável que o objeto furtado soma valor irrisório.
18. Mas, o que é uma infração bagatelar? A resposta é dada pelo jurista e professor Luiz Flávio Gomes que assim faz constar, litteris: “Conceito de infração bagatelar: infração bagatelar ou delito de bagatela ou crime insignificante expressa o fato de ninharia, de pouca relevância (ou seja: insignificante). Em outras palavras, é uma conduta ou um ataque ao bem jurídico tão irrelevante que não requer a (ou não necessita da) intervenção penal. O fato insignificante, destarte, deve ficar reservado para outras áreas do Direito (civil, administrativo, trabalhista etc.). Não se justifica a incidência do Direito penal (com todas as suas pesadas armas sancionatórias) sobre o fato verdadeiramente insignificante. Diante do fato realmente insignificante, a rigor, não poderíamos falar em “infração” (porque não sendo típico do ponto de vista material o fato, infração penal não existe). De qualquer modo, só para manter a tradição, continuaremos a utilizar a locução acima referida[6]”. (grifos acrescidos)
19. Do ponto de vista técnico-científico há duas espécies de infração bagatelar: a própria e a imprópria. Vejamos estes dois conceitos.
20. Novamente nos valeremos do escólio do professor Luiz Flávio Gomes. Quanto à infração bagatelar própria, eis o quanto dito pelo citado professor, verbis: “Infração bagatelar própria: é a que já nasce sem nenhuma relevância penal, porque não há (um relevante) desvalor da ação (ausência de periculosidade na conduta, falta de reprovabilidade da conduta, mínima ofensividade ou idoneidade) ou um relevante desvalor do resultado jurídico (não se trata de ataque grave ou significativo ao bem jurídico, que mereça a incidência do Direito penal) ou ambos[7]”. (grifos nossos)
21. Já quanto à infração bagatelar imprópria tem-se o seguinte conceito: “Infração bagatelar imprópria: é a que nasce relevante para o Direito penal (porque há desvalor da conduta bem como desvalor do resultado), mas depois se verifica que a incidência de qualquer pena no caso concreto apresenta-se totalmente desnecessária (princípio da desnecessidade da pena conjugado com o princípio da irrelevância penal do fato)[8]”. (grifos nossos)
22. A conduta cometida pelo denunciado pode até possuir uma carga de desvalor na ação, bem como, no resultado, caso não se conclua pelo entendimento de que se trata de uma infração bagatelar própria. Todavia, a pena se mostra desnecessária e contraproducente neste caso.
23. Não se pode, na análise do caso concreto, negar a realidade social em que está inserida a pessoa que comete uma figura, em tese, antijurídica. Não se pode negar que, in casu, está-se diante de quadro comparável ao furto famélico.
24. Classicamente temos a seguinte conceituação do furto famélico: “O furto famélico consiste basicamente na subtração de coisa alheia móvel por aquele que se encontra em estado de penúria e que busca saciar sua própria fome ou de sua família[9]”.
25. No entanto, não é vedada a analogia in bonam partem. O jurista Guilherme de Souza Nucci[10], acerca desta modalidade de analogia, assim faz constar: “É o uso da analogia em benefício do réu, pois permite a sua absolvição ou aplicação de pena mais branda a uma situação fática não prevista expressamente em lei. Em face do princípio da legalidade, somente se admite a analogia benéfica em casos excepcionais. Ilustrando, pode-se aceitar o aborto de mulher vítima de violação sexual mediante fraude por analogia ao estupro, previsto no art. 128, II, CP. Em processo penal, admite-se livremente o uso de analogia para suprir lacunas (art. 3.º, CPP)”.
26. No caso em debate, o acusado furtou roupas e um chinelo. Duas bermudas [que foram recuperadas] e um chinelo [também recuperado]. Furtou objetos para que pudesse ter o mínimo para se vestir decentemente, de acordo com o que a dignidade humana recomenda. Apenas um chinelo, para não queimar os pés no concreto e no asfalto escaldante deste intenso verão em que vivemos. Se o acusado tivesse furtado vários chinelos com o escopo de revendê-los ou trocá-los sabe-se lá pelo que [até mesmo por drogas], o quadro seria outro. Mas, foi apenas um chinelo para uso próprio. Chinelo este que, repita-se, foi recuperado pela vítima.
27. Furtou também, premido pelo desespero, duas peças de roupa [bermudas] para que tivesse o mínimo para se vestir. E o fez por absoluto estado de necessidade. Como dito, não houve o furto de grande quantidade, mas apenas do básico e necessário para uso próprio.
28. Assim como o douto Magistrado a quo defende que pode decidir com base em indícios, fica evidente que o acusado não precisava verbalizar, no momento da apreensão, no interrogatório policial e/ou no judicial, que os objetos furtados se destinavam ao uso próprio, pois tal ilação decorre de um processo lógico simples: o acusado, no dia dos fatos, não furtou absolutamente nada além do necessário para o uso pessoal de uma pessoa normal, ou como sempre diz o Min. Marco Aurélio do Supremo Tribunal Federal, do “homem médio”.
29. Quisesse o acusado promover uma verdadeira balbúrdia e danos patrimoniais de grande monta teria, no dia dos fatos, furtado várias lojas do centro comercial de Birigui, uma vez que, todas mantêm inúmeras mercadorias expostas praticamente em suas calçadas. Mas, não o fez!
30. Isso, inquestionavelmente, deve ser levado em consideração.
31. Voltando, ainda, à questão bagatelar das res furtivas, chega-se ao fundamento da desnecessidade da pena. Nesse sentido, temos as seguintes palavras de Luiz Flávio Gomes, nestes termos: “O fundamento da desnecessidade da pena (leia-se: da sua dispensa) reside em múltiplos fatores: ínfimo desvalor da culpabilidade, ausência de antecedentes criminais, reparação dos danos, reconhecimento da culpa, colaboração com a justiça, o fato de o agente ter sido processado, o fato de ter sido preso ou ter ficado preso por um período etc. Tudo deve ser analisado pelo juiz em cada caso concreto. Lógico que todos esses fatores não precisam concorrer conjugadamente. Cada caso é um caso. Fundamental é o juiz analisar detidamente as circunstâncias do fato concreto (concomitantes e posteriores) assim como seu autor[11]”.
32. Ademais, trata-se, o denunciado, de um miserável, que perambula pelas ruas. Furtou o chinelo porque, certamente, não tinha o que calçar e as bermudas, porque não tinha o que vestir.
33. Qual a vantagem de se condenar alguém que já está condenado pela vida?
34. Há casos que requerem o encarceramento como medida de recuperação e de ressocialização da pessoa que cometeu o crime. Mas, há situações, como a do caso presente, em que a medida de encarceramento se mostra, além de político-criminalmente contraproducente, extremamente desumana e desproporcional.
35. Um dos princípios norteadores do Direito Penal é o da intervenção mínima. Não se pode usar o Direito Penal como remédio genérico para tudo, devendo, seu instrumental repressivo, ser guardado para os casos efetivamente sérios e que demandem, com seriedade, o resguardo da sociedade e dos bens jurídicos penalmente tutelados, em razão de sua alta relevância.
36. Nesse sentido, voto de Guilherme de Souza Nucci[12], no Recurso em Sentido Estrito nº 0036103-65.2014.8.26.0050, Comarca: São Paulo, Apelante: Ministério Público; Apelado: Ramon Oliveira Silva, litteris:
VOTO Nº. 8064
Recurso em sentido estrito. Furto simples tentado. Não recebimento da denúncia por falta de justa causa. Apelo ministerial. Pleito de recebimento da exordial e prosseguimento do feito. Impossibilidade. Incidência do princípio da insignificância. 'Res furtiva' avaliada em menos de R$25,00. Análise das condições da vítima e do apelante. Mantida a rejeição da denúncia. Recurso improvido.
Trata-se de recurso em sentido estrito, interposto pelo Ministério Público contra sentença de primeiro grau (fls. 50/50v), prolatada em 18 de junho de 2014, pelo MM. Juiz de Direito, Dr. Gilberto Azevedo de Moraes Costa, da 17ª Vara Criminal do Foro Central da Comarca da Capital, em que foi rejeitada a denúncia contra RAMON OLIVEIRA SILVA, com fundamento no art. 385, III, do Código de Processo Penal, da acusação que lhe imputava a prática do art. 155, caput, c.c. art. 14, inciso II, ambos do Código Penal.
Inconformado, o representante do Ministério Público interpôs o presente recurso em sentido estrito, requerendo o afastamento do princípio da insignificância e recebimento da denúncia (fls. 63/68).
A defesa do réu se bateu pelo acerto do decisum (fls. 74/75) e a d. Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo provimento do recurso ministerial (fls. 85/89).
É o relatório.
Segundo consta, o apelado dirigiu-se até o estabelecimento comercial “Mini Mercado Extra”, na Rua Parapuã, n.º 180, Freguesia do Ó, nesta comarca, e foi surpreendido por policiais militares na tentativa de furtar fios de cobre do prédio, somente não se consumando o delito por circunstâncias alheias à sua vontade.
Os fios foram avaliados em R$25,00. Formulada a denúncia, esta foi rejeitada pelo juízo a quo, com base na falta de justa causa para a ação penal.
A doutrina é praticamente unânime ao elencar entre os princípios constitucionais implícitos o da intervenção mínima. O direito penal não deve interferir em demasia na vida do corpo social, guardando-se, exclusivamente, para as situações que atentam de forma mais grave aos bens jurídicos protegidos; é mister a intervenção penal quando indispensável ao caso concreto a aplicação de reprimenda não prevista em outros ramos do direito.
Tenho defendido que, caso o bem jurídico possa ser protegido de outro modo, deve-se abrir mão da opção legislativa penal, justamente para não banalizar a punição, tornando-a, por vezes, ineficaz, porque não cumprida pelos destinatários da norma e não aplicada pelos órgãos estatais encarregados da segurança pública. Podemos anotar que a vulgarização do direito penal, como norma solucionadora de qualquer conflito, pode levar ao seu descrédito e, consequentemente, à ineficiência de seus dispositivos.
Importa, ainda, destacar o princípio da ofensividade, não havendo delito sem que haja efetiva e significativa lesão ao bem jurídico tutelado. Da conjugação dos institutos acima referidos, exsurge o necessário princípio da insignificância (ou bagatela), o qual tem sido hodiernamente aplicado pelos Tribunais Superiores:
HABEAS CORPUS. PENAL. PROCESSUAL PENAL. TENTATIVA DE FURTO. INEXISTÊNCIA DE LESÃO A BEM JURIDICAMENTE PROTEGIDO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA: INCIDÊNCIA. ANÁLISE RESERVADA AOS ASPECTOS OBJETIVOS DO FATO. PRECEDENTES. ORDEM CONCEDIDA. 1. A tentativa de furto praticada pela Paciente não resultou em dano ou perigo concreto relevante, de modo a lesionar ou colocar em perigo o bem jurídico reclamado pelo princípio da ofensividade. A conduta tem contornos que demonstram pouca importância de relevância na seara penal, pois, apesar de haver lesão a bem juridicamente tutelado pela norma, incide, na espécie, o princípio da insignificância, que reduz o âmbito de proibição aparente da tipicidade legal e, por consequência, torna atípico o fato denunciado. 2. A jurisprudência deste Supremo Tribunal admite, em casos específicos, a incidência do princípio da insignificância, em face de aspectos objetivos do fato. Tais aspectos apresentam-se no caso, a autorizar a concessão da ordem pleiteada. 3. Ordem concedida. (STF, 1ª T., HC 96822, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, j. em 16/06/2009)
AÇÃO PENAL. Justa causa. Inexistência. Delito de furto. Subtração de roda sobressalente com pneu de automóvel estimados em R$ 160,00 (cento e sessenta reais). Res furtiva de valor insignificante. Crime de bagatela. Aplicação do princípio da insignificância. Irrelevância de considerações de ordem subjetiva. Atipicidade reconhecida. Absolvição. HC concedido para esse fim. Precedentes. Verificada a objetiva insignificância jurídica do ato tido por delituoso, é de ser afastada a condenação do agente, por atipicidade do comportamento (STF, 2ª T., HC 93393, Rel. Min. CEZAR PELUSO, j. em 14/04/2009).
Desta feita, embora não seja expressamente previsto em nosso ordenamento, o princípio da insignificância é certamente existente na prática dos tribunais.
Tanto assim o é que o próprio Conselho Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo reconhece a aplicabilidade de referido princípio em relação aos crimes ambientais de pequena monta. Neste sentido editou-se a súmula nº 29 que assim dispõe:
“O Conselho Superior homologará arquivamento de inquéritos civis ou assemelhados que tenham por objeto a supressão de vegetação em área rural praticada de forma não continuada, em extensão não superior a 0,10 ha., se as circunstâncias da infração não permitirem vislumbrar, desde logo, impacto significativo ao meio ambiente.”
No mais, o princípio da insignificância, causa supralegal de exclusão da tipicidade, não se afere exclusivamente no valor da coisa furtada, mas, também, nos demais elementos fáticos a tornearem a conduta.
Em relação a isso, tem-se que o bem jurídico tutelado há de ser considerado sob o ponto de vista da vítima e não somente do agressor, para que não haja uma indevida elitização da tutela penal.
No caso em apreço, cuida-se de delito tentado, não tendo a vítima experimentado prejuízo efetivo. O segundo critério trata da impossibilidade de se considerar, para a aplicação da bagatela, tão somente a unidade delitiva. Há de se levar em conta, portanto, a pessoa do autor e o modo como desenvolveu sua conduta. In casu, o réu é primário, sem antecedentes, não sendo o caso de crime perpetrado com violência ou grave ameaça.
O valor do bem, caso fosse comprado novo, seria em torno de R$25,00, o que permite o reconhecimento da bagatela.
Verifico, assim, hipótese de aplicação do princípio da insignificância e, portanto, falta de justa causa para a ação penal.
Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento ao apelo ministerial, mantendo-se, in totum, a r. decisão atacada de rejeição da denúncia. (grifos nossos)
GUILHERME DE SOUZA NUCCI
Relator
37. O voto acima transcrito aplica-se, in totum, ao caso presente, pois, além de se poder fazer uma analogia (in bonam partem) com o conceito jurídico de furto famélico, afinal, o acusado furtou roupas para uso pessoal, tem-se, igualmente, que o valor da res furtiva é insignificante, jungindo-se a isso, ainda, o fato de que todos os objetos furtados foram devidamente restituídos aos seus legítimos proprietários.
38. O simples e puro encarceramento apenas agravará ainda mais a situação sócio-humana do denunciado, carreando ao mesmo apenas o aumento de sua ficha de antecedentes criminais. Nada além disso. Mostra-se extremamente oneroso ao Estado manter o denunciado encarcerado, diante da ínfima gravidade do delito imputado ao mesmo.
39. Eis um ponto a se pensar no momento da valoração das provas dos autos. Diante disso, a incidência do princípio da insignificância, neste caso, mostra-se político-criminalmente adequada e pertinente. Ademais, atende aos princípios constitucionais da razoabilidade, proporcionalidade, individualização e humanização das penas. Quatro princípios fundamentais ao Direito Penal.
40. Quanto ao princípio da insignificância, assim o douto Magistrado a quo fez constar, fls. 262: “Neste ponto, entendo não ser caso de se admitir o princípio da insignificância (crime de bagatela), como pretendido pela defesa, porque, além de a res furtiva não ser pequeno valor R$ 72,80 (fl. 55), isso em nada beneficia o réu, vez que o legislador brasileiro não acolheu o princípio da insignificância para afastar o delito [1]. Em outros termos, o fato de as coisas furtadas terem valor irrisório não significa que o fato seja tão insignificante para permanecer no limbo da criminalidade, visto que no direito brasileiro o princípio da insignificância ainda não adquiriu foros de cidadania [2], de molde a excluir tal evento de moldura da tipicidade pena, mormente no caso, em que o réu, em um dia, praticou dois furtos, um consumado e um tentado” (sic).
41. [1] O princípio da insignificância não visa “afastar o delito”, mas justificar e fundamentar a desnecessidade (ou não necessidade) da pena, por um critério de política criminal, de razoabilidade e proporcionalidade. Afinal, qual a finalidade de se abarrotar os presídios se não há recursos financeiros nem para pagar o funcionalismo público?
42. [2] A 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal consolidou a aplicação do princípio da insignificância. A consolidação deu-se em razão do julgamento do Habeas Corpus n.º 138.697[13], que reformou decisão do Superior Tribunal de Justiça.
43. Acerca do princípio da insignificância o professor e jurista Rômulo de Andrade Moreira leciona: “Como se sabe, o princípio da insignificância foi pensado por Claus Roxin, na década de 60, a partir do princípio da adequação social, anteriormente criado por Welzel. Segundo Roxin, em linhas gerais, era necessário introduzir no sistema penal um outro princípio que permitisse, em alguns tipos penais, excluir os danos de pouca importância, pois, como diz, Ferrajoli, “la necesaria lesividad del resultado, cualquiera que sea la concepción que de ella tengamos, condiciona toda justificación utilitarista del derecho penal como instrumento de tutela y constituye su principal límite axiológico externo. Palabras como ‘lesión’, ‘daño’ y ‘bien jurídico’ son claramente valorativas.””.
44. No caso versado no Habeas Corpus n.º 138.697[14] (Minas Gerais), de Relatoria do Min. Ricardo Lewandowski, o paciente foi condenado pelo furto de um aparelho de telefonia móvel, avaliado em R$90,00 (noventa reais). Disse, naquela oportunidade, o Min. Ricardo Lewandowski (HC anexo), litteris: “Alega a incidência, in casu, do princípio da insignificância, uma vez que “a conduta perpetrada pelo agente não gerou qualquer prejuízo, vez que o objeto foi restituído ao seu proprietário, de modo que a lesão ao bem jurídico tutelado é inexpressiva, nula a periculosidade social da ação e também reduzidíssima a ofensividade da conduta e a reprovabilidade do comportamento atribuído ao paciente”. Acrescenta, ainda, que a lesão jurídica provocada pode ser adjetivada de inexpressiva, considerado o pequeno valor do objeto furtado (R$ 90,00 - noventa reais) e que dela não resultou diminuição do patrimônio da vítima” (grifos acrescidos).
45. Disse ainda o ilustre Min. Ricardo Lewandowski, verbis: “O cerne desta impetração cinge-se ao reconhecimento da atipicidade da conduta da paciente em face da aplicação do princípio da insignificância. Destarte, ao perceber que não se reconheceu a aplicação do princípio da insignificância, tendo por fundamento uma única condenação anterior, na qual o ora paciente foi identificado como mero usuário, entendo que ao caso em espécie, ante inexpressiva ofensa ao bem jurídico protegido, a ausência de prejuízo ao ofendido e a desproporcionalidade da aplicação da lei penal, deve ser reconhecida a atipicidade da conduta. Esse, inclusive, foi o entendimento a que esta Turma chegou, no julgamento do HC 137.422/SC, de minha relatoria, no qual se aplicou o princípio da insignificância mesmo constando nos autos registros anteriores da prática de delitos. Dessa maneira, tenho que os fatos narrados não demonstram a necessidade da tutela penal, haja vista a insignificância da conduta sob exame. Portanto, vislumbro, no caso sob exame, a existência de manifesto constrangimento ilegal, que autoriza a concessão da ordem. Isso posto, concedo a ordem para trancar a ação penal”. (grifos acrescidos)
46. Já no HC n.º 137.422[15] (Santa Catarina), do STF, de Relatoria também do Min. Ricardo Lewandowski, o princípio da insignificância foi concedido em um caso em que o acusado furtou 12 barras de chocolate de um supermercado. Eis o quanto dito pelo Ministro, litteris: “Chamo a atenção, assim, que estamos julgando se a tentativa de furto de 12 barras de chocolate teria relevância suficiente a justificar a aplicação da lei penal ao caso em espécie, de modo que o cerne desta impetração cinge-se ao reconhecimento da atipicidade da conduta da paciente em face da aplicação do princípio da insignificância. A pretensão merece ser acolhida. Como se sabe, a configuração do delito de bagatela, conforme têm entendido as duas Turmas deste Tribunal, exige a satisfação de certos requisitos, de forma concomitante: a conduta minimamente ofensiva, a ausência de periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a lesão jurídica inexpressiva. Observo, no entanto, que consta dos autos o rol de antecedentes criminais do paciente (págs. 24-31 do documento eletrônico 2), que traz ao conhecimento registros anteriores da prática de delitos contra pessoa e contra o patrimônio. Ainda que a análise dos autos revele a reiteração delitiva, o que, em regra, impediria a aplicação do princípio da insignificância em favor da paciente, em razão do alto grau de reprovabilidade do seu comportamento, não posso deixar de registrar que o caso dos autos se assemelha muito àquele que foi analisado por esta Turma no HC 137.290/MG, Redator para o acórdão Min. Dias Toffoli, na assentada do dia 7/2/2017. No ponto, esta Turma, por maioria de votos, concedeu a ordem de habeas corpus para reconhecer a atipicidade da conduta da paciente que tentou subtrair de um supermercado 2 frascos de desodorante e 5 frascos de goma de mascar, avaliados em R$ 42,00 (quarenta e dois reais), mesmo possuindo registros criminais pretéritas. Assim, ainda que aqueles fatos pretéritos indicassem certa propensão à prática de crimes, esta Segunda Turma concedeu a ordem para reconhecer a atipicidade da conduta, seja pela aplicação do art. 17 do Código Penal (ineficácia absoluta do meio empregado), seja pela aplicação do princípio da insignificância. Destarte, ao reconhecer que o presente caso guarda consonância com aquele analisado no HC 137.290/MG, tanto pelo modus operandi (tentativa de furto de produtos de um supermercado) e res furtiva (valor e tipo de produto), como pela conduta minimamente ofensiva do agente, em que pese constarem duas condenações criminais por tentativa de furto no rol de antecedentes criminais (pág. 24 do documento eletrônico 2), entendo que ao caso em espécie, ante inexpressiva ofensa ao bem jurídico protegido, a ausência de prejuízo ao ofendido e a desproporcionalidade da aplicação da lei penal, deve ser reconhecida a atipicidade da conduta. Dessa maneira, tenho que os fatos narrados não demonstram a necessidade da tutela penal, haja vista a insignificância da conduta sob exame. Portanto, vislumbro, no caso sob exame, a existência de manifesto constrangimento ilegal, que autoriza a concessão da ordem. Isso posto, concedo a ordem para trancar a ação penal”.
47. Digno de menção, ainda, o Habeas Corpus n.º 123.108[16] (Minas Gerais), do STF, de Relatoria do Min. Luis Roberto Barroso, que se encontra assim ementado, verbis: “Ementa: PENAL. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. CRIME DE FURTO SIMPLES. REINCIDÊNCIA. 1. A ausência de critérios claros quanto ao princípio da insignificância gera o risco de casuísmos, prejudica a uniformização da jurisprudência e agrava a já precária situação do sistema carcerário – que, de maneira geral, está superlotado e oferece condições degradantes. 2. O princípio da insignificância, em caso de furto, exclui a tipicidade material nas hipóteses em que não se identifique relevante desvalor da ação e/ou do resultado, embora a conduta seja formalmente típica. 3. A jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal tem afastado a incidência do princípio da insignificância nos casos de reincidência e de furto qualificado (CP, art. 155, § 4º). 4. A circunstância de se tratar de réu reincidente ou de furto qualificado não deve, por si só, impedir a aplicação do princípio da insignificância, cujo afastamento deve ser objeto de motivação específica à luz das circunstâncias do caso (e.g., número de reincidências, especial reprovabilidade decorrente de qualificadoras etc.). 5. De todo modo, a caracterização da reincidência múltipla, para fins de afastamento do princípio da insignificância, exige a ocorrência de trânsito em julgado de decisões condenatórias anteriores, que devem ser referentes a crimes da mesma espécie. 6. Mesmo quando se afaste a insignificância por força da reincidência ou da qualificação do furto, o encarceramento do agente, como regra, constituirá sanção desproporcional, por inadequada, excessiva e geradora de malefícios superiores aos benefícios. 7. Como consequência, deve ser fixado regime inicial aberto domiciliar, substituindo-se, como regra, a pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, mesmo em se tratando de réu reincidente, admitida a regressão em caso de inobservância das condições impostas. Interpretação conforme a Constituição do Código Penal (arts. 33, § 2º, c; 44, II, III e § 3º) e da Lei de Execução Penal (art. 117). 8. No caso concreto, trata-se de furto simples de um par de sandálias, avaliado em R$ 16,00 (dezesseis reais), por réu com duas condenações anteriores transitadas em julgado por crime de furto, o que não é capaz de afastar a aplicação do princípio da insignificância. 9. Ordem concedida para considerar atípica a conduta do paciente” (sem grifos no original).
48. O Habeas Corpus n.º 123.108[17] tratou do furto de um par de sandálias no valor de R$16,00. O Min. Luis Roberto Barroso, como de costume, dando uma verdadeira aula ao manifestar sua relatoria, assim fez constar, no tópico Introdução, litteris: “1. O caso é mais um entre muitos que têm chegado a este Tribunal com o objetivo de discutir a aplicação do chamado “princípio da insignificância”. Apesar do volume, o tema não teve repercussão geral reconhecida pela Corte, por seis votos contra dois (e três abstenções), tendo a maioria entendido que a questão envolveria ofensa constitucional meramente reflexa ou indireta (AI 747.522, Rel. Min. Cezar Peluso). 2. Nada obstante, em razão da quantidade de casos que esta Corte vem apreciando sobre o assunto pela via do habeas corpus, e, ainda, considerando a importância do papel do STF no oferecimento de parâmetros para uma jurisprudência uniforme, decidi estudar a matéria mais detidamente e elaborar algumas reflexões. O objetivo é singelo: não formular grandes inovações teóricas, mas organizar as ideias e propor aperfeiçoamentos, tomando como referencial o estágio atual da doutrina e da jurisprudência da Corte. Limito-me, por ora, a apontamentos gerais sobre o princípio da insignificância e sua aplicação ao crime de furto. 3. Uma das circunstâncias inerentes ao ofício jurisdicional é a apreciação de casos em que a solução prevista em lei levaria a resultados manifestamente injustos. Há situações que, embora enquadráveis no relato geral de um enunciado normativo, não parecem merecer as consequências concebidas pelo legislador, aplicáveis a partir de um raciocínio meramente silogístico. Daí a necessária mediação do intérprete, a fim de calibrar eventuais excessos e produzir no caso concreto a solução mais harmônica com o sistema jurídico. Assim já escrevi sobre o tema: “A interpretação tradicional punha ênfase quase integral no sistema jurídico, na norma jurídica que deveria ser interpretada e aplicada ao caso concreto. Nela estaria contida, em caráter geral e abstrato, a prescrição que deveria reger a hipótese. O problema, por sua vez, deveria oferecer os elementos fáticos sobre os quais incidiria a norma, o material que nela se subsumiria. E o intérprete, por fim, desempenharia a função técnica de identificar a norma aplicável, de revelar o seu sentido e fazê-la incidir sobre os fatos do caso levado a sua apreciação. Nesse ambiente, que se pode identificar como liberal-positivista, acreditava-se piamente na objetividade da atividade interpretativa e na neutralidade do intérprete. Para bem e para mal, a vida não é assim. Na interpretação constitucional contemporânea, a norma jurídica já não é percebida como antes. Em primeiro lugar porque, em múltiplas situações, ela fornece apenas um início de solução, não contendo, no seu relato abstrato, todos os elementos para determinação do seu sentido. É o que resulta da utilização, frequente nos textos constitucionais, da técnica legislativa que recorre a cláusulas gerais (v. infra). E, em segundo lugar, porque vem conquistando crescente adesão na ciência jurídica a tese de que a norma não se confunde com o enunciado normativo – que corresponde ao texto de um ou mais dispositivos –, sendo, na verdade, o produto da interação texto/realidade. Nessa visão, não existe norma em abstrato, mas somente norma concretizada. Nesse cenário, o problema deixa de ser apenas o conjunto de fatos sobre o qual irá incidir a norma, para se transformar no fornecedor de parte dos elementos que irão produzir o Direito. Em múltiplas situações, não será possível construir qualquer solução jurídica sem nela integrar o problema a ser resolvido e testar os sentidos e resultados possíveis. Esse modo de lidar com o Direito é mais típico dos países da tradição do common law, onde o raciocínio jurídico é estruturado a partir dos fatos, indutivamente, e não a partir da norma, dedutivamente. No entanto, em países da família romano-germânica, essa perspectiva recebeu o impulso da Tópica, cuja aplicação ao Direito beneficiou-se da obra seminal de Theodor Viehweg, e de seu método de formulação da solução juridicamente adequada a partir do problema concreto (v. supra). Embora não tenha sido vitoriosa como método autônomo, a Tópica contribuiu de maneira decisiva para a percepção de que fato e realidade são elementos decisivos para a atribuição de sentido à norma, mitigando o poder da norma abstrata e o apego exagerado a uma visão sistemática do Direito. Por fim, a dogmática contemporânea já não aceita o modelo importado do positivismo científico de separação absoluta entre sujeito da interpretação e objeto a ser interpretado. O papel do intérprete não se reduz, invariavelmente, a uma função de conhecimento técnico, voltado para revelar a solução contida no enunciado normativo. Em variadas situações, o intérprete torna-se co-participante do processo de criação do Direito, completando o trabalho do constituinte ou do legislador, ao fazer valorações de sentido para as cláusulas abertas e ao realizar escolhas entre soluções possíveis. Como consequência inevitável, sua pré-compreensão do mundo – seu ponto de observação, sua ideologia e seu inconsciente – irá influenciar o modo como apreende a realidade e os valores sociais que irão embasar suas decisões. Registre-se que juízes e tribunais são intérpretes finais da Constituição e das leis, mas não são os únicos. Boa parte da interpretação e aplicação do Direito é feita, fora de situações contenciosas, por cidadãos ou por órgãos estatais.” (Curso de direito constitucional contemporâneo, 2013, p. 331-333) 4. O debate geral sobre o papel da norma, do problema e do intérprete encontra no princípio da insignificância uma de suas possíveis projeções no direito penal. Cuida-se de discutir, em síntese, se os fatos concretamente apurados, embora formalmente enquadráveis em um tipo penal, são graves a ponto de justificar uma sanção criminal ao agente. 5. Coerentemente com as premissas acima enunciadas, passo a expor, na qualidade de intérprete e de forma sumária, minha pré-compreensão sobre o cenário por trás do tema, o mais fielmente possível às convicções que pude elaborar conscientemente até o momento”. (grifos nossos)
49. No tópico II, sob a rubrica Pré-compreensão sobre o Direito Penal brasileiro, o crime de furto e o sistema carcerário, o Min. Luis Roberto Barroso, ainda no HC n.º 123.108, faz constar: “6. O direito penal deve ser moderado e sério: sem excesso de tipificações, que geralmente importam em criminalização da pobreza, e sem exacerbação de penas, que apenas superlotam presídios degradados. Na clássica, mas ainda atual lição de Cesare Beccaria: “A perspectiva de um castigo moderado, mas inevitável, causará sempre uma impressão mais forte do que o vago temor de um suplício terrível, em relação ao qual se apresenta alguma esperança de impunidade” (Dos delitos e das penas, 1764). 7. Assim, respeitado o direito de defesa, se a punição se impuser, ela deve ser aplicada. O direito penal desempenha idealmente uma função social importante de prevenção geral. Seu papel é – ou deveria ser – menos retributivo e mais o de desestimular novos atos criminosos. Na prática, porém, isto não ocorre. Em 2011, o Min. Cezar Peluso, então Presidente do STF e do CNJ, disse que 7 em cada 10 presos voltam ao crime: uma das maiores taxas de reincidência do mundo. 8. O problema pode ser explicado a partir das deficiências estruturais do sistema penal brasileiro, especialmente na sua porta de entrada, que é a investigação policial, e na porta de saída, onde se situa a execução penal e o sistema penitenciário em geral. Entre esses dois extremos encontram-se o Ministério Público e o Poder Judiciário, que conseguiram se organizar relativamente bem sob a Constituição de 1988. A atividade policial, no entanto, é vista como algo menor do que as funções de acusar e julgar. Isso se reflete numa Polícia mal paga, mal equipada, sem capacidade de investigação e vizinha de porta da criminalidade: um cenário propício a episódios de violência e corrupção, cujas vítimas se concentram nas camadas socialmente menos favorecidas. 9. Na outra ponta há o sistema carcerário, que é um capítulo à parte. A situação é tão calamitosa que os juízes, no geral, apegam-se a qualquer formulação razoavelmente aceitável que impeça enviar alguém para o sistema penitenciário, sobretudo nas hipóteses de crimes não violentos. A razão evidente é de que mandar uma pessoa para o sistema é submetê-la a uma pena mais grave do que a que lhe foi efetivamente imposta, em razão da violência física, sexual e do alto grau de insalubridade das carceragens, notadamente devido ao grave problema da superlotação. 10. Nesse sentido, estudo do Conselho Nacional de Justiça, coordenado pelo Conselheiro Guilherme Calmon, divulgado no início do mês de junho deste ano, atualizou os números da dura realidade do sistema prisional. Existem atualmente no Brasil 567.655 presos, em um sistema que só tem capacidade para 357.219. O déficit, portanto, chega a 210.436 vagas. O número se torna ainda mais impressionante se complementados com duas outras estatísticas: (i) existem 147.937 pessoas em prisão domiciliar, por falta de vagas no sistema aberto; e (ii) há 373.991 mandados de prisão aguardando cumprimento. Mesmo com todas essas pessoas fora do sistema, o Brasil tem a quarta maior população carcerária do mundo, atrás apenas de Estados Unidos, China e Rússia. Se forem computados os presos domiciliares, subimos para a terceira posição. Existe um certo paradoxo nesse cenário. A população tem uma sensação difusa de impunidade. Ainda assim, o país pune muito, com estatísticas de encarceramento crescentes. Prende muito e prende mal, segundo consenso de todos os especialistas. 11. Em qualquer regime republicano, o direito penal deve ter caráter igualitário, e não servir de instrumento de reforço das desigualdades. Porém, as deficiências acima apontadas fazem com que o sistema penal brasileiro seja extremamente seletivo em relação à sua clientela preferencial. É por essa razão que, no Brasil de hoje, é mais fácil prender um jovem de 18 anos que porta 100 gramas de maconha do que um agente político ou empresário que comete uma fraude milionária. 12. As estatísticas comprovam que tais afirmações são algo mais do que uma simples pré-compreensão. Segundo relatório do Departamento Penitenciário Nacional, em 12.2012 havia um total de 548.003 presos, dos quais cerca de 35,5% (195.036) eram provisórios. O nível de escolaridade de quase 60% deles (323.344) não passa do ensino fundamental incompleto, sendo que aproximadamente 5% (27.813) são analfabetos e outros 11,7% (64.102) são apenas alfabetizados. A maioria dos presos é de negros ou pardos (294.999, ou 53,8%). Quase metade dessas pessoas (267.975, ou 49%) está no sistema prisional por crimes contra o patrimônio, sendo cerca de 14% por furto: 7% (38.027) por furto simples e outros 7% (39.846) por furto qualificado (CP, art. 155, §§ 4º e 5º). 13. O furto, como se sabe, consiste na subtração de coisa alheia móvel (CP, art. 155), sem violência ou grave ameaça. Embora o bem jurídico protegido seja o patrimônio, a respectiva ação penal é pública incondicionada, o que reflete a ênfase do legislador de 1940 na repressão a crimes patrimoniais. A pena é de um a quatro anos de reclusão e multa. 14. Passados quase 75 anos, está em análise um Anteprojeto de Código Penal elaborado por uma Comissão de Juristas presidida pelo Min. Gilson Dipp, do STJ, recentemente aposentado, que propôs a “descarceirização do furto”: “A descarceirização do furto. Tido como um dos crimes que mais encarcera em nosso país (ainda que por conta de reincidentes) o furto mereceu da Comissão de Reforma a adoção de mecanismos que evitam a pena de prisão, exceto nas variações de maior gravidade. A pena foi reduzida para o intervalo de seis meses a três anos e permitiu-se a aplicação exclusiva de multa, se o agente for primário e a coisa furtada tiver pequeno valor. Além disso, se oferece a possibilidade de extinção da punibilidade no furto simples ou com aumento de pena, se houver a reparação do dano, aceita pela vítima. A ação penal será, nestes casos, sujeita à representação. (...)”. 15. Além disso, a Comissão propôs a previsão expressa do princípio da insignificância: “Art. 28, § 1º. Também não haverá fato criminoso quando cumulativamente se verificarem as seguintes condições: a) mínima ofensividade da conduta do agente; b) reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento; c) inexpressividade da lesão jurídica provocada.” 16. O texto não foi integralmente aprovado pela Comissão de Senadores que analisou o Projeto de Lei em 17.12.2013. Manteve, porém, a previsão expressa do princípio da insignificância e a representação para a ação penal no crime de furto. Enquanto o projeto não é convertido em lei, porém, é preciso continuar a trabalhar com as normas vigentes. 17. Em matéria de insignificância, como tudo o que envolve o sistema penal brasileiro, a seletividade também está presente. Nesse sentido, qualquer observador da atual jurisprudência do Supremo Tribunal Federal pode confirmar que o furto de um par de chinelos, de dois frascos de sabonete íntimo ou de alguns bombons, todos avaliados em menos de R$ 50,00 (cinquenta reais), justifica a prisão do acusado, em regime inicial no mínimo semiaberto, caso se trate de reincidente. No entanto, se uma pessoa comete descaminho por duas vezes, sonegando R$ 5.000,00 (cinco mil reais) em tributos na primeira oportunidade e R$ 10.000,00 (dez mil reais) na segunda, o sistema penal não é acionado, por não ter sido excedido o limite de R$ 20.000,00 (vinte mil reais). 18. Em conclusão deste tópico, é fora de dúvida que o sistema punitivo no Brasil não realiza adequadamente qualquer das funções próprias da pena criminal: não previne, não ressocializa, nem prevê retribuição na medida certa. A despeito disso, toda sociedade democrática precisa de uma dose inevitável e proporcional de repressão penal e punição, como pressuposto da vida civilizada e da proteção dos direitos humanos de todos. É imperativo, portanto, encontrar um ponto de equilíbrio. Neste cenário, a jurisprudência não pode ignorar a realidade, como se estivéssemos na Suécia, onde alguns presídios estão sendo fechados por falta de população carcerária. De fato, sem descurar dos deveres de proteção que o Estado tem para com a sociedade, as instituições e as pessoas, juízes e tribunais devem prestigiar os entendimentos razoáveis que não sobrecarreguem ainda mais o sistema, nem tampouco imponham aos apenados situações mais gravosas do que as que decorrem da lei e das condenações que sofreram. A Justiça, aqui, envolve a ponderação entre os deveres de proteção da sociedade e o respeito aos direitos fundamentais dos condenados, temperada com uma dose de pragmatismo e de senso de realidade. 19. À luz dessas premissas e desse contexto, passo a analisar mais especificamente o princípio da insignificância”. (grifos nossos)
50. Fica evidente que o Direito não é um bloco de gelo inquebrável, mas, fundamentalmente, uma realidade social mutável e mutante, que deve se adequar à realidade posta e não ser aplicado ao “país das maravilhas” da personagem Alice da Walt Disney.
51. Da realidade que temos para a realidade que queremos ainda há um sem número de problemas políticos, que são resolvidos com a força de vontade célere de uma pessoa que rola um grande bloco monolítico da base ao cume do Everest.
52. Nunca se encarcerou tanto em nosso país e nunca os índices de criminalidade e déficit de vagas no sistema carcerário estiveram tão altos. E quem paga o preço? A resposta é de todos conhecida.
53. A União não tem recursos financeiros suficientes nem para remunerar adequadamente os funcionários do Poder Judiciário, que fazem um trabalho hercúleo com o sistema sucateado que possuem e, mesmo assim, em épocas eleitoreiras, se propagandeia aos quatro cantos o investimento maciço em novas unidades penitenciárias. Com que dinheiro? Só se for o da Operação Lava-Jato!
54. Por conseguinte, o encarceramento a qualquer custo não é o caminho.
55. Nesse sentido, aliás, a mais abalizada doutrina penal brasileira, sendo de se ressaltar as palavras de Cezar Roberto Bitencourt apud Luis Roberto Barroso (HC n.º 123.108-MG-STF), litteris: “Os altos índices de reincidência têm sido, historicamente, invocados como um dos fatores principais da comprovação do efetivo fracasso da pena privativa de liberdade, a despeito da presunção de que, durante a reclusão, os internos são submetidos a um tratamento ressocializador. As estatísticas de diferentes países, dos mais variados parâmetros políticos, econômicos e culturais, são pouco animadoras, e, embora os países latino-americanos não apresentem índices estatísticos confiáveis (quando não, inexistentes), é este um dos fatores que dificultam a realização de uma verdadeira política criminal. Apesar da deficiência dos dados estatísticos é inquestionável que a delinquência não diminui em toda a América Latina e que o sistema penitenciário tradicional não consegue reabilitar ninguém, ao contrário, constitui uma realidade violenta e opressiva e serve apenas para reforçar os valores negativos do condenado. A prisão exerce, não se pode negar, forte influência no fracasso do tratamento do recluso. (...) Com efeito, os resultados obtidos com a aplicação da pena privativa de liberdade são, sob todos os aspectos, desalentadores. A prisão, em vez de conter a delinquência, tem-lhe servido de estímulo, convertendo-se em um instrumento que oportuniza toda espécie de desumanidades. Não traz nenhum benefício ao apenado; ao contrário, possibilita toda a sorte de vícios e degradações. A literatura especializada é rica em exemplos dos efeitos criminógenos da prisão. Enfim, a maioria dos fatores que domina a vida carcerária imprime a esta um caráter criminógeno, de sorte que, em qualquer prisão clássica, as condições materiais e humanas podem exercer efeitos nefastos na personalidade dos reclusos. Mas, apesar dessas considerações altamente criminógenas das prisões clássicas, tem-se procurado, ao longo do tempo, atribuir ao condenado, exclusivamente, a culpa pela eventual reincidência, ignorando-se que é impossível alguém ingressar no sistema penitenciário e não sair de lá pior do que entrou. (…) Inegavelmente, superpopulação e periculosidade são dois fatores importantíssimos no aumento da taxa de reincidência. (…) Na verdade, o condenado encarcerado é o menos culpado pela recaída na prática criminosa” (Cezar Roberto Bitencourt, Tratado de direito penal, parte geral 1, 2014, p. 597-599 - dest. no orig.)”.
56. Esse o preço do encarceramento a qualquer custo. Se as penitenciárias brasileiras fossem privadas, ou seja, geridas pela iniciativa privada, poder-se-ia, sob o viés eminentemente capitalista, considerar a encarceramento um bom e lucrativo negócio, como, aliás, ocorre nos países estadunidenses, mas, não é o caso do Brasil. Aqui é a sociedade brasileira que paga o preço. Um preço que poderia (e pode) ser minimizado pela interpretação mais realista do Direito Penal e da realidade social, ao invés de se abraçar a ilusória ideia de que quanto mais condenação, menos criminalidade. Isso nunca aconteceu e jamais acontecerá.
57. Continuando seu Voto, Luis Roberto Barroso, no item “Panorama do tema na jurisprudência do STF”, ainda faz constar, verbis: “20. Como já referido, o princípio da insignificância tem assumido uma importância crescente na jurisprudência do Tribunal. Segundo levantamento da Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, elaborado em 2011, somente 3 (três) casos no STF versaram sobre o princípio da insignificância em crimes patrimoniais de 2005 (data inicial da pesquisa) até 2006. Porém, de 2006 a 2009 (data limite da pesquisa), o número já havia subido para 72 (setenta e dois). Ao que tudo indica, continua havendo uma tendência de crescimento exponencial: para demonstrá-lo, embora sem o mesmo rigor científico da pesquisa citada acima, basta a constatação de que uma simples busca no repositório de jurisprudência do Tribunal, disponível na internet, aponta que há atualmente mais de 600 (seiscentos) acórdãos sobre o tema, sendo que quase metade das decisões refere-se ao crime de furto. 21. Julgado em 06.12.1988, o RHC 66.869, Rel. Min. Aldir Passarinho, é apontado como sendo o primeiro caso em que o STF reconheceu o princípio da insignificância (lesão corporal em acidente de trânsito). Apesar disso, é possível encontrar antecedentes ainda mais remotos, em que a irrelevância penal dos fatos em questão foi utilizada como argumento para a concessão de ordens de habeas corpus. No único acórdão do Plenário sobre o tema (HC 39.289, Rel. Min. Gonçalves de Oliveira, j. 08.08.1962), discutiu-se o furto de “sete metros de pano cru”, tendo sido a ordem concedida por ausência de dolo. Em casos julgados em 09.03.1970 (RHC 47.694, Rel. Min. Thompson Flores) e 15.12.1970 (HC 48.370, Rel. Min. Djaci Falcão), os pacientes foram beneficiados por decisões que reconheceram a atipicidade do porte de pequenas quantidades de maconha para consumo pessoal, uma vez que as condutas ocorreram antes do advento do Decreto-Lei nº 385/1968. 22. Seguiram-se outros precedentes, mas o julgado apontado como verdadeiro marco da jurisprudência do STF na matéria é o HC 84.412, Rel. Min. Celso de Mello, j. 19.10.2004, no qual foram expostos de forma analítica os fundamentos e os vetores para a aplicação do princípio da insignificância. O acusado, no caso em questão, foi processado por furtar uma fita de vídeo-game, avaliada em R$ 25,00 (vinte e cinco reais). Por sua importância, transcrevo a ementa do referido acórdão: “PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA – IDENTIFICAÇÃO DOS VETORES CUJA PRESENÇA LEGITIMA O RECONHECIMENTO DESSE POSTULADO DE POLÍTICA CRIMINAL – CONSEQÜENTE DESCARACTERIZAÇÃO DA TIPICIDADE PENAL EM SEU ASPECTO MATERIAL – DELITO DE FURTO – CONDENAÇÃO IMPOSTA A JOVEM DESEMPREGADO, COM APENAS 19 ANOS DE IDADE – ‘RES FURTIVA’ NO VALOR DE R$ 25,00 (EQUIVALENTE A 9,61% DO SALÁRIO MÍNIMO ATUALMENTE EM VIGOR) – DOUTRINA – CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA JURISPRUDÊNCIA DO STF – PEDIDO DEFERIDO. O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA QUALIFICA-SE COMO FATOR DE DESCARACTERIZAÇÃO MATERIAL DA TIPICIDADE PENAL. - O princípio da insignificância – que deve ser analisado em conexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal – tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, examinada na perspectiva de seu caráter material. Doutrina. Tal postulado – que considera necessária, na aferição do relevo material da tipicidade penal, a presença de certos vetores, tais como (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada – apoiou-se, em seu processo de formulação teórica, no reconhecimento de que o caráter subsidiário do sistema penal reclama e impõe, em função dos próprios objetivos por ele visados, a intervenção mínima do Poder Público. O POSTULADO DA INSIGNIFICÂNCIA E A FUNÇÃO DO DIREITO PENAL: ‘DE MINIMIS, NON CURAT PRAETOR’. - O sistema jurídico há de considerar a relevantíssima circunstância de que a privação da liberdade e a restrição de direitos do indivíduo somente se justificam quando estritamente necessárias à própria proteção das pessoas, da sociedade e de outros bens jurídicos que lhes sejam essenciais, notadamente naqueles casos em que os valores penalmente tutelados se exponham a dano, efetivo ou potencial, impregnado de significativa lesividade. O direito penal não se deve ocupar de condutas que produzam resultado, cujo desvalor – por não importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes – não represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social.” (destaques no original) 23. Assim, foram assentadas algumas premissas importantes: (i) a insignificância baseia-se nos postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do direito penal; (ii) a insignificância exclui a tipicidade material; e (iii) para o reconhecimento da insignificância devem ser observados certos vetores, tais como: (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada. 24. Este precedente foi e continua sendo citado em inúmeros outros julgados que lhe sobrevieram. Nada obstante isso, diante da multiplicidade de casos que continuaram chegando ao Tribunal, e sem que tenha havido um rompimento expresso com essa orientação, a Corte atualmente tem exigido outros requisitos para o reconhecimento da insignificância, muitos dos quais incompatíveis com as premissas acima. Além disso, o caráter aberto dos vetores supratranscritos não impede que situações relativamente idênticas sejam julgadas de forma diametralmente oposta, apesar da invocação dos mesmos parâmetros. 25. Quanto ao furto, a jurisprudência recente do STF, de forma geral, tem exigido que: (i) o agente não seja reincidente ou contumaz na prática da conduta; e (ii) não se trate de furto qualificado (CP, art. 155, § 4º). 26. Assim, parece conveniente revisitar as bases teóricas do princípio da insignificância, para refletir sobre a pertinência dos critérios atualmente exigidos pela Corte e, se for o caso, propor alternativas”. (grifos nossos)
58. No HC n.º 107.082, de Relatoria do Min. Carlos Ayres Britto (apud Luis Roberto Barroso), o mesmo chegou a formular parâmetros para a aplicação do princípio da insignificância. São eles: “(a) vulnerabilidade social do agente; (b) irrelevância da lesão para a vítima; (c) amadorismo na execução do delito, desde que sem violência ou grave ameaça; (d) desproporcionalidade da pena; e (e) existência de conteúdo econômico quanto ao objeto do crime”. No entanto, como ponderado por Luis Roberto Barroso: “Sem embargo da pertinência desses requisitos e da indiscutível qualidade de seu propositor, a aplicação cumulativa de tais parâmetros pode produzir resultados insatisfatórios, ao retirar do alcance do princípio da insignificância situações que devem ser por ele abrangidas, como se verá mais à frente”.
59. Já o jurista Pierpaolo Cruz Bottini (A confusa exegese do princípio da insignificância, in: Temas relevantes de direito penal e processual penal, Luiz Rascovski (coord.), 2012, p. 241/242) apud Luis Roberto Barroso, traz a seguinte lição acerca do princípio da insignificância, nestes termos: “O princípio da insignificância foi adotado pela doutrina há algum tempo, assentando suas bases justamente na falta de desvalor normativo de resultado. Ainda que tal revalidação do desvalor do resultado ofereça, no entanto, instrumentos dogmáticos para a construção do princípio da insignificância, e possibilite sua construção a partir da teoria do bem jurídico, sua aplicação jurisprudencial recente no Brasil não parece ter lastro em uma reflexão dogmática sobre os contornos da tipicidade material, mas se escora em razões distintas e mais pragmáticas: a crise de superlotação penitenciária e uma demanda político-criminal de evitar o encarceramento de pessoas que praticaram delitos patrimoniais de pequena monta, em face dos efeitos prejudiciais oriundos desse período de privação de liberdade, em especial a contribuição do ambiente carcerário para a marginalização do detento e seu direcionamento para a prática de delitos mais graves” (destaques no original)”.
60. Pierpaolo Cruz Bottini (Obra citada, p. 245) apud Luis Roberto Barroso, continua sua explanação dizendo: “Nota-se que são critérios pouco precisos, vagos, abrangentes, que buscam abrigar toda uma gama de casos concretos heterogêneos, seja quanto ao bem protegido, seja quanto ao modo de agir. A ausência de parâmetros mais definidos resultou na aplicação díspar do princípio, que ora se alarga, ora se comprime, em uma sequência aleatória de decisões que reflete a dificuldade de trabalhar com um instituto ainda em construção. Uma primeira dificuldade é a aferição do valor da significância. Os critérios são distintos para cada Tribunal e para cada Ministro. Esboçou-se um critério para distinguir bens de ínfimo valor – aos quais seria aplicada a insignificância –, [de] bens de pequeno valor – aos quais seria aplicada a redução de pena do § 2º do art. 155 do Código Penal; no entanto, esses parâmetros não consolidaram uma pauta segura para a aplicação do princípio. Ora se reconhece a atipicidade de furto de valores como R$ 75,00, de R$ 20,00, de R$ 96,33, de R$ 220,00, ora se reconhece a incidência da norma penal em furtos de celular no valor de R$ 35,00 ou de gomas de mascar no valor de R$ 98,00, sem que haja distinção fática apta a justificar as diferentes decisões”.
61. Justamente por isso o Min. Luis Roberto Barroso disse: “26. Assim, parece conveniente revisitar as bases teóricas do princípio da insignificância, para refletir sobre a pertinência dos critérios atualmente exigidos pela Corte e, se for o caso, propor alternativas”.
62. Diante disso, o Min. Luis Roberto Barroso, ainda no precitado HC n.º 123.108-MG, no tópico “Princípio da insignificância: bases teóricas”, teceu a seguinte exposição, litteris: “IV – PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA: BASES TEÓRICAS. 27. A concepção teórica do princípio da insignificância é atribuída a Claus Roxin, que utilizou tal terminologia (Geringfügigkeitprinzip) pela primeira vez em 1964. O autor, lembrando a máxima romana de minimis non curat praetor, invocou o princípio como forma de defender uma maior interpenetração entre o direito penal e a política criminal. Disse o penalista germânico em texto posterior: “Aqui pertence igualmente o chamado princípio da insignificância, que permite excluir logo de plano lesões de bagatela da maioria dos tipos: maus-tratos são uma lesão grave ao bem estar corporal, e não qualquer lesão; da mesma forma, é libidinosa no sentido do código penal só uma ação sexual de alguma relevância; e só uma violenta lesão à pretensão de respeito social será criminalmente injuriosa. Por ‘violência’ não se pode entender uma agressão mínima, mas somente a de certa intensidade, assim como uma ameaça deve ser ‘sensível’, para adentrar no marco da criminalidade. Se reorganizássemos o instrumentário de nossa interpretação dos tipos a partir desses princípios, daríamos uma significativa contribuição para diminuir a criminalidade em nosso país.” 28. Em direito comparado, há sistemas que tratam a insignificância no âmbito do direito processual, facultando-se ao Parquet, com anuência do juiz, deixar de propor a ação. Outros descriminalizaram condutas, colocando-as sob tutela do direito administrativo. Tais soluções, porém, só poderiam ser adotadas no Brasil de lege ferenda, inclusive devido à rígida indisponibilidade da ação penal (CPP, art. 42). 29. Ao cuidar do problema no âmbito do direito penal material, vários autores defendem que o juízo de tipicidade objetiva deve ser dividido em duas etapas: (i) uma formal, na qual se realiza uma subsunção entre a previsão abstrata do tipo e a conduta concretamente apurada; e (ii) outra material, na qual se verifica se houve ou não afetação substancial do bem jurídico protegido. Confira-se, exemplificativamente: “(...) não se deve pensar que, quando uma conduta se adequa formalmente a uma descrição típica, só por esta circunstância é penalmente típica. Que uma conduta seja típica não significa necessariamente que seja antinormativa, isto é, que esteja proibida pela norma (pelo ‘não matarás’, ‘não furtarás’ etc.). O tipo é criado pelo legislador para tutelar o bem contra as condutas proibidas pela norma, de modo que o juiz jamais pode considerar incluídas no tipo aquelas condutas que, embora formalmente se adequem à descrição típica, realmente não podem ser consideradas contrárias à norma e nem lesivas do bem jurídico tutelado. (…) A tipicidade penal requer que a conduta, além de enquadrar-se no tipo legal, viole a norma e afete o bem jurídico.” “A tipicidade penal exige uma ofensa de alguma gravidade aos bens jurídicos protegidos, pois nem sempre qualquer ofensa a esses bens ou interesses é suficiente para configurar o injusto típico. Segundo esse princípio, que Klaus Tiedemann chamou de princípio de bagatela, é imperativa uma efetiva proporcionalidade entre a gravidade da conduta que se pretende punir e a drasticidade da intervenção estatal. Amiúde, condutas que se amoldam a determinado tipo penal, sob o ponto de vista formal, não apresentam nenhuma relevância material. Nessas circunstâncias, pode-se afastar liminarmente a tipicidade penal porque em verdade o bem jurídico não chegou a ser lesado.” 30. A tese é amplamente aceita atualmente, devido à admissão generalizada da premissa segundo a qual a utilização do direito penal, em razão da natureza drástica de suas consequências, somente se justifica como último recurso para a proteção de bens jurídicos, isto é, de valores com alta relevância para a sociedade. Partindo desse ponto de vista, fica nítida a relação entre o princípio da insignificância e os conceitos de tipicidade material e bem jurídico: somente são materialmente típicas as condutas que afetem substancialmente os bens jurídicos protegidos; as demais são penalmente (embora não juridicamente) insignificantes. 31. Assim, a doutrina costuma apontar, como fundamentos do princípio da insignificância, alguns postulados desenvolvidos no âmbito do direito penal e relacionados entre si, tais como os princípios (i) da intervenção mínima (o direito penal só deve ser utilizado como ultima ratio); (ii) da fragmentariedade (o direito penal é um “sistema descontínuo de ilicitudes”, que somente se destina a proteger determinadas ofensas a certos bens jurídicos, sendo vedada a analogia para preencher lacunas sob o pretexto de resguardá-los); (iii) da subsidiariedade (só se deve lançar mão do direito penal caso outros ramos do direito não sejam capazes de oferecer uma resposta satisfatória); e (iv) da lesividade (não há crime sem lesão ou perigo de lesão a um bem jurídico pertencente a outrem). 32. Todos esses fundamentos são reconduzíveis ao princípio constitucional da razoabilidade ou proporcionalidade, em seus três subprincípios (adequação, necessidade/vedação do excesso e proporcionalidade em sentido estrito). Não é o caso de fazer aqui uma longa digressão sobre o princípio, bastando reproduzir um pequeno trecho de obra doutrinária em que sintetizei o tema da seguinte forma: “Em resumo sumário, o princípio da razoabilidade permite ao Judiciário invalidar atos legislativos ou administrativos quando: a) não haja adequação entre o fim perseguido e o instrumento empregado (adequação); b) a medida não seja exigível ou necessária, havendo meio alternativo menos gravoso para chegar ao mesmo resultado (necessidade/vedação do excesso); c) os custos superem os benefícios, ou seja, o que se perde com a medida é de maior relevo do que aquilo que se ganha (proporcionalidade em sentido estrito). O princípio pode operar, também, no sentido de permitir que o juiz gradue o peso da norma, em determinada incidência, de modo a não permitir que ela produza um resultado indesejado pelo sistema, fazendo assim a justiça do caso concreto.” (Curso de direito constitucional contemporâneo, 2013, p. 329) 33. Com efeito, a utilização do direito penal para tratar de lesões insignificantes a bens jurídicos seria inadequada, excessiva e desproporcional. Os exemplos de Zaffaroni, Batista et al. falam por si: “Não se trata apenas de manifestação do princípio da ultima ratio, mas também do próprio princípio republicano, do qual dimana o princípio da proporcionalidade, como requisito de correspondência racional entre a lesão ao bem jurídico e a pena: não faz sentido considerar lesão corporal (art. 129 CP) a perfuração nas orelhas da criança para uso de brincos, entrever furto (art. 155 CP) na subtração de uma caixa de fósforos para acender cigarros, ou sequestro (art. 148 CP) no motorista rabugento que só freia o ônibus e abre a porta no ponto subsequente, a duzentos metros de distância do solicitado, lobrigar corrupção (art. 333 CP) no livro com que o advogado presenteia o juiz etc.” 34. Vale notar que a insignificância somente retira a tipicidade penal do fato, que, todavia, permanece ilícito para o direito como um todo e pode ser sancionado em outras esferas (cível, administrativa etc.) 35. Para encerrar esta nota teórica, cumpre distinguir, como faz a jurisprudência do STF, duas figuras próximas do furto de coisa insignificante: (i) o furto de coisa de pequeno valor e (ii) o furto famélico. 36. Ao contrário do furto de coisa insignificante, o furto de coisa de pequeno valor é um fato materialmente típico: em tal caso, o art. 155, § 2º, do CP faculta ao juiz apenas reduzir ou substituir a pena caso o agente seja primário. Embora possa ser problemático distinguir em casos concretos “coisa insignificante” de “coisa de pequeno valor”, a jurisprudência do STF não confunde tais figuras, e tem considerado como “pequeno valor” a quantia de até um salário mínimo à data dos fatos (e.g., HC 119.621, Rel. Min. Cármen Lúcia). Para a insignificância, trabalho mentalmente com um valor que, no máximo, fica em torno de 1/3 (um terço) do salário mínimo. Mas trata-se de uma mera referência. Considero inconveniente uma tarifação fixa. 37. Por fim, o furto famélico – aquele cometido por um agente impelido por uma necessidade vital – também é materialmente típico: o debate doutrinário, irrelevante para os fins do presente voto, é saber se se trata de causa de exclusão da antijuridicidade (estado de necessidade) ou da culpabilidade (inexigibilidade de conduta diversa). Em todo caso, o furto famélico não se confunde com o furto de coisa insignificante, já que cada figura tem seus requisitos (e.g., HC 112.262, Rel. Min. Luiz Fux). 38. Por tudo isso, conclui-se que o princípio da insignificância superou seus críticos e conta hoje com ampla aceitação teórica e jurisprudencial, de modo que “O problema que hoje enfrentamos, portanto, não parece dizer tanto respeito ao reconhecimento ou não da vigência deste princípio, mas sim a algo muito mais concreto, ainda que igualmente importante: à melhor e mais adequada forma de aplicá-lo” (sem grifos no original).
63. Portanto, data maxima venia, contrariamente ao entendimento esposado in casu pelo douto Magistrado a quo, o princípio da insignificância já adquiriu sim “foros de cidadania”, uma vez que sua aceitação pela doutrina e pela jurisprudência, inclusive da mais alta Corte de Justiça do país é ponto pacificado.
64. O Min. Carlos Ayres Britto apud Luis Roberto Barroso, no HC n.º 107.082, assim fez constar sobre o multicitado princípio, verbis: “(...) 2. A insignificância penal expressa um necessário juízo de razoabilidade e proporcionalidade de condutas que, embora formalmente encaixadas no molde legal-punitivo, substancialmente escapam desse encaixe. E escapam desse molde simplesmente formal, como exigência mesma da própria justiça material enquanto valor ou bem coletivo que a nossa Constituição Federal prestigia desde o seu principiológico preâmbulo. Justiça como valor, a se concretizar mediante uma certa dosagem de razoabilidade e proporcionalidade na concretização dos valores da liberdade, igualdade, segurança, bem-estar, desenvolvimento, etc. Com o que ela, justiça, somente se realiza na medida em que os outros valores positivos se realizem por um modo peculiarmente razoável e proporcional” (sem grifos no original).
65. Acerca das vantagens político-criminais da adoção do princípio da insignificância, o jurista Carlos Vico Mañas (apud Luis Roberto Barroso – HC n.º 123.108) leciona: “Por todos esses motivos, a descriminalização constitui, atualmente, importante meta de reforma do sistema penal em muitos países. O principal caminho tem sido converter a criminalidade de bagatela em infrações administrativas, puníveis apenas com multas de caráter disciplinar. Na Alemanha, por exemplo, todo direito penal de escassa importância e que não tenha sido derrogado foi convertido em direito administrativo. O novo ordenamento, como era de se esperar, comprovou a sua eficácia: a prevenção geral restou suficientemente assegurada mediante a imposição de multas, e ao infrator são mostrados claramente quais são os limites de sua liberdade. Ademais, a justiça criminal é desafogada, e o processo administrativo corre de forma mais fluente e menos burocrática. Mantêm sistemas semelhantes a Itália e a Suíça. O Japão, já em 1948, adotou medidas parecidas, embora prevendo penas pecuniárias de caráter criminal. Alguns sistemas permitem que o Judiciário suspenda a decisão sobre a imposição da pena, com a finalidade de dar ao acusado a oportunidade de reparar o dano causado. É o que ocorre na Alemanha, França, Inglaterra e Canadá. Atendida a exigência, não há aplicação de sanção criminal” (O princípio da insignificância como excludente da tipicidade no direito penal, 1994, p. 69/70). (grifos nossos)
66. Continuando a exposição doutrinária de seu Voto, o Min. Luis Roberto Barroso, no precitado Habeas Corpus, no item “V – Análise crítica da atual jurisprudência do STF sobre insignificância e o crime de furto” continua, nestes termos: “39. À luz do que já se expôs acima, é possível indagar: por que a jurisprudência atualmente predominante no Supremo Tribunal Federal vem afastando a insignificância por circunstâncias alheias ao juízo de tipicidade da conduta? Em outros termos, e retomando o exemplo acima quanto ao crime de furto: a tipicidade da subtração de uma caixa de fósforos dependeria da ausência de outras circunstâncias objetivas ou subjetivas, segundo o atual entendimento da Corte? Por quais motivos? 40. As respostas podem ser extraídas da leitura de diversos acórdãos sobre o tema, analisados abaixo, tendo eu participado da votação de vários casos antes das presentes reflexões. O levantamento não é exaustivo, mas representativo do atual pensamento da Corte, e será dividido em duas partes: (i) na primeira, serão vistas as decisões que descaracterizam a insignificância devido à reiteração delitiva, isto é, por circunstâncias atinentes ao sujeito do crime; (ii) na segunda, serão analisados os acórdãos que deixam de aplicar o princípio por circunstâncias de caráter objetivo, como a incidência de qualificadoras (CP, art. 155, § 4º)”. (grifos nossos)
67. Continuando sua explanação, o Min. Luis Roberto Barroso no subitem “V.1 – Reiteração delitiva (circunstâncias subjetivas)” registra: “V.1 – Reiteração delitiva (circunstâncias subjetivas). 41. É possível encontrar uma razoável quantidade de precedentes que aplicam o princípio da insignificância mesmo em se tratando de réus reincidentes (e.g.: HC 112.400, Rel. Min. Gilmar Mendes; HC 106.068, Rel. Min. Cármen Lúcia; HC 93.393, Rel. Min. Cezar Peluso etc.). No entanto, a jurisprudência hoje predominante nas duas Turmas do Tribunal orienta-se no sentido oposto, como se passa a expor. 42. No HC 115.850 AgR, Rel. Min. Luiz Fux, o paciente foi condenado a um ano de reclusão, em regime inicial semiaberto, e dez dias-multa, pelo furto de quatro galinhas caipiras, avaliadas conjuntamente em R$ 40,00 (quarenta reais). Considerando a reincidência do paciente, a partir de seus antecedentes e de sua “alcunha sugestiva” (“Fernando Gatuno”), o relator afirmou que “o reconhecimento da atipicidade da conduta do paciente, pela adoção do princípio da insignificância, poderia, por via transversa, imprimir nas consciências a ideia de estar sendo avalizada a prática de delitos e de desvios de conduta”. Acrescentou que a adoção do princípio da insignificância no caso constituiria “verdadeiro incentivo à prática de pequenos delitos patrimoniais”, e, ainda, que “a prudência recomenda que se leve em conta a obstinação do agente na prática delituosa, a fim de evitar que a impunidade o estimule a continuar trilhando a senda criminosa”. 43. No RHC 117.751, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, o paciente era processado por ter subtraído de um supermercado um desodorante, avaliado em R$ 15,12 (quinze reais e doze centavos). A insignificância foi afastada, vencido o Min. Celso de Mello, porque “o paciente dá mostras de fazer das práticas criminosas o seu modus vivendi, uma vez que, além de reincidente, é acusado de envolvimento em outros crimes”, e que “a aplicação do referido instituto, na espécie, poderia significar um verdadeiro estímulo à prática desses pequenos furtos, já bastante comuns nos dias atuais, o que contribuiria para aumentar, ainda mais, o clima de insegurança hoje vivido pela coletividade”. 44. No HC 101.998, Rel. Min. Dias Toffoli, o relator manteve a condenação a um ano de reclusão, em regime inicial semiaberto, sem substituição por pena restritiva, pelo furto de nove barras de chocolate, avaliadas em R$ 45,00 (quarenta e cinco reais), ao considerar que o réu, por ser reincidente, teria “personalidade voltada à prática delituosa”. 45. De forma semelhante, no HC 118.089, Rel. Min. Cármen Lúcia, o paciente foi condenado a dois anos de reclusão, em regime inicial semiaberto, sem substituição por pena restritiva de direitos, e vinte dias-multa, por ter subtraído do caixa de uma padaria uma cédula de R$ 50,00 (cinquenta reais) e um maço de cigarros. Afirmou a relatora: “O criminoso contumaz, mesmo que pratique crimes de pequena monta, não pode ser tratado pelo sistema penal como se tivesse praticado condutas irrelevantes, pois crimes considerados ínfimos, quando analisados isoladamente, mas relevantes quando em conjunto, seriam transformados pelo infrator em verdadeiro meio de vida”. E ainda: “Comportamentos contrários à lei penal, mesmo que insignificantes, quando constantes, devido à sua reprovabilidade, perdem a característica da bagatela e devem se submeter ao direito penal”. 46. O Min. Teori Zavascki tem acompanhado a posição majoritária com o reforço de alguns argumentos dogmáticos. Ao manter condenação de réu a dois anos de reclusão, em regime inicial semiaberto, pelo furto de um celular avaliado em R$ 100,00 (cem reais), afirmou: “4. (...) a aferição da insignificância como requisito negativo da tipicidade envolve um juízo de tipicidade conglobante, muito mais abrangente que a simples expressão do resultado da conduta. Importa investigar o desvalor da ação criminosa em seu sentido amplo, de modo a impedir que, a pretexto da insignificância apenas do resultado material, acabe desvirtuado o objetivo a que visou o legislador quando formulou a tipificação legal. Assim, há de se considerar que ‘a insignificância só pode surgir à luz da finalidade geral que dá sentido à ordem normativa’ (Zaffaroni), levando em conta também que o próprio legislador já considerou hipóteses de irrelevância penal, por ele erigidas, não para excluir a tipicidade, mas para mitigar a pena ou a persecução penal. 5. Para se afirmar que a insignificância pode conduzir à atipicidade é indispensável, portanto, averiguar a adequação da conduta do agente em seu sentido social amplo, a fim de apurar se o fato imputado, que é formalmente típico, tem ou não relevância penal. Esse contexto social ampliado certamente comporta, também, juízo sobre a contumácia da conduta do agente. 6. Não se pode considerar atípica, por irrelevante, a conduta formalmente típica, de delito contra o patrimônio, praticada por paciente que possui condenações anteriores transitadas em julgado, sendo uma delas por crime contra o patrimônio.” (HC 114.877) 47. Essa posição é adotada pelos Ministros Gilmar Mendes e Rosa Weber com ressalva de entendimento pessoal. Outros Ministros, como Celso de Mello (HC 111.016) e Joaquim Barbosa (HC 107.500), apenas afastam a insignificância caso o réu possua condenação definitiva. 48. Com a devida vênia, ao refletir melhor sobre o assunto, não me convenci de que a reincidência deva, invariavelmente, impedir a aplicação do princípio da insignificância. 49. Ainda que a resposta criminal seja, em tese, um inegável desestímulo à prática da conduta reprimida, não se pode dizer que a não incidência do direito penal configure exatamente um estímulo positivo. E, embora a prevenção ainda seja uma meta a ser atingida pelo direito penal, o peso dessa ideia é substancialmente mitigado quando se constata que o índice de reincidência dos egressos do sistema prisional no Brasil é de aproximadamente 70%, um dos maiores do mundo, como visto acima. Isso demonstra se tratar de um quadro complexo, em que o papel preventivo do direito penal talvez não seja decisivo como se imagina. 50. Além disso, o direito penal não se destina a punir meras condutas indesejáveis, “personalidades”, “meios” ou “modos de vida”, e sim crimes, isto é, condutas significativamente perigosas ou lesivas a bens jurídicos, sob pena de se configurar um direito penal do autor, e não do fato. 51. A propósito, o Tribunal teve recentemente a oportunidade de se manifestar, em caso julgado sob regime de repercussão geral, acerca da não recepção do art. 25 da Lei de Contravenções Penais pela Constituição (RE 583.523, j. 03.10.2013). O preceito tipificava a posse de certos instrumentos, a depender do histórico penal de seu portador ou de seu enquadramento como “vadio ou mendigo”. O relator do feito, Min. Gilmar Mendes, foi acompanhado por unanimidade, merecendo destaque as seguintes passagens de seu voto: “Admitir essa qualidade do sujeito ativo para configuração do tipo vai muito além da intenção de proteger o bem jurídico tutelado, no caso o patrimônio, e representa, isso sim, um modelo político-criminal não só transgressor da própria dignidade da pessoa humana, mas também apto a substituir um modelo de direito penal do fato por um modelo de direito penal do autor. (...) Assim, é inadmissível no atual estágio da evolução dogmática do direito penal do fato permitir, como elementar constitutiva do tipo, a condição de que o agente seja vadio ou mendigo. (…) Outra elementar da infração contravencional em apreço, é a exigência de condenação anterior do sujeito ativo por crime de roubo ou furto, ou enquanto sujeito à liberdade vigiada. Em outras palavras, deve o possuidor dos instrumentos específicos ou comuns para prática de crime de furto, obrigatoriamente, ter sido condenado anteriormente, por sentença transitada em julgado, pela prática de crime de furto ou roubo. Essa questão difere da matéria relativa à agravante genérica da reincidência prevista no artigo 61, I, do CP, em que o Plenário, no julgamento do Recurso Extraordinário n. 453.000/RS, rel. Min. Marco Aurélio, no dia 4.4.2013, julgou o mérito do tema, determinando a aplicação do regime da repercussão geral, reconhecida inicialmente no RE-RG 591.563. Naquele processo, a jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de que o fato de o agente ter a pena agravada pela condenação anterior transitada em julgado, realizada no momento da individualização da pena não viola o princípio constitucional da presunção de inocência. Diferentemente, na questão em apreço, a reincidência em crime contra o patrimônio é a própria elementar da infração penal. Desse modo, é admissível ao julgador, no momento da individualização da pena, considerar a condenação anterior transitada em julgado como forma de punir com maior rigor o criminoso contumaz, o que não se mostra compatível com a atual égide constitucional considerar o passado do agente como forma de tipificar a infração penal. (…) o legislador ao considerar a vida anteacta do agente como elementar constitutiva do tipo considerou de maneira discriminatória que determinadas espécies de sujeitos, portadores de direitos iguais garantidos pela Constituição Federal, possuem maior potencialidade de cometer novos crimes. Não entendo correto que, com base nessas condições subjetivas (condição social/econômica ou reincidência em crimes contra o patrimônio), se possa presumir que determinados agentes tem maior potencialidade de cometer a infração penal. (...) Dessa forma, a previsão de contravenção penal de posse injustificada de instrumentos de emprego usual na prática de furto por agente depois de condenado, por crime de furto ou roubo, ou enquanto sujeito à liberdade vigiada, se mostra atentatória aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da isonomia, previstos nos artigos 1º, inciso III; e 5º, caput e inciso I, da Constituição Federal.” (destaques acrescentados) 52. Portanto, embora o Tribunal tenha reconhecido, em tese, a constitucionalidade da reincidência como agravante genérica da pena (RE 453.000, Rel. Min. Marco Aurélio), isto não significa que se possa considerar a reiteração delitiva como circunstância elementar de tipos penais. Isto é: a tipicidade de uma conduta não pode depender de saber se o agente é vadio, mendigo, processado, condenado ou reincidente. 53. Esta Corte, no entanto, faz exatamente isto ao afastar o princípio da insignificância a agentes em situação de reiteração delitiva, (tecnicamente reincidentes ou não). Uma mesma conduta – e.g., a subtração de uma caixa de fósforos, de quatro galinhas, de um desodorante, de barras de chocolate etc. – tem a sua tipicidade dependente de uma investigação sobre os antecedentes criminais do agente. 54. Essa construção tem obrigado o Tribunal a atenuar sua jurisprudência em alguns casos, em prejuízo a um desejável ideal de coerência. Por exemplo: no HC 117.903, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, o paciente era processado pela tentativa de furto de “25 kg de milho em espiga”, avaliados em R$ 6,00 (seis reais). Embora se tratasse de pessoa que respondia a outros processos penais por posse de entorpecentes, com condenação por tráfico de drogas e por crime contra o patrimônio (dano qualificado), aplicou-se o princípio da insignificância, afirmando-se a necessidade de se analisar os registros do paciente cum grano salis. 55. A consideração conjunta de várias condutas insignificantes que, somadas, poderiam resultar em lesão relevante ao bem jurídico, como defendido, e.g., no HC 118.089, só seria criminalmente punível se se estiver diante de crime continuado (CP, art. 71), o que deve ser provado. 56. Resta analisar os argumentos dogmáticos usados, e.g., no HC 114.877. Data maxima venia, penso que a citação a Zaffaroni feita em casos da espécie não reflete o real pensamento do penalista. Isto porque a tipicidade conglobante (v. supra, nota 17) tem uma função redutora, e não ampliadora do juízo de tipicidade penal. É o próprio autor que afirma: “2. O tipo objetivo não se esgota na correspondência com qualquer pragma, mas tão somente com um pragma conflitivo; constatar tal conflitividade constitui passo indispensável para a verificação da tipicidade objetiva. O pragma típico se determina desde logo pela função sistemática, que importa um âmbito máximo de antinormatividade, porém só se confirma com a simultânea constatação de sua conflitividade, procedimento que pode culminar em sua exclusão ou redução, sem jamais ultrapassar o máximo rudimentar estabelecido pela tipicidade objetiva sistemática. Por isso, pela necessidade de constatar a conflitividade, imposta pela requisição jurídica geral da alteridade e pelo objetivo político redutor da construção, cabe distinguir dentro do tipo objetivo um tipo que dê conta de tal objetivo: o tipo conglobante. 3. A tipicidade conglobante cumpre sua função redutora constatando a existência de um conflito (conflitividade), o que implica uma lesividade objetivamente imputável a um agente (dominabilidade). Através da função conglobante do tipo objetivo se estabelece a própria existência do conflito, o que pressupõe comprovar tanto sua lesividade quanto seu pertencimento a um sujeito. É inconcebível a criminalização de um pragma que não implique qualquer ofensa a outrem (representado no bem jurídico. (…) Constata-se a lesividade verificando-se: a) desde logo, se o pragma afetou verdadeiramente um bem jurídico (constitucionalmente legitimado e cuja ofensa é proibida por norma); b) se tal afetação (por lesão ou por perigo) foi substancial, significativa; c) se não incidem outras normas que, recortando e limitando o alcance proibitivo da norma deduzida do sentido semântico do tipo isolado, o invalidem, descaracterizando-se assim a afetação do bem jurídico.” (Zaffaroni, Batista et al., Direito penal – II, I, 2010, p. 212/213) 57. Por defender que a ausência de lesividade insere-se na análise da tipicidade conglobante – isto é, considerando-se a norma conglobada na ordem jurídica, e não isolada –, Zaffaroni de fato afirma que “A insignificância só pode surgir à luz da finalidade geral que dá sentido à ordem normativa”. Daí não se extrai, porém, a conclusão de que uma mesma conduta pode ser penalmente típica para reincidentes e não para as demais pessoas, como se a ordem normativa pudesse pretender uma discriminação que a jurisprudência do STF já repeliu. Assim, a tipicidade conglobante só pode reduzir, e não ampliar o juízo de tipicidade penal. 58. Apenas para argumentar: ainda que se pudesse considerar o histórico penal do agente no juízo de tipicidade material da conduta, não seria possível levar em consideração para tais fins, sem violação ao art. 5º, LVII, da Constituição, a existência de inquéritos, ações penais em curso e condenações não definitivas: é o que defendem, como já visto, os Ministros Celso de Mello (HC 111.016) e Joaquim Barbosa (HC 107.500). Nessa linha, em recente julgado unânime da 2ª Turma (HC 122.936, Rel. Min. Cármen Lúcia, j. 05.08.2014), foi concedida a ordem para trancar ação penal movida em face de acusado de tentativa de furto de onze barras de chocolate, avaliadas em R$ 44,00 (quarenta e quatro reais), embora responda a outro processo por furto. 59. Por fim, ao afastar a insignificância em casos de reincidência, a jurisprudência do STF contribui para agravar ainda mais o já dramático quadro de crise do sistema carcerário. Isto porque a sanção imposta, por menor que seja, não poderá ser substituída por pena restritiva de direitos (CP, art. 44, II), e seu cumprimento deverá ser iniciado, no mínimo, em regime semiaberto (CP, art. 33, § 2º, b e c)”. (grifos nossos)
68. Não tem sentido, por conseguinte, o Poder Judiciário insistir naquilo contra a qual luta constantemente, notadamente em suas campanhas de mediação: a desjudicialização dos conflitos. Punir a qualquer custo é judicializar o controle social a qualquer custo. E, não se pode negar, altíssimos têm sido os custos do encarceramento em massa.
69. Um custo não apenas monetário, mas, fundamentalmente, social. Parece chover no molhado aquilo que se vai dizer aqui, mas, é uma verdade inegável e que não pode ser esquecida: as penitenciárias são escolas do crime.
70. Continuando sua explanação, o Min. Luis Roberto Barroso, sob o item “V.2 – Furto qualificado (CP, art. 155, § 4º)”, faz constar: “V.2 – Furto qualificado (CP, art. 155, § 4º). 60. O Supremo Tribunal Federal não tem reconhecido a insignificância em furtos que, embora envolvam valores irrisórios, tenham sido praticados sob circunstâncias qualificadoras (CP, art. 155, §4º), as quais, como se sabe, dobram a pena mínima e a máxima. Seguem-se exemplos de casos em que a insignificância foi afastada. 61. No HC 113.258, Rel. Min. Luiz Fux, foi mantida a condenação dos pacientes por tentarem subtrair de uma loja dois chuveiros, avaliados em R$ 69,80 (sessenta e nove reais e oitenta centavos), vencida a Min. Rosa Weber. A conduta foi tida como reprovável, e a insignificância afastada, em razão do concurso de agentes. 62. No HC 118.584, Rel. Min. Cármen Lúcia, foi mantida a condenação do paciente a dois anos e três meses de reclusão, em regime inicial semiaberto, e quatorze dias-multa, pelo furto de um “compressor de limpeza de aquário”, avaliado em R$ 10,00 (dez reais). Afastou-se a insignificância em razão da reincidência, bem como porque a subtração ocorreu durante a noite e com rompimento de obstáculo (arrombamento de porta do estabelecimento), na forma do art. 155, § 4º, I, do CP. 63. No HC 113.872, Rel. Min. Gilmar Mendes, foi mantida a condenação do paciente a 1 ano e 8 meses de reclusão, em regime inicial fechado, pela subtração de um painel de toca-discos para veículo, um estojo para CDs e um disco personalizado, no valor total de R$ 21,00 (vinte e um reais). Afastou-se a insignificância devido à reprovabilidade da conduta, em razão do uso de chave-falsa para abrir o veículo. 64. De todos esses exemplos, extrai-se que a insignificância foi afastada em razão da maior reprovabilidade das condutas, o que não se nega. No entanto, cabe retomar o exemplo acadêmico a fim de problematizar a discussão: a subtração de uma caixa de fósforos passaria a ser crime apenas por ter sido cometida durante o repouso noturno (CP, art. 155, § 1º), ou por concurso de duas pessoas (CP, art. 155, § 4º, IV)? 65. O maior juízo de reprovabilidade é aferido na etapa referente à culpabilidade, que limita a pena e se traduz na dosimetria. Essa etapa, porém, pressupõe a formação de um juízo de tipicidade e antijuridicidade da conduta. E, quanto à tipicidade, já se viu que ela depende da ocorrência de lesão significativa ao bem jurídico protegido (no caso do crime de furto, o patrimônio). A propósito, ensina a doutrina: “Essa construção deixa claro que, por exemplo, se do exame dos fatos constatar-se que a ação não é típica, será desnecessário verificar se é antijurídica, e muito menos se é culpável. Cada uma dessas características contém critérios valorativos próprios, com importância e efeitos teóricos e práticos igualmente próprios.” 66. Não por outro motivo, e de forma semelhante ao que ocorre quanto à reiteração delitiva, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal também registra uma grande quantidade de casos em que a insignificância foi aplicada em casos de furto, a despeito de circunstâncias objetivas desfavoráveis. 67. Foi o que ocorreu, e.g., no HC 113.327, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, em que se reconheceu a insignificância de furto, praticado em concurso de pessoas, de animais que foram mortos para consumo: 5 galinhas e 1 galo, avaliados em R$ 115,00 (cento e quinze reais). 68. No HC 110.244, Rel. Min. Gilmar Mendes, foi aplicado o princípio da insignificância ao furto de 50 metros de fiação elétrica e 1 lâmpada das dependências de Centro de Tradições Gaúchas, avaliados em R$ 81,80 (oitenta e um reais e oitenta centavos), praticado mediante rompimento de obstáculo e concurso de agentes que ostentavam reincidência, vencido o Min. Ricardo Lewandowski. 69. Refira-se também o HC 94.549, Rel. Min. Dias Toffoli, em que foi aplicado o princípio da insignificância ao furto de sacos de cimento, avaliados em R$ 90,00 (noventa reais), cometido mediante concurso de pessoas e rompimento de obstáculo, vencidos os Ministros Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski. Ou ainda o HC 96.822, Rel. Min. Cármen Lúcia, em que foi reconhecida a insignificância de um furto a supermercado, praticado em concurso de agentes, em que foram subtraídas barras de chocolate e inseticidas, avaliados em R$ 133,51 (cento e trinta e três reais e cinquenta e um centavos). 70. Todo esse levantamento mostra que o Tribunal necessita de critérios mais firmes para aplicação do princípio da insignificância, sob pena de cometer injustiças e não cumprir o papel de formar uma jurisprudência coerente, a ser observada pelas demais instâncias. 71. Partindo da premissa de que a insignificância exclui a tipicidade material, não é possível que a aplicação do princípio dependa de circunstâncias pessoais do agente ou de fatores atinentes a etapa posterior da análise do delito (culpabilidade). Esta conclusão corresponde ao meu atual pensamento sobre a matéria, após detida reflexão à luz da doutrina, da jurisprudência e da realidade do sistema carcerário no Brasil. No entanto, tendo em vista a atual compreensão da Corte sobre o tema, vislumbro dificuldades para a aceitação desta conclusão com todas as suas consequências, razão pela qual passo a expor um encaminhamento menos ambicioso, com o fim de produzir um consenso mínimo e afastar possíveis inquietações que orientam outros pontos de vista legítimos”. (grifos nossos)
71. Diante de todo o exposto e, tendo em vista as divergências doutrinárias e jurisprudenciais constatadas em seus estudos, o Min. Luis Roberto Barroso propõe critérios para um consenso mínimo acerca do princípio da insignificância. Eis sua explanação, verbis: “VI – CRITÉRIOS DE CONSENSO MÍNIMO: UMA PROPOSTA. 72. Doutrinariamente, entende-se que o princípio da insignificância incide nas hipóteses em que não se identifique relevante desvalor da ação e/ou do resultado, embora a conduta seja formalmente típica. Os exemplos de Luiz Flávio Gomes esclarecem: “Um ponto fundamental que talvez seja útil para o debate consiste em distinguir com clareza ambos os desvalores. A insignificância ora pode residir na conduta, ora no resultado (ou em ambos). Uma coisa é alguém arremessar uma bolinha de papel contra um transporte coletivo (CP, art. 264) e outra distinta é subtrair uma cebola ou um palito de fósforo de alguém (CP, art. 155). O desvalor da ação no primeiro caso é absolutamente nímio. A conduta não conta com periculosidade. Falta-se idoneidade. Já o desvalor da ação na subtração é muito grande, pequeno, no caso, é o desvalor do resultado. Há um terceiro grupo onde podemos constatar ambos os desvalores (é o caso de um acidente de trânsito com culpa levíssima e lesão corporal mínima).” 73. A insignificância, assim, pressupõe a falta de desvalor da ação, ou do resultado, ou ambos. O autor diz que, dos vetores apontados pelo Min. Celso de Mello, três se referem ao desvalor da ação (mínima ofensividade da conduta do agente, nenhuma periculosidade social da ação e reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento) e um ao do resultado (inexpressividade da lesão jurídica provocada). 74. Embora seja teoricamente possível distinguir os desvalores da ação e do resultado, na prática tais conceitos estão de tal forma relacionados que é difícil precisar seus limites. Por esta razão, a doutrina preconiza que o critério predominante depende do tipo penal em exame: “(...) ambos os critérios, desvalor da ação e desvalor do resultado, revelam-se importantes na tarefa de descriminalização interpretativa, pois estão perfeitamente entrelaçados e é impossível imaginá-los separados. O valor ou desvalor de uma conduta pressupõe sempre o valor ou desvalor de um resultado. Assim, por exemplo, a proibição de matar é consequência da proteção à vida; a proibição de roubar resulta da proteção à propriedade. Nos dois casos, o desvalor da ação (matar, roubar) deriva já do desvalor do resultado (destruição da vida humana, lesão da propriedade). Os mandamentos de ‘não matar’ e ‘não roubar’ só têm sentido se previamente se reconhecerem os valores que os fundamentam: a vida e a propriedade. De qualquer forma, para que se verifique a eventual preponderância de um critério sobre o outro em determinado caso concreto, é necessário analisar a estrutura legal do respectivo tipo penal. Se este é constituído sobre a mera causação do evento, deve-se valorizar a intensidade da ofensa verificada; quando, ao contrário, o tipo da destaque à forma de ação, importa analisar o potencial agressivo da conduta praticada (...)”. (Carlos Vico Mañas, O princípio da insignificância como excludente da tipicidade no direito penal, 1994, p. 61/62). 75. Dito isto, conclui-se que para reconhecer a insignificância no furto prepondera a ausência de desvalor do resultado. Isto porque a conduta de subtrair já é, por si só, altamente desvalorada, sendo difícil imaginar hipóteses de furto insignificante por ausência de desvalor da ação. Além disso, o furto é um crime de resultado, não de mera conduta. 76. Partindo dessas premissas, entendo que a simples circunstância de se tratar de réu reincidente ou de incidir alguma qualificadora (CP, art. 155, § 4º) não deve, automaticamente, afastar a aplicação do princípio da insignificância. É preciso motivação específica à luz das circunstâncias do caso concreto, como o alto número de reincidências, a especial reprovabilidade decorrente de qualificadoras etc. 77. Caso se entenda que o furto de coisa de valor ínfimo pode ser punido na hipótese de reincidência do agente, é preciso admitir que a questão da insignificância se move do domínio da tipicidade para o da culpabilidade. Isto porque, como visto, não é possível afirmar, à luz da Constituição, que uma mesma conduta é típica para uns e não para outros (os reincidentes), sob pena de configuração de um inaceitável direito penal do autor, e não do fato, como já decidiu este Tribunal (RE 583.523, Rel. Min. Gilmar Mendes). 78. Além disso, para que a reincidência exclua a aplicação do princípio da insignificância, não deve bastar a mera existência de inquéritos ou processos em andamento: é necessário que haja condenação transitada em julgado (HC 111.016, Rel. Min. Celso de Mello; HC 107.500, Rel. Min. Joaquim Barbosa), e por crime da mesma espécie (HC 114.723, Rel. Min. Teori Zavascki). Essa linha de raciocínio, embora nem sempre adotada, já encontra respaldo no acervo de jurisprudência desta Corte. 79. Por fim, ainda que se pretenda aplicar alguma resposta penal ao agente que furta coisa de valor insignificante, a sanção deverá guardar proporcionalidade com a lesão causada. Como já visto, o encarceramento em massa de condenados por pequenos furtos tem efeitos desastrosos não apenas para a integridade física e psíquica dessas pessoas, como também para o sistema penitenciário como um todo, e, reflexamente, para a própria segurança pública que se quer proteger. A prisão, no caso, é manifestamente desproporcional à gravidade da conduta, nos três aspectos em que se divide o princípio da razoabilidade ou proporcionalidade: não é adequada para prevenir novos crimes – como demonstra o elevado índice de reincidência no Brasil –, é excessiva no seu aspecto repressivo e gera muito mais malefícios do que benefícios. 80. Assim sendo, a opção de mandar essas pessoas para o cárcere deve ser encarada decididamente como a última e radical alternativa num sistema já superlotado e altamente degradante. Dessa forma, proponho que eventual sanção privativa de liberdade aplicável ao furto de coisa de valor insignificante seja fixada em regime inicial aberto domiciliar, afastando-se para os reincidentes a aplicação do art. 33, § 2º, c, do CP, que, na hipótese, deve ser interpretado conforme a Constituição. Sua incidência fica paralisada no caso concreto, por produzir resultado incompatível com o texto constitucional. 81. Embora a prisão domiciliar somente seja prevista na Lei de Execuções Penais em hipóteses restritas, a realidade do sistema prisional já vem obrigando juízes e Tribunais de todo o País a recorrer a essa alternativa, a fim de que o condenado não fique submetido a regime mais gravoso do que aquele a que faz jus, por falta de vagas. Nessa linha, há precedentes das duas Turmas do Supremo Tribunal Federal. Por raciocínio semelhante, é possível lançar mão da prisão domiciliar para furtos de valor insignificante, já que o ingresso do agente no sistema carcerário é manifestamente desproporcional à lesividade da ação. 82. Proponho ainda que a referida pena privativa de liberdade seja, como regra, substituída por pena restritiva de direitos, afastando-se as condicionantes previstas no art. 44, II, III e § 3º do CP, que devem ser interpretadas à luz da Constituição, sob pena de violação ao princípio da proporcionalidade. As sanções restritivas de direitos têm um caráter ressocializador muito mais evidente em comparação com as penas privativas de liberdade, especialmente em casos abrangíveis pelo princípio da insignificância. Assim, somente em caso de descumprimento da pena restritiva deve haver a reconversão para sanção privativa de liberdade, em regime aberto domiciliar. E apenas na hipótese de descumprimento das condições impostas ao condenado em prisão domiciliar é que será possível a regressão para o regime semiaberto. 83. Feitas todas essas considerações – necessárias à reconfiguração do instituto da insignificância, tal como estou aqui propondo –, passo ao caso concreto”. (grifos nossos)
72. E, analisando o caso concreto posto no HC nº 123.108-MG, o Min. Luis Roberto Barroso conclui: “VII – O CASO CONCRETO. 84. Como relatado, trata-se de habeas corpus impetrado em favor de paciente condenado a 1 ano de reclusão, em regime inicial semiaberto, e 10 dias-multa, pelo furto simples de um par de sandálias da marca “Ipanema”, avaliado em R$ 16,00 (dezesseis reais). 85. A aplicação do princípio da insignificância foi afastada pelas instâncias de origem em razão da reincidência do réu. Porém, como visto, trata-se de aspecto que não afasta, por si só, a incidência do princípio. Vale notar que a certidão de antecedentes juntada aos autos (doc. 3. fls. 121-125) aponta que, à época dos fatos em questão (11.12.2009), o réu tinha duas condenações transitadas em julgado por crime de furto, o que entendo não ser suficiente para afastar o princípio. 86. Por outro lado, a alegação da defesa de que o bem teria sido restituído à vítima foi expressamente rejeitada na sentença, com base nas provas dos autos. Desse modo, a via do habeas corpus não se prestaria a rever tal conclusão. 87. De toda forma, verifica-se no caso a manifesta ausência de desvalor do resultado, traduzida pelo ínfimo valor do bem subtraído (R$16,00). Incide, portanto, o princípio da insignificância. VIII – CONCLUSÃO. 88. A sistematização ora proposta tem o objetivo de auxiliar o Tribunal na aplicação do princípio da insignificância, diante das preocupações e perplexidades decorrentes do enorme volume de casos e situações fáticas que lhe são submetidas. 89. É compreensível e legítima a preocupação em oferecer uma resposta estatal a pessoas reiteradamente envolvidas em condutas socialmente reprováveis. A dificuldade está em que o direito penal não oferece a melhor solução para o problema. Está-se aqui no domínio das escolhas trágicas. Embora a solução cogitada traga algum grau de inquietação ao próprio relator, é preciso confrontá-la com alternativa pior: ao mandar o autor de um furto insignificante para o sistema penitenciário, está-se fabricando, quase inexoravelmente, um criminoso de muito maior agressividade e periculosidade. Vale dizer: não há solução juridicamente simples nem moralmente barata. 90. A alarmante situação carcerária no Brasil e o alto índice de reincidência dos egressos do sistema prisional são problemas altamente complexos e graves, que não podem ser integralmente resolvidos pelo Poder Judiciário. A reconfiguração jurisprudencial da insignificância, como proposta neste voto, constitui mecanismo realista e pragmático de lidar com a realidade presente, até que ela possa ser modificada. 91. Diante do exposto, voto no sentido de conceder a ordem para reconhecer a atipicidade material da conduta do paciente, por aplicação do princípio da insignificância, restando anulados todos os efeitos do processo penal em exame. Fica prejudicada, assim, a alegação referente à nulidade por ausência de interrogatório. 92. Caso tal posição não logre a adesão da maioria, voto, alternativamente, pela concessão parcial da ordem, a fim de alterar o regime inicial de cumprimento da pena para o aberto domiciliar, e substituir a pena privativa de liberdade por uma restritiva de direitos (CP, art. 44, § 2º), consistente em prestação de serviços à comunidade, em condições a serem detalhadas na fase da execução penal. 93. É como voto”. (grifos nossos)
73. Trata-se, o caso presente, de furto simples. O valor da res furtiva efetivamente retirada da esfera de disponibilidade da vítima é de apenas R$22,90 (vinte e dois reais e noventa centavos) – um chinelo marca “Rider”, tendo em vista que as duas bermudas jeans, no valor de R$98,80 (noventa e oito reais e oitenta centavos) constituiu-se em tentativa.
74. Portanto, in casu, tem total aplicabilidade o princípio da insignificância ou da bagatela acima exaustiva e profundamente analisado.
75. Entendimento diverso do aqui exposto estará contrariando o Código Penal – lei federal infraconstitucional – notadamente, o art. 59 de referido diploma legal, que trata da individualização da pena, desafiando, por conseguinte, a interposição de Recurso Especial ao Colendo Superior Tribunal de Justiça. Por essa razão fica a matéria, desde já, prequestionada para esta finalidade, cumprindo-se, assim, requisito de admissibilidade e prosseguibilidade de referido recurso processual-constitucional.
76. Ademais, dar-se ao presente caso entendimento diverso do que o que defendido, estará contrariando os seguintes princípios e artigos constitucionais, litteris: princípio da dignidade humana – art. 1º, III; princípio da humanidade da pena – Art. 5°, incisos XLVII, XLVIII, XLIX e L; princípio da personalidade da pena – art. 5º, XLV; princípio da intervenção mínima (com os sub-princípios da subsidiariedade e da fragmentariedade); princípio da lesividade; princípio da ofensividade; princípio da proporcionalidade das penas; princípio da individualização das penas – art. 5º, XLVI; princípio da insignificância e princípio da adequação social, por conseguinte, a interposição de Recurso Extraordinário ao Excelso Supremo Tribunal Federal. Por essa razão fica a matéria, desde já, prequestionada para esta finalidade, cumprindo-se, assim, requisito de admissibilidade e prosseguibilidade de referido recurso processual-constitucional.
3. Pedido de reforma da sentença de primeiro grau
A) Do pedido de reconhecimento da infração bagatelar própria (incidência do Princípio da Insignificância ou da Bagatela)
77. Diante disso, pugnou-se, em sede de recurso (Apelação) pelo reconhecimento da prática de uma infração bagatelar própria, o que pede a incidência do Princípio da Bagatela ou da Insignificância e, diante disso, deve-se absolver o recorrente da imputação tecida contra o mesmo, nos termos do artigo 386, III, do CPP, ou seja, não constituir o fato infração penal (aqui há exclusão da tipicidade material). Condutas atípicas, ainda que materialmente, não podem ser penalmente sancionadas.
B) Do pedido de reconhecimento da infração bagatelar imprópria (reconhecimento do Princípio da Irrelevância penal do fato)
78. Caso o E. Tribunal (TJSP) – Câmara Criminal – não conclua pela absolvição do denunciado em decorrência do reconhecimento da incidência do princípio da bagatela ou da insignificância, requer-se, alternativamente, o reconhecimento da ocorrência de infração bagatelar imprópria, com a consequente incidência do Princípio da irrelevância penal do fato, dispensando-se, por conseguinte, a pena.
C) Do pedido de aplicação analógica do conceito jurídico de “furto famélico” ao presente caso – configuração do estado de necessidade
79. Ainda, alternativamente, caso superadas as teses defensivas acima citadas, requer-se a aplicação, in casu, da aplicação analógica do conceito jurídico do furto famélico, tendo em vista que os objetos furtados pelo recorrente são itens de vestuário e o mesmo furtou apenas o necessário para poder vestir-se. Diante desse reconhecimento, requer-se a absolvição do acusado por ter agido em estado de necessidade – causa de exclusão de ilicitude – nos termos do art. 24 do Código Penal.
D) Substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos – ausência de violência ou grave ameaça à pessoa
80. Superados os entendimentos acima expostos, caso este E. Tribunal conclua pela mantença da r. sentença de primeiro grau, requer-se a substituição da pena privativa de liberdade imposta por restritiva de direitos, vez que, in casu, o acusado não ameaçou qualquer pessoa ou mesmo valeu-se de violência física ou moral.
4. Manifestação da Procuradoria Geral de Justiça acerca da pretensão recursal
81. A ilustre Procuradora de Justiça, em Parecer acerca da pretensão recursal do acusado, assim fez constar, litteris:
Presentes os requisitos de admissibilidade (recurso de apelação é cabível e adequado, encontrando fundamento no artigo 593, inciso I, do Código de Processo Penal, sendo interposto dentro do prazo legal pela parte sucumbente, do que decorre a legitimidade e o interesse recursal), as irresignações devem ser conhecidas.
Nada obstante, o recurso apelativo da defesa deve ser julgado DESPROVIDO.
(...)
Não é caso de se reconhecer o princípio da insignificância (crime de bagatela) cuja aplicação se dá em hipóteses especiais, quando permitida a incidência da forma privilegiada do § 2° do artigo 155 do Código Penal, aqui inviável porque o apelante é multirreincidente específico (além de a res não ser de pequeno valor [avaliada em R$ 122,70]); portanto, se vedado está o privilégio, vedado também está o reconhecimento da insignificância, como já decidiu o Superior Tribunal de Justiça (a: HC n° 345.020-MS, rel. Min. Néfi Cordeiro, 6ª T., j. em 12.04.2016; b: HC n° 317.656-RS, rel. Min. Néfi Cordeiro, 6ª T., j. em 07.04.2016):
“2. Sedimentou-se a orientação jurisprudencial no sentido de que a incidência do princípio da insignificância pressupõe a concomitância de quatro vetores: a) a mínima ofensividade da conduta do agente; b) nenhuma periculosidade social da ação; c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada. 3. O furto de R$ 30,00, cujo valor à época representava em torno de 5,88% do salário mínimo, porém praticado por agente multireincidente, não permite a incidência do princípio da insignificância para exclusão da tipicidade penal”.
“2. Sedimentou-se a orientação jurisprudencial no sentido de que a incidência do princípio da insignificância pressupõe a concomitância de quatro vetores: a) a mínima ofensividade da conduta do agente; b) nenhuma periculosidade social da ação; c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada. 3. Não preenche a paciente os requisitos para a aplicação do princípio da insignificância, pois, embora o valor da res furtiva seja de R$ 47,37, que representava 7,61% do salário mínimo vigente à época dos fatos, a prática de dois furtos sucessivos impede reconhecer a irrelevância da conduta delitiva”.
Não prospera também a tese de furto insignificante, porque: 1.O valor dos bens subtraídos da vítima, correspondente a R$ 122,70 (cento e vinte e dois reais e setenta centavos) não era ínfimo à época dos fatos; 2. O apelante poderia ter realizado outras condutas permitidas/lícitas para adquirir os objetos, que não a subtração de bens alheios; 3. Aqui não se trata de furto de galinhas e galos, como no precedente citado pelo V. Acórdão de lavra do Ministro Lewandowski, trazido à colação pelo apelante, no qual se reconheceu a insignificância da lesão ao bem jurídico 4. Conforme a uníssona jurisprudência, a mera dificuldade financeira não autoriza o cometimento de crimes patrimoniais (sob pena de um verdadeiro caos); 5. Não ficou demonstrado nos autos, como quer fazer crer a defesa, que o apelante obrou em estado de necessidade; 6. Por fim, a tese de ausência de lesividade ao bem jurídico tutelado não pode ser considerada do ponto de vista apenas do agressor, mas deve sim considerar o prejuízo decerta significação ocasionado ao proprietário da coisa. Aquilo que é ínfimo para mim pode não ser ínfimo para o outro, sob pena de uma enorme massa de pessoas consideradas pobres, terem os seus bens–aferidos com o suor de suas vidas, excluídos da proteção do Direito Penal.
Indaga, por fim a defesa: “qual a vantagem de se condenar alguém que já está condenado pela vida?”.
A resposta é simples: ressocializá-lo. Vale dizer: reintegrar a pessoa novamente ao convívio social por meio de políticas humanísticas. Às vezes, como na multireincidência, a segregação infelizmente é imprescindível, única alternativa, para fazer cessar o risco ocasionado pelo infrator aos demais integrantes da sociedade.
Há um ditado que proclama: ”o seu direito acaba onde começa o dos outros” e, isso envolve bom senso, ética, valores morais e, também direitos e deveres assegurados em lei para todos e igualmente.
Por fim, verifica-se que a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, no caso dos autos, também não é indicada, notadamente porque o apelante é multireincidente específico, fazendo do crime contra o patrimônio um meio de vida. Logo, não preenche o requisito contido no inciso II, do artigo 44, do Código Penal.
Posto isso, opino pelo NÃO PROVIMENTO do recurso da defesa, mantendo-se a r. sentença nos seus exatos termos. (sic)
82. Há, inquestionavelmente, uma tendência punitiva que ainda impera e perpassa todo o Poder Judiciário, sendo, infelizmente, a visão minimalista um oásis perdido na imensidão do visão jurídico-penal brasileira.
5. Conclusão
83. A caso apresentado merece uma visão realista e, acima de tudo, não apartada da realidade social do Brasil. Vivemos em um país subdesenvolvido[18], no qual a corrupção grassa de maneira assustadora e as leis anticrime e anticorrupção são emendadas, retalhadas e esquartejadas antes mesmos de entrarem em vigor.
84. De um lado, pune-se a miséria, de outro, privilegia-se os criminosos mais abastados, com cargos, funções e reputações “ilibadas”. Esse o retrato atual de nosso país.
85. O processo ora em análise está em grau de recurso, como dito acima. Fica apenas a fé, esperança e as orações infindáveis que o mesmo seja analisado de forma humana, justa e equânime.
86. Furtar roupas para uso próprio, inquestionavelmente, é uma modalidade de furto famélico e, por conseguinte, deve receber tratamento de crime de bagatela.