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Recuperação judicial x execução fiscal:

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Agenda 24/12/2019 às 16:38

2. A lei recuperacional é aplicável a entes empresariais

A partir de FAZZIO JUNIOR (2007, p. 19), extrai-se a conceituação de ente empresarial:

“A empresa não é um sujeito de direitos e obrigações. É uma atividade e, como tal, pode ser desenvolvida pelo empresário unipessoal ou pela sociedade empresária. Quer dizer, pela pessoa natural do empresário individual, ou pela pessoa jurídica contratual ou estatutária da sociedade empresária. [...] O CC de 2002 não define a empresa. O conceito de empresa é estritamente econômico. Seu art. 966 considera empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços. Está conceituando o empresário unipessoal. No art. 982, traz a sociedade empresária, conceituando-a como aquela que tem por objeto o exercício de atividade própria do empresário.”

Disso decorre que a regência da recuperação judicial está positivada a partir de bases econômicas, com vistas à recuperação e continuidade da atividade empresarial. Ou seja: tão somente o patrimônio empresarial fora encapsulado e direcionado à efetivação da reorganização do empreendimento buscada pelo Particular na via judicial, como se infere da Lei n° 11.101, de 2005:

“Art. 1° Esta Lei disciplina a recuperação judicial, a recuperação extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, doravante referidos simplesmente como devedor.

Art. 6° A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial suspende o curso da prescrição e de todas as ações e execuções em face do devedor, inclusive aquelas dos credores particulares do sócio solidário. [...]

§ 7° As execuções de natureza fiscal não são suspensas pelo deferimento da recuperação judicial, ressalvada a concessão de parcelamento nos termos do Código Tributário Nacional e da legislação ordinária específica.

Art. 52. Estando em termos a documentação exigida no art. 51 desta Lei, o juiz deferirá o processamento da recuperação judicial e, no mesmo ato: [...]

III – ordenará a suspensão de todas as ações ou execuções contra o devedor, na forma do art. 6° desta Lei, permanecendo os respectivos autos no juízo onde se processam, ressalvadas as ações previstas nos §§ 1°, 2° e 7° do art. 6° desta Lei e as relativas a créditos excetuados na forma dos §§ 3° e 4° do art. 49 desta Lei; [...]”

Também a jurisprudência, historicamente, direciona o espectro de eficácia do microssistema jurídico recuperacional/falimentar ao ente empresarial, considerado de per si, somente alcançando eventuais coobrigados em decorrência do próprio exercício da atividade empresarial relacionada, na forma da lei civil/empresarial aplicável à circunstância:

“Ementa RECUPERAÇÃO JUDICIAL. COMPROVAÇÃO DA CONDIÇÃO DE EMPRESÁRIO POR MAIS DE 2 ANOS. NECESSIDADE DE JUNTADA DE DOCUMENTO COMPROBATÓRIO DE REGISTRO COMERCIAL. DOCUMENTO SUBSTANCIAL. INSUFICIÊNCIA DA INVOCAÇÃO DE EXERCÍCIO PROFISSIONAL. INSUFICIÊNCIA DE REGISTRO REALIZADO 55 DIAS APÓS O AJUIZAMENTO. POSSIBILIDADE OU NÃO DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESÁRIO RURAL NÃO ENFRENTADA NO JULGAMENTO.

1.- O deferimento da recuperação judicial pressupõe a comprovação documental da qualidade de empresário, mediante a juntada com a petição inicial, ou em prazo concedido nos termos do CPC 284, de certidão de inscrição na Junta Comercial, realizada antes do ingresso do pedido em Juízo, comprovando o exercício das atividades por mais de dois anos, inadmissível a inscrição posterior ao ajuizamento. Não enfrentada, no julgamento, questão relativa às condições de admissibilidade ou não de pedido de recuperação judicial rural.

2.- Recurso Especial improvido quanto ao pleito de recuperação.

Processo REsp 1193115 / MT RECURSO ESPECIAL 2010/0083724-4 Relator(a) Ministra Nancy Andrighi (1118) Relator(a) p/ Acórdão Ministro Sidnei Beneti (1137) Órgão Julgador T3 - Terceira Turma Data do Julgamento 20/08/2013 Data da Publicação/Fonte DJe 07/10/2013.”

“Ementa DIREITO EMPRESARIAL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO AJUIZADA EM FACE DE SÓCIO-AVALISTA DE PESSOA JURÍDICA EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL. SUSPENSÃO DA AÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. PENHORA VIA BACEN- JUD. ESGOTAMENTO DOS MEIOS APTOS A GARANTIR A EXECUÇÃO. DESNECESSIDADE.

1. O caput do art. 6º da Lei n. 11.101/05, no que concerne à suspensão das ações por ocasião do deferimento da recuperação, alcança apenas os sócios solidários, presentes naqueles tipos societários em que a responsabilidade pessoal dos consorciados não é limitada às suas respectivas quotas/ações.

2. Não se suspendem, porém, as execuções individuais direcionadas aos avalistas de título cujo devedor principal é sociedade em recuperação judicial, pois diferente é a situação do devedor solidário, na forma do § 1º do art. 49 da referida Lei. De fato, "[a] suspensão das ações e execuções previstas no art. 6º da Lei n. 11.101/2005 não se estende aos coobrigados do devedor" (Enunciado n. 43 da I Jornada de Direito Comercial CJF/STJ).

3. A penhora de ativos via BACEN-Jud não se mostra mais como exceção cabível somente quando esgotados outros meios para a consecução do crédito exequendo, desde a edição da Lei n. 11.382/2006, podendo ser levada a efeito como providência vocacionada a conferir racionalidade e celeridade ao processo satisfativo. Precedentes.

4. Recurso especial não provido.

Processo REsp 1269703 / MG RECURSO ESPECIAL 2011/0125550-9 Relator(a) Ministro Luis Felipe Salomão (1140) Órgão Julgador T4 - Quarta Turma Data do Julgamento 13/11/2012 Data da Publicação/Fonte DJe 30/11/2012.”

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Se, no âmbito do direito privado, o entendimento sufragado uniformemente pelos comercialistas afasta os coobrigados da recuperanda do âmbito da eficácia suspensiva das obrigações estabelecida pela normatividade da Lei Recuperacional, na perspectiva do direito público tem-se que o Código Tributário Nacional (CTN) não foi (e nem poderia ser) derrogado na disciplina da recuperação judicial, de modo que a regência da lei complementar à Carta Magna permanece vigente e dispõe que:

“Art. 184. Sem prejuízo dos privilégios especiais sobre determinados bens, que sejam previstos em lei, responde pelo pagamento do crédito tributário a totalidade dos bens e das rendas, de qualquer origem ou natureza, do sujeito passivo, seu espólio ou sua massa falida, inclusive os gravados por ônus real ou cláusula de inalienabilidade ou impenhorabilidade, seja qual for a data da constituição do ônus ou da cláusula, excetuados unicamente os bens e rendas que a lei declare absolutamente impenhoráveis.

Art. 186. O crédito tributário prefere a qualquer outro, seja qual for sua natureza ou o tempo de sua constituição, ressalvados os créditos decorrentes da legislação do trabalho ou do acidente de trabalho. [...]

Art. 187. A cobrança judicial do crédito tributário não é sujeita a concurso de credores ou habilitação em falência, recuperação judicial, concordata, inventário ou arrolamento. [...]”

O privilégio e a preferência na cobrança positivados para os créditos tributários em lei complementar – inclusive, por determinação da Carta Republicana de 1988[9], Art. 146, III, b – não foram afetados pela legislação atinente à recuperação judicial de empresas, a qual delimitando seu âmbito de normatividade ao empresário e à sociedade empresária, não deve ser aplicada a terceiros que não revestem tal posição jurídica – mormente quando, na prática, pretenda bloquear a eficácia e a efetividade das disposições regentes do crédito tributário positivadas no CTN. Nesse quadro, uma decisão suspensiva de execução em face de sujeitos de direito desvestidos da condição jurídica de ente empresarial em recuperação judicial desvia-se completamente dos referidos dispositivos da Constituição de 1988 e do CTN, Arts. 184, 186 e 187.

Outrossim, analisando-se a jurisprudência que se volta para situação dos corresponsáveis tributários incluídos no polo passivo da execução fiscal juntamente com a empresa recuperanda, constata-se que o posicionamento adotado pelos Tribunais pátrios, dentre os quais o próprio Superior Tribunal de Justiça – indica o prosseguimento do feito em face dos demais executados excluídos da condição jurídica de ente empresarial em recuperação judicial, como se exemplifica:

“Ementa AGRAVO INTERNO NO CONFLITO DE COMPETÊNCIA. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. EXECUÇÃO DE CRÉDITO TRABALHISTA. INCLUSÃO DOS COOBRIGADOS NO POLO PASSIVO. NÃO SUBMISSÃO AOS EFEITOS DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL. SÚMULA 420/STJ. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.

1. Nas hipótese em que bens de terceiros, de sócios, de coobrigados, de devedores solidários ou de sociedade do mesmo grupo econômico, não submetidos ao plano de recuperação judicial, são chamados para responder à execução ajuizada contra a sociedade em recuperação judicial, a jurisprudência desta egrégia Corte firmou o entendimento de não reconhecer a existência de conflito de competência, porquanto não há dois juízes decidindo acerca do destino do mesmo patrimônio.

2. Em casos assim, a sociedade em recuperação judicial é até mesmo beneficiada com a continuidade da execução contra os sócios ou coobrigados, pois em um primeiro momento fica desonerada daquela obrigação, que somente depois lhe será exigida, se for o caso, regressivamente.

3. Incidência da Súmula 480 desta Corte: "O juízo da recuperação judicial não é competente para decidir sobre a constrição de bens não abrangidos pelo plano de recuperação da empresa".

4. Agravo interno desprovido.”

Processo AgInt no CC 157947 / MT AGRAVO INTERNO NO CONFLITO DE COMPETÊNCIA 2018/0092035-8 Relator(a) Ministro Lázaro Guimarães (Desembargador Convocado do TRF 5ª Região) (8400) Órgão Julgador S2 - Segunda Seção Data do Julgamento 08/08/2018 Data da Publicação/Fonte DJe 13/08/2018.”

“Ementa: PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. APLICAÇÃO DO ART. 557, § 1º, DO CPC. CABIMENTO. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. ART. 6, CAPUT, DA LEI N. 11.101/2005. EXECUÇÃO CONTRA COOBRIGADOS, FIADORES E OBRIGADOS DE REGRESSO. POSSIBILIDADE. RECURSO DESPROVIDO.

1. É cabível a aplicação do art. 557, § 1º, do CPC quando manifesto que o acórdão recorrido encontra-se em confronto com a jurisprudência dominante do próprio tribunal ou de tribunais superiores.

2. A suspensão prevista no art. 6º, caput, da Lei n. 11.101/2005 atinge somente a empresa devedora em regime de falência, recuperação judicial ou liquidação extrajudicial, não impedindo o curso das execuções contra os coobrigados, fiadores e obrigados de regresso (art. 49, § 1º, da citada lei), com ressalva dos sócios com responsabilidade ilimitada e solidária.

3. Agravo regimental desprovido.

Processo AgRg no REsp 1191297 / RJ AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL 2010/0078074-1 Relator(a) Ministro João Otávio de Noronha (1123) Órgão Julgador T3 - Terceira Turma Data do Julgamento 25/06/2013 Data da Publicação/Fonte DJe 01/07/2013.”

Observa-se nesse contexto que mesmo os colegiados da Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça – o intérprete-mor[10] da legislação regente da recuperação judicial – indicam a paralisação das execuções somente em face do ente empresarial recuperando e ressalvam, expressamente, a continuidade normal do procedimento executivo diante dos corresponsáveis executados e correlato patrimônio, especialmente porque seus respectivos bens, em regra, estão excluídos do plano de recuperação judicial. Então, se em tal circunstância, nem mesmo as execuções de obrigações do direito privado são sustadas, menos razão ainda haveria na paralisação do andamento de execuções fiscais de dívida ativa tributária em face dos corresponsáveis incluídos no polo passivo desse tipo executório, haja vista os privilégios e preferências na cobrança integrados ao crédito tributário pelo direito público (de matriz constitucional – Art. 146, caput, III, b – inclusive).

Visto que a questão afeta à Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça trata especificamente de execução fiscal em face de empresa em recuperação judicial, entende-se que a eficácia paralisante do andamento dos processos relacionados não se aplica aos corresponsáveis incluídos no polo passivo da ação, permanecendo esses últimos a serem regularmente submetidos ao procedimento e atos constritivos positivados pela legislação direito público regente do tema – Constituição de 1988, Código Tributário Nacional, Lei das Execuções Fiscais e, subsidiariamente, o Código de Processo Civil.

Assim, tendo sido delimitada a questão em afetação ao Tema 987 precisamente direcionada para empresa devedora-recuperanda-executada, e vindo decisão jurisdicional determinar a suspensão do andamento de execução fiscal também em face dos corresponsáveis – terceiros desvestidos da situação jurídica de empresa em recuperação judicial – nisso verifica-se afronta à própria disciplina da questão em afetação no rito dos repetitivos, estabelecida na Lei Processual Civil, Art. 1.037, caput, I, II.

Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARAUJO, Nadja Aparecida Silva. Recuperação judicial x execução fiscal:: os juízos da Súmula STJ 480 e do tema 987 dos recursos repetitivos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 6019, 24 dez. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/77715. Acesso em: 8 nov. 2024.

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