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A Emenda Constitucional n° 45 e a nova competência da Justiça do Trabalho.

Relação de trabalho

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Agenda 24/01/2006 às 00:00

O ARTIGO 7º DA CRFB APLICA-SE A TODOS TRABALHADORES?

Há na doutrina quem defenda a incidência ampla dos direitos previstos no artigo 7º da CRFB a todos os trabalhadores indistintamente, seja empregado ou não. Mas há também quem refute totalmente o elastecimento desses direitos aos trabalhadores não-subordinados.

Mais uma vez, a virtude está no meio termo, pois há certos direitos que são exclusivos do trabalhador subordinado, a exemplo da proteção contra a despedida arbitrária ou sem justa causa, do seguro-desemprego, do FGTS, da licença à gestante (art. 7º, I, II, III e XVIII da CRFB). Todavia, não parece razoável que a "redução de riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança" ou que a "proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito anos e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir dos quatorze" (artigo 7º, XXII e XXXIII) seja obrigação tão-só do empregador e não do tomador de serviços.

Não parece razoável, ético ou moral que o tomador de serviços possa contratar um menor de 12 anos de idade, submetendo-o a riscos de toda natureza, porque não se subsume no conceito de empregado e, portanto, está fora do alcance da proteção constitucional. Com efeito, um absurdo! Afinal, ambos os dispositivos constituem direitos fundamentais de todo e qualquer trabalhador, sobretudo porque vinculado a outros dois direitos também fundamentais, que são o direito à saúde e à incolumidade física e psíquica do trabalhador que refletem na sua dignidade enquanto pessoa. Em última análise, tais direitos vinculam-se à proteção da vida, sem a qual não há falar em quaisquer outros direitos.

Relativamente à prescrição, há respeitável parte da doutrina que defende a aplicação do inciso XXIX do artigo 7º da CRFB a todos os trabalhadores, subordinados ou não, pois a sua redação refere-se expressamente aos créditos resultantes das relações de trabalho, sem ressalvas. Para justificar esse posicionamento, aduzem que a prescrição é instituto que fulmina a pretensão e não o direito material, de modo que a partir do deslocamento da lide para a Justiça do Trabalho a pretensão deduzida em juízo terá natureza trabalhista e, portanto, deverá observar o prazo qüinqüenal.

Todavia, em que pese dirigir-se a prescrição à pretensão deduzida em juízo, ela é instituto de direito material, devendo-se aplicar às relações de trabalho previstas no Código Civil, desde que a obrigação seja diferida no tempo, excluídas as de emprego, os prazos prescricionais estabelecidos nos artigos 205 e 206 do CC, ou aqueles insertos na legislação específica do trabalhador. Ao representante comercial, por exemplo, aplica-se o prazo de 5 anos, constante o parágrafo único artigo 44 da Lei 4.886/65.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Convém lembrar que a ampliação da competência da Justiça do Trabalho decorre do fato de não mais se exigir lei ordinária, antes necessária, para que uma relação de trabalho seja por ela processada e julgada. A nova competência, portanto, não mais se limita à imprescindível presença dos sujeitos da relação jurídica (trabalhador-empregado e empregador), pois é fixada a partir do conteúdo dessa relação, que é o trabalho.

De outra parte, é correto afirmar que o direito do trabalho, construído com o fim de disciplinar a paradigmática relação de emprego, nascida na revolução industrial, não mais atende às demandas emergentes dos conflitos originários das novas relações de trabalho (trabalhador cooperado, associado, parassubordinado, teletrabalho etc.).

A relação de trabalho a que se refere o inciso I do artigo 114 da CRFB exige a figura da pessoa natural como prestador de serviços e que o tomador dos serviços não seja destinatário final (consumidor). Para adotar uma dentre as inúmeras correntes interpretativas do referido inciso I, deve-se ter em mente que o signo "trabalho" pressupõe sua inserção no processo de geração de riquezas, em uma perspectiva capitalista do modo de produção. Exige, ainda, uma relação jurídica dilatada no tempo, não se exaurindo em um só momento.

Particularmente, inclino-me a adotar um entendimento mesclado de duas correntes, conforme antecipei no parágrafo anterior: a) a que separa relação de trabalho de relação de consumo. Afinal, não basta a existência de um contrato de atividade – que consiste na utilização da energia humana e pessoal de um dos contratantes em proveito do outro – para caracterizar relação de trabalho. É preciso, ainda, que o destinatário dos serviços não seja o destinatário final (consumidor) que, a propósito, absorve o trabalho alheio para satisfação pessoal, não visando fins lucrativos e/ou negociais, pois não se apropria da força de trabalho alheia para incrementar a cadeia produtiva; b) a que não prescinde da existência de relação de trabalho visualizada sob uma perspectiva de trabalho repetitivo, periódico, ou melhor, que o cumprimento de uma obrigação se faça de modo periódico, dilatada ou diferida no tempo, e não instantânea.

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Com o advento da EC 45 a Justiça do Trabalho é competente para processar e julgar, por exemplo, ação proposta por um representante comercial em que se pleiteia vínculo de emprego e, sucessivamente, a aplicação do direito material inserto na Lei 4.886/65, na eventualidade de o juiz não vislumbrar os requisitos caracterizadores da relação de emprego. O mesmo ocorrerá nas hipóteses dos contratos previstos no Código Civil, a exemplo do contrato de prestação de serviços (que exige aviso prévio de 8 ou 4 dias, conforme parágrafo único do art. 599 do CC), de transporte, de agência e distribuição, corretagem etc., desde que, vale a advertência, o caráter obrigacional seja de trato sucessivo, diferido no tempo, não se esgotando em um único momento (ex.: corretor autônomo de imóveis contratado por pessoa natural para agilizar a venda de um imóvel de propriedade particular; ou contrato de transporte visando transportar a mudança em veículo de um local para outro etc.).

Importa consignar que a incompetência da Justiça do Trabalho para processar e julgar ações decorrentes de relação de consumo não se ampara no simples fato de a relação submeter-se ao CDC. Primeiro porque se deve observar o exposto até o momento quanto ao sentido e alcance da expressão "relação de trabalho". Segundo porque o CDC nada estabelece acerca de competência. Terceiro porque o juiz do trabalho, para julgar ações civis públicas e coletivas, por exemplo, utiliza-se de conceitos e institutos deste Código (arts. 81 e ss., 103 e ss.). A propósito, os artigos 8º e 769 da CLT autorizam a aplicação subsidiária da legislação comum (CC, CDC, P. Civil e legislação esparsa, a exemplo das Leis 1.533/51 e 9.507/97 – Mandado de Segurança e habeas data – etc.), exceto quando incompatível com os princípios e normas inerentes ao direito e processo do trabalho.

Um meio eficaz que permite a identificação, em caso de dúvida, tratar-se a relação de trabalho ou de consumo, é utilizar a lógica do inverso, à qual o ator jurídico que atua na Justiça do Trabalho está habituado. Assim, na hipótese de uma relação jurídica não atender todos os requisitos necessários para configurar uma relação de emprego (pessoalidade, não-eventualidade, onerosidade, alteridade e subordinação jurídica), porque ausente essa última, certamente a relação será de trabalho.

A nova competência exigirá de todos nós advogados, professores, estudantes e magistrados uma releitura do direito do trabalho à luz de um estudo interdisciplinar. De outra parte, é premente a necessidade de investimento na Justiça do Trabalho, porque carente de recursos humanos e tecnológicos, sob pena de penalizar o trabalhador que tem na venda de sua força de trabalho o único meio de subsistência de vida, que poderá padecer à espera de uma solução para sua demanda.

Sobre o autor
Augusto Cesar Ramos

advogado, especialista em Direito e Processo do Trabalho pelo CESUSC

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RAMOS, Augusto Cesar. A Emenda Constitucional n° 45 e a nova competência da Justiça do Trabalho.: Relação de trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 935, 24 jan. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7841. Acesso em: 22 dez. 2024.

Mais informações

Artigo publicado na Revista Bonijuris, edição de novembro de 2005.

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