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Noções fundamentais de Direito do Trabalho

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Agenda 24/12/2005 às 00:00

Sumário: Introdução. 1. Definição. 1.1. Critério subjetivista. 1.2. Critério objetivista. 1.3. Critério misto ou complexo. 1.4. Definição do autor. 2. Objeto. 3. Autonomia. 3.1 Autonomia legislativa. 3.2. Autonomia doutrinária. 3.3. Autonomia didática. 3.4. Autonomia jurisdicional. 3.5. Autonomia científica. 4. Características. 4.1. Tendência ampliativa. 4.2. Protecionismo. 4.3. Dirigismo estatal. 4.4 Estabelecimento de relações de subordinação 4.5. Enfoque coletivo. 4.6. Caráter cosmopolita. 4.7. Promoção de reformas sociais. 4.8. Socialidade. 5. Denominação. 5.1. Legislação do Trabalho. 5.2. Legislação e Direito Industrial. 5.3. Direito Operário. 5.4. Direito Corporativo 5.5. Direito Social. 5.6. Direito do Trabalho. 6. Natureza ou posição enciclopédica. 6.1. Teoria do Direito Público. 6.2. Teoria do Direito Privado. 6.3. Teoria do Direito Misto. 6.4. Teoria do Direito Social. 6.5. Teoria do Direito Unitário ou do Direito Misto com Unicidade Conceitual. 7. Divisões. 7.1. Direito Individual do Trabalho. 7.2. Direito Tutelar do Trabalho. 7.3. Direito Coletivo do Trabalho. 8. Funções. 8.1. Função tutelar. 8.2. Função econômica. 8.3. Função social. 8.4. Função conservadora. 8.5. Função coordenadora. Bibliografia.


Introdução

            O presente trabalho tem finalidade eminentemente didática. Sem intuito exaustivo, objetiva expor, de modo sistemático, objetivo e consistente, alguns dos principais aspectos introdutórios da ciência justrabalhista, abordando integralmente o primeiro item do Programa de Direito Individual do Trabalho para o Concurso de Juiz do Trabalho Substituto, contido no anexo da Resolução Administrativa nº 907/2002 do Tribunal Superior do Trabalho.

            A metodologia aplicada foi, fundamentalmente, de compilação, sem abster-se, o autor, de posicionar-se diante de algumas das mais intrincadas questões científicas apresentadas.

            Dentro destes parâmetros, o presente trabalho aborda: no primeiro capítulo, os diferentes critérios utilizados para o estabelecimento de uma definição para o ramo jurídico em estudo, finalizando com a definição formulada pelo autor; no segundo capítulo, a delimitação de seu objeto; no terceiro capítulo, a questão da autonomia do Direito do Trabalho em relação ao Direito Civil; no quarto capítulo, seus principais caracteres; no quinto capítulo, as principais denominações utilizadas no passado para referir-se à disciplina em estudo, buscando apresentar as razões históricas de seu uso pretérito e desuso atual; no sexto capítulo, as teorias existentes acerca da natureza jurídica do ramo do Direito que ora se estuda; no sétimo capítulo, suas divisões assinaladas pela doutrina; no oitavo e último capítulo, as funções do Direito do Trabalho.


1. Definição

            A tarefa de explicitar a estrutura essencial do ramo especializado do Direito, denominado "Direito do Trabalho", tem conduzido juristas à adoção de posicionamentos distintos que podem ser agrupados em três grandes grupos, de acordo com o critério adotado para a construção das definições: subjetivista, objetivista e misto ou complexo.

            1.1.Critério subjetivista

            O critério subjetivista enfatiza os sujeitos das relações jurídicas reguladas pelo Direito do Trabalho, ora frisando o aspecto da debilidade econômica dos trabalhadores como objetivo principal das normas deste ramo do Direito, ora posicionando a classe trabalhadora como objeto de suas conceituações.

            As definições formuladas com fulcro neste critério buscam explicitar a que tipos de trabalhadores são aplicadas as normas do Direito do Trabalho. Para alguns, todos os trabalhadores são destinatários das regras do ordenamento jurídico trabalhista, posição demasiadamente ampla, pois há labor humano regulado por outros ramos do Direito (civil e administrativo). Para outros, somente uma espécie de trabalhadores, denominados "empregados", são destinatários das normas trabalhistas, posição que é demasiadamente restrita, pois determinadas espécies de trabalhadores não empregados (avulsos, por exemplo) têm suas relações reguladas pela legislação do trabalho.

            Este critério, embora largamente utilizado por doutrinadores estrangeiros, possui pouco prestígio na doutrina brasileira.

            De acordo com a doutrina subjetivista, o Direito do trabalho poderia ser definido como um conjunto de normas jurídicas destinadas a proteger os economicamente mais fracos (trabalhadores ou empregados) diante dos mais fortes (tomadores de serviço ou empregadores).

            Conforme o ensino de MAURÍCIO GODINHO DELGADO, "dos três enfoques utilizados para a construção de definições, o menos consistente, do ponto de vista científico, é, sem dúvida, o subjetivista. É que, considerada a relação de emprego como a categoria fundamental sobre que se constrói o Direito do Trabalho, obviamente que o ramo jurídico especializado não irá definir-se, sob o ponto de vista técnico, a partir de qualquer de seus sujeitos, mas a partir de sua categoria fundamental. Por outro lado, o caráter expansionista desse ramo jurídico tem-no feito regular, mesmo que excepcionalmente, relações jurídicas de trabalho que não envolvem exatamente o empregado – o que torna o enfoque subjetivista inábil a apreender todas as relações regidas pelo ramo jurídico em análise" [01].

            1.2.Critério objetivista

            O critério objetivista enfatiza o objeto das relações reguladas pelo Direito do Trabalho. As definições baseadas neste critério buscam determinar, não as pessoas a que se aplicam as normas trabalhistas, mas as matérias por elas reguladas.

            As definições objetivistas, assim como as subjetivistas, não são uniformes. Para alguns, o Direito do Trabalho regula todas as relações de trabalho. Para outros, somente a relação de trabalho subordinado.

            É objetivista a definição de IVES GANDRA DA SILVA MARTINS FILHO, para quem "o Direito do Trabalho é o ramo do Direito que disciplina as relações de emprego, tanto individuais como coletivas" [02]

            Do mesmo modo, segue o critério objetivista, a definição de MESSIAS PEREIRA DONATO, segundo a qual o Direito do Trabalho é o "corpo de princípios e de normas jurídicas que ordenam a prestação do trabalho subordinado ou a este equivalente, bem como as relações e os riscos que dela se originam" [03].

            Convém observar que as mesmas observações formuladas acerca do critério subjetivista são válidas para a análise das definições fundamentadas no presente critério. Nas palavras de AMAURI MASCARO NASCIMENTO, "há correlação entre os dois ângulos e ambos se confundem, o pessoal e o material" [04]

            Assim, as definições que restringem o objeto do Direito do Trabalho à relação de emprego falham por desconsiderarem outros tipos de relações trabalhistas reguladas por este ramo do Direito e as definições que enquadram qualquer relação de trabalho no âmbito objetivo deste ramo jurídico especializado, ampliam demasiadamente o seu objeto, fazendo-o invadir a esfera de aplicação do Direito Civil e do Direito Administrativo.

            1.3.Critério misto ou complexo

            As definições elaboradas com alicerce no critério misto caracterizam-se pela combinação dos dois elementos anteriores: o sujeito e a matéria disciplinados pelo Direito do Trabalho. Assim, abrangem tanto as pessoas, como o objeto deste ramo do Direito, buscando uma unidade que melhor explique o seu conteúdo.

            Este critério tem sido utilizado pela maior parte da doutrina brasileira. São complexas as definições de ARNALDO SUSSEKIND, AMAURI MASCARO NASCIMENTO, EVARISTO DE MORAES FILHO, MAURÍCIO GODINHO DELGADO, OCTAVIO BUENO MAGANO e SERGIO PINTO MARTINS, entre outros.

            Para EVARISTO DE MORAES FILHO e ANTONIO CARLOS FLORES DE MORAES, "o direito do trabalho é o conjunto de princípios e normas que regulam as relações jurídicas oriundas da prestação de serviço subordinado, e excepcionalmente do autônomo, além de outros aspectos destes últimos como conseqüência da situação econômico-social das pessoas que o exercem" [05]

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            Com semelhante conteúdo, ARNALDO SUSSEKIND formulou a seguinte definição: "Direito do Trabalho é o conjunto de princípios e normas, legais e extralegais, que regem tanto as relações jurídicas individuais e coletivas, oriundas do contrato de trabalho subordinado e, sob certos aspectos, da relação de trabalho profissional autônomo, como diversas questões conexas de índole social, pertinentes ao bem-estar do trabalhador" [06]

            Segundo AMAURI MASCARO NASCIMENTO, "Direito do trabalho é o ramo da ciência do direito que tem por objeto normas jurídicas que disciplinam as relações de trabalho subordinado, determinam os seus sujeitos e as organizações destinadas à proteção desse trabalho, em sua estrutura e atividade" [07].

            MAURÍCIO GODINHO DELGADO define o Direito Material do Trabalho como "complexo de princípios, regras e institutos jurídicos que regulam a relação empregatícia de trabalho e outras relações normativamente especificadas, englobando, também, os institutos, regras e princípios concernentes às relações coletivas entre trabalhadores e tomadores de serviços, em especial através de suas associações coletivas" [08]

            A definição de OCTAVIO BUENO MAGANO enuncia que o Direito do Trabalho é o "conjunto de princípios, normas e instituições, aplicáveis à relação de trabalho e situações equiparáveis, tendo em vista a melhoria da condição social do trabalhador, através de medidas protetoras e da modificação das estruturas sociais" [09]

            Para SERGIO PINTO MARTINS, "Direito do Trabalho é o conjunto de princípios, regras e instituições atinentes à relação de trabalho subordinado e situações análogas, visando assegurar melhores condições de trabalho e sociais ao trabalhador, de acordo com as medidas de proteção que lhe são destinadas" [10]

            FRANCISCO METON MARQUES DE LIMA propõe duas definições para o ramo jurídico em estudo: uma definição sintética, de índole objetivista; e uma definição analítica, que utiliza o critério misto. Sinteticamente, define o Direito do Trabalho como "o ramo do Direito que trata das relações individuais e coletivas oriundas do vínculo empregatício e de outras relações especiais de trabalho subordinado, impondo normas de conduta e oferecendo soluções aos conflitos daí advindos" [11]. Em sua definição analítica, revela que o "Direito do Trabalho é o ramo do Direito constituído do conjunto de princípios e regras que regula o contrato de trabalho, seus sujeitos e objeto, os entes coletivos representantes dos patrões e dos trabalhadores, e, ao mesmo tempo, disciplina as relações individuais e coletivas oriundas do trabalho subordinado e similar entre os sujeitos e entre estes e o Estado" [12].

            1.4.Definição do autor

            O autor do presente trabalho entende que o Direito do Trabalho pode ser definido sob duas perspectivas: como conhecimento humano e como direito objetivo.

            Como conhecimento humano, o Direito do Trabalho é o ramo da ciência jurídica que tem por objeto de estudo os princípios e normas que regulam as relações de emprego, as relações de trabalho temporário e as relações de trabalho avulso.

            Como direito objetivo, o Direito do Trabalho é o conjunto de princípios e normas que regulam as relações de emprego, as relações de trabalho temporário e as relações de trabalho avulso.

            Estas definições foram formuladas com apoio no critério objetivista. Verifica-se que debilidade econômica do trabalhador foi um fenômeno indispensável para a formação do direito laboral e que a proteção que ser humano que trabalha recebe da legislação trabalhista é característica marcante deste ramo do Direito, mas estes fatos não integram sua estrutura essencial.

            As relações coletivas de trabalho não foram contempladas nas supra-expostas definições, pois o autor entende, em dissonância com a maioria dos doutrinadores brasileiros, que estas relações constituem objeto de um ramo jurídico autônomo, conhecido como "Direito Coletivo do Trabalho" ou "Direito Sindical" [13].


2.Objeto

            O Direito do Trabalho, do modo que foi concebido em Versailles, teve a relação de trabalho pessoal, subordinado, remunerado e não eventual, chamada "relação de emprego" , como categoria básica a partir de que foram desenvolvidos seus princípios, regras e institutos essenciais.

            Posteriormente, por meio de leis especiais, duas outras formas de trabalho individual passaram a integrar o objeto deste ramo do Direito, embora não se confundam com a relação empregatícia: a prestação de serviços de caráter transitório, com intermediação de empresa de trabalho temporário (trabalho temporário), e a prestação de serviços intermitentes, mediante requisição de mão-de-obra a um órgão gestor de mão de obra ou sindicato, que escala trabalhadores cadastrados para os serviços (trabalho avulso).

            MAURÍCIO GODINHO DELGADO observa que estas categorias ingressaram no Direito do Trabalho, "não pela natureza de sua relação jurídica particular (que não é empregatícia), porém em decorrência de expressa determinação legal" [14]

            Apesar da ampliação objetiva por que vem passando o Direito do Trabalho, permanecem excluídas, da sua área de abrangência, todas as relações de trabalho não incluídas nas três categorias supramencionadas (relação de emprego, trabalho avulso e trabalho temporário). Assim, o trabalho autônomo, o trabalho eventual, o trabalho prestado por servidores públicos estatutários, o trabalho voluntário, entre outras formas de labor humano, não são reguladas pelo Direito do Trabalho.

            Como a maior parte de doutrina brasileira não reconhece a autonomia do Direito Coletivo do Trabalho, freqüentemente é apontado, como objeto do Direito do Trabalho, também, matéria sindical como a greve, a negociação coletiva e a própria organização dos sindicatos. Posição esta, consagrada nas palavras de ARNALDO SUSSEKIND: "há, portanto, no Direito do Trabalho princípios e normas sobre relações individuais de trabalho e direito coletivo do trabalho, abrangendo este último a organização sindical, a negociação coletiva e a greve" [15].

            Assim, conforme o posicionamento adotado pelo estudioso quanto à autonomia do Direito Sindical, pode-se visualizar o objeto do Direito do Trabalho de duas formas. A primeira, defendida pelo autor desta obra, reconhecendo a autonomia do Direito Coletivo do Trabalho, aponta as relações de emprego, trabalho avulso e trabalho temporário como objeto deste ramo jurídico especializado. A segunda, mais ampliativa, entendendo que o Direito Coletivo do Trabalho é, apenas, uma subdivisão do Direito do Trabalho, entende que, além das três relações trabalhistas mencionadas anteriormente, também constituem objeto do Direito do Trabalho as relações coletivas de trabalho e a organização sindical.

            É pacífico o entendimento doutrinário de que a Seguridade Social, que engloba a Previdência Social, a Saúde e a Assistência Social, já alcançou autonomia científica, de modo que seu conteúdo não mais integra o objeto do Direito do Trabalho.

            Não obstante ainda haja discussões acerca da autonomia do Direito Processual do Trabalho, há consenso entre os doutrinadores no sentido de que a matéria por ele regulada não pertence ao Direito do Trabalho. Os que não lhe reconhecem a autonomia, entendem-no ser mero desdobramento do Direito Processual Civil.


3.Autonomia

            Um ramo jurídico alcança autonomia quando, por possuir princípios, objeto, instituições, normas próprias e maturidade doutrinária, desprende-se do ramo em que foi originado.

            Atualmente, não há dúvidas quanto à autonomia do Direito do Trabalho. Esta autonomia tem sido abordada pelos doutrinadores sob cinco perspectivas: autonomia legislativa ou legal, autonomia doutrinária, autonomia didática, autonomia jurisdicional e autonomia científica.

            3.1.Autonomia legislativa

            O Brasil não possui um Código de Trabalho como possui a França. No entanto, em virtude da existência da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, que representa um estatuto próprio e independente, além da publicação de um grande número de leis esparsas tratando de matéria trabalhista; diversos doutrinadores, a exemplo de AMAURI MASCARO NASCIMENTO, ARNALDO SUSSEKIND, EVARISTO DE MORAES FILHO, MOZART VICTOR RUSSOMANO, ORLANDO GOMES e SERGIO PINTO MARTINS entre outros, têm reconhecido a autonomia legislativa do Direito do Trabalho brasileiro.

            3.2.Autonomia doutrinária

            A autonomia doutrinária traduz-se na existência de uma bibliografia própria. É notória a existência de grande número de obras doutrinárias sobre Direito do Trabalho no Brasil, incluindo obras clássicas de reconhecimento nacional e internacional.

            3.3.Autonomia didática

            A autonomia didática do Direito do Trabalho revela-se na inclusão de sua matéria no currículo acadêmico das faculdades de Direito, assim como sua exigência nos Exames de Ordem, obrigatórios para a habilitação do bacharel em direito como advogado.

            3.4.Autonomia jurisdicional

            A autonomia jurisdicional evidencia-se pela existência de um órgão especializado do Poder Judiciário que aplica o ramo jurídico em estudo: a Justiça do Trabalho.

            3.5.Autonomia científica

            Demonstra-se a autonomia científica do Direito do Trabalho pela formulação de institutos e princípios próprios, distintos dos institutos e princípios do Direito Civil e dos demais ramos jurídicos, como o princípio da proteção ao trabalhador, da continuidade dos contratos de trabalho, da irrenunciabilidade de direitos, etc.


4.Características

            Como ramo jurídico autônomo, o Direito do Trabalho possui características próprias, que, em seu conjunto, o diferenciam dos demais ramos do Direito.

            Nas palavras de EVARISTO DE MORAES FILHO e ANTONIO CARLOS FLORES DE MORAES, "o direito do trabalho é um ramo novo, autônomo, independente, da comum ciência jurídica, e por isso mesmo reveste-se de manifestações próprias, de notas típicas, que bem o singularizam e o destacam em relação às outras espécies do gênero único do direito... Caráter em lógica significa tudo o que faz parte da compreensão total de um determinado objeto. Uns são comuns a mais de um objeto; outros, próprios somente; outros, ainda, essenciais; alguns, puramente acidentais. O que importa fixar é que o conjunto de caracteres constitui o todo, que acaba por apresentar fisionomia própria e individual a um dado objeto. Não se deve citar este ou aquele caráter isolado, e sim a totalidade deles, porque em nenhum outro objeto se apresentarão todos reunidos, na mesma ordem e com a mesma eficácia" [16].

            Apesar da importância do tema, poucos doutrinadores brasileiros têm se dedicado à fixação das características do Direito do Trabalho.

            Segundo FRANCISCO METON MARQUES DE LIMA, caracterizam este ramo jurídico especializado: "socialidade, imperatividade, protecionismo, coletivismo, justiça social, distribuição de riqueza" [17]. Não se ocupa, contudo, o mencionado professor, em revelar o significado e alcance de cada uma das características apontadas.

            EVARISTO DE MORAES FILHO e ANTONIO CARLOS FLORES DE MORAES, a fim de fixar o que consideram caracteres fundamentais do Direito do Trabalho, fizeram a seguinte exposição: "a) é um direito in fieri, um werdendes Recht, que tende cada vez mais a ampliar-se; b) trata-se de uma reivindicação de classe tuitivo por isso mesmo; c) é intervencionista, contra o dogma liberal da economia, por isso mesmo cogente, imperativo, irrenunciável; d) é de cunho nitidamente cosmopolita, internacional ou universal; a) os seus institutos mais típicos são de ordem coletiva ou socializante; f) é um direito de transição, para uma civilização em mudança" [18].

            Seguindo a mesma orientação, ALICE MONTEIRO DE BARROS leciona que "entre as características do Direito do Trabalho, a doutrina nacional aponta: a) a tendência in fieri, isto é, à ampliação crescente; b) o fato de ser um direito ‘tuitivo’, de reivindicação de classe; c) de cunho untervencionista; d) o caráter cosmopolita, isto é, influenciado pelas normas internacionais; e) o fato de os seus institutos jurídicos mais típicos serem de ordem coletiva ou socializante; f) o fato de ser um direito em transição". [19]

            Sem intuito exaustivo, pode-se apontar, como características principais do Direito do Trabalho, as seguintes: a) tendência ampliativa; b) protecionismo; c) dirigismo estatal; d) estabelecimento de relações de subordinação; e) enfoque coletivo; f) caráter cosmopolita; g) promoção de reformas sociais e h) socialidade.

            4.1.Tendência ampliativa

            Esta característica, que corresponde ao que EVARISTO DE MORAIS FILHO e ANTONIO CARLOS FLORES DE MORAES chamaram de Werdendes Recht (direito em vir a ser), significa que o Direito do Trabalho é um direito em formação, que ainda não alcançou a plenitude de seus institutos. Possui, portanto, propensão à ampliação de seu conteúdo.

            Verifica-se que este ramo especializado do Direito tende a incluir, em seu âmbito de aplicação, um número cada vez maior de categorias de relações laborais até então excluídas de sua regulamentação: do momento de sua concepção como ramo autônomo, quando se limitava a regular as relações de emprego, aos dias atuais, seu objeto já foi ampliado para regular o trabalho temporário e o trabalho avulso, e não há sinais de que esta tendência de ampliação objetiva tenha cessado.

            EVARISTO DE MORAES FILHO e ANTONIO CARLOS FLORES DE MORAES, fazendo referência à lição de GRANIZO e ROTHVOSS, lecionam que "o direito do trabalho cresce, realmente, procurando ampliar o seu conteúdo em três direções bem nítidas: em intensidade, em extensão territorial e em extensão pessoal. Em intensidade, porque aumenta cada vez mais os benefícios em favor dos sujeitos desta legislação; em extensão territorial, porque se estende sempre mais no espaço geográfico, interno ou internacional; em extensão pessoal, de vez que tende a incluir em seu âmbito um número cada vez maior de pessoas, até então ausentes de sua proteção" [20].

            É válido ressaltar que a permanência do crescimento em intensidade, com o aumento permanente dos benefícios concedidos aos trabalhadores, nos dias atuais, é questionável em virtude da inclinação das legislações hodiernas à flexibilização do Direito do Trabalho.

            4.2.Protecionismo

            Esta característica, também apontada por FRANCISCO METON MARQUES DE LIMA, que está relacionada à "reivindicação de classe tuitivo" referida por EVARISTO DE MORAES FILHO e ANTONIO CARLOS FLORES DE MORAES, significa que este ramo jurídico, por meio de suas regras e princípios, cumpre uma função tutelar do trabalhador, protegendo-o diante do detentor do poder econômico que com ele se relaciona.

            Esta tutela é realizada por meio de normas elaboradas pelo Estado ou por meio dos poderes, restritivos da autonomia individual, conferidos aos sindicatos, o que é resultado de ampla atuação da classe trabalhadora na reivindicação de uma legislação de caráter tuitivo.

            4.3.Dirigismo estatal

            Esta característica, que coincide com o "intervencionismo" apontado por EVARISTO DE MORAES FILHO e ANTONIO CARLOS FLORES DE MORAES e parece coincidir com a "imperatividade", de que trata FRANCISCO METON MARQUES DE LIMA, revela que o Direito do Trabalho tem se constituído de um conjunto de princípios e normas restritivas da autonomia da vontade.

            Por meio da legislação trabalhista, o Estado abandona o seu papel clássico, propagado pela Revolução Francesa, de Estado negativo, para assumir uma postura positiva diante do impulso individualista dos detentores dos meios de produção, mitigando a liberdade de contratar das classes trabalhadoras, impondo direitos subjetivos irrenunciáveis aos trabalhadores e, conseqüentemente, deveres jurídicos inegociáveis aos que exploram sua faina.

            4.4.Estabelecimento de relações de subordinação

            A ciência jurídica reconhece duas espécies de relações entre os sujeitos de direito: relações de coordenação ou de igualdade e relações de subordinação ou de desigualdade.

            Numa relação de coordenação, os sujeitos possuem direitos equivalentes e as normas que definem a solução dos conflitos dela oriundos não devem ser interpretadas de modo a privilegiar um em detrimento do outro. É o tipo de relação que prevalece no Direito Civil.

            Uma relação de subordinação, de modo diverso, estabelece privilégios para um dos sujeitos, a favor de quem sempre são interpretadas as normas que solucionam suas disputas. É o tipo de relação que prevalece no Direito Administrativo, no Direito do Consumidor e, também, no ramo jurídico em estudo.

            O Direito do Trabalho não trata os sujeito da relação como iguais, capazes de se relacionarem em condições equivalentes, mas, pelo contrário, reconhece a inferioridade do trabalhador diante do empresário, motivo por que cria privilégios ao hipossuficiente, a favor de quem suas normas devem ser interpretadas, a fim de reduzir, por meio da desigualdade jurídica criada, a desigualdade de fato existente.

            Trata-se de uma aplicação da clássica noção aristotélica de justiça, segundo a qual deve-se tratar desigualmente os desiguais, na medida de sua desigualdade. Neste sentido, pode-se afirmar que este ramo jurídico especializado constitui um recurso do Estado para a promoção da distribuição de riquezas, característica que foi apresentada por FRANCISCO METON MARQUES DE LIMA.

            4.5.Enfoque coletivo

            O Direito do Trabalho, atualmente, consagra o primado do todo sobre as partes, tendo em vista uma certa coletividade de trabalhadores, e não o trabalhador individualmente considerado.

            4.6.Caráter cosmopolita

            Esta característica traduz-se na verificação de grande número de aspectos comuns nos ramos jurídicos trabalhistas de diversos Estados Soberanos e na existência de um Direito Internacional do Trabalho em formação. Trata-se de uma conseqüência da tendência de ampliação do seu conteúdo em extensão territorial.

            Conforme o ensino de EVARISTO DE MORAES FILHO e ANTONIO CARLOS FLORES DE MORAES, "apresenta-se o direito do trabalho, desde a sua origem, dominado por inequívoco espírito cosmopolita. Em que pese às pequenas diferenças locais, criaram a técnica moderna e os meios de comunicação e locomoção os mesmos problemas humanos e sociais por toda parte. A chamada sociedade industrial, com todas as suas conseqüências é a mesma no mundo moderno, com maiores ou menores desenvolvimentos. Com ela instalou-se um estado econômico, de produção e de consumo, mais ou menos uniforme, que somente poderia condicionar uma capa de cultura jurídica também homogênea e uniforme" [21].

            O reflexo mais evidente do caráter cosmopolita do Direito do Trabalho é a atividade exercida pela Organização Internacional do Trabalho – OIT na formulação de regras de aplicação universal, que, paulatinamente, tendem a igualar as condições de trabalho em diversos Estados do mundo.

            4.7.Promoção de reformas sociais.

            Esta característica, apontada por EVARISTO DE MORAES FILHO e ANTONIO CARLOS FLORES DE MORAIS, e que, provavelmente, relaciona-se com a "distribuição de riquezas" citada por FRANCISCO METON MARQUES DE LIMA, revela a função coordenadora dos interesses de empresários e trabalhadores, exercida pelo Direito do Trabalho, por meio de medidas que visam realizar os fins sociais almejados pela sociedade.

            Nas palavras de EVARISTO DE MORAES FILHO e ANTONIO CARLOS FLORES DE MORAES, parodiando KILPATRICK, "o direito do trabalho é um direito para uma civilização em mudança. Em nenhum outro ramo jurídico encontramos essas tarefas de mediador, de compromisso, de transição e de transação, entre duas classes sociais em confronto; uma que dispõe dos meios de produção e outras que colocam a sua atividade a proveito daquela e sob suas ordens. Controle formal da mudança a que assistimos na sociedade dos nossos dias, nenhum direito pode sequer aproximar-se da imensa e ingente tarefa do direito do trabalho, ponto avançado da democratização econômica do direito. Compete-lhe realizar a revolução branca, a reforma social sem sobressaltos, nem alterações bruscas das atuais posições na vida econômica. Todos os regimes, de qualquer tonalidade ideológica, do centro, de direita ou de esquerda, consciente ou inconscientemente, socorrem-se das normas trabalhistas para executar as suas reformas dos que chamam de democracia social" [22]

            Normalmente, as reformas sociais proporcionadas pelas mudanças na legislação trabalhista possuem caráter nitidamente tutelar, visando à redução da discrepância econômica existente entre os detentores dos meios de produção e os detentores, unicamente, de sua força de trabalho. Note-se, porém, que em momentos de crise, a legislação trabalhista pode adotar uma postura menos protecionista, restringindo vantagens normalmente asseguradas aos trabalhadores, para atender as exigências impostas pela situação econômica do Estado. Nestes casos, não se deve falar em desvio de finalidade ou de função, mas em realização de uma reforma que atenda, ainda que transitoriamente, aos fins sociais mais imediatos, como a manutenção dos empregos.

            4.8.Socialidade

            A socialidade, também conhecida como "humanização do Direito", não só caracteriza o Direito do Trabalho, como também informa o Direito Civil Brasileiro desde a entrada em vigência do Código de 2002.

            Este atributo, também apresentado por FRANCISCO METON MARQUES DE LIMA, propõe a prevalência dos interesses sociais sobre os individuais. Trata-se de uma mitigação da concepção individualista do Direito.

            Esta característica do Direito do Trabalho é reconhecida por ALEXANDRE AGRA BELMONTE ao expor que "como o Direito do Trabalho sempre procurou compensar as desigualdades econômicas através de mecanismos de proteção obtidos por meio do estabelecimento de desigualdades jurídicas, tem-se que as normas contidas na CLT foram engendradas de acordo com esse princípio socializante, por exemplo, quando determina que nenhum interesse de classe ou particular possam prevalecer sobre o interesse público (art. 8º, caput, in fine); quando, submete a vontade individual ao interesse coletivo de trabalho; quando impõe a continuação do contrato nos casos de aquisição de negócio; quando impede o rompimento do contrato, impondo ao empregador suportar o pagamento do salário até o 15º dia e à inexecução das cláusulas contratuais, nos casos de suspensão do contrato". [23]

Sobre o autor
Francisco Tavares Noronha Neto

juiz do trabalho substituto e professor universitário

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NORONHA NETO, Francisco Tavares. Noções fundamentais de Direito do Trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 904, 24 dez. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7686. Acesso em: 23 nov. 2024.

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