Nota sobre PEC’s da prisão em 2ª instância
Por Carlos Eduardo Rios do Amaral
Como acertadamente decidiu o Supremo Tribunal Federal o ponto de partida da prisão em razão de condenação definitiva é o trânsito em julgado da ação penal. E ponto final, a assertiva é indiscutível.
Tamanha a proteção conferida à presunção de inocência pela Constituição Federal de 1988, que sequer é admitida em nosso processo legislativo a tramitação de proposta de emenda constitucional em sentido contrário, para admitir-se a prisão por condenação definitiva quando ainda pendente a possibilidade de interposição de recurso.
A definição de coisa julgada é clássica e universal, dogmática mesmo. Coisa julgada é o efeito que torna a decisão irrecorrível. Se cabível recurso, não há o trânsito em julgado. Pois todos os recursos previstos no ordenamento processual podem importar na modificação da decisão. Assim, não pode a lei nova ou proposta de emenda dizer que o trânsito em julgado seria considerado a partir da condenação em 2º grau, se ainda cabível qualquer irresignação recursal.
Estabelecer expressamente apenas o efeito devolutivo para o recurso especial e extraordinário não muda nada. A regra do texto constitucional é a liberdade, o vício de inconstitucionalidade subsistirá. Pois, como dito, não há a coisa julgada. Prisão provisória é outra história.
Neste sentido:
“A eficácia das regras jurídicas produzidas pelo poder constituinte (redundantemente chamado de "originário") não está sujeita a nenhuma limitação normativa, seja de ordem material, seja formal, porque provém do exercício de um poder de fato ou suprapositivo. Já as normas produzidas pelo poder reformador, essas têm sua validez e eficácia condicionadas à legitimação que recebam da ordem constitucional. Daí a necessária obediência das emendas constitucionais às chamadas cláusulas pétreas.
[ADI 2.356 MC e ADI 2.362 MC, rel. p/ o ac. min. Ayres Britto, j. 25-11-2010, P, DJE de 19-5-2011.]
ADI 939, rel. min. Sydney Sanches, j. 15-12-1993, P, DJ de 18-3-1994”.
Mudar radicalmente nosso sistema processual para que exista apenas uma instância recursal, do juiz de 1º grau para o tribunal local, de modo que quaisquer discussões futuras ao STF e ao STJ aconteçam através de ações de impugnação autônoma, não impedirão a possibilidade de liberdade do acusado condenado “definitivamente” em 2ª instancia.
Neste último caso teremos a coisa julgada, mas não a coisa soberanamente julgada. Ou seja, cabível ainda a rediscussão/revisão da causa, mesmo através de ação de impugnação autônoma, o condenado poderá manejar os institutos da tutela cautelar e da tutela antecipatória. Como acontece nas revisões criminais e nas ações rescisórias e na querela nullitatis insanabilis do processo civil. Não vislumbrando os requisitos da prisão provisória, avistando o bom direito deduzido pelo acusado (possível ferimento da lei federal, da Constituição, súmula vinculante ou tema repetitivo, nada impedirá o Relator do STJ e do STF ordenar a liberdade do acusado na tramitação dessas ações de impugnação autônoma (poder geral de cautela/antecipação dos efeitos da tutela). Igualmente ao que já acontece nos casos de liminar em sede de (ação de) Reclamação Constitucional.
Confira-se:
“RECLAMAÇÃO. FIANÇA CONCEDIDA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL EM HABEAS CORPUS. 1. Tendo esta Corte, no julgamento do HC 77.524, concedido fiança ao condenado, para defender-se solto até o trânsito em julgado da decisão condenatória, não se justifica a execução provisória determinada pela Vara das Execuções Penais, a pretexto do efeito simplesmente devolutivo do recurso especial ainda não julgado. 2. Reclamação julgada procedente”. (STF, 2ª Turma, Rcl 2690/RJ, Rel. Min. Ellen Gracie julg. 24.08.2004, DJU 10.09.2004).
Reputaria perigoso ao Estado de Democrático de Direito a criação de ações de impugnação autônoma, notadamente em matéria penal, retirando do Relator do STJ e do STF a possiblidade de conceder tutela cautelar ou antecipatória, quando presentes seus requisitos legais. A demora natural dessas ações – que viriam aos milhares em verdadeira enxurrada – esvaziaria por completo seu significado, pois as tornariam praticamente inócuas, quando o único provimento jurisdicional possível fosse o acórdão final, vedando toda e qualquer decisão monocrática ou ad referendum do colegiado.
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Carlos Eduardo Rios do Amaral é Defensor Público do Estado do Espírito Santo