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A Emenda Constitucional n° 45 e a nova competência da Justiça do Trabalho.

Relação de trabalho

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Agenda 24/01/2006 às 00:00

CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES

Inicialmente, tenho o dever de adverti-los que não há hermenêutica asséptica, porquanto todo processo de intelecção de uma norma jurídica sofre influências dos mais variados matizes, seja político ou ideológico. Registrada essa advertência, sinto-me à vontade para dar início enfrentar o tema proposto, pois a conclusão a que chegarei será fruto de interpretação pessoal, com influências de toda ordem.

A razão desse estudo mostra-se relevante na medida em que, assim penso, possamos responder às seguintes indagações: A Justiça do Trabalho é competente para processar e julgar relações de emprego, de trabalho e de consumo? Em outros termos, tem competência para apreciar ações em que um médico, advogado, arquiteto ou contador demande em face de um cliente, ou ainda, em que um cliente demande em face de uma oficina de automóveis, porque defeituoso o serviço prestado?

Antes de adentrar na análise específica do tema em epígrafe, faz-se oportuno lembrar que a EC 45, cuja PEC foi apresentada em 26-03-1992, pelo então Deputado Hélio Bicudo, promulgada em 8 de dezembro de 2004 e publicada no dia 31 do mesmo mês, é fruto de um longo debate no Congresso Nacional, que consumiu quase 13 anos. É importante ressaltar que na proposta original da mencionada EC, de autoria do Deputado Aloysio Nunes Ferreira, constava como medida mais extrema a extinção da Justiça do Trabalho por intermédio de sua incorporação pela Justiça Federal. Posteriormente, no relatório da Deputada Zulaê Cobra afastou-se essa ameaça, mantida, não obstante, a competência da Justiça do Trabalho para julgar as "ações oriundas da relação de emprego", o que pode justificar o lapso na manutenção do inciso IX do atual artigo 114 da CRFB, quando depois se ampliou a competência para abranger relações de trabalho. Partindo-se da premissa de que norma jurídica não resulta de um processo intelectual, técnico ou científico, mas do entrechoque de interesses entre classes sociais ou mesmo corporativos, a atuação da ANAMATRA foi decisiva para persuadir os congressistas a alterarem a redação do inciso I, substituindo a expressão relação de emprego por relação de trabalho. Daí o porquê da alardeada incompatibilidade entre os incisos I e IX, que será mais adiante analisada. O fato é que a Justiça do Trabalho, cuja extinção outrora fora cogitada, com o advento da EC 45 ficou sobremaneira fortalecida com a ampliação de sua competência.

Ainda a guisa de introdução convém consignar que a EC 45, denominada de Reforma do Poder Judiciário, tem entre seus fundamentos o de viabilizar mais concretamente o acesso à justiça, que tem um significado mais amplo que a simples facilitação de acesso do cidadão ao Poder Judiciário, senão o direito a um resultado célere e justo da demanda levada a Juízo. Nessa esteira, visando à ampliação do acesso à Justiça, verifica-se, essencialmente, três ondas renovatórias no direito processual, quais sejam: a) a concessão do benefício da assistência judiciária (porque o processo é demasiadamente oneroso para os necessitados – Lei 1.060/50); b) a criação de ações visando à tutela de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos por meio de Ações Civis Públicas e Coletivas – ACP, ACC – (direitos metaindividuais ou transindividuais – Leis 7.347/85 e Lei 8.078/90); c) preocupação com a qualidade da prestação jurisdicional (observância do devido processo legal substancial e não só formal, a exemplo da possibilidade, já pacificada na doutrina e jurisprudência, do controle judicial dos atos administrativos discricionários, sob o ângulo da legalidade em sentido amplo, com suporte nos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, que representam limites à conveniência e oportunidade do administrador). Também se pode lembrar dos novos critérios objetivos para promoção de juízes, que serão avaliados conforme sua "produtividade e presteza no exercício da jurisdição e pela freqüência e aproveitamento em cursos oficiais ou reconhecidos de aperfeiçoamento" (art. 93, II, c da CRFB).

Sob esse último enfoque – qualidade da prestação jurisdicional – sobressaem alguns desdobramentos importantes, a saber: a) o objetivo de evitar o formalismo exacerbado no trâmite processual; b) criação de meios alternativos de resolução de conflitos (mediação e arbitragem, esta prevista na Lei 9.307/96) e, por fim, c) a propalada Reforma do Poder Judiciário.

Nesse particular, a EC é apenas o começo da almejada, verdadeira e necessária reforma judiciária, uma vez que exigirá uma substancial revisão da legislação infraconstitucional, mormente no âmbito processual, uma vez que a Reforma não foi suficiente para resolver o problema crônico da morosidade da Justiça. A EC 45 apresenta-se como a ponta de um grande iceberg, cujo marco inicial é visualizado no novo inciso LXXVIII do artigo 5º da CRFB, que consagra o princípio da tempestividade da tutela jurisdicional. Esse novo princípio constitucional, que explicita não haver devido processo legal se este for moroso, não é estranho aos atores jurídicos brasileiros, na medida em que previsto no artigo 8º, I do Pacto de São José da Costa Rica, do qual o Brasil é signatário.

Com efeito, o inciso LXXVIII do artigo 5º da CRFB quer enfatizar a necessidade de o processo ter uma duração razoável, ou seja, o processo não deve demorar mais que o tempo necessário para produzir um resultado útil e justo (ou, ainda, o processo não deve ter dilações indevidas). Para atingir tal desiderato, deve o juiz utilizar com maior intensidade o instituto da tutela antecipada, que exige requerimento da parte, nas hipóteses do inciso II do art. 273 do CPC, pois a sanção mais contundente àquele que pretende procrastinar o processo é acelerá-lo. Deve o juiz, também, aplicar as penalidades decorrentes da litigância de má-fé ou de ato atentatório à dignidade da justiça (artigos 18 e 602 do CPC), que permitem aplicação ex officio. E mais relevante ainda é o fato de o juiz não estar adstrito à previsão legal autorizando-o a acelerar o processo, pois no seu mister há de observar o novel princípio constitucional que vela pela sua celeridade.

Mas é verdade também que a Reforma visou a contemplar fundamentos de ordem técnica e social. O fundamento técnico da EC 45, na seara da Justiça do Trabalho, justifica-se na correção da inexplicável competência da Justiça Comum para julgar ações envolvendo direito de greve (ações possessórias: manutenção de posse – turbação –, reintegração de posse – esbulho –, interdito proibitório – em caso de justo receio de violência iminente que possa molestar ou esbulhar a posse; ou ações indenizatórias no caso de greve abusiva) no inciso II, ou entre sindicatos, leia-se, entidades sindicais (representação sindical; arrecadação ou rateio das receitas sindicais: contribuição confederativa, sindical, assistencial e mensalidade do associado) no inciso III, ambos do artigo 114 da CRFB. Nesse particular, o TST cancelou, em 05-07-2005, a OJ 290 da SDC, que declarava a incompetência da Justiça do Trabalho para examinar conflito entre sindicato patronal e a respectiva categoria econômica em relação à cobrança da contribuição assistencial. Deve, a meu ver, em breve ser cancelada a OJ 4 da SDC, segundo a qual "a disputa intersindical pela representatividade de certa categoria refoge ao âmbito da competência material da Justiça do Trabalho". O fundamento social deve-se ao fato de a vetusta relação de emprego estar perdendo sua identidade em decorrência da multifária dinâmica do sistema capitalista de produção, exigindo uma adequação da Justiça do Trabalho a fim de contemplar aqueles que outrora se encontravam fora de sua competência, que se limitava às pessoas do trabalhador-empregado e empregador.

Superada essa breve, mas necessária digressão, cujo intuito foi tão-somente contextualizar o advento da EC 45, passarei à análise mais detida do reflexo dessa Reforma na competência da Justiça do Trabalho, notadamente no âmbito do direito material, mais especificamente do caput do artigo 114 e seu inciso I. Está fora desse estudo, portanto, questões de índole processual, decorrentes da ampliação da competência da Justiça do Trabalho, a exemplo do cabimento ou não de honorários advocatícios, jus postulandi, intervenção de terceiros, princípio da perpetuatio jurisdictionis (art. 87 do CPC), competência funcional – relativamente à execução das sentenças proferidas no Juízo Cível etc.


A NOVA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO

Faz-se necessário, desde já, deixar assente que competência não se confunde com jurisdição, embora ambas estejam intimamente ligadas. A sociedade, na evolução do convívio social, optou pela vedação a autotutela, salvo hipóteses legais (direito de retenção, desforço imediato, penhor legal, direito de cortar raízes e ramos limítrofes que ultrapassem a extrema do prédio etc.), atribuindo ao Estado o monopólio de solucionar, de forma impositiva e em definitivo, um conflito, aplicando norma de direito material. Esse o conceito de jurisdição, qual seja, o poder de o Estado pacificar conflitos sociais por meio de uma atividade substitutiva da vontade das partes, fazendo atuar a vontade da lei ao caso concreto. A jurisdição é, portanto, o conceito nuclear de toda a teoria processual. Não é demais lembrar que o órgão do Estado investido de jurisdição é o juiz e não o Poder Judiciário.

Competência, por seu turno, revela-se como a distribuição da jurisdição (e não sua divisão, uma vez que esta é una e indivisível) entre os órgãos jurisdicionais a fim de que ela possa ser exercitada. Trata-se, em outras palavras, na medida da jurisdição, ou ainda, do princípio da divisão social do trabalho aplicado à jurisdição.

Sob essa perspectiva, a lei, ao distribuir a jurisdição, atende a dois interesses: inicialmente o interesse público – do próprio Estado (regras de competência absoluta: material e funcional) – e secundariamente o interesse das partes, uma vez que visa a facilitar o acesso à justiça (competência relativa: territorial e pelo valor da causa). Oportuno registrar que o valor da causa, na Justiça do Trabalho, não define competência, senão o rito da demanda (ordinário ou sumaríssimo).

Essa lacônica exposição tem o único fim de afirmar que a ampliação da competência da Justiça do Trabalho insere-se no campo de competência material. E por que se distribui a competência por matérias? Certamente porque se deve procurar saber tudo de pouco, pois a ninguém é dado o privilégio de saber tudo de tudo. Desse aforismo decorre a necessidade de especialização dos órgãos jurisdicionais. E sob esse aspecto diz-se que a Justiça do Trabalho é uma justiça especializada, porquanto converge sua energia para processar e julgar as ações oriundas da relação de trabalho, conforme a nova redação do artigo 114 da CRFB.

Sob esse enfoque faz-se o "link" com a preconizada Reforma do Judiciário, mormente no que diz respeito à preocupação com a qualidade da prestação jurisdicional, mais especificamente quanto ao princípio da tempestividade da tutela jurisdicional. Afinal, parece razoável e lógico que quanto mais especializado for o órgão jurisdicional mais célere e de melhor qualidade será a prestação da tutela estatal. Nesse sentido há projeto de lei já aprovado pela Câmara dos Deputados para criação de Varas do trabalho especializadas em, por exemplo, execução fiscal, acidentária etc., visando a uma maior celeridade processual, uniformidade dos procedimentos de execução e segurança jurídica nas decisões.

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De todo o exposto até o momento, conclui-se que a justificativa para a ampliação da competência da Justiça do Trabalho não se traduz em um simples redimensionamento da jurisdição estatal, mas, ao contrário, tem por mira oferecer ao jurisdicionado uma estrutura judiciária capaz de solucionar mais rapidamente a demanda levada a Juízo. E essa maior agilidade da Justiça do Trabalho decorre justamente de sua especialização, uma vez que tem um procedimento menos complexo que o estabelecido no Processo Civil e porque o magistrado trabalhista detém uma natural vocação para atuar nessa seara do direito que envolve o trabalho humano. Com efeito, a ampliação da competência da Justiça do Trabalho está em consonância com o princípio da tempestividade da tutela jurisdicional.

Transposta mais essa digressão a título de intróito, passarei à análise do artigo 114 da CRFB, com a redação dada pela EC 45.


A NOVA REDAÇÃO DO CAPUT DO ARTIGO 114 DA CRFB

Importa consignar, antes de avançar nesse estudo, a retirada, proposital ou não, do caput do artigo 114, da obrigatoriedade de tentativa conciliatória por parte do juiz do trabalho.

No meu sentir, o caput do artigo 114 da CRFB exige interpretação histórica e sistemática e não uma interpretação gramatical ou textual. E sob esse vértice, conclui-se que a Justiça do Trabalho não perdeu sua competência para conciliar as partes litigantes, sendo certo que não há mais exigência de índole constitucional. A conciliação, em verdade, traduz um ato de transação de direitos e obrigações entre as partes, e que não se submete às regras dos artigos 128 e 460 do CPC, ensejando, quando do seu termo, a extinção do processo com julgamento de mérito (art. 269, III do CPC). É certo que não se trata tecnicamente de atividade jurisdicional no seu sentido ontológico, mas, sim, de autocomposição do litígio, a exemplo da mediação e da negociação coletiva. A sentença, não obstante, é meramente homologatória da vontade das partes, cujo escopo é o de viabilizar eventual execução da transação levada a efeito pelos litigantes na hipótese de descumprimento da mesma.

A propósito do assunto, consta na CLT dispositivos que impelem o juiz a provocar a conciliação entre as partes, a exemplo dos artigos 764, 831, 846, 850 e 852-E. Repise-se o fato de a necessidade de conciliação deixar de ser exigência constitucional, até porque há casos em que a mesma se mostrava inócua, como na hipótese de ações em que figurava no pólo passivo entidade de direito público que, sabidamente, não pode transigir direitos. Muitos juízes, a propósito, não mais realizavam a denominada "audiência inicial" quando esses entes públicos figuravam como parte na demanda. O que faz o Ministério Público do Trabalho (MPT) quando firma Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) é tão-somente transigir o modo, o prazo e o lugar do cumprimento da obrigação, mas jamais direitos. Da mesma forma os sindicatos quando atuam como substitutos processuais, defendendo em nome próprio direito alheio, carecem de poderes para transigir direitos dos substituídos.


O ALCANCE DA EXPRESSÃO "RELAÇÃO DE TRABALHO"

Não há dúvida de que uma das mais relevantes alterações advindas da aludida Reforma diz respeito ao sentido e alcance da expressão "relação de trabalho", constante no inciso I do artigo 114 da CRFB.

Conforme já consignado, a competência da Justiça do Trabalho, que antes da EC 45 suscitava debates na doutrina acerca de tratar-se de competência em razão das pessoas, porque se referia às figuras de empregado e empregador, ou trabalhador e empregador na CRFB/88, é agora fixada exclusivamente em razão da matéria. Assim, pouco importa se a parte em litígio é empregado ou empregador, mas, sim, se o litígio origina-se de uma relação de trabalho, da qual é espécie a relação de emprego. Essa mudança é significativa, porquanto à luz da redação anterior não se permitia intervenção de terceiros no processo do trabalho, à exceção da nomeação à autoria, com algumas restrições. Afinal, permitir que terceiro ingressasse na lide implicaria na possibilidade de uma demanda paralela à principal entre empregados ou entre empregadores, o que escapava à díade trabalhador-empregado e empregador. Essa incongruência, e em certa medida injustiça, foi corrigida com a EC 45, que pôs fim à velha competência dicotômica. Tanto é verdade que o TST cogita cancelar a OJ 227 da SDI-1, que veda a denunciação da lide no processo do trabalho. Rompido o binômio empregado/empregador, parece-me revogado o § 2º do artigo 405 da CLT, que atribui ao juiz de infância e juventude competência para autorizar o trabalho de menores em ruas e praças.

Antes da EC 45 a competência da Justiça do Trabalho subdividia-se em: a) específica (para dirimir conflitos decorrentes da relação de emprego); b) derivada (porque mediante lei poderia apreciar conflitos decorrentes de outras relações de trabalho, a exemplo do trabalhador avulso portuário, pequeno empreiteiro (art. 652, a, III e V da CLT), temporário (Lei 6.019/74)); c) competência para cumprimento de suas próprias sentenças, inclusive coletivas. Assim, o representante comercial (Lei 4.886/65), o trabalhador autônomo (incluído o profissional liberal), eventual, o cooperado, dentre outros trabalhadores, sujeitavam-se à competência da Justiça Comum.

Com o advento da EC 20/98 acrescentou-se mais uma competência à Justiça do Trabalho, qual seja, a competência para execução de contribuições previdenciárias.

A EC 45 trouxe uma expressiva ampliação da competência específica da Justiça do Trabalho na medida em que rompeu com o paradigma consolidado há anos no direito constitucional brasileiro de atribuir competência a essa Justiça Especializada para dirimir controvérsias decorrentes da relação de emprego. É verdade que na CRFB de 1988 o constituinte originário optou pela expressão "trabalhador" ao invés de "empregado", mas a doutrina e jurisprudência pátria firmaram entendimento de que aquela expressão referia-se ao empregado, para harmonizar-se com a figura do "empregador" (artigo 2º da CLT).

Mas agora, com a nova redação do inciso I do artigo 114, fixou-se em definitivo a competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar ações oriundas da relação de trabalho. Nesse sentido, faz-se mister perquirir acerca da amplitude dessa expressão, porquanto essa competência encontrará seus exatos limites no conceito de "relação de trabalho".

Sob esse vértice, convém, desde já, consignar o fato de o STF, ao apreciar a ADIn 3395 ajuizada pela AJUFE, em janeiro de 2005, concedeu liminar acolhendo pedido de suspensão de parte do inciso I do artigo 114 da CRFB, restringindo, assim, o alcance da expressão "relação de trabalho". A decisão do Ministro Nelson Jobin concedeu, ad referendum do plenário, medida cautelar com efeito retroativo (ex tunc) para dar interpretação conforme a constituição, sem redução de texto, reconhecendo a inconstitucionalidade do inciso I do artigo 114 da Constituição no que tange à competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar ações envolvendo servidores públicos estatutários, não obstante sejam trabalhadores em sentido amplo. Permanece, todavia, sob a competência da Justiça do Trabalho os empregados públicos, ou seja, os servidores públicos regidos pela CLT.

Registrado, portanto, essa primeira restrição ao que se entende por relação de trabalho. Importa frisar que relação de emprego é espécie do gênero relação de trabalho, expressão essa sobre a qual a doutrina se digladia na tentativa de fixar seu sentido e alcance, tanto que há cinco correntes doutrinárias, a saber: a) restritiva ou fechada; b) ampliativa ou aberta; c) intermediária; d) considera a dependência econômica do prestador de serviços em relação ao tomador; e) propugna que relação de trabalho é uma relação de trato sucessivo. Todas essas correntes doutrinárias têm o fito de responder à seguinte indagação: As lides, por exemplo, entre médico e paciente, advogado e cliente, passageiro e taxista, encanador e condomínio, escritor e editora, oficina mecânica e proprietário de um automóvel são de competência da Justiça do Trabalho ou da Justiça Comum? A considerar a apocalíptica, mas potencialmente concreta hipótese de dissenso entre juízes do trabalho e de direito acerca do juízo competente para processar e julgar tais demandas, estar-se-ia diante de inúmeros conflitos de competência suscitados (art. 115 do CPC), em detrimento do direito do jurisdicionado e em afronta ao princípio da tempestividade da tutela jurisdicional (art. 5º, LXXVIII, CRFB). Por isso a magnitude desse debate. Quiçá, ante a divergência doutrinária acerca dos limites da expressão relação de trabalho e da falta de lei delimitando-a, deva a expressão ser alvo da primeira Súmula vinculante, a fim de fixar seu sentido e alcance.

Em síntese, sustenta a primeira corrente que a expressão "relação de trabalho" corresponde a anterior expressão "relação de emprego", ou seja, dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores, consoante redação anterior do artigo 114 da CRFB. Argumentam os seus defensores que se assim não se entender qual a razão do inciso IX? Dizem, ainda, que o artigo 7º da CRFB utiliza-se das expressões "relação de trabalho" e "trabalhador" para caracterizar relação de emprego, conforme interpretação sistemática. Nessa ótica, portanto, a relação de trabalho a que faz alusão o inciso I do artigo 114 cinge-se às relações reguladas pela legislação trabalhista (CLT e leis esparsas). A crítica que se pode fazer a essa corrente é a de que escapa à razoabilidade o fato de o constituinte derivado ter alterado o texto constitucional, após mais de 12 anos de debates no Congresso Nacional, para dizer o que sempre disse. Ora, a modificação do texto visou, efetivamente, à ampliação da competência da Justiça do Trabalho com o fim de incorporar a essa Justiça Especializada relações de trabalho antes fora do seu alcance, observando sempre a perspectiva da Reforma para melhor atender os jurisdicionados. De outra parte, o referido inciso IX trata de competência derivada da Justiça do Trabalho, o que, em uma leitura precipitada, poderia induzir o intérprete à ilação de que se trata de dispositivo inútil, pois diz o que já se encontra abrangido pelo inciso I, a exemplo também da crítica que sofre o inciso VI. Não é assim que penso, todavia. Com efeito, o inciso IX não contradiz a regra geral do inciso I do artigo 114 da CRFB, que é norma constitucional de eficácia plena. Ademais, quis o constituinte derivado deixar uma janela para ampliar ainda mais a competência da Justiça do Trabalho, permitindo, por exemplo, a apreciação de causas que tenham como pressuposto fático-jurídico a relação de trabalho, a exemplo das ações envolvendo trabalhadores e empresas de previdência privada.

A segunda corrente propugna uma ampliação total da competência da Justiça do Trabalho, independentemente de lei ordinária, o que, mais uma vez, implica desconsiderar o inciso IX do precitado artigo 114, porque inútil. Os sectários dessa corrente fundamentam sua tese no fato de que para caracterizar a competência da Justiça do Trabalho basta que haja trabalho humano em benefício de outrem, quer seja pessoa natural ou jurídica. Assim, seria competente a Justiça do Trabalho para dirimir conflitos envolvendo relação de emprego e de trabalho lato sensu, nessas incluídas as relações de consumo, sob o argumento de que esta é sempre uma relação jurídica secundária a uma relação prévia, qual seja, a de trabalho. Sob esse prisma, é incontroversa a competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar ações envolvendo relação de emprego, trabalhador avulso, eventual (bóia-fria, chapa, diarista) e temporário, e ainda o contrato de estágio (que pode pleitear, por exemplo, seguro contra acidentes pessoais a cargo da pessoa jurídica que o contratou – art. 4º da Lei 6.494/77). Mas também é competente para aquelas em que figurem em um dos pólos da demanda profissionais liberais submetidos a regimes próprios (advogados, médicos, arquitetos, contabilistas, psicólogos, engenheiros, farmacêuticos etc.), a exemplo de ação de cobrança de honorários, ou de indenização decorrente de responsabilidade civil. Dizem que a relação de consumo é secundária a uma relação antecedente, de modo que, por exemplo, sobre o ato de adquirir um bem – aparelho de DVD – incide duas relações jurídicas, sendo a relação de consumo secundária à relação de compra e venda. Nessa linha de raciocínio, aduzem que em um contrato de prestação de serviços – cirurgia estética – firmado entre paciente e médico, no consultório deste, pode ocorrer que aquele não pague pelos serviços, ou que o médico tenha negligenciado no seu mister. Assim, eventual ação de cobrança ou de responsabilidade civil seria atraída pela competência da Justiça do Trabalho, haja vista tratar-se o objeto desse contrato de uma relação de trabalho antecedente a de consumo. Diferentemente ocorrerá no caso de o paciente contratar os serviços de um médico que os presta por intermédio de uma clínica ou hospital, pois, nessa hipótese, o paciente contratou os serviços da clínica ou hospital e não do médico, com o que não se caracteriza relação de trabalho. Isso sob o ponto de vista da corrente majoritária, que afasta o entendimento segundo o qual uma pessoa jurídica estabelece relação de trabalho com outra (ex.: uma loja comercial contrata serviços gráficos de uma empresa para confecção e impressão de cartões de visita). A crítica pertinente é a de que não haverá limites a essa competência, pois tudo na sociedade decorre de trabalho, o que transformaria a Justiça do Trabalho, antes especializada, em Comum, porquanto a essa restaria apreciar lides decorrentes de direitos de família, sucessórios, reais e de empresas.

A terceira corrente, que tem se firmado como prevalente na doutrina, distingue relação de trabalho de relação de consumo. Nessa o destinatário final – consumidor – não adquire o serviço de outrem com o intuito de repassá-lo adiante e com isso obter lucro. Naquela, o tomador dos serviços tem fins lucrativos, porque exerce atividade empresarial e/ou negocial. Portanto, a Justiça do Trabalho seria competente para dirimir conflitos decorrentes da relação de trabalho, mas não de consumo (médico x paciente; advogado, arquiteto, contador, encanador x cliente). Não obstante pareça ser essa a corrente mais razoável de interpretar a expressão "relação de trabalho", merece, senão uma crítica, uma ponderação. A ponderação que se faz a essa corrente é a de que a diarista – o trabalhador eventual, em regra –, cujo histórico social legitima seu acesso à Justiça do Trabalho, na hipótese de prestar serviços à pessoa ou família – destinatário final –, que sabidamente não tem fins lucrativos, teria de reivindicar eventuais direitos sonegados na Justiça Comum. Isso foge à lógica e o bom-senso, pois na exata medida em que passa a admitir que o trabalhador autônomo ajuíze e tenha sua ação apreciada pela Justiça do Trabalho afasta tal direito da diarista, que é notadamente a parte hipossuficiente da relação jurídica. A solução para o caso exige sensibilidade jurídica e social, uma vez que a diarista, embora prestadora de serviços, é notoriamente hipossuficiente em relação ao tomador de serviços (consumidor), motivo pelo qual não se enquadra no conceito da Lei 8.078/90 – CDC –, pois não oferece seus serviços no mercado de consumo (ao público em geral). Assim, está caracterizada uma relação de trabalho e, por conseguinte, atrai a incidência do artigo 114, I da CRFB. Convém frisar, todavia, que a hipossuficiência não é elemento essencial para caracterizar a relação de trabalho, à exceção do trabalhador eventual (a exemplo da diarista) e do pequeno empreiteiro, esse por expressa previsão legal.

A quarta corrente sustenta que a expressão "relação de trabalho" açambarca aqueles trabalhadores que têm dependência econômica, mas não subordinação jurídica em face do tomador dos serviços. E isso porque há, nos dias atuais, outras formas de relação de trabalho em que não se verifica subordinação jurídica, ou essa é mitigada – parassubordinação (sócios em cooperativas, representantes comerciais, trabalho em domicílio) – mas se vislumbra dependência econômica em relação ao tomador dos serviços. São exemplos, o trabalhador autônomo, temporário, avulso, eventual, pequeno empreiteiro, cooperado, estendendo-se, ainda, a alguns casos específicos envolvendo profissionais liberais. A crítica se justifica na medida em que dependência econômica não é requisito para caracterizar relação de emprego e tampouco de trabalho, pois há situações em que o trabalhador/prestador de serviços é economicamente superior ao seu empregador/tomador dos serviços. Imaginem a hipótese de um representante comercial, que trabalha para três empresas distintas, e com isso aufere rendimento superior ao dos tomadores dos seus serviços, individualmente considerados. A propósito, a dependência que pode ensejar o reconhecimento de vínculo de emprego não é a econômica, mas a dependência em relação aos meios de produção, que, em regra, pertencem ao empregador.

A quinta corrente doutrinária assevera que a relação de trabalho exige um caráter obrigacional continuado, ou seja, de trato sucessivo, de modo que o adimplemento da obrigação não ocorre em um só momento, mas se desenvolve num lapso temporal. Assim, deve-se interpretar a expressão "relação de trabalho" a partir de uma perspectiva de um trabalho repetitivo, ou seja, periódico, ou melhor, do cumprimento de uma obrigação que se faz de modo periódico, dilatada ou diferida no tempo, e não instantânea. São exemplos de relações instantâneas, e que, portanto, escapam à competência da Justiça do Trabalho: a consulta médica a um paciente, ou mesmo uma cirurgia estética ou reparatória. Essas situações que se esgotam de imediato, num só momento, caracterizam relação de consumo e não de trabalho. Também se inserem nesse contexto as hipóteses de consulta a um advogado, dentista ou psicólogo, ou os serviços de um taxista, de um arquiteto, encanador, quando prestados episodicamente. Não se vislumbra, nesses casos, relação de trabalho, na sua acepção de trato sucessivo, sendo competente para dirimir eventuais litígios a Justiça Comum. Também não se deve entender como relação de trato sucessivo o pagamento em parcelas dos serviços prestados em uma cirurgia, porquanto o caráter sucessivo diz respeito ao trabalho. De outra parte, será competente a Justiça do Trabalho para processar e julgar relações de trato sucessivo entre médico e clínica ou hospital, advogado e escritório, corretor de seguros e seguradora, arquiteto e empresa de reformas, dentre outras hipóteses, desde que caracterizado o trabalho repetitivo em um interregno de tempo.

A par de todo o exposto, registre-se que essa reflexão parte da premissa de que a expressão "relação de trabalho" traduz uma modalidade de exploração da força de trabalho de um ser humano por outrem (pessoa natural ou jurídica, ou mesmo entes despersonalizados), fenômeno imanente ao sistema capitalista de produção, na medida em que destinado à geração de riqueza. Nessa esteira, e apresentadas essas cinco correntes doutrinárias, faz-se mister visitar algumas categorias jurídicas – requisitos característicos de uma relação de emprego, que não necessariamente de trabalho – para, a partir de então, manifestar minha adesão a uma dessas correntes doutrinárias. São requisitos:

a) que em um dos pólos da relação de trabalho esteja um trabalhador – pessoa natural – (tal qual se exige na relação de emprego), o que exclui, portanto, a pessoa jurídica, em que pese haver estudos admitindo a competência da Justiça do Trabalho para dirimir litígios entre Pessoas Jurídicas, desde que a causa de pedir remota ou fática seja decorrente de uma relação de trabalho (corrente ampliativa mais extrema). Particularmente, não me filio a esse entendimento, porquanto tem de ser o trabalho humano o objeto do contrato para que a competência seja da Justiça do Trabalho. Essa exclusão, todavia, exige cautela ante a possibilidade de fraudes, que ocorrem em ondas, a exemplo das noticiadas fraudes na terceirização de serviços, cooperativas de trabalho e também, mais recentemente, na contratação de "pessoas jurídicas" que, em verdade, constituem-se no plano fático por uma única pessoa natural, atuando de forma unipessoal. Os tomadores dos seus serviços visam, por meio dessa fraude, mascarar uma relação de trabalho ou de emprego. Essas falsas empresas são denominadas pela doutrina de paraempresas, porquanto se confundem com o próprio prestador e executor dos serviços, cuja sede, não raro, é a sua própria residência, tendo como sócio um parente que tão-somente emprestou seu nome à sociedade. Para desvelar essa fraude, a prova testemunhal é de capital importância, pois no plano formal a documentação estará perfeita. Trata-se, com efeito, da aplicação do princípio da primazia da realidade;

b) a pessoalidade não é necessária para configurar a relação de trabalho, o que difere da relação de emprego, onde é imprescindível o caráter intuitu personae tão-somente em relação ao empregado e não à figura do empregador, em observância ao instituto da sucessão de empregadores. Na relação de trabalho vislumbra-se uma pessoalidade bastante mitigada, a exemplo do que ocorre no contrato de prestação de serviços, em que o trabalhador pode fazer-se substituir por outro, desde que haja aquiescência do contratante (art. 605 do CC). Também se pode aludir ao mandato oneroso, em que o mandatário não pode transferir a responsabilidade pela obrigação a terceiro, salvo consentimento expresso do mandante (art. 667 do CC). Assim, considera-se relação de trabalho, além dos exemplos citados, a contratação de serviços de trabalhador autônomo, de cooperativados, avulsos, eventuais etc.;

c) a habitualidade também não é imprescindível para caracterizar a relação de trabalho, diferentemente da relação de emprego. É que nesta o trabalho há de ser repetitivo, mas não necessariamente contínuo, devendo, não obstante, ser inerente à atividade da empresa. Em outros termos, basta que o trabalhador – garçom ou cozinheiro – preste serviço toda sexta-feira, ou todas as terças e quintas a um restaurante para que se configure a relação de emprego, à exceção das hipóteses de eventos esporádicos, em que não há repetição do trabalho, o que afasta a incidência da CLT. Portanto, caracteriza-se a habitualidade com a fixação jurídica do trabalhador em relação ao tomador, bem assim seja o trabalho repetitivo e inserido na atividade da empresa. O eventual é trabalhador (diarista, bóia-fria, chapa), mas prescinde da fixação jurídica, pois não se fixa a um tomador específico na medida em que oferta seus serviços indistintamente no mercado, interagindo com diversos tomadores concomitantemente. Enfim, constata-se que a habitualidade para a relação de trabalho não é essencial. Oportuno que se lembre da corrente doutrinária que exige a periodicidade do trabalho, de modo a caracterizá-lo diferido no tempo, o que me parece em consonância com a habitualidade;

d) a onerosidade, que se vincula à idéia de um trabalho exercido por profissional remunerado, igualmente não é essencial para caracterizar relação de trabalho, diferentemente do que ocorre na relação de emprego. Muitos doutrinadores sustentam que a Justiça do Trabalho tem competência para dirimir litígios decorrentes de relações de trabalho desde que onerosas, o que me parece um equívoco. O trabalho voluntário, regulado pela Lei 9.608/98, é uma modalidade legal de trabalho não-oneroso e está inserido na competência da Justiça do Trabalho, pois esse trabalhador pode pleitear, por exemplo, indenização por dano moral e/ou patrimonial, ou mesmo ser vítima de acidente de trabalho etc.;

e) a subordinação também é prescindível para a relação de trabalho, não o sendo, todavia, para a relação de emprego, de onde decorre o poder diretivo do empregador sobre o empregado. Para ilustrar a hipótese, recordo-me de uma situação que ocorreu no escritório onde trabalho, em que a estagiária ficou presa no banheiro, em razão de um problema na fechadura. Após algumas tentativas frustradas de abrir a porta telefonei a um chaveiro, profissional autônomo que, portanto suas próprias ferramentas, tão-logo adentrou ao escritório começou a trabalhar. Pergunto: Poderia eu dirigir o trabalho desse profissional? Penso que sim, mas ele, certamente, não está obrigado a submeter-se às minhas ordens, podendo, de imediato, recolher suas ferramentas e sair. Posso, não obstante, pedir-lhe para que cuide para não sujar ou danificar a porta. Assim também ocorre no contrato de empreitada de reforma em uma residência particular, em que o proprietário tem o direito de coordenar a obra, determinando, por exemplo, que se abra uma janela em determinada parede, ou que esta seja pintada de verde-água;

f) a alteridade também é despicienda para caracterizar a relação de trabalho, diferentemente do que ocorre na relação de emprego. Entenda-se por alteridade o fato de uma pessoa natural trabalhar por conta alheia, ou seja, para outrem – o empregador na perspectiva da relação de emprego – que adquire os frutos do seu trabalho. Significa, ainda, o trabalho prestado sem risco, pois este é transferido para o empregador. Também na relação de trabalho o trabalhador gasta sua energia produtiva para outrem – tomador dos serviços – que, adquirindo os frutos do seu trabalho, vende-os no mercado, beneficiando-se economicamente (o trabalho é um custo agregado a outros custos de um produto ou serviço que é repassado a terceiros, com fins lucrativos). E aqui está o ponto distintivo ente relação de trabalho e relação de consumo, pois se os serviços são prestados diretamente para o destinatário final, que não incrementa a cadeia produtiva, não se caracteriza relação de trabalho, mas, sim, relação de consumo.

Ainda nesse particular, convém alertar que o destinatário final – consumidor – não adquire serviços de outrem para deles se apropriar e vendê-los a outras pessoas e com isso obter lucro. O artigo 3º, § 2º da Lei 8.078/90 – CDC –, preceitua que "serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista" (grifo meu). Destarte, a prestação de serviços, com fundamento em relação de trabalho exclui a relação de consumo, e esta àquela. Ainda nessa esteira, esclarece o precitado artigo que "fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços". Entendo que fornecedor de serviços é aquela pessoa que oferta seus serviços ao mercado consumidor (ao público em geral), de modo "ostensivo", com um mínimo de organização e estrutura logística. Essa a razão porque a diarista não se enquadra nesse tipo legal.

De outra parte, segundo estabelece o artigo 2º do CDC, "consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final" (grifo meu). Por destinatário final deve-se entender aquela pessoa que contrata a prestação de serviços para atender à necessidade própria, em seu benefício exclusivo e não com o fim de lucrar economicamente com esses serviços. Parece-me consentâneo lembrar a redação da OJ 191 do TST, segundo a qual, "diante da inexistência de previsão legal, o contrato de empreitada entre o dono da obra e o empreiteiro não enseja responsabilidade solidária ou subsidiária nas obrigações trabalhistas contraídas pelo empreiteiro, salvo sendo o dono da obra uma empresa construtora ou incorporadora". Assim, em se tratando da contratação de serviços de um arquiteto, engenheiro, ou empreiteiro, observando-se, quanto a este, o disposto no artigo 652, a, III da CLT, visando à reforma de residência particular, não se configura relação de trabalho, na sua acepção de gerar ou fazer circular riquezas, mas, sim, relação de consumo. Afinal, o tomador dos serviços é o destinatário final, ou seja, o consumidor que não tem fins lucrativos ou negociais com o advento da reforma em sua residência. Da mesma forma os serviços odontológicos prestados a uma pessoa, que não irá se apropriar dos serviços daquele para enriquecer-se, senão para satisfazer necessidade própria, de índole subjetiva. Tampouco caracteriza relação de trabalho os serviços prestados por um taxista ou por uma empresa aérea a uma pessoa que precisa locomover-se de um ponto a outro da cidade ou território.

Ademais, na relação de trabalho o protegido é o trabalhador – prestador de serviços –, enquanto na relação de consumo a proteção recai sobre o consumidor – tomador de serviços (art. 47 do CDC). Assim, mostra-se incompatível proteger o consumidor, que é o tomador de serviços, em detrimento do prestador de serviços (trabalhador). Afinal, como compatibilizar a convergência em uma só pessoa da figura do fragilizado consumidor com a de tomador de serviços que foi beneficiado pela força de trabalho de outrem? Essa falsa lógica é contrária à filosofia do direito do trabalho.

Desse modo, a Justiça do Trabalho não julgará ações cujo objeto da lide trate de responsabilidade civil decorrente de erro médico, de honorários, de direitos autorais etc., sob pena de perder sua característica essencial, que é de pacificar os conflitos entre capital e trabalho, o que afasta, portanto, a sua competência para julgar ações originárias de relação de consumo.

Repise-se o fato de a distinção entre relação de trabalho e relação de consumo poder ser investigada a partir de três enfoques, quais sejam: a) saber se aquele que contratou os serviços de uma pessoa natural o fez com fins de obter lucro para seu empreendimento ou negócio (relação de trabalho), ou se o contrato dos serviços limitou-se à satisfação pessoal do contratante, na qualidade de destinatário final (relação de consumo); b) se o contratado é um fornecedor de serviços ao público em geral ou, ao contrário, guarda um estreito grau de dependência econômica daquele que o contratou, e que com ele celebrou relação de trabalho, o que reforça a tese de a diarista, dependente economicamente daquele que contrata seus serviços, poder pleitear na Justiça do Trabalho eventuais direitos que lhes foram sonegados, ainda que o contratante (tomador dos serviços) seja o destinatário final, porquanto ausente o fim lucrativo na contratação dos serviços; c) se o serviço contratado caracterizou um trabalho com caráter obrigacional continuado, de trato sucessivo, diferida ou dilatada no tempo, ou se foi uma obrigação de cumprimento instantâneo que se exauriu em um só momento.

Sobre o autor
Augusto Cesar Ramos

advogado, especialista em Direito e Processo do Trabalho pelo CESUSC

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RAMOS, Augusto Cesar. A Emenda Constitucional n° 45 e a nova competência da Justiça do Trabalho.: Relação de trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 935, 24 jan. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7841. Acesso em: 22 dez. 2024.

Mais informações

Artigo publicado na Revista Bonijuris, edição de novembro de 2005.

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