3. A regência normativa das obrigações de corresponsável por dívida tributária exigida em execução fiscal
Outro aspecto importante acerca da questão estudada é que, na falta de garantia do juízo[11] ou de causa de suspensão da exigibilidade do crédito tributário[12], inexiste qualquer empecilho, de ordem legal ou jurisprudencial, ao regular andamento da execução fiscal em face dos corresponsáveis tributários de ente empresarial, esse que se encontre em situação de recuperação judicial.
Sabe-se que os créditos tributários não estão sujeitos a concurso formal ou processual no âmbito do juízo recuperacional ou falimentar, mas apenas ao concurso material ou obrigacional[13]. Quer dizer, o juízo competente para causas do direito privado deve indicar o número de ordem do pagamento dos créditos tributários, mas não poderá examinar discussão quanto à existência e/ou validade dos créditos tributários no curso de processo de recuperação ou de falência. Isso porque o Art. 38 da LEF[14] especifica que a discussão judicial da dívida ativa da Fazenda Pública só é admissível no curso de execução fiscal (mediante respectivos embargos à execução) ou em ação autônoma de mandado de segurança ou de repetição de indébito ou ação anulatória do ato declarativo da dívida exequenda. Considerando-se que a própria LRJF, Art. 52, III, determina a manutenção dos autos processuais de execuções nos juízos em que processadas originalmente, e sendo essa disposição conjugada com o comando do Art. 38, LEF, tem-se impedimento legal a deliberações no âmbito da recuperação judicial ou falência quanto à matéria relacionada ao crédito tributário encartado na certidão de dívida ativa e cobrado mediante execução fiscal, cabendo ao juízo do direito privado neste aspecto, tão somente, indicar a ordem de pagamento da dívida tributária em relação aos demais créditos habilitados no feito recuperacional/falimentar – também em decorrência das garantias atribuídas ao crédito público pela Lei Geral Tributária:
“Art. 183. A enumeração das garantias atribuídas neste Capítulo ao crédito tributário não exclui outras que sejam expressamente previstas em lei, em função da natureza ou das características do tributo a que se refiram.
Parágrafo único. A natureza das garantias atribuídas ao crédito tributário não altera a natureza deste nem a da obrigação tributária a que corresponda.
Art. 204. A dívida regularmente inscrita goza da presunção de certeza e liquidez e tem o efeito de prova pré-constituída. [...]”
Essa regência do CTN positiva o caráter extraconcursal do crédito tributário e, assim, impede o juízo do processo recuperacional/falimentar averiguar tal característica e/ou (des)classificá-lo como tal. Os aspectos estruturantes do crédito tributário exigido judicialmente em face de ente empresarial e coobrigados permanecem inalterados mesmo que sobrevenha a recuperação judicial ou falência de devedor-executado. E a certidão de dívida ativa na qual encartada esse crédito fazendário é indício de validade da exigência fazendária em face do devedor e coobrigados nela indicados, já estando uniformizado o entendimento do Superior Tribunal de Justiça a esse respeito, inclusive em procedimento previsto para recursos repetitivos:
“Ementa TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL SÓCIO-GERENTE CUJO NOME CONSTA DA CDA. PRESUNÇÃO DE RESPONSABILIDADE. ILEGITIMIDADE PASSIVA ARGUIDA EM EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. INVIABILIDADE. PRECEDENTES.
1. A exceção de pré-executividade é cabível quando atendidos simultaneamente dois requisitos, um de ordem material e outro de ordem formal, ou seja: (a) é indispensável que a matéria invocada seja suscetível de conhecimento de ofício pelo juiz; e (b) é indispensável que a decisão possa ser tomada sem necessidade de dilação probatória.
2. Conforme assentado em precedentes da Seção, inclusive sob o regime do art. 543-C do CPC (REsp 1104900, Min. Denise Arruda, sessão de 25.03.09), não cabe exceção de pré-executividade em execução fiscal promovida contra sócio que figura como responsável na Certidão de Dívida Ativa - CDA. É que a presunção de legitimidade assegurada à CDA impõe ao executado que figura no título executivo o ônus de demonstrar a inexistência de sua responsabilidade tributária, demonstração essa que, por demandar prova, deve ser promovida no âmbito dos embargos à execução.
3. Recurso Especial provido. Acórdão sujeito ao regime do art. 543-C do CPC.
Processo REsp 1110925 / SP RECURSO ESPECIAL 2009/0016209-8 Relator(a) Ministro Teori Albino Zavascki (1124) Órgão Julgador S1 - Primeira Seção Data do Julgamento 22/04/2009 Data da Publicação/Fonte DJe 04/05/2009 RSSTJ vol. 36 p. 425.”
“Ementa PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL SUBMETIDO À SISTEMÁTICA PREVISTA NO ART. 543-C DO CPC. EXECUÇÃO FISCAL. INCLUSÃO DOS REPRESENTANTES DA PESSOA JURÍDICA, CUJOS NOMES CONSTAM DA CDA, NO PÓLO PASSIVO DA EXECUÇÃO FISCAL. POSSIBILIDADE. MATÉRIA DE DEFESA. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. INVIABILIDADE. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO.
1. A orientação da Primeira Seção desta Corte firmou-se no sentido de que, se a execução foi ajuizada apenas contra a pessoa jurídica, mas o nome do sócio consta da CDA, a ele incumbe o ônus da prova de que não ficou caracterizada nenhuma das circunstâncias previstas no art. 135 do CTN, ou seja, não houve a prática de atos "com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos".
2. Por outro lado, é certo que, malgrado serem os embargos à execução o meio de defesa próprio da execução fiscal, a orientação desta Corte firmou-se no sentido de admitir a exceção de pré-executividade nas situações em que não se faz necessária dilação probatória ou em que as questões possam ser conhecidas de ofício pelo magistrado, como as condições da ação, os pressupostos processuais, a decadência, a prescrição, entre outras.
3. Contudo, no caso concreto, como bem observado pelas instâncias ordinárias, o exame da responsabilidade dos representantes da empresa executada requer dilação probatória, razão pela qual a matéria de defesa deve ser aduzida na via própria (embargos à execução), e não por meio do incidente em comento.
4. Recurso especial desprovido. Acórdão sujeito à sistemática prevista no art. 543-C do CPC, c/c a Resolução 8/2008 - Presidência/STJ.
Processo REsp 1104900 / ES RECURSO ESPECIAL 2008/0274357-8 Relator(a) Ministra Denise Arruda (1126) Órgão Julgador S1 - Primeira Seção Data do Julgamento 25/03/2009 Data da Publicação/Fonte DJe 01/04/2009 RSSTJ vol. 36 p. 418.”
De fato, no que respeita ao andamento de execução fiscal sem garantia do juízo ou causa de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, devem ser atendidas as prescrições legais que estabelecem a competência do juízo executivo para decisão a respeito da continuidade do feito em face de coobrigado-executado não albergado pela condição de ente empresarial em recuperação judicial, nos termos da jurisprudência apontando no sentido ora exposto:
“Ementa PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. BLOQUEIO UNIVERSAL DE BENS. ART. 185-A DO CTN. INAPLICABILIDADE EM RELAÇÃO ÀS EMPRESAS EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL. EXEGESE HARMÔNICA DOS ARTS. 5º E 29 DA LEI 6.830/1980 E DO ART. 6º, § 7º, DA LEI 11.101/2005.
1. Segundo preveem o art. 6, § 7º, da Lei 11.101/2005 e os arts. 5º e 29 da Lei 6.830/1980, o deferimento da Recuperação Judicial não suspende o processamento autônomo do executivo fiscal.
2. Importa acrescentar que a medida que veio a substituir a antiga concordata constitui modalidade de renegociação exclusivamente dos débitos perante credores privados.
3. Nesse sentido, o art. 57 da Lei 11.101/2005 expressamente prevê que a apresentação da Certidão Negativa de Débitos é pressuposto para o deferimento da Recuperação Judicial - ou seja, os créditos da Fazenda Pública devem estar previamente regularizados (extintos ou com exigibilidade suspensa), justamente porque não se incluem no Plano (art. 53 da Lei 11.101/2005) a ser aprovado pela assembleia geral de credores (da qual, registre-se, a Fazenda Pública não faz parte - art. 41 da Lei 11.101/2005).
4. Consequência do exposto é que o eventual deferimento da nova modalidade de concurso universal de credores mediante dispensa de apresentação de CND não impede o regular processamento da Execução Fiscal, com as implicações daí decorrentes (penhora de bens, etc.).
5. Não se desconhece a orientação jurisprudencial da Segunda Seção do STJ, que flexibilizou a norma dos arts. 57 e 58 da Lei 11.101/2005 para autorizar a concessão da Recuperação Judicial independentemente da apresentação da prova de regularidade fiscal.
6. Tal entendimento encontrou justificativa na demora do legislador em cumprir o disposto no art. 155-A, § 3º, do CTN - ou seja, instituir modalidade de parcelamento dos créditos fiscais específico para as empresas em Recuperação Judicial.
7. A interpretação da legislação federal não pode conduzir a resultados práticos que impliquem a supressão de norma vigente. Assim, a melhor técnica de exegese impõe a releitura da orientação jurisprudencial adotada pela Segunda Seção, que, salvo melhor juízo, analisou o tema apenas sob o enfoque das empresas em Recuperação Judicial.
8. Dessa forma, deve-se adotar a seguinte linha de compreensão do tema: a) constatado que a concessão do Plano de Recuperação Judicial foi feita com estrita observância dos arts. 57 e 58 da Lei 11.101/2005 (ou seja, com prova de regularidade fiscal), a Execução Fiscal será suspensa em razão da presunção de que os créditos fiscais encontram-se suspensos nos termos do art. 151 do CTN; b) caso contrário, isto é, se foi deferido, no juízo competente, o Plano de Recuperação Judicial sem a apresentação da CND ou CPEN, incide a regra do art. 6º, § 7º, da Lei 11.101/2005, de modo que a Execução Fiscal terá regular prosseguimento, pois não é legítimo concluir que a regularização do estabelecimento empresarial possa ser feita exclusivamente em relação aos seus credores privados, e, ainda assim, às custas dos créditos de natureza fiscal.
9. Nesta última hipótese, seja qual for a medida de constrição adotada na Execução Fiscal, será possível flexibilizá-la se, com base nas circunstâncias concretas, devidamente provadas nos autos e valoradas pelo juízo do executivo processado no rito da Lei 6.830/1980, for apurada a necessidade de aplicação do princípio da menor onerosidade (art. 620 do CPC). Precedente do STJ: REsp 1.512.118/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 31.3.2015.
10. Agravo Regimental não provido.
Processo AgRg no AREsp 543830 / PE AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL 2014/0165586-9 Relator(a) Ministro Herman Benjamin (1132) Órgão Julgador T2 - Segunda Turma Data do Julgamento 25/08/2015 Data da Publicação/Fonte DJe 10/09/2015 RDDP vol. 153 p. 173 (Grifo nosso)”
E na circunstância em que a certidão de dívida ativa já aponta o nome de sócio e/ou de administrador ou outrem como coobrigado pela dívida exequenda e estando esse(s) executado(s) desvestido(s) da condição de ente empresarial, a presunção de legitimidade atribuída legalmente ao título fazendário perfaz-se como mais um fundamento jurídico para o regular andamento – unicamente em face desse corresponsável sem a qualidade de empresário-recuperando – da execução fiscal que, à época do processamento da recuperação judicial, encontre-se sem garantia do juízo e sem influência de causa de suspensão da exigibilidade do crédito tributário.