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Estado de Direito

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Agenda 07/01/2006 às 00:00

O texto está dividido em duas partes: na primeira, construímos o próprio conceito de Estado de Direito e, na segunda, foi estabelecido um breve confronto com o Estado Constitucional.

Resumo: No artigo, o objetivo é traçar um perfil teórico-jurídico do clássico Estado de Direito. Para melhor proveito da delimitação e da compreensão conceitual, o texto está dividido em duas partes: na primeira, construímos o próprio conceito de Estado de Direito e, na segunda, foi estabelecido um breve confronto com o Estado Constitucional. O objetivo foi ressaltar características dos dois conceitos, tendo-as como elaborações jurídicas complementares, ou seja, nem sinônimas, nem antagônicas.

Palavras-chave: Estado de Direito; Estado de não-Direito; Política; Constituição; Justiça Formal; Direito Positivo.


1. As Fontes Liberais do Estado de Direito

A expressão Estado de Direito foi cunhada pelo jurista alemão Robert von Mohl, no século XIX, ao procurar sintetizar a relação estreita que deve haver entre Estado e Direito ou entre política e lei. Segundo Canotilho, por oposição a Estado de não-Direito, podemos entender o Estado de Direito como o Estado propenso ao Direito: "Estado de direito é um Estado ou uma forma de organização político-estatal cuja atividade é determinada e limitada pelo direito. ‘Estado de não direito’ será, pelo contrário, aquele em que o poder político se proclama desvinculado de limites jurídicos e não reconhece aos indivíduos uma esfera de liberdade ante o poder protegida pelo direito" (Canotilho, 1999, p. 11).

Em uma frase simples, podemos definir Estado de Direito a partir da estrutura estatal em que o poder público é definido/limitado/controlado por uma Constituição. Portanto, há uma maior jurisdicização do poder político. Também inicialmente, podemos afirmar que seus principais elementos são:

No entendimento de Miguel Reale:

Por Estado de Direito entende-se aquele que, constituído livremente com base na lei, regula por esta todas as suas decisões. Os constituintes de 1988, que deliberaram ora como iluministas, ora como iluminados, não se contentaram com a juridicidade formal, preferindo falar em Estado Democrático de Direito1, que se caracteriza por levar em conta também os valores concretos da igualdade (Reale, 2000, p. 37).

Nesta passagem, Reale acentua diretamente a necessidade de abordarmos temas espinhosos como o da personalidade jurídica do Estado - do que decorre, por exemplo, a regra da bilateralidade da norma jurídica.

Já para Bobbio, para melhor conceituar Estado de Direito, é preciso distinguir entre: 1. Limites dos poderes do Estado; 2. Limites das funções do Estado. Esta divisão nos ajudaria a compreender algumas diferenças entre liberalismo e Estado de Direito:

O liberalismo é uma doutrina do Estado limitado tanto com respeito aos seus poderes quanto às suas funções. A noção corrente que serve para representar o primeiro é Estado de direito; a noção corrente para representar o segundo é Estado mínimo [...] Enquanto o Estado de direito se contrapõe ao Estado absoluto entendido como legitibus solutus, o Estado mínimo se contrapõe ao Estado máximo: deve-se, então, dizer que o Estado liberal se afirma na luta contra o Estado absoluto em defesa do Estado de direito e contra o Estado máximo em defesa do Estado mínimo, ainda que nem sempre os dois movimentos de emancipação coincidam histórica e praticamente (Bobbio, 1990, p. 17-8).

O Estado mínimo2 aqui definido pode ser entendido como a antítese do máximo de concentração de poder no Estado – além da diminuição da intervenção na área econômica como temos hoje em dia. Mas, analisemos melhor a questão do controle ou do excesso de poder:

Por Estado de direito entende-se geralmente um Estado em que os poderes públicos são regulados por normas gerais (as leis fundamentais ou constitucionais) e devem ser exercidos no âmbito das leis que os regulam, salvo o direito do cidadão de recorrer a um juiz independente para fazer com que seja reconhecido e refutado o abuso ou excesso de poder. Assim entendido, o Estado de direito reflete a velha doutrina [...] da superioridade do governo das leis sobre o governo dos homens, segundo a fórmula lex facit regem (Bobbio, 1990, p. 18).

Bobbio ainda irá ressaltar que o Estado de Direito é entendido como a fase em que houve a necessária positivação do chamado direito natural, mas com uma substancial defesa dos direitos individuais. Vejamos:

Por outro lado, quando se fala de Estado de direito no âmbito da doutrina liberal do Estado, deve-se acrescentar à definição tradicional uma determinação ulterior: a constitucionalização dos direitos naturais3, ou seja, a transformação desses direitos em direitos juridicamente protegidos, isto é, em verdadeiros direitos positivos. Na doutrina liberal, Estado de direito significa não só subordinação dos poderes públicos de qualquer grau às leis gerais do país, limite que é puramente formal, mas também subordinação das leis ao limite material do reconhecimento de alguns direitos fundamentais considerados constitucionalmente, e portanto em linha de princípio "invioláveis" (Bobbio,1990, pp. 18-19).

Em Bobbio, também vemos algumas diferenças entre o Estado em sentido forte (Estado Constitucional), Estado em sentido fraco (Estado não-despótico: governo das leis) e Estado em sentido fraquíssimo (a partir de Kelsen, com a máxima resolução do Estado no Direito, no sentido de que todo Estado é Estado de Direito). O mais importante, no entanto, é que Bobbio destacará os mecanismos de controle e de juridicidade do poder do Estado:

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Do Estado de direito em sentido forte, que é aquele próprio da doutrina liberal, são parte integrante todos os mecanismos constitucionais que impedem ou obstaculizam o exercício arbitrário e ilegítimo do poder e impedem ou desencorajam o abuso ou o exercício ilegal do poder. Desses mecanismos os mais importantes são: 1) o controle do Poder Executivo por parte do Poder Legislativo; ou, mais exatamente, do governo, a quem cabe em última instância o Poder Executivo, por parte do parlamento, a quem cabe em última instância o Poder Legislativo e a orientação política; 2) o eventual controle do parlamento no exercício do Poder Legislativo ordinário por parte de uma corte jurisdicional a quem se pede a averiguação da constitucionalidade das leis; 3) uma relativa autonomia do governo local em todas as suas formas e em seus graus com respeito ao governo central; 4) uma magistratura independente do poder político4 (Bobbio, 1990, p. 19).

As garantias institucionais dos direitos constitucionais constituem os melhores mecanismos de frenagem do poder e de garantia da liberdade – neste caso, as garantias referentes à liberdade negativa. Como analisa Bobbio:

Os mecanismos constitucionais que caracterizam o Estado de direito têm o objetivo de defender o indivíduo dos abusos do poder. Em outras palavras, são garantias de liberdade, da assim chamada liberdade negativa, entendida como esfera de ação em que o indivíduo não está obrigado por quem detém o poder coativo a fazer aquilo que não deseja ou não está impedido de fazer aquilo que deseja [...] nas relações entre duas pessoas, à medida que se estende o poder (poder de comandar ou de impedir) de uma diminui a liberdade em sentido negativo da outra e, vice-versa, à medida que a segunda amplia a sua esfera de liberdade diminui o poder da primeira (Bobbio, 1990, p. 20).

Destacamos, por fim, que esta apresentação do Estado de Direito, como o faz Bobbio, é uma interpretação de fundo liberal (aliás, o próprio título do livro já identifica: Liberalismo e Democracia), com suas vantagens, mas também com suas limitações ideológicas e até jurídicas. A seguir, veremos como é necessário conceituar a partir do curso histórico.


2. Estado de Direito – uma construção teórica

Segundo definição de Aderson de Menezes (1998), o Estado de Direito encontra-se enquanto teoria política e jurídica como um conceito vivo, devendo ser visto através da história - visto pela história, como construção jurídica relacionada à Teoria da Autolimitação do Poder Público (também tido, por isso, como Estado Jurídico 5). A Teoria da Autolimitação pode ser resumida na articulação interna ao Estado entre norma, coação e obrigação bilateral 6.

É de se ressaltar que, na atual Constituição brasileira, o Estado de Direito está protegido pelas cláusulas pétreas (conforme o art. 60, parágrafo 4º da CF/88). De forma exata, está disposto que a forma de organização federativa do Estado não pode ser abolida: o dispositivo constitucional aglutina e agasalha, além da Federação, a observância integral da democracia, do Estado de Direito e a divisão dos poderes.

Mas, será retomando interpretação de Von Ihering que Aderson de Menezes irá sugerir que na Teoria da Autolimitação também se encontra a matriz doutrinária condicionante das cláusulas pétreas. Vejamos em sua análise que o Direito deve proteger a sociedade do arbítrio:

Na fase atual da vida das sociedades, os dois elementos do Direito – a coação e a norma7 – são insuficientes para criar o que chamaremos o Estado Jurídico. Falta-lhe ainda um elemento – a norma bilateralmente obrigatória – em virtude do qual o próprio Estado se inclina diante das regras que editou e às quais de fato concede, enquanto existirem, o império que por ato seu lhes atribuiu. É o que chamaremos a ordem jurídica [...] O Estado ordena, o súdito obedece [...] A linguagem compreendeu bem este fato, quando designou a injustiça do Estado pelo nome de arbítrio (Willkür). O arbítrio é a injustiça do superior; distingue-se da do inferior, porque o primeiro tem a força a seu favor, ao passo que o segundo a tem contra si [...] Noção puramente negativa, o arbítrio supõe como antítese o direito, de que é a negação: não há arbítrio, se o povo ainda não reconheceu a força bilateralmente obrigatória das normas jurídicas [...] Acompanha, pois, a todo princípio de direito a segurança de que o Estado se obriga a si mesmo a cumpri-lo, a qual é uma garantia para os submetidos ao Direito [...] Não só se trata de conter a onipotência do Estado mediante a fixação de normas para a exteriorização de sua vontade, senão que trata de refrear-lhe mui especialmente, mediante o reconhecimento de direitos individuais garantidos. Esta garantia consiste em outorgar aos direitos protegidos o caráter de imutáveis (Menezes, 1998, p. 70-71).

Como se vê, a idéia de direitos imutáveis (ou direitos naturais que foram positivados como direitos ou como garantias fundamentais) refere-se à defesa da sociedade diante de um Estado que tende à centralização. Guardar o Direito que impede o arbítrio é o objetivo de toda cláusula de pedra. Portanto, neste caso, a proteção da cláusula pétrea é uma garantia democrática.

Da mesma forma define Canotilho, pois o Estado de Direito é um conceito altamente elaborado e dessa forma também não pode ser confundido com derivações, distorções ou deformações decorrentes do seu próprio emprego ou uso. Portanto, sendo-lhe essencial, seguindo Canotilho (1999). A divisão do poder lhe é inerente porque inibe naturalmente o arbítrio:

A separação de poderes, a garantia de direitos e liberdades, o pluralismo político e social, o direito de recurso contra abusos dos funcionários8, a subordinação da administração à lei constitucional, a fiscalização da constitucionalidade das leis [...] a publicidade crítica, a discussão e dissensos parlamentares e políticos, a autonomia da sociedade civil (Canotilho, 1999, p. 16).

O que Canotilho parece acentuar aqui seriam os atributos do Estado Democrático de Direito. Em suma, como proposto por Miguel Reale (2000, p. 37), atualmente, o Estado de Direito deve ser regulado pela Democracia: daí a fórmula do Estado Democrático de Direito. Porém, ainda restritos ao momento da criação, para vermos o âmago do Estado de Direito devemos atentar ao brocardo jurídico formulado no contexto do Estado Moderno: suportas a lei que criastes. É o que já dizia Radbruch na década de 1930:

Se a lei pressupõe o Estado como legislador, temos que observá-lo, antes de tudo, como fonte de praticamente todo o direito. O Estado, porém, não é apenas fonte do direito, é simultaneamente produto do direito: deriva sua Constituição, e com isso sua existência jurídica, do direito público. Sendo essa Constituição do Estado ela própria uma lei do Estado, encontramo-nos diante da contradição aparentemente insolúvel de que o Estado tem como pressuposto o direito público e, por outro lado, o direito público tem o Estado como pressuposto (Radbruch, 1999, p. 37).

É evidente que o texto é histórico, datado, e que pode ser lido como parte da História do Direito, porém, as lições da própria história devem ser tidas como observação de juízo por quem passou pela experiência. Desse ponto de vista, o autor já tratava do Estado Cultural no pré-guerra da década de 40:

De uma garantia expressa como essa resultam os direitos fundamentais das Constituições, como por exemplo a igualdade perante a lei, a liberdade pessoal, a inviolabilidade do domicílio e da correspondência, a liberdade de associação e de reunião, a liberdade de imprensa, de profissão, de coligação, de ir e vir. O traçado dos limites entre a atividade do Estado e a liberdade do cidadão está subordinado à história, como pode ser evidenciado através dos direitos econômicos, a liberdade de propriedade e de contrato; a antiga doutrina liberal desenvolvida especialmente por W. v. Humboldt (1792), de que o Estado enquanto ‘Estado de direito’ (em sentido restrito da palavra) deveria limitar-se a assegurar seus membros contra a injustiça, foi substituída pelo pensamento socialista de que o Estado, como ‘Estado Cultural’, deveria preocupar-se também com sua promoção positiva; mas para o pensamento constitucional é essencial que exista uma espécie de liberdade dos cidadãos separada do Estado, ao lado de sua participação no Estado, o que, em sentido menos restrito, também serve à idéia de Estado de direito (Radbruch, 1999, p. 43).

É interessante frisar, a exemplo do que faz Comparato (2001), que no Estado de Direito é elementar o primado do control judicial, ainda que muitos países ditos democráticos e constitucionais não respeitem suas imposições. Sobre esse aspecto da juridicidade estatal, ainda alegará Canotilho sobre a necessidade de sua verificação concreta, política, e não apenas jurídica. Pois, é este conjunto institucional que deve conter o governo e o poder, e é isto que o transformaria em governo de leis democráticas.

Governo das leis (e não de homens!) gerais e racionais, organização do poder segundo o princípio da divisão de poderes, primado do legislador, garantia de tribunais independentes, reconhecimento de direitos, liberdades e garantias, pluralismo político, funcionamento do sistema organizatório estadual subordinado aos princípios da responsabilidade e do controle, exercício do poder estadual através de instrumentos jurídicos constitucionalmente determinados (Canotilho, 1999, p. 20).

O próprio Canotilho reforçará ou repetirá o já alegado, como se estivesse sugerindo que é necessária a repetição para que novos elementos pudessem ser acrescidos ao conceito. Assim, caminham em paralelo o Estado de Direito, a política, o social e o ambiental. Partindo de uma visão moderna que articula todos esses dados, diz Canotilho que:

O Estado de Direito transporta princípios e valores materiais razoáveis para uma ordem humana de justiça e de paz. São eles: a liberdade do indivíduo, a segurança individual e coletiva, a responsabilidade e responsabilização dos titulares do poder, a igualdade de todos os cidadãos e a proibição de discriminação de indivíduos e grupos [...] e competências que permitam falar de um poder democrático, de uma soberania popular, de uma representação política, de uma separação de poderes, de fins e tarefas do Estado [...] Trata-se: (1) de um Estado de direito; (2) de um Estado constitucional; (3) de um Estado democrático; (4) de um Estado social; (5) de um Estado ambiental (1999, p. 21-22).

De forma semelhante, para Comparato (2001b) - ao menos é como se depreendeu -, trata-se do primado da garantia institucional, com início e vigência solenes decretados a partir do Bill Of Rigthts. Então, historicamente, é dada à Carta de Direitos britânica a primazia sobre o nascimento do Estado de Direito :

A instituição-chave para a limitação do poder monárquico e a garantia das liberdades na sociedade civil foi o Parlamento. A partir do Bill off Rights britânico, a idéia de um governo representativo, ainda que não de todo o povo, mas pelo menos de suas camadas superiores, começa a firmar-se como uma garantia institucional indispensável das liberdades civis (Comparato, 2001b, p. 47)9.

Para Canotilho (1999), no entanto, serão quatro as fases ou contribuições históricas que abrigaram os germes do Estado de Direito, em momentos distintos mas contaminados pelo mesmo espírito libertador e igualitário: a regra do direito (rule of law 10), na Inglaterra; o Estado de Legalidade (État légal), na França; o Estado Constitucional, nos EUA; o princípio do Estado de Direito (rechtsstaast), na Alemanha. E três serão os documentos de base desse período e modelo de Estado: o citado Bill Of Rights, a Constituição Americana e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, na França de 1789.

Em Canotilho (1999), ainda teremos a posição teórica assumida estritamente em relação à concepção jurídica do Estado de Direito, como se tem na regra do direito ou no princípio da legalidade:

Em primeiro lugar, significa a obrigatoriedade da adoção de um processo justo legalmente regulado quando se torna necessário julgar e punir os cidadãos, privando-os da sua liberdade ou propriedade. Em segundo lugar, a regra do direito impõe a prevalência das leis e costumes do país perante a discricionariedade do poder real. A sujeição de todos os atos do poder executivo à soberania dos representantes do povo (parlamento) recorta-se como a terceira idéia da regra do direito 11. Finalmente, a regra do direito significa direito e igualdade de acesso aos tribunais por parte de qualquer indivíduo a fim de aí defender os seus direitos segundo os princípios do direito comum e perante qualquer entidade (pública ou privada) (1999, p. 24-25).

Devemos relembrar que o momento germinal do Estado de Direito é, de fato, um momento histórico em que uma concepção muito mais ampla e universal do Direito está sendo gerida, gestada. Mas, além das Declarações solenes de direitos prolatadas pelo próprio Estado, havia movimentos e documentos de cunho popular e crítico: um exemplo disso é que há uma Declaração Universal para os direitos femininos.

A DECLARAÇÃO DOS DIREITOS DA MULHER E DA CIDADÃ 12 , de Olympe de Gouges, ainda que de pouca circulação nos meios acadêmicos, é sintomática quanto ao espírito universal que ocupa a França desse período. Vejamos trechos do preâmbulo e alguns de seus principais artigos:

Em consequência, o sexo superior tanto na beleza quanto na coragem, em meio aos sofrimentos maternais, reconhece e declara, na presença e sob os auspícios do Ser superior, os Direitos seguintes da Mulher e da Cidadã:

ARTIGO PRIMEIRO: A mulher nasce e vive igual ao homem em direitos. As distinções sociais não podem ser fundadas a não ser no bem comum.

II: A finalidade de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis da mulher e do homem: estes direitos são a liberdade, a propriedade, a segurança, e sobretudo a resistência à opressão.

IV: A liberdade e a justiça consistem em devolver tudo o que pertence a outrem; assim, os exercícios dos direitos naturais da mulher não encontram outros limites senão na tirania perpétua que o homem lhe opõe; estes limites devem ser reformados pelas leis da natureza e da razão.

VI: A lei dever ser a expressão da vontade geral; todas as Cidadãs e Cidadãos devem contribuir pessoalmente ou através de seus representantes; à sua formação: todas as cidadãs e todos os cidadãos, sendo iguais aos seus olhos, devem ser igualmente admissíveis a todas as dignidades, lugares e empregos públicos, segundo suas capacidades e sem outras distinções, a não ser aquelas decorrentes de suas virtudes e de seus talentos.

VII: Não cabe exceção a nenhuma mulher; ela será acusada, presa e detida nos casos determinados pela Lei. As mulheres obedecem tanto quanto os homens a esta lei rigorosa.

X: Ninguém deve ser hostilizado por suas opiniões, mesmo as fundamentais; a mulher tem o direito de subir ao cadafalso; ela deve igualmente ter o direito de subir à Tribuna; contanto que suas manifestações não perturbem a ordem pública estabelecida pela Lei.

XI: A livre comunicação dos pensamentos e das opiniões é um dos direitos os mais preciosos da mulher, pois esta liberdade assegura a legitimidade dos pais em relação aos filhos. Toda cidadã pode, portanto, dizer livremente, eu sou a mãe de uma criança que vos pertence, sem que um prejulgado bárbaro a force a dissimular a verdade; cabe a ela responder pelo abuso a esta liberdade nos casos determinados pela Lei.

XII: A garantia dos Direitos da mulher e da cidadã necessita uma maior abrangência; esta garantia deve ser instituída para o benefício de todos e não para o interesse particular daquelas a que tal garantia é confiada.

XIV: As Cidadãs e os Cidadãos têm o direito de contestar, por eles próprios e seus representantes, a necessidade da contribuição pública. As cidadãs podem aderir a isto através da admissão em uma divisão igual, não somente em relação à adiministração pública, e de determinar a quota, a repartição, a cobrança e a duração do imposto.

XV: A massa das mulheres integrada, pela contribuição, à massa dos homens, tem o direito de exigir a todo agente público prestação de contas de sua administração 13.

Mas é um momento tão auspicioso que também reflete o que poderíamos chamar de democratização do Estado Moderno, visto que há diferenças de fundo, por exemplo, em relação à Carta de Direitos do Rei João Sem Terra, de 1215 14. É um processo histórico resultante de revoluções sociais e institucionais, e por isso se afirmou como processo de democratização do governo, bem como ocorreu uma constitucionalização da política e do poder. Teoricamente, o Estado de Direito em si seria mais democrático porque já viria controlado pelo Direito, a Justiça lhe seria um tema interno e, portanto, inerente ao próprio Estado. Daí a idéia de um Estado Jurídico – um Estado mais justo.

Sobre o autor
Vinício Carrilho Martinez

Pós-Doutor em Ciência Política e em Direito. Coordenador do Curso de Licenciatura em Pedagogia, da UFSCar. Professor Associado II da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar. Departamento de Educação- Ded/CECH. Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade/PPGCTS/UFSCar Head of BRaS Research Group – Constitucional Studies and BRaS Academic Committee Member. Advogado (OAB/108390).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARTINEZ, Vinício Carrilho. Estado de Direito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 920, 7 jan. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7786. Acesso em: 26 dez. 2024.

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