IX – O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra – MST
Em todo esse processo o MST tem papel de grande importância, pois é o órgão que se preocupa em identificar os anseios e necessidade de uma sociedade de flagelados que buscam uma vida digna conforme prometida em nossa constituição.
Fundado em 1984, o MST é um movimento nacional extremamente organizado, presente em 23 Estados Brasileiros, dos quais nenhum é a Amazônia, uma vez que o Movimento não concorda com a colonização da floresta. [26]
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) começa a se constituir no final dos anos 70/início dos anos 80, num contexto histórico marcado pelo início da crise do regime ditatorial militar que se instalara no país em abril de 1964. Várias lutas localizadas anunciavam o surgimento de um novo movimento de luta pela terra no Brasil: em Ronda Alta, no Rio Grande do Sul, em setembro de 1979, 110 famílias ocuparam as glebas Macali e Brilhante; em Campo Erê, Santa Catarina, em 1980, ocorre a ocupação da fazendo Burro Branco; no Paraná, mais de dez mil famílias, que teriam suas terras inundadas pela construção da barragem de Itaipu, organizavam-se contra o Estado; em São Paulo, ocorria a luta dos posseiros da fazenda Primavera, nos municípios de Andradina, Castilho e Nova Independência, no Mato Grosso do Sul, nos municípios de Naviraí e Glória de Dourados, milhares de trabalhadores rurais arrendatários lutavam pela permanência na terra. [27]
Esses movimentos localizados, a partir de uma articulação promovida pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), ligada ao setor progressista da Igreja Católica, promoveram vários encontros regionais entre suas lideranças, que desembocaram num Encontro Nacional ocorrido em janeiro de 1984, em Cascavel, município do Paraná, no qual é fundado o MST como um movimento nacional de luta pela terra, pela reforma agrária e por mudanças sociais. Um ano depois, em janeiro de 1985, na cidade de Curitiba (PR), o MST realiza seu 1º Congresso Nacional. [28]
Nesta época, o Movimento dos Sem Terra compreendia a mobilização de agricultores que reivindicavam o direito à terra, à uma propriedade onde pudessem viver e tirar seu sustento. Muitos de seus componentes eram agricultores que trabalhavam nas terras de grandes proprietários ou possuíam pequenas propriedades e não tiveram suporte para mantê-las .
Historicamente figuram como não proprietários. São os descendentes dos índios, escravos, imigrantes e da população servidora dos grandes proprietários. Observou-se que a lei tem pouca repercussão prática para esta parcela da população que luta por uma propriedade. Não só porque não foram editadas leis, objetivando resultados de inserção social dos não proprietários com a aquisição de terras aliadas a um suporte agrícola, mas também pela falta de vontade política governamental que priorizasse o atendimento a sua população como um objetivo do Estado.
O Estado possui uma dívida com estes não proprietários. Gerencia a economia dando suporte e direitos aos grandes proprietários em detrimento da assistência à população não proprietária. Não se trata de devolver as terras aos reais proprietários que eram os índios, hoje representados por uma minoria de não proprietários, mas sim de se encontrar uma forma de viabilizar a propriedade àqueles desassistidos.
As medidas de pressão do MST são, essencialmente, as invasões de terras improdutivas, organizadas ao pormenor, o conseqüente acampamento das famílias, e o bloqueio de estradas. No total, há cerca de 170.000 famílias ligadas ao Movimento, além de 5.200 militantes (profissionalizados), a maioria na casa dos 20. As áreas ocupadas pelo Movimento rodam os 700 km2. [29]
Atualmente, o MST possui cerca de 100 cooperativas e já exporta produtos para os EUA e para a Europa. Além disso, possui também algumas pequenas indústrias. O seu slogan é "Ocupar, Resistir, Produzir", o qual se reflete nas ocupações de terra improdutiva por parte dos camponeses sem terra, negociando, posteriormente, com as autoridades a sua entrega aos camponeses. Possui uma hierarquia de membros e um calendário de eventos que faz lembrar um partido político. De tendência progressista, não tem orientação partidária, mas tem trabalhado de perto com o Partido dos Trabalhadores. Publica um jornal, desde há 15 anos, e tem cerca de 30 estações de rádio comunitárias e 5 programas de rádio, além de uma página na Internet. Lançou também, recentemente, o seu primeiro CD, estando já o segundo para ser lançado. O MST mantém relações com outros movimentos e organizações do mesmo gênero, quer na América Latina, quer noutros continentes. Os líderes do MST esforçam-se para que os camponeses sem terra tenham acesso à educação e à formação agrícola e procuram melhorar as áreas da saúde, da educação e da justiça nas zonas rurais. O Movimento acredita que se pode combater o desemprego, o analfabetismo e os cuidados de saúde precários nestas zonas e incentiva as mulheres a ocuparem posições nos vários níveis e o debate dos temas em torno delas.
As suas exigências são: a legalização das terras ocupadas e a demarcação do território Índio; a expropriação de terras pertencentes a multinacionais ou obtidas ilegalmente; o fim da política de colonização; políticas agrícolas apropriadas aos pequenos proprietários; a conservação e a regeneração ambiental; e a punição dos assassinos dos sem terra. [30]
O MST não se coloca, na atual conjuntura política, na defensiva, ao contrário do que ocorre, por exemplo, com o movimento sindical, porque se alimenta dos efeitos sociais perversos produzidos pelo próprio neoliberalismo. Explicando melhor: no momento atual, o objetivo dos trabalhadores aglutinados pelo MST é, acima de tudo, fugir do desemprego, do subemprego, ou mesmo da possibilidade de, num futuro próximo, tornar-se um desempregado. Neste sentido, a luta pela terra coloca-se para esses trabalhadores como uma espécie de busca de um "porto seguro", ou seja, como um meio capaz de garantir o sustento próprio e também o de suas famílias, longe da insegurança do emprego na cidade ou no campo. À medida que aumentam a marginalização e a exclusão social que atingem em cheio as classes subalternas, aumentam as bases sociais do MST que repõe a essa população marginalizada o sonho do trabalho, da sobrevivência e da reprodução social. Dessa maneira, poderíamos dizer que a força política do MST deriva, em grande parte, do desemprego gerado pela abertura da economia brasileira ao mercado internacional, da recessão e/ou do baixo crescimento econômico provocados pelos juros altos e pela busca a qualquer custo da estabilização monetária, da importação de maquinário computadorizado que atinge as indústrias de ponta da economia brasileira e que reduz drasticamente o estoque de empregos nesse setor, da própria mecanização das atividades agrícolas, fatores estes que se fizeram e se fazem presentes como nunca no cenário econômico desenhado pelo Plano Real e no cenário político atual. [31]
Os Fazendeiros e a Violência
Os principais opositores ao MST são os grandes proprietários de terra, os chamados fazendeiros costas largas, apoiados pela bancada ruralista do Congresso, que tem um enorme poder de pressão. São criticados por estarem isentos de impostos e as suas dívidas serem perdoadas, e por terem fácil acesso ao crédito rural. Possuem vastas extensões de terra improdutiva ou que cultivam exclusivamente para fins de exportação.
De acordo com a Anistia Internacional e outras organizações de direitos humanos, as áreas rurais no Brasil têm sido alvos freqüentes de violação dos direitos humanos, além da habitual pobreza. As ameaças, as torturas e as mortes tornaram-se uma realidade freqüente. A questão da posse da terra está na origem destes atos de violência quer por parte dos proprietários das terras quer das forças policiais, os quais recorrem à violência para expulsar os sem terra que ocuparam terras alheias. O MST possui um departamento de direitos humanos que conta com a ajuda de mais de 49 advogados voluntários. Nos últimos 10 anos, já morreram mais de 1.000 pessoas, devido a estes confrontos. Só em 1996 foram registrados 750 conflitos de terra, resultando na morte de 54 camponeses. Esse mesmo ano ficou conhecido pelo massacre de 19 trabalhadores sem terra, em Eldorado dos Carajás, no Estado do Pará, a 17 de Abril. O ano anterior, 1995, tinha sido marcado por um massacre em Curumbiara, no Estado de Rondônia, a 9 de Agosto. Desde 1985, apenas 5 pessoas foram condenadas por crimes relacionados com os sem terra e o MST. Estes acontecimentos deram origem a uma marcha gigantesca, organizada pelo Movimento em 1997, que partiu de três pontos do Brasil até Brasília e que contou com a participação de perto de 5.000 pessoas. [32]
O Brasil sofreu 8 anos com o modelo econômico neoliberal implementado pelo governo FHC, que provocou graves danos para quem vive no meio rural, fazendo crescer a pobreza, a desigualdade, o êxodo, a falta de trabalho e de terra. A eleição de Lula, em 2001, representou a vitória do povo brasileiro e a derrota das elites e de seu projeto. Mas, mesmo essa vitória eleitoral não foi suficiente para gerar mudanças significativas na estrutura fundiária e no modelo agrícola. Assim, é necessário promover, cada vez mais, as lutas sociais para garantir a construção de um modelo de agricultura que priorize a produção de alimentos e a distribuição de renda.
Hoje, completando 21 anos de existência, o MST entende que seu papel como movimento social é continuar organizando os pobres do campo, conscientizando-os de seus direitos e mobilizando-os para que lutem por mudanças. Nos 23 estados em que o Movimento atua, a luta não só pela Reforma Agrária, mas pela construção de um projeto popular para o Brasil, baseado na justiça social e na dignidade humana.
CONCLUSÃO
Superando velhas concepções absolutistas, a idéia da função social alterou a estrutura do direito de propriedade, convertendo-o em poder-dever voltado à destinação do bem a objetivos que, transcendendo o simples interesse do proprietário, venham a satisfazer indiretamente as necessidades dos demais membros da comunidade.
A concepção privatista da propriedade tem levado, freqüentemente, autores e tribunais à desconsideração da verdadeira natureza constitucional da propriedade, que é sempre um direito-meio e não um direito-fim. A propriedade não é garantida sem si mesma, mas como instrumento de proteção de valores fundamentais. Desde a fundação do constitucionalismo moderno, com a afirmação de que há direitos anteriores e superiores às leis positivas, a propriedade foi concebida como um instrumento de garantia da liberdade individual, contra a intrusão dos Poderes Públicos. As transformações do Estado contemporâneo deram à propriedade, porém, além dessa função, também a de servir como instrumento de realização da igualdade social e da solidariedade coletiva, perante os fracos e desamparados.
Seria indesculpável anacronismo se a doutrina e a jurisprudência hodiernas não levassem em consideração essa transformação histórica, para adaptar o velho instituto às suas novas finalidades.
NOTAS
01 GOMES, Orlando. Direitos reais, p.109
02 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direitos reais, p.152.
03 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direitos reais, p.152-153.
04 CHAGAS, Marco Aurélio Bicalho de Abreu. A doutrina da função social da propriedade no Direito Agrário.
05 MEZZOMO, Marcelo Colombelli; COELHO, José Fernando Lutz. A função social da propriedade nos contratos agrários.
06 GOMES, Orlando. Direitos reais, p.125-126.
07 LYRA JÚNIOR, Eduardo Messias Gonçalves de; FIGUEIREDO, Henrique Monteiro et. al. A propriedade rural, sua função social e as invasões promovidas por movimentos sem-terra.
08 BIERWAGEN, Mônica Yoshizato. Princípios e Regras de interpretações dos contratos no Novo Código Civil, p.39.
09 BERNARDES, Juliano Taveira. Da função social da propriedade imóvel. Estudos do princípio constitucional e de sua regulamentação pelo novo Código Civil brasileiro.
10 Idem.
11 BIERWAGEN, Mônica Yoshizato. Princípios e Regras de interpretações dos contratos no Novo Código Civil, p.38.
12 MEZZOMO, Marcelo Colombelli; COELHO, José Fernando Lutz. A função social da propriedade nos contratos agrários.
13 TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil: Contornos constitucionais da propriedade privada, p.306.
14 BERNARDES, Juliano Taveira. Da função social da propriedade imóvel. Estudos do princípio constitucional e de sua regulamentação pelo novo Código Civil brasileiro.
15 TEPEDINO, Gustavo.Temas de Direito Civil:Contornos constitucionais da propriedade privada,p.303-304.
16 LYRA JÚNIOR, Eduardo Messias Gonçalves de; FIGUEIREDO, Henrique Monteiro et. al. A propriedade rural, sua função social e as invasões promovidas por movimentos sem-terra.
17 TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil: Contornos constitucionais da propriedade privada, p.305.
18 LEÃO, André Carneiro. A função social da propriedade e as ocupações de terra por movimentos sociais.
19 TEPEDINO,Gustavo. Temas de Direito Civil:Contornos constitucionais da propriedade privada,p.310-311.
20 BERNARDES, Juliano Taveira. Da função social da propriedade imóvel. Estudos do princípio constitucional e de sua regulamentação pelo novo Código Civil brasileiro.
21 TEPEDINO,Gustavo. Temas de Direito Civil:Contornos constitucionais da propriedade privada, p.311.
22 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, p.649-650.
23 AVILA. Humberto. A distinção entre princípios e regras e a redefinição do dever de proporcionalidade. Revista Diálogo Jurídico, n.4, vol.1. Bahia, 2001. Disponível em: www.DP.DireitoPublico.com.br.
24 Idem.
25 AVILA. Humberto. A distinção entre princípios e regras e a redefinição do dever de proporcionalidade. Revista Diálogo Jurídico, n.4, vol.1. Bahia, 2001. Disponível em: www.DP.DireitoPublico.com.br.
26 www.mst.gov.br
27 COLLETI, Claudinei. MST, Luta pela terra e o neoliberalismo.
28 COLLETI, Claudinei. MST, Luta pela terra e o neoliberalismo.
29 www.mst.gov.br
30 www.mst.gov.br
31 www.mst.gov.br
32 www.mst.gov.br
BIBLIOGRAFIA
- ÁVILA, Humberto. A distinção entre municípios e regras e a redefinição do dever de proporcionalidade. Revista Diálogo Jurídico, n.4, vol.1. Bahia, 2001. Disponível em: www.DP.DireitoPublico.com.br.
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- MEZZOMO, Marcelo Colombelli; COELHO, José Fernando Lutz. A função social da propriedade nos contratos agrários . Jus Navigandi, Teresina, a. 7, n. 66, jun. 2003. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/4125 . Acesso em: 14 out. 2005.
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- TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil: contornos constitucionais da propriedade privada, 3ª ed., revista e atualizada, Rio de Janeiro. Editora Renovar, 2004.
- VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direitos reais, 3ª ed., São Paulo. Editora Atlas. 2003("Coleção Direito Civil, Volume 5").
- Site do MST: www.mst.gov.br