2. RESPONSABILIDADE PENAL DO PSICOPATA
Após a compreensão do contexto já abordado se faz necessário um aprofundamento dos tipos de responsabilização penal que existem em nosso ordenamento jurídico, na seara do Direito Penal, isso tudo para melhor visualização e entendimento do tema analisado.
Assim, inicia-se, a partir dessa narrativa, a análise da psicopatia à luz dos conceitos da culpabilidade, imputabilidade, inimputabilidade e semi-imputabilidade.
Para que isso seja feito de maneira satisfatória, será feita uma reflexão sobre cada um desses elementos de forma individualizada, possibilitando a verificação do melhor item para enquadramento do indivíduo psicopata.
2.1 Considerações sobre culpabilidade
Na atualidade, o conceito de culpabilidade apresenta conexão direta com os elementos caracterizadores da imputabilidade, assim como a consciência da ilicitude e a exigibilidade de conduta diferente da praticada.
Nesse sentido, é possível compreender das lições de Nucci (2011, p. 300) que:
Trata-se de um juízo de reprovação social, incidente sobre o fato e seu autor, devendo o agente ser Imputável, atuar com consciência potencial de ilicitude, bem como ter a possibilidade e a exigibilidade de atuar de outro modo, seguindo as regras impostas pelo Direito (teoria normativa pura, proveniente do finalismo).
Dessa forma, o que se tem é que a culpabilidade surge da possibilidade de penalizar o indivíduo causador do ilícito penal, sendo que este deve ser considerado imputável, pois está mentalmente consciente do mal causado e, paralelamente, tem completa consciência de que poderia agir de forma diferente, caso fosse possível.
2.2 Considerações sobre imputabilidade
Apesar de ser inerente ao âmbito jurídico, a inimputabilidade está associada às áreas relacionadas à saúde mental e à regularidade psíquica, sendo necessária, portanto, uma análise interdisciplinar. Esse termo, surge do binômio da sanidade mental e maturidade, isto é, denota a condição daquele que tem a capacidade de realizar uma ação com completo discernimento, sendo capaz de bem direcionar seus atos.
Assim, Damásio de Jesus (2000, p. 65) é assertivo ao trabalhar em sua obra o conceito de imputabilidade:
Imputar é atribuir a alguém a responsabilidade de alguma coisa. Imputabilidade penal é o conjunto de condições pessoais que dão ao agente capacidade para lhe ser juridicamente imputada a pratica de um fato punível, e ainda, Imputável é o sujeito mentalmente são e desenvolvido que possui capacidade de saber que sua conduta contraria os mandamentos da ordem jurídica.
Nesse sentido, ressalvado aqueles, os quais, a legislação brasileira determina o contrário, serão responsabilizados por atos e condutas praticadas socialmente, os indivíduos que em razão de ato contrário à lei, cometam algum tipo de ilícito penal, devendo, por isso, receber a adequada punição. Sendo necessário, portanto, que se constate a capacidade mental e as condições de controle do agente.
2.3 Considerações sobre inimputabilidade
Considerando a análise conceitual da imputabilidade apresentada no tópico anterior, caracteriza-se de forma quase que antônima a inimputabilidade, visto que este conceito aparece concretamente quando há ausência de faculdade mental do agente. Instituto normatizado no art. 26, do Código Penal Brasileiro, conforme abaixo:
Art. 26 - É isento de pena o agente que, por doença mental, ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento[1].
Cumpre informar que existem certas condições psicológicas, de que são exemplos algumas neuroses, como os transtornos obsessivo-compulsivos (TOC), nos quais o sujeito, mesmo sabendo o valor de seu comportamento, não possui a capacidade de se autodeterminar ou de se governar a fim de que possa impedir seu próprio impulso, por isso, é considerado, para o direito penal, um doente mental, de modo a ser rotulado de completamente incapaz. Segundo Nucci (2014, p. 89), essa falta de capacidade acontece por causa da doença mental ou mesmo do desenvolvimento mental incompleto.
Ressalte-se que, conforme ressalva Trindade (2012, p. 45), são consideradas doenças mentais as psicoses, os estados de alienação mental por descontrole de personalidade, a evolução equivocada de seus componentes e outros. Já o desenvolvimento mental incompleto é aquele que não fora finalizado, enquadrando neste conceito, além dos menores de idade, os índios que não estejam adaptados.
Nessas situações, a psicopatologia forense deve verificar se a anormalidade causa a incapacidade. Ainda assim, é inevitável o exame médico psiquiátrico, pois é ele que proporcionará um laudo especializado, indicando exatamente o estado de doença mental a fim de comprovar a real gravidade dos indivíduos, sendo que poderá ser realizado tanto na fase do inquérito policial quanto no decorrer do processo penal, mediante instauração de incidente de insanidade mental do réu.
Ademais, existem três principais critérios para se verificar a inimputabilidade, considerando desde já que o nosso Código Penal Brasileiro utiliza o critério Biopsicológico, segundo explica Nucci (2014, p. 105).
Esses critérios são:
- Biológico: que analisa exclusivamente a saúde mental do autor do delito;
- Psicológico: que considera a capacidade que o autor do crime possui para compreender o caráter ilícito do fato ou mesmo de se comportar conforme essa compreensão; e
- Biopsicológico: neste critério o que se destaca é a união dos dois critérios citados acima.
Após a análise e uma vez compreendido que o agente é, de fato, inimputável, sua absolvição é necessária, aplicando-se, no entanto, medida de segurança como forma de repreensão do ilícito praticado.
2.4 Considerações sobre a semi-imputabilidade
Na análise dos termos que vigiam a sanidade mental dos praticantes de delitos, existe uma situação muito particular que se situa justamente entre a imputabilidade e a inimputabilidade. Nesses casos, a correta averiguação pode impactar decisivamente na capacidade de compreensão e autogoverno do agente.
A respeito desses indivíduos, muito bem pontua Penteado Filho (2012, p. 118) ao descrever que:
Aqui se situam os denominados fronteiriços (limítrofes), os quais apresentam situações atenuadas ou residuais de psicoses, de oligofrenias ou ainda quadro de psicopatia. Tais estados ou situações afetam a higidez mental do indivíduo, sem, contudo, privá-lo completamente dela.
Em casos como esses, a causa redutora é fundamental. Na prática o magistrado fixará a pena privativa de liberdade para só depois substituir por internação ou mesmo tratamento ambulatorial.
Ainda nesse sentido, vale informar que, conforme entendimento de Delmanto (2010, p. 45), a culpabilidade não se extingue, haja vista ter natureza condenatória, sendo assim, o que muda é a possibilidade do juiz, ao analisar o caso específico e diante das provas colacionadas nos autos, poderá aplicar a medida de segurança ou a pena reduzida, o que julgar mais adequado.
Nessa esteira, Superior Tribunal de Justiça já se posicionou para afirmar que:
Em sede de inimputabilidade (ou semi-imputabilidade), vigora entre nós, o critério biopsicológico normativo. Dessa maneira, não basta simplesmente que o agente padeça de alguma enfermidade mental, faz-se mister, ainda, que exista prova (v.g. perícia) de que este transtorno realmente afetou a capacidade de compreensão do caráter ilícito do fato (requisito intelectual) ou de determinação segundo esse conhecimento (requisito volitivo) à época do fato, i.e., no momento da ação criminosa; (HC 33.401-RJ, 5ª T., rel. Felix Fischer, 28.09.2004, v.c., DJ 03.11.2004, p. 212)[2].
Dessa forma, diante da jurisprudência supracitada, é conveniente abordar, a seguir, o importante papel da perícia médica para que seja feita a comprovação da condição mental do acusado de forma assertiva, visto que, somente dessa forma o magistrado será capaz de prolatar sentença e aplicar a sanção mais justa.
3. A IMPORTÂNCIA DA PERÍCIA MÉDICA PSIQUIÁTRICA
Considerando o critério utilizado pela Legislação Penal Brasileira, a perícia médica psiquiátrica, em casos específicos, é fundamental para obtenção de resultado concreto da doença mental ou mesmo do desenvolvimento incompleto, consoante o caráter biopsicológico.
Desse modo, o magistrado poderá acolher o laudo psiquiátrico no decorrer da instrução processual e integralizá-lo às provas. Porém, é importante ressaltar que o juízo não fica restrito a este parecer, devendo levar em consideração o que está disciplinado no art. 182 do Código de Processo Penal, ou seja, “O juiz não ficará adstrito ao laudo, podendo aceitá-lo ou rejeitá-lo, no todo ou em parte”.
Sendo assim, o juiz poderá determinar que seja realizada nova perícia médica psiquiátrica caso não sinta segurança com a apresentada nos autos. Se for esse o caso, o ideal é que o novo parecer seja elaborado pelo médico psiquiátrico já designado para tanto. Apesar disso, o magistrado não pode ignorar ou desconsiderar a prova pericial que confirma a inimputabilidade dos réus, baseado em suas impressões pessoais, devendo, portanto, respeitar o laudo apresentado pelo especialista.
3.1 Abordagem legal sobre o tema
A lei brasileira não expressa em seus termos matéria específica que determine a pena a ser cumprida pelo indivíduo psicopata ou qual a forma de condenação a ser fixada para ele. Assim, a legislação penal apenas pincela o assunto em alguns dispositivos instituídos em seus textos, a exemplo do artigo 26 do Código Penal.
Apesar disso, a aplicação deste dispositivo legal ao psicopata se torna praticamente impossível, visto que, como já dito, se faz necessária perícia médica psiquiátrica a fim de que seja possível elaborar um diagnóstico correto, evitando, portanto, que o sujeito cumpra sua pena como “um qualquer”, e consequentemente agrave seu transtorno, já que não foi tratado adequadamente por profissionais especializados, conforme disciplina Greco (2009, p. 85).
Nesse sentido, os entendimentos majoritários dos juristas brasileiros, normalmente acompanhados pelas jurisprudências de muitos Tribunais brasileiros, têm sido convergentes, à tese de que os psicopatas deveriam ser responsabilizados penalmente na qualidade de semi-imputáveis, já que a psicopatia se aproxima de uma espécie de perturbação da saúde mental.
Normalmente, na inimputabilidade penal, o agente é absolvido e encaminhado ao cumprimento de medida de segurança, já na semi-imputabilidade há sentença condenatória, porém com a obrigatoriedade de redução da pena.
Nesse raciocínio, Trindade (2012, p. 79) assevera que:
Em que pese a existência de posicionamento jurisprudêncial referindo a posição de que os psicopatas apresentam capacidade penal diminuída, imaginar a psicopatia como uma doença mental clássica e incapacitante sob o aspecto cognitivo e volitivo, fazendo com que, sob o aspecto jurídico, o psicopata seja isento de pena, é o mesmo que privilegiar a sua conduta delitiva perpetrada ao longo da vida e validar seus atos.
Sendo assim, revela-se algo de difícil solução, visto que o questionamento se faz essencial quanto ao que deve ser feito para que ocorra a efetiva ressocialização desses indivíduos.
Teoricamente, não existe nada a ser feito, visto que, como aduzido, não existe no Brasil uma concepção jurídica única que se verse sobre a psicopatia. Isso significa que não existe matéria individualizada nos Códigos Brasileiros para que haja a punição correta e a ressocialização desses agentes.
Na atualidade, a única opção legal é a velha norma editada por Getúlio Vargas, qual seja o Decreto nº 24.559/34, que regulamenta precariamente a situação do psicopata. Neste decreto, é observada a atenção que deve ser dada a estes sujeitos, devendo ser facilitado um elo entre sistema judiciário e a psiquiatria.
Diante das observações tecidas, é necessária uma adaptação da legislação, para que a pena aplicada ao psicopata não se limite a pena máxima em abstrato imposta ao crime ocorrido, de forma que esta pena perdure enquanto se achar necessário, ou seja, enquanto o agente demonstrar periculosidade ao convívio social, para isso deve haver o acompanhamento contínuo de uma equipe especializada, para que se minimizem as agressões e impulsividades do agente.