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A taxação dos inativos e as inovações da Emenda Constitucional nº 41/2003

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Agenda 04/01/2006 às 00:00

3 Argumentos favoráveis à constitucionalidade

À guisa de levantar questões outras sobre o tema e seduzirmo-nos em respondê-las, entendemos ainda conveniente indicarmos, ainda que brevemente, os principais argumentos daqueles que defendem a constitucionalidade da cobrança previdenciária em desfavor dos inativos e pensionistas.

3.1 Inexistência de direito adquirido de não ser tributado

Fundamentam-se os defensores da legalidade da exação no entendimento segundo o qual não há direito adquirido aos contribuintes de não ser tributado.

Defendendo tal posicionamento, há quem afirme mesmo que dentro dessas limitações ao poder de tributar, não se pode conceber direito adquirido em face de interesse público, a consagrar uma patente ilicitude.

Também concebemos inexistir esse direito de não-tributação, agora, o que, no entanto, não significa dizer que o direito adquirido não pode ser levantado como escudo protetor em face da ânsia descomunal arrecadatória do Estado-fisco, que, nesse ínterim, desconhece até mesmo os limites da lei.

Destarte, a única conclusão possível, não excludente dos direitos e garantias do cidadão, é que a inovação legislativa deve respeitar as situações já sistematicamente realizadas em face do direito anterior.

A entendermos noutro sentido, atos jurídicos perfeitos e consumados, direitos adquiridos em face da normatividade anterior e a segurança jurídica não passarão de aspiração de um Estado Democrático de Direito.

A esse respeito, cumpre gizar que a própria CF, ao elencar no art. 5º, inciso XXXVI da CF que tais princípios não poderiam ser desprestigiados pela lei (em sentido amplo).

3.2 Apenas a lei não poderia prejudicar o ato perfeito e o direito adquirido

Aduzem ainda aqueles que defendem a constitucionalidade da instituição do tributo em análise que o ato jurídico perfeito e o direito adquirido estariam protegidos apenas contra as inovações da lei (em sentido estrito), não encontrando-se limitado o reformador constitucional por tais normas protetivas.

Essa, para nós, é a mais absurda tese defensória da constitucionalidade da exação, vez que, a admiti-la como verdadeira, seria mesmo colocar a própria vontade política e legislativa da constituinte abaixo do poder de reforma.

Ora, nem mesmo as Emendas podem atacar norma-princípio protegida pelas chamadas cláusulas pétreas, conforme explicação mais detalhada adiante.

Dessa forma, preciso que se entenda de vez por todas, que o constituinte originário, ao dispor que a lei não prejudicará o ato jurídico perfeito e os direitos adquiridos (art. 5º, XXXVI da CF), não se utilizou do termo lei em sentido estrito, mas querendo se referir a toda e qualquer espécie legislativa, inclusive as Emendas constitucionais. Aliás, registre-se, esse entendimento é esposado por grande parte da doutrina.

3.3 Princípio da solidariedade

Os defensores da constitucionalidade da instituição do tributo em estudo argumentam ainda que a redação do art. 40 da CF, ditada pela Emenda 41/2003, passou a admitir a cobrança porque dali surgiu a solidariedade de toda a sociedade (ativos, inativos e pensionistas) para a manutenção dos respectivos regimes previdenciários.

Não cremos ser da vontade do constituinte reformador a inserção do termo solidário possibilitando tão gravosa interpretação.

Conforme aduzimos anteriormente, acreditamos que a solidariedade a que se refere o art. 40 da CF, que, repetimos, deve ser interpretado sistematicamente e conforme a própria CF, sem afastar-se dos princípios reclamados pela boa técnica da hermenêutica.

Remetemos o leitor para as considerações que aduzimos no item 2.6, pois ali restou demonstrada a impossibilidade de emprestar a interpretação pretendida por aqueles que defendem que o princípio da solidariedade permite a instituição da espécie tributária.


4 O controle de constitucionalidade no Brasil

O ordenamento brasileiro, a exemplo de vários outros, conjuga duas espécies de controle de constitucionalidade, quais sejam, o concentrado – por via de acionamento do Guardião da Carta, é dizer, o STF – e outro, o controle difuso, exercido por todos os magistrados quando incidentalmente devem dispor acerca da possível incoerência da norma legal questionada com a Constituição.

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É o que ensina José Afonso da Silva:

Os sistemas constitucionais conhecem dois critérios de controle de constitucionalidade: o controle difuso (ou jurisdição constitucional difusa) e o controle concentrado (ou jurisdição constitucional concentrada). Verifica-se o primeiro quando se reconhece o seu exercício a todos os componentes do Poder Judiciário, e o segundo, se só for deferido ao tribunal de cúpula do Poder Judiciário ou a uma corte especial. [24]

Interessa-nos, em particular neste estudo, indagar das limitações e dos efeitos desse controle de constitucionalidade, quando exercido de forma concentrada.

Em especial, interessa-nos ainda perquirir se possível ou não que tal controle seja exercido até mesmo em face das Emendas Constitucionais.

A esse respeito, cumpre lembrar que o Supremo Tribunal Federal, convocado através de Adin [25] a se pronunciar sobre tal possibilidade, reconheceu total e plenamente a possibilidade de incidência do controle de constitucionalidade, difuso ou concentrado, sobre emendas constitucionais, a fim de verificar-se sua constitucionalidade ou não, a partir da análise do respeito aos parâmetros fixados expressa e implicitamente no art. 60, reputando que:

O Congresso Nacional, no exercício de sua atividade constituinte derivada e no desempenho de sua função reformadora, está juridicamente subordinado à decisão do constituinte originário, que, a par das restrições de ordem circunstancial, inibitórias do poder reformador (CF, art 60, ̕§ 1º), identificou, em nosso sistema constitucional, um núcleo temático intangível e imune à ação revisora da instituição parlamentar. As limitações materiais explícitas, definidas no ̕§ 4º do art. 60 da Constituição da República, incidem diretamente sobre o poder de reforma conferido ao Poder Legislativo da União, inibindo-lhe o exercício quanto às categorias temáticas ali referidas.

Hodiernamente essa posição encontra-se praticamente pacificada, e nesse ponto com acerto, já que se reconhecêssemos a impossibilidade de mensuração da constitucionalidade das normas colacionadas à própria Constituição através de Emendas Constitucionais as cláusulas de proteção da integridade do texto não teriam utilidade.

Ora, as chamadas cláusulas pétreas existem na CF/88 exatamente para limitar o poder reformador, que diante do núcleo imodificável deve restringir sua atuação para a manutenção daqueles.

É dizer, essa possibilidade de controle de constitucionalidade das Emendas Constitucionais estreitamente se relaciona com o tema em estudo, haja vista que os defensores da exação também argumentam que o STF não poderia declará-las inconstitucionais porque tratam-se de norma de natureza constitucional.

Esperamos ter, suficientemente, demonstrado que tal forma de pensar é equivocada e não merece acolhida, haja vista que o poder reformador - encontrando seus limites na própria Constituição – deve-se apresentar subordinado, conforme leciona o sempre festejado J. J. Gomes Canotilho:

O poder de revisão constitucional é, conseqüentemente, um poder constituído tal como poder legislativo; o poder de revisão só em sentido impróprio poderá se considerar constituinte; será, quando muito, uma paródia do poder constituinte verdadeiro. [26]

Por isso, repita-se, pois esse é o cerne de nosso estudo, a Emenda Constitucional 41/2003 apresentou-se inconstitucional por malferir o art. 60 ̕§ 4º, IV da CF já que suprimiu direitos individuais acobertados pelo inciso XXXVI , art. 5º (direitos adquiridos e ato jurídico perfeito).


5 O STF E O JULGAMENTO DA ADIN 3.105-8/DF

As bases doutrinais que reputam a cobrança por inconstitucional, queremos crer, foram explicitadas acima.

No entanto, criticável seria não complementar o presente estudo com as posições, diga-se de passagem, condenáveis, referendadas pelo Judiciário em face da grave polêmica que gerou a aprovação da execrável Emenda.

É que, tendo o Supremo Tribunal Federal, chamado a pronunciar-se acerca do tema em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade [27], terminou por referendar a cobrança, sob o argumento de que a instituição da contribuição em apreço não teria ferido direito adquirido ou ato jurídico perfeito, conforme denota a suma do julgado a seguir colacionada:

EMENTA: 1. Inconstitucionalidade. Seguridade social. Servidor público. Vencimentos. Proventos de apo e pensões. Sujeição à incidência de contribuição previdenciária. Ofensa a direito adquirido no ato de aposentadoria. Não ocorrência. Contribuição social. Exigência patrimonial de natureza tributária. Inexistência de norma de imunidade tributária absoluta. Emenda Constitucional n° 41/2003 (art. 40, caput). Regra não retroativa. Incidência sobre fatos geradores ocorridos depois do inicio de sua vigência. Precedentes da Corte. Inteligência dos arts. 50, XXXVI, 146, III, 149, 150, 1 e III, 194, 195, caput, II e § 6°, da CF, e art. 40, caput, da EC no 41/2003. No ordenarnento jurídico vigente, não há norma, expressa nem sistemática, que atribua à condição jurídico-subjetiva da aposentadoria de servidor público o efeito de he gerar direito subjetivo como poder de subtrair ad aeternum a percepção dos respectivos proventos e pensões à incidência de lei tributária que, anterior ou ulterior, os submeta à incidência de contribuição previdenciária. Noutras palavras, não há, em nosso ordenamento, nenhuma norma jurídica válida que, como efeito específico do fato jurídico da aposentadoria, lhe imunize os proventos e as pensões, de modo absoluto, à tributação de ordem constitucional, qualquer que seja a modalidade do tributo eleito, donde não haver, a respeito, direito adquirido com o aposentamento.

2. Inconstitucionalidade. Ação direta. Seguridade social. Servidor público. Vencimentos. Proventos de aposentadoria e pensões. Sujeição à incidência de contribuição previdenciária, por força de Emenda Constitucional. Ofensa a outros direitos e garantias individuais. Não ocorrência. Contribuição social. Exigência patrimonial de natureza tributária. Inexistência de norma de imunidade tributária absoluta. Regra não retroativa. Instrumento da atuação do Estado na área da previdência social. Obediência aos princípios da solidariedade e do equilíbrio financeiro e atuar bem como aos objetivos constitucionais de universalidade, equidade na forma de participação no custeio e diversidade da base de financiamento. Ação julgada improcedente em reação ao art. 40, caput, da EC no 41/2003. Votos vencidos. Aplicação dos arts. 149, caput, 150, e III, 194, 195, caput, II e § 6°, e 201, caput, da CF. Não é inconstitucional o art. 40, caput, da Emenda Constitucional no 41, de 19 de dezembro de 2003, que instituiu contribuição previdenciária sobre os proventos de aposentadoria e as pensões dos servidores públicos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações.

Frise-se, a controvérsia suscitada na indigitada Adin 3.105-8/DF teve em mira o reconhecimento de limites ao poder reformador constitucional, segundo expôs a Ministra Ellen Gracie em seu voto, com o brilhantismo que lhe é peculiar, ao sintetizar que:

A questão principal que se nos depara é a de definir os limites do poder de emenda ao texto constitucional básico e se, no caso, tais limites foram ultrapassados. Pedem-nos as autoras que contrastemos o texto da EC nº 41/2003 (especificamente, seu art. 4º), com as garantias fundamentais inseridas no texto originário de 1988, às quais este mesmo texto deu statatus de núcleo intocável. [28]

Contrariando o senso jurídico da Relatora, todavia, como se viu alhures, prevaleceu a tese da constitucionalidade da exação ora instituída, sendo certo que tal posicionamento do Supremo merece severa censura.

Nossa crítica a esse respeito, evidentemente, não é inédita na doutrina, sendo preciso mesmo dizer que dentre os publicistas não há um só que defenda com fundamentos críveis a constitucionalidade da instituição da contribuição.

Iniciemos a citar a indignação de Celso Antônio Bandeira de Melo quando diz que:

Como adiante se verá, a Emenda (art. 4º), incorrendo em grosseira inconstitucionalidade, pretendeu também alcançar os que, à data de sua publicação (31.12.2003), já estavam aposentados ou no gozo de pensões, reduzindo para eles a base de cálculo da contribuição. Registre-se que esta espantosa ofensa ao ato jurídico perfeito e direitos adquiridos foi amparada pelo Supremo Tribunal Federal, que em teratológica decisão, no mês de agosto de 2.004, fez submergir no País o princípio da segurança jurídica. [29]

Igual entendimento é esposado pela administrativista Maria Silvia Zanella Di Pietro quando ensina que:

Lamentavelmente, o Supremo Tribunal Federal, por maioria de votos, entendeu constitucional a contribuição dos inativos e pensionistas, nas ADINs 3105 e 3128, ajuizadas pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público e pela Associação Nacional dos Procuradores da República, sendo vencidos os Ministros Ellen Grace, Carlos Ayres Brito, Marco Aurélio e Celso Mello. Segundo o voto do Ministro César Peluso, a Emenda Constitucional nº 41 equiparou o regime previdenciário dos servidores públicos ao Regime Geral da Previdência, o que fez com que esse regime deixasse de ‘ser eminentemente contributivo para se tornar contributivo e solidário’.

...

Foi pena que, sem maior amadurecimento sobre matéria de tanta repercussão, a Corte Suprema se manifestasse, em primeira mão, em ação direta de inconstitucionalidade. Acabou, com todo o respeito que lhe é devido, por deixar de lado valores outros contidos na Constituição, ainda que, com essa decisão, possa ter resolvido (temporariamente) o problema de caixa. [30]

Lado outro, vejamos, de relance, os argumentos sustentado pelo Ministro Eros Grau no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.105, quando defendeu inexistir na espécie direito adquirido:

A situação dos aposentados, agora digo eu, a situação dos aposentados e pensionistas é institucional e, de resto, os efeitos que no caso cumpre considerarmos verificam-se de forma sucessiva. O direito adquirido que afirmam os autores seria direito à imutabilidade de um certo regime jurídico. [31]

Com esses fundamentos, quis o eminente Ministro, infirmar o suposto direito adquirido dos autores (inativos e pensionistas), aduzindo, para tanto, que inexiste direito adquirido a regime jurídico.

E não há mesmo na doutrina pátria quem defenda a existência de direito à imutabilidade ao regime jurídico, já que tal fato redundaria mesmo em estabilizar de tal forma as relações jurídicas de tal forma que o natural progresso legislativo fosse vedado.

Mas daí, afirmar que a Emenda Constitucional 41/2003 não padece de vício de inconstitucionalidade por tão-somente haver traçado novo regime jurídico para os aposentados vai uma grande distância, que, cremos, aquele julgador bem conhece, pois flagrante a existência na questão de ofensa ao direito adquirido e ato jurídico perfeito.

Já ao apreciar o parágrafo único do mesmo art. 4º da questionada Emenda, por unanimidade, entendeu o Supremo Tribunal Federal ter havido inconstitucionalidade das expressões "cinqüenta por cento do" e "sessenta por cento do", uma vez ter o indigitado dispositivo traçado normas não-isonômicas para contribuintes que se encontravam em situações equivalentes, cuja íntegra foi lavrada com o seguinte texto:

3. Inconstitucionalidade. Ação direta. Emenda Constitucional (EC no 4112003, art. 40, § único, e II). Servidor público. Vencimentos. Proventos de aposentadoria e pensões. Sujeição à incidência de contribuição previdenciária. Bases de cálculo diferenciadas. Arbitrariedade. Tratamento discriminatório entre servidores e per da União, de um lado, e servidores e pensionistas dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, de outro. Ofensa ao princípio constitucional da isonomia tributária, que é particularização do princípio fundamental da igualdade. Ação julgada procedente para declarar inconstitucionais as expressões "cinqüenta por cento do" e "sessenta por cento do",constante do art. 4°, § único, 1 e II, da EC no 4112003. Aplicação dos arts. 145, § 1°, e 150, II, c/c. art. 50, caput § 1°, e 60, § 40, IV, da CF, com restabelecimento do caráter geral da regra do art. 40, § 18. São inconstitucionais as expressões "cinqüenta por cento do" e "sessenta por cento do", constantes do § único, incisos 1 e li, do art. 4° da Emenda Constitucional n°41, de 19 de dezembro de 2003, e tal pronúncia restabelece o caráter geral da regra do art. 40, § 18, da Constituição da República, com a redação dada por essa mesma Emenda.

Nesse ponto, como se pode verificar, o STF parece não ter transigido com os valores constitucionais que também deveria ter aplicado ao caput do mesmo artigo, ao que tudo indica tentando relevar sua medíocre atuação no julgamento daquela matéria.

A par desse entendimento, o STF pacificou o entendimento de que – independentemente do ente federativo a que se vincular o inativo (Estadual, Federal ou Municipal) – a odiosa contribuição incidirá apenas sobre os valores que excederam ao teto da Previdência Social (Regime Geral), isentando do tributo os servidores de baixa renda.

Sobre o autor
César Romero do Carmo

advogado em Caratinga (MG)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARMO, César Romero. A taxação dos inativos e as inovações da Emenda Constitucional nº 41/2003. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 915, 4 jan. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7750. Acesso em: 22 dez. 2024.

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