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Acordo judicial trabalhista após a Lei 13.876/2019

Agenda 25/09/2019 às 15:42

O artigo visa abordar as alterações ao art. 832, da CLT, trazidas pela Lei 13.876/2019, apontando potenciais interpretações cabíveis, bem como paradoxos e problemas apresentados pelos parágrafos acrescidos.

Com o alastramento da pandemia causada pelo Covid-19, diversas unidades federativas tomaram medidas legislativas visando impor ou estimular práticas de isolamento social da população, como forma de contenção da propagação pandêmica.

Nos municípios, multiplicaram-se as normas destinadas a regulamentar o funcionamento do comércio local, seja proibindo determinadas atividades, seja estabelecendo limitações de horário de funcionamento do comércio. Essas iniciativas legislativas realmente se inserem dentro da competência dos entes municipais, como se depreende do art. 30, I, da Constituição Federal, e está de acordo também com o entendimento já consagrado na Súmula Vinculante 38, do STF, que atribui aos municípios a competência para fixar o horário de funcionamento de estabelecimentos comerciais.

Para fins ilustrativos, tome-se como exemplo o decreto 774/2020, do Município de Curitiba, que, entre outras medidas, estabelece em seu art. 3º, I, que o comércio varejista de rua (excetuado o comércio vinculado a atividades essenciais), deve funcionar com restrição de horário durante o período de contenção pandêmica, estabelecendo o horário de funcionamento para esta modalidade de comércio das 10h00 às 16h00, de segunda à sexta-feira, e com proibição de abertura aos sábados e domingos. Após a edição desta norma, assim como de outras similares em outras localidades, surgiram algumas manifestações no sentido de que o trabalho além de 6 horas diárias, ou mesmo em finais de semana, implicaria direito ao pagamento de horas extras. E essa confusão não pode persistir.

O horário efetivo a ser cumprido por um empregado é sempre definido através de seu contrato de trabalho. Em hipóteses excepcionais regulamentos internos de empresas ou mesmo acordo coletivos versam especificamente sobre horários de trabalho de alguns empregados, ou pelo menos de trabalhadores em determinados setores. Como regra, a lei, assim como as normas convencionais, apenas define os limites máximos de jornada que devem ser observados por ocasião da pactuação do contrato de trabalho. A duração diária ou semanal do trabalho, e o momento a partir do qual se define o término da execução das horas “normais” de trabalho e o início da prestação de horas extras, não guarda nenhuma relação com o horário de funcionamento comercial do estabelecimento no qual cada trabalhador executa suas funções, e menos ainda guarda qualquer relação com a prestação dessas atividades em caráter presencial ou em contato direto com o público. O fato de uma loja localizada em um shopping center, por exemplo, permanecer aberta das 10h00 às 22h00 não significa, por óbvio, que seus empregados cumpram necessariamente jornada das 10h00 às 22h00.

Aliás, rigorosamente nem poderia, sob pena de ofensa ao limite de duração diária do trabalho de 8 horas, e até mesmo ofensa ao limite de duas horas extras diárias. Da mesma forma, o fato de um determinado estabelecimento comercial (por exemplo, um restaurante), abrir para atendimento ao público apenas das 12h00 às 15h00 não significa que seus empregados trabalham apenas durante esse intervalo de tempo, tampouco que seu horário de trabalho a isso se limite.

Deveria ser intuitivo que o horário de funcionamento de um estabelecimento não possui qualquer relação com a jornada de trabalho cumprida pelos empregados que ali laboram. Em tempos de teletrabalho, prestação de trabalho em domicílio, entre outras modalidades de labor que não exigem a presença física do empregado – ou mesmo a existência física de um imóvel onde o empregador desenvolva suas atividades – é flagrante esta distinção. Poder-se-ia imaginar que o fato de haver uma limitação legal de horário de funcionamento comercial implicaria algum tipo de efeito sobre a jornada contratual, mas não é o caso. As normas municipais não modificam os limites de horário admitidos no direito brasileiro, tampouco modificam as jornadas de trabalho contratadas.

Nem poderiam fazê-lo porque a competência para legislar sobre direito do trabalho é privativa da União, como se extrai do art. 22, I, da Constituição Federal. O que o decreto acima exemplificado estabelece é uma limitação de horário de funcionamento do estabelecimento comercial, mas nada impede que atividades continuem a ser realizadas fora do estabelecimento comercial, como, por exemplo, a prestação de serviços em teletrabalho (e.g. conciliação do resultado contábil do dia).

Da mesma forma, essa limitação não modifica a jornada contratual a ser observada. Suponha-se que um determinado estabelecimento comercial operando neste período tenha permanecido em atividade até às 16h30. Os 30 minutos em excesso efetivamente violam o conteúdo do decreto, mas se os empregados do estabelecimento possuem jornada contratual de 8 horas, o fato de laborarem das 10h00 às 16h30 não implica prestação de horas extras, já que o limite contratual (dentro, inclusive, do limite constitucional), não foi desrespeitado.

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Trata-se à toda evidência de infração de caráter administrativo, sujeitando a unidade comercial às sanções previstas no próprio decreto que fixou os limites de horário de funcionamento, mas que não implicam modificação dos balizadores das horas extras. Isso não significa que o decreto não gere efeitos sobre a relação de trabalho em si.

Imagine-se que o empregador nesse cenário venha a exigir que os empregados compareçam ao trabalho presencial em um sábado (contratualmente previsto). A ofensa é literal à norma, razão pela qual os empregados podem, validamente, recusarem-se a comparecer ao trabalho, sem que isso implique desobediência ou descumprimento de obrigação contratual, já que a determinação do empregador é manifestamente ilegal.

Suponha-se, contudo, que o empregador não exija o trabalho presencialmente no sábado, mas determine que os empregados neste dia participem de uma reunião por videoconferência. Não há nenhuma violação à norma municipal nesse cenário e, se a reunião não ultrapassar o limite diário de trabalho previsto para o sábado (e o limite semanal), tampouco haverá horas extras a serem pagas.

As normas municipais que versam a respeito do tema, portanto, limitam-se (ou devem se limitar) a fixar as condições para funcionamento das atividades comerciais no período pandêmico, com vistas precipuamente a minimizar aglomerações e possibilidades de contágio, mas não afetam as jornadas de trabalho contratadas, nem impõem consequências legais sobre a disciplina do horário de trabalho (horas extras, intervalos, adicional noturno, entre outras), seja porque efetivamente não as disciplinam, seja porque, se o fizessem, seriam manifestamente inconstitucionais por usurpação de competência privativa da União.

Sobre o autor
Roberto Dala Barba Filho

Juiz do Trabalho no TRT da 9a Região Bacharel em direito pela UFPR Mestre em direito pela PUC-PR

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARBA FILHO, Roberto Dala. Acordo judicial trabalhista após a Lei 13.876/2019. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5929, 25 set. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/76751. Acesso em: 2 nov. 2024.

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