1. Introdução
Ao contrário de outros ramos, o Direito Administrativo Brasileiro não é codificado. Neste contexto, os princípios administrativos ganham especial relevância, porque assumem as funções unificadoras e sistematizadoras, servindo como fonte interpretativa que dá forma a todo o sistema, ou seja, todos os institutos do Direito Administrativo são informados pelos seus respectivos princípios.
De acordo com Paulo Bonavides (2001, p. 265) os princípios formam “a congruência, o equilíbrio e a essencialidade de um sistema jurídico legítimo. Postos no ápice da pirâmide normativa, elevam-se, portanto, ao grau de norma das normas, de fonte das fontes”.
Por sua vez, Diogenes Gasparini (2004, p. 6) aponta os princípios como "um conjunto de proposições que alicerçam ou embasam um sistema e lhe garantem a validade".
Sendo assim, podemos dizer que toda Administração Pública têm a validade dos seus atos inspirados e abalizados nos princípios norteadores da matéria.
Segundo José Afonso da Silva (1999, p. 646) os princípios da Administração Pública se destinam, de um lado, “a orientar a ação do administrador na prática dos atos administrativos, e, de outro lado, a garantir a boa administração, que se consubstancia na correta gestão dos negócios públicos e no manejo dos recursos públicos”.
Complementando, José Cretella Júnior (2000, p. 39) salienta que por meio dos seus princípios o direito administrativo pôde "estruturar os próprios institutos e traçar-lhes os respectivos regimes jurídicos, o que lhe garante, ao lado de outros elementos, a indiscutível autonomia, como ramo da ciência jurídica".
A doutrina, de um modo em geral, não é unânime quanto à nomenclatura ou importância, tendo, cada autor, um enfoque peculiar, dando ou não mais relevância e destaque a este ou aquele princípio, ou até mesmo suprimindo, conforme o caso. É de se acrescentar, ainda, que alguns princípios são mais abrangentes, como, por exemplo, os princípios da impessoalidade e da moralidade, ao passo que outros são setorizados, como os princípios da licitação e da responsabilidade do Estado.
Entendo que, do próprio regime jurídico-administrativo surgem princípios centrais, verdadeiras vigas mestres, das quais derivam todas as normas e demais princípios. Além disso, a Carta Magna de 1988 considerou alguns princípios de forma expressa no caput do seu artigo 37, o que os eleva a condição de diretrizes fundamentais mínimas, e, não afasta a existência de outros princípios de igual relevância, extraídos do próprio texto constitucional e da legislação infraconstitucional, bem como àqueles oriundos da nossa doutrina.
Por isso, adotarei no presente trabalho a classificação de supraprincípios, para esses princípios ditos centrais; princípios constitucionais, com a singela diferenciação entre aqueles que estão expressos no capítulo que trata da Administração Pública e os que estão espalhados pelo restante do texto constitucional, e, por último, trataremos dos princípios infraconstitucionais e construções doutrinárias.
2. Diferença entre princípios e regras
A distinção entre princípios e regras mostra-se importante ferramenta na busca pela resolução de problemas que surgem na aplicação do Direito Administrativo e dos Direitos Fundamentais como um todo.
Em linhas gerais, podemos dizer que os princípios possuem um campo normativo mais abstrato, com finalidades a serem alcançadas, ao passo que as regras traçam comandos determinados, ou seja, possuem um campo de atuação menos abstrato (ALEXANDRE, 2015).
Assim, alinhando-se a doutrina moderna, podemos reconhecer de um lado a normatividade dos princípios e de outro a relevância das regras para regularem situações determinadas.
Destarte, todos os princípios são dotados de abstração e devem ser vistos como comandos normativos genéricos. Essa característica dos princípios é que nos leva a ponderação no momento de aplicação diante de eventual tensão, de modo que, havendo choque entre princípios deve se avaliar qual deles vai preponderar naquela situação específica sem que isso signifique a nulidade do princípio afastado.
Assim, não existem princípios absolutos, o juízo de ponderação faz todos os princípios coexistirem de maneira não hierarquizada, sem se invalidarem diante da aplicação deste ou daquele, de modo que aquele comando afastado continua a desfrutar de sua força normativa podendo prevalecer noutra situação.
Em outras palavras, um princípio gera um rol de alternativas e não uma solução única, competindo ao Administrador escolher, por ocasião de sua aplicação, dentre diversas opções. Sua aplicação advém de um processo de ponderação que é inerente à sua natureza genérica e abstrata, sem significar invalidade (JUSTEN FILHO, 2016).
Por outro lado, as regras se caracterizam pela sua concretude, ou seja, trata-se de mandamentos que contém determinações exatas sobre o plano fático e jurídico. As regras não permitem a ponderação, isto é, o conflito entre elas é dirimido no plano da validade, através da aplicação dos seguintes critérios: a) hierárquico, onde regra superior hierarquicamente prevalece sobre regra inferior; b) cronológico, onde regra posterior prevalece sobre regra anterior; e, c) da especificidade, onde regra especial prevalece sobre regra geral.
Assim, se uma determinada regra é aplicada ao caso concreto deve se fazer exatamente o que ela determina, atribuindo-se a outra o caráter de nulidade, impingindo pela lógica chamada pela doutrina como do “tudo-ou-nada”.
3. Importância dos princípios
Nosso Ordenamento Jurídico confere especial relevância aos chamados princípios gerais do direito.
A Carta Magna de 1988 prevê no §2º do artigo 5º, que decorrem direitos do regime e dos princípios por ela adotados.
Por sua vez, a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), prevê em seu artigo 4º, que a existência de lacuna na lei permite ao juiz decidir conforme uma ordem escalonada de preferência que traz a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito.
Mais recentemente, a Lei nº 13.655/18, incluiu dispositivos na mesma Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), e estabeleceu em seu artigo 20, que, nas esferas administrativas, controladora e judicial, caberá ao julgador utilizar valores jurídicos abstratos (princípios), conquanto considere as consequências jurídicas práticas da decisão.
Destarte, a despeito das disposições expressas citadas acima, a importância dos princípios é ainda maior num ramo considerado recente e não codificado como o Direito Administrativo, traduzindo-se em verdadeiro alicerce deste.
Ou seja, no caso da Administração Pública podemos dizer que toda estruturação é delineada por seus princípios, que, nesse caso, possuem função normativa de maior relevância se comparado aos ramos do direito privado (JUSTEN FILHO, 2016).
Complementando, Odete Medauar (2018, p.115) acrescenta que no Direito Administrativo, os princípios "revestem-se de grande importância. Por ser um direito de elaboração recente e não codificado, os princípios auxiliam a compreensão e consolidação de seus institutos".
Neste contexto, a ofensa de um princípio, dito estruturante do próprio sistema, fere todo um conjunto de comandos e não uma regra obrigatória específica (MARINELA, 2010). Deste modo, essa violação se traduz na mais grave ilegalidade por que macula os valores fundamentais de determinado ramo do direito.
Até por isso, outrora vistos como simples indicadores de finalidades a serem almejadas, os princípios gozam, atualmente, de força coercitiva, não se tratando mais de meras recomendações.
Da força coercitiva dos princípios decorre a estrita vinculação das pessoas físicas e jurídicas (públicas e privadas). Ou seja, antes os princípios eram tidos como ideais sem qualquer função normativa. Hoje, exercem função interpretativa, orientando e fundamentando soluções jurídicas, por vezes, excepcionando regras, e supletiva, integrando o sistema e suprindo eventuais lacunas (SOUZA, 2019).
Impõe ressalvar, que não estamos postulando pela aplicação indistinta e irresponsável de princípios para solucionar conflitos. Isso por que, seu conteúdo abstrato poderia justificar a invocação como pano de fundo de um único princípio, por exemplo, supremacia do interesse público, implicando numa decisão arbitrária, defeituosa e dotada de subjetivismos. Toda decisão deve aplicar a maior extensão possível de princípios e estar voltada a examinar a situação do mundo real.
Superada a etapa introdutória, passo a discorrer sobre a classificação proposta anteriormente.
4. Supraprincípios
São princípios centrais, dos quais derivam todos os demais princípios e normas do sistema administrativo.
Apesar disso, não são encontráveis no Direito Positivo, ao contrário, por exemplo, daqueles presentes no caput do artigo 37 da Constituição Federal ou daqueles previstos no artigo 2º da Lei nº 9.784/99, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal.
Sua dualidade remonta a permanente oposição entre os poderes conferidos à Administração Pública e os direitos dos administrados (MAZZA, 2012).
Apesar da nomenclatura, reforça-se aqui a inexistência de princípios absolutos, ou seja, os supraprincípios coexistem de maneira não hierarquizada com os demais princípios da matéria.
4.1 Princípio da supremacia do interesse público
Trata-se de princípio implícito da atual ordem jurídica que prescreve privilégios e um grau de importância maior dos interesses coletivos em detrimento dos interesses particulares.
Convém pontuar que a supremacia está presente apenas no que chamamos de interesse público primário, ou seja, o interesse patrimonial do Estado, por exemplo, não goza de supremacia e nem prevalece diante do interesse particular.
Noutras palavras, esse princípio confere a Administração Pública uma posição privilegiada em face dos administrados, além de prerrogativas e obrigações que não são extensíveis aos particulares.
Neste contexto, o individuo é visto como membro de uma sociedade, não podendo seu direito prevalecer em detrimento dos interesses da coletividade. A aplicação deste princípio aparece em situações como na desapropriação, onde o bem particular se transforma compulsoriamente em propriedade pública e na requisição de bens, que é uma faculdade que confere a Administração a possibilidade de usar bem particular em situações de eminente perigo.
A aplicação deste princípio também se mostra presente em alguns privilégios conferidos à Administração, como, por exemplo, na convocação de particulares para a execução compulsória de atividades públicas, na impenhorabilidade e imprescritibilidade de bens públicos e na possibilidade de rescisão unilateral dos contratos administrativos.
Como visto, na existência deste princípio repousa faceta da dualidade presente na sempre existente oposição entre os poderes conferidos à Administração Pública e os direitos dos administrados. Neste sentido, a despeito daqueles que dizem tratar-se de preceito ultrapassado em face da primazia dos interesses privados com suporte nos direitos fundamentais, entendo que se trata de insuperável princípio, regulador da harmonia entre Estado e indivíduo.
Sobre o assunto, pontua o mestre Carvalho Filho (2017, p. 35) “a desconstrução do princípio espelha uma visão distorcida e coloca em risco a própria democracia”, tratando-se de princípio indissociável do direito público e da ordem constitucional.
4.2 Princípio da indisponibilidade do interesse público
Este supraprincípio, que juntamente com a ideia da supremacia, forma a dualidade permanente e central administrativa, enuncia que os interesses públicos não pertencem à Administração e nem aos seus agentes, aos quais toca apenas e tão somente a função de gestão em prol da coletividade.
Noutras palavras, o administrador não pode dispor livremente dos bens e interesses públicos, cabendo a eles protegê-los de acordo com a finalidade legal a que estão adstritos (CUNHA JÚNIOR, 2009).
No mesmo sentido, Fernanda Marinela (2010, p. 28) adverte que não há, por parte do administrador, autonomia, nem liberdade irrestrita, mas sim "submissão da vontade pré-traçada na Constituição Federal ou na lei, além do dever de bem curar o interesse alheio: o interesse público".
Assim, a Administração deve atuar, não segundo sua própria vontade, nem de seus agentes, mas do modo prescrito na legislação, por que atua em nome de terceiros.
É decorrência deste princípio, por exemplo, a imposição de licitação, a fim de obter a proposta mais vantajosa, bem como a vedação para que os agentes renunciem aos poderes legalmente conferidos ou ainda que transacionem em juízo.
Convém pontuar duas exceções que criaram certa relativização deste princípio, possibilitando a utilização de mecanismos privados para resolução de conflitos: 1) nos Juizados Especiais Federais a Fazenda Pública pode conciliar e transigir sobre os interesses ali discutidos, e; 2) nas concessões de serviço público e nas parcerias público-privadas passou a ser permitido o uso da arbitragem.
Neste contexto, temos que a indisponibilidade do interesse público imposta à Administração traz certa cautela necessária em prol da coletividade. De outra banda, as situações de relativização, reforçam a ideia de inexistência de princípio instransponível, tratando-se, da mesma forma que a supremacia, de noção relativa que admite juízo ponderação.
5. Princípios constitucionais
Como dito, a Carta Magna de 1988 considerou alguns princípios de forma expressa no capítulo reservado à Administração Pública.
Nesse sentido, a constituição vigente inovou ao explicitar princípios básicos a serem observados por todas as pessoas administrativas de qualquer dos entes federativos.
Entretanto, o rol de princípios administrativos extraídos da constituição não se esgota no artigo 37, caput, havendo outros princípios, de igual relevância, no restante do texto constitucional.
A estruturação do direito administrativo é produzida pela Constituição que lhe fornece verdadeira identidade. Os princípios nela consagrados formam as diretivas do sistema normativo, como se fosse uma espécie de código genético (JUSTEN FILHO, 2016).
Destarte, Celso Antônio Bandeira de Mello (2008, p. 95) acrescenta que outros princípios mereciam igual previsão constitucional: uns por decorrência lógica e outros "por serem implicações evidentes do próprio Estado de Direito e, pois, do sistema constitucional como um todo".
Para efeitos didáticos, faremos a singela diferenciação entre aqueles que estão expressos no capítulo que trata da Administração Pública e os que estão espalhados pelo restante do texto constitucional,
5.1 Princípios expressos
Também conhecidos como princípios básicos ou mínimos, tratavam-se, inicialmente, de apenas quatro, até a emenda constitucional nº 19/98 que incluiu um quinto princípio, a eficiência.
São diretrizes fundamentais e de observância obrigatória, que moldam toda a atuação da Administração Pública, de modo que uma conduta só será considerada válida se compatível com eles.
Segundo Uadi Lammêgo Bulos (2011, p. 991), os princípios expressos no art. 37, caput, “funcionam como parâmetros de comportamento para os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário balizarem, administrativamente, seus respectivos atos”.
5.1.1 Princípio da legalidade
Trata-se de princípio inerente ao Estado de Direito, ou seja, prescreve submissão absoluta do Estado ao império da ordem jurídica. Assim, toda atuação da Administração Pública deve ser subordinada à vontade popular, que toma forma através das leis.
Segundo José Afonso da Silva (1999, p. 421), deriva deste princípio a assertiva “de que o Estado, ou o Poder Público, ou os administradores não podem exigir qualquer ação, nem impor qualquer abstenção, nem mandar tampouco proibir nada aos administrados, senão em virtude de lei”.
Destarte, em complemento à assertiva acima, Celso Antônio Bandeira de Mello (2008, p. 101) esclarece que todos, do Presidente da República até o mais modesto dos servidores, devem ser "dóceis, reverentes, obsequiosos cumpridores das disposições gerais fixadas pelo Poder Legislativo, pois esta é a posição que lhes compete no Direito Brasileiro".
Suas origens remontam ao brocardo de que o Estado deve respeitar as próprias leis que edita, ao passo que havendo dissonância entre a conduta da administração e a lei, deverá aquela ser corrigida para eliminar-se a ilicitude (CARVALHO FILHO, 2017).
Dispõe o oposto da ideia então reinante nas relações privadas. Assim, se por um lado, tudo aquilo que não contraria a lei é permitido, noutro, temos a ideia de um agir subserviente aos ditames da lei.
Parte da doutrina traça duas diretrizes ou dimensões derivadas do princípio da legalidade. A primeira destaca uma primazia da lei, de modo que os atos administrativos não podem contrariá-la. A segunda, por sua vez, nos dá a ideia de reserva legal e estabelece que os atos administrativos só devem ser praticados mediante autorização da lei. Ou seja, ao administrador não basta apenas agir de modo a não contrariar a lei, mas sim atuar conforme a lei lhe permite, observando seus limites.
Convém acrescentar que a Lei nº 9.784/99, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, define a legalidade como dever de atuação conforme a lei e o direito. Assim, a Administração Pública deve respeitar além das leis em sentido estrito (leis ordinárias e lei complementares), o que a doutrina convencionou chamar de bloco de legalidade, que nada mais é senão o conjunto de regras vinculantes compostas por outros veículos normativos diversos (constituição federal e suas emendas; constituição estadual, leis orgânicas e suas respectivas emendas; medidas provisórias; tratados e convenções internacionais; regulamentos, decretos e regimentos internos; costumes e princípios gerais do direito).
Nesse sentido, Odete Medauar (2018, p. 117) complementa que não só as leis votadas pelo Legislativo direcionam as atividades da Administração, mas também os preceitos fundamentais que norteiam todo o ordenamento. Logo, o alcance “desse princípio deve abranger a observância da lei formal, votada pelo Legislativo, e também dos preceitos decorrentes de um Estado Democrático de Direito”. Referido posicionamento vai de encontro com a ideia de bloco de legalidade, formado não só pelas leis votadas pelo Legislativo, mas também pelos costumes e princípios gerais do direito.
Por último, convém destacar três excepcionalidades provisórias mencionadas na Constituição Federal para situações de anormalidade: hipóteses permissivas de medidas provisórias (provimentos normativos editados pelo Presidente da República em caso de urgência e relevância); Estado de Defesa e Estado de Sítio (verdadeiros Estados de Exceção onde se instaura um regime constitucional extraordinário, com a suspensão até de alguns direitos e garantias fundamentais).
5.1.2 Princípio da impessoalidade
A função administrativa reclama um dever de imparcialidade, sem discriminações e privilégios. Trata-se, nesse ponto, de faceta do princípio da isonomia.
Impõe um atuar distante de subjetividades, sem considerar inclinações e interesses pessoais, próprios ou de terceiros. Ou seja, é o agir de forma impessoal, sem favoritismo ou simpatia, perseguição ou animosidades, numa atuação sem quaisquer distinções.
Segundo Odete Medauar (2018, p. 119), com a aplicação da impessoalidade busca-se “que predomine o sentido de função, isto é, a ideia de que os poderes atribuídos se finalizam ao interesse de toda coletividade, portanto a resultados desconectados de razões pessoais”.
Por sua vez, Uadi Lammêgo Bulos (2011, p. 993), expõe que o significado da impessoalidade é “banir favoritismos, extravios de conduta, perseguições governamentais, execrando a vetusta hipótese da ilegalidade e do abuso de poder”.
Destarte, em complemento, Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco (2017, p. 896), acrescentam que o princípio da impessoalidade manifesta-se como “expressão de não protecionismo e de não perseguição, realizando, no âmbito da Administração Pública, o princípio da igualdade, previsto na Constituição Federal em seu art. 5º, caput”.
Inúmeros institutos do Direito Administrativo revelam uma especial preocupação com a impessoalidade, como por exemplo: pagamentos por precatório; regras sobre impedimento e suspeição válidas para o processo administrativo; licitação e concurso público.
Além desses exemplos citados, temos as proibições para a prática do nepotismo e todos os desdobramentos que levaram a edição da súmula vinculante nº 13, que, em suma, afasta as nomeações oriundas de facilidades adquiridas em razão do parentesco, como decorrência da impessoalidade e da moralidade administrativa, discutida logo abaixo.
Destarte, convém pontuar que a atuação impessoal da Administração Pública funciona como um caminho de mão dupla, posto que de um lado, o administrado deve receber tratamento sem discriminações ou preferências, e, de outro, descabe ao agente público imprimir pessoalidade aos seus atos, que devem ser sempre imputados ao órgão ou entidade em nome dos quais atua.
Neste contexto, José Afonso da Silva (1999, p. 647) lembra que o servidor “é um mero agente da Administração Pública, de sorte que não é ele o autor institucional do ato. Ele é apenas o órgão que formalmente manifesta a vontade estatal”. É esse entendimento que fundamenta a matéria de exercício de fato, quando se confere validade a atos praticados por agente investido irregularmente no cargo ou função, sob a justificativa de que os atos pertencem, na verdade, ao órgão ou entidade.
Por último, convém destacar que a importância deste princípio transcende a menção expressa constante do caput do artigo 37, da Constituição Federal, mas encontra-se implícita no artigo 2º, parágrafo único, inciso III, da Lei nº 9.784/99, segundo o qual nos processos administrativos serão observados critérios de “objetividade no atendimento do interesse público, vedada a promoção pessoal de agentes e autoridades”, e, ainda, na própria constituição, que no §1º, do seu artigo 37, traz disciplina sobre a publicidade na Administração Pública e afasta a licitude de qualquer forma de promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos por meio de nomes, símbolos ou imagens.
No que se refere ao §1º, do artigo 37, da Constituição Federal, vale apenas uma ressalva, a expressão “publicidade” contida no dispositivo nada tem a ver com o princípio da publicidade e a importância de divulgação oficial dos atos administrativos. Na verdade, a publicidade aqui deve ser vista no contexto de “propaganda” com objetivo de autopromoção.
5.1.3 Princípio da moralidade
Pelo princípio da moralidade administrativa, ao administrador se impõe o dever de observar padrões éticos, de razoabilidade, de respeito ao próximo, de justiça, e, sobretudo, de honestidade, na gestão da coisa pública.
Segundo o Supremo Tribunal Federal, o princípio da moralidade trata-se de “[...] postulado fundamental, que rege a atuação do poder público, confere substância e dá expressão a uma pauta de valores éticos sobre os quais se funda a ordem positiva do Estado. (ADI 2.661 MC, rel. min. Celso de Mello, j. 5-6-2002, P, DJ de 23-8-2002.)”
Neste contexto, a moralidade administrativa deve ser vista como qualidade que não se presume. Deve ser provada e comprovada por aqueles que se encontram na vida pública ou resolvem nela ingressar (BULOS, 2011). Desta máxima, advém o paralelo entre a moralidade e o provérbio romano, cujo texto é geralmente o seguinte: "à mulher de César não basta ser honesta, deve parecer honesta”, ou seja, assim como a mulher de César, a missão do administrador público deve estar acima de qualquer suspeita, não bastando ser legal, mas sim proba e ética.
Com o mesmo pensamento, José dos Santos Carvalho Filho (2017, p.22), pontua que “somente quando os administradores estiverem realmente imbuídos de espírito público é que o princípio será efetivamente observado”. Segundo ele, ainda, a noção de moralidade está associada à ideia de bom administrador, que atua segundo preceitos éticos, e não apenas como mero cumpridor de leis.
Por isso, mesmo despesas formalmente lícitas e previstas nos diplomas normativos, podem se afastar da retidão, da boa-fé e da ética institucional almejada pelos ditames da moralidade administrativa, ou seja, como bem exemplifica Uadi Lammêgo Bulos (2011, p. 993), ainda que lícitos, “gastos com propagandas publicitárias, mordomias, nepotismos, e tantas outras chagas, malsinam o senso de honestidade, o caráter humano, o respeito ao próximo”.
Ou seja, a lei pode ser cumprida moralmente ou imoralmente. Se o cumprimento da lei tem por escopo prejudicar terceiro ou favorecer alguém, por certo estaremos diante de um ato formalmente legal, mas materialmente comprometido com a moralidade administrativa (SILVA, 1999).
Assim, pode se constatar que a moralidade administrativa configura pauta jurídica das mais importantes, cuja observância não se traduz em mera recomendação ou lembrete, mas sim verdadeiro requisito de validade do ato administrativo.
Prova disso é que além da previsão expressa contida no caput do artigo 37 da Constituição Federal, há referência explícita ao princípio da moralidade na Lei nº 9.784/99 no que tange à condução dos processos administrativos (artigo 2º), bem como o dever de estes processos obedecerem “padrões éticos de probidade, decoro e boa-fé” (artigo 2º, inciso IV).
Além disso, a própria Constituição Federal ressalvou em seu artigo 85, inciso V, que constitui crime de responsabilidade imputável ao Presidente da República a prática de atos que atentarem contra a “probidade na administração”.
Outrossim, a preocupação de gestão da coisa pública conforme padrões éticos originou uma gama de instrumentos capazes de protegê-la. Tais ferramentas incumbem não só o Poder Executivo, mas também os Poderes Legislativo e Judiciário. São exemplos de instrumentos de defesa da moralidade administrativa: a ação popular que legitima o cidadão e está prevista no artigo 5º, inciso LVIII, da Constituição Federal e na Lei nº 4.717/65; a ação civil pública que legitima o Ministério Público e demais pessoas jurídicas interessadas e está prevista na Lei nº 8.429/92; o controle externo exercido pelos Tribunais de Contas nos termos do artigo 70 da Constituição Federal e as Comissões Parlamentares de inquérito com previsão no artigo 58, §3º, da Constituição Federal.
Mais recentemente, a Lei nº 12.846/13, denominada Lei Anticorrupção, trouxe a possibilidade de responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas, pela prática de atos contra a Administração Pública, nacional ou estrangeira. Dentre outros institutos, destaca-se a possibilidade de celebração do chamado "acordo de leniência" (artigo 16), visando à colaboração das pessoas jurídicas privadas com as investigações.
5.1.4 Princípio da publicidade
Pelo princípio da publicidade exige-se da Administração Pública uma atuação transparente e visível. Afasta-se da ideia de mistério e sigilo, que fora fortemente impulsionada sob o regime político anterior (1964/1985) e destaca-se a exposição do Estado como fator de legitimação das decisões e dos atos governamentais.
Ou seja, segundo este princípio, os atos administrativos reclamam a mais ampla divulgação possível entre os administrados, que através dela poderão aquilatar a legalidade ou não das decisões e dos atos praticados e o eventual grau de eficiência que estes conservam.
Segundo Alexandre Mazza (2012, p. 102), a publicidade dos atos administrativos traz consigo as seguintes finalidades: a) exteriorização da vontade da administração; b) possibilidade de tornar o conteúdo do ato exigível; c) marco inicial da produção de efeitos e d) permissão de controle de legalidade do ato.
As finalidades acima elencadas representam a corrente majoritária da doutrina que, em suma, coloca a publicação dos atos administrativos como condição de eficácia (itens "b" e "c").
É derivação deste princípio, por exemplo, a publicação dos atos administrativos nos órgãos de imprensa ou a afixação de seu conteúdo em repartições públicas, e, mais modernamente, a divulgação em sites oficiais e mídias sociais.
Com o escopo de concretizar a aplicação do princípio da publicidade, a própria Constituição Federal prescreveu alguns instrumentos jurídicos específicos no rol dos Direitos e Garantias Fundamentais: artigo 5º, inciso XXXIII, prevê que todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo geral, ressalvadas aquelas situações cujo sigilo seja imprescindível; artigo 5º, inciso XXXIV, prevê o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos, ou contra a ilegalidade ou abuso de poder e a obtenção de certidões para defesa de direitos e esclarecimentos de situações de interesse pessoal e artigo 5º, inciso LXXII, que prevê o habeas data para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante ou para a retificação de dados.
Complementando o acesso à informação e, consequentemente, a publicidade institucional, a Constituição Federal trouxe regramento a fim de viabilizar a acesso dos administrados a registros administrativos e a informações sobre atos de governo (artigo 37, §3º, inciso II). Essa previsão constitucional foi tratada na Lei nº 12.527/11, conhecida como Lei de Acesso à Informação, que, em suma, traça regras sobre o acesso à informação e as formas de divulgação de registros públicos.
Cabe ressalvar que, conquanto seja imprescindível, a transparência dos atos administrativos, por vezes, deverá ser harmonizada com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, a fim de se evitar situações cuja exigência de publicidade se torne excessivamente dispendiosa para a Administração (ADI 2472-RS, j. 11.11.2004).
Destarte, em outras situações, o próprio texto constitucional excepciona o princípio da publicidade, autorizando o sigilo de atos que importem em risco à segurança do Estado; a segurança da coletividade ou para preservar a intimidade dos envolvidos, como nos casos de informações militares ou andamento de processos administrativos disciplinares.
Em resumo, conforme destaca Alexandre de Moraes (2009, p. 327), a regra “é que a publicidade somente poderá ser excepcionada quando o interesse público assim determinar, prevalecendo esse em detrimento do princípio da publicidade”.
5.1.5 Princípio da eficiência
Trazido pela Emenda Constitucional nº 19/98 o princípio da eficiência prevê que a Administração Pública deve agir, de modo rápido e preciso, para produzir os resultados que satisfaçam as necessidades da população.
Segundo Alexandre de Moraes (2009, p. 330) o administrador público “deve ser aquele que produz o efeito desejado, que dá bom resultado, exercendo suas atividades sob o manto da igualdade de todos perante a lei, velando pela objetividade e pela imparcialidade”.
Trata-se, em suma, de princípio moderno, que atenta contra a burocracia estatal. Nota-se, que, nesse contexto, não se está a prestigiar a chamada tecnocracia, pelo contrário, a eficiência busca a prestação dos serviços sociais essenciais à população, através de todos os meios legais e moralmente possíveis para a plena satisfação do bem comum.
Assim, como bem ilustra Odete Medauar (2018, p. 127), a eficiência "contrapõe-se à lentidão, a descaso, à negligência, à omissão - características habituais da Administração Pública brasileira, com raras exceções".
O núcleo do princípio em discussão traz valores como economicidade, redução de desperdício de dinheiro público, qualidade, rapidez, produtividade e rendimento funcional. Logo, como ensina José Afonso da Silva (1999, p. 652), “consiste na organização racional dos meios e recursos humanos, materiais e institucionais para a prestação de serviços públicos de qualidade em condições econômicas de igualdade dos consumidores”.
Vale ressalvar, que o princípio da eficiência não alcança somente os serviços públicos prestados diretamente à coletividade. Sua abrangência deve ser estendida aos serviços administrativos internos dos entes federativos e das pessoas a ele vinculados, com a adoção de tecnologia moderna e dos métodos hoje empregados a fim de obter a qualidade total da execução das atividades a seu cargo (CARVALHO FILHO, 2017).
Diversos institutos refletem esses valores e demonstram a preocupação com uma atuação estatal eficiente. São exemplos desses institutos: o estágio probatório (artigo 41 da Constituição Federal); a fixação de metas de desempenho através dos contratos de gestão das agências executivas (artigo 37, §8º, da Constituição Federal); a duração razoável dos processos administrativos (artigo 5 º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal) e as parcerias da Administração Pública, que tomam forma através das parcerias público-privadas (Lei nº 11.079/04), das concessões e permissões de serviços públicos (Lei nº 9.897/99) e dos termos de parcerias firmados com organizações da sociedade civil de interesse público (Lei nº 9.790/99).
5.2 Demais princípios constitucionais
Como dito, o rol de princípios administrativos extraídos da Constituição Federal não se esgota naquele contido no artigo 37, caput, havendo outros princípios espalhados no restante da magna carta.
Tratam-se, em suma, de princípios de igual relevância e que, por isso mesmo, não guardam qualquer hierarquia entre eles, sejam princípios expressos, sejam princípios decorrentes da leitura de outros dispositivos do texto constitucional.
5.2.1 Princípio da participação
O princípio da participação do usuário decorre de uma espécie de processo evolutivo de democratização da Administração Pública, reforçando e renovando a legitimidade do Direito Administrativo e concretizando o Estado Democrático de Direito (OLIVEIRA, 2006).
Assim, nos termos do artigo 37, §3º, da Constituição Federal (com redação dada pela Emenda Constitucional nº 19/98), previu-se que a lei deverá estimular as formas de participação do usuário na Administração Pública direta e indireta.
Trata-se de pedido constitucional para que a lei estipule, e, mais ainda, estimule as formas de participação dos administrados na Administração Pública, atendo-se, especialmente: a) as reclamações relativas à prestação dos serviços públicos em geral, asseguradas a manutenção de serviços de atendimento ao usuário e a avaliação periódica, externa e interna, da qualidade dos serviços; b) o acesso dos usuários a registros administrativos e a informações sobre atos de governo, observando o disposto no art. 5.º, X (respeito à privacidade) e XXXIII (direito de receber dos órgãos públicos informações de seu interesse ou de interesse coletivo em geral); e, c) a disciplina da representação contra o exercício negligente ou abusivo de cargo, emprego ou função na administração pública.
Conquanto este dispositivo ainda careça de regulamentação, podemos citar alguns exemplos de evidente decorrência do princípio da participação em nosso Ordenamento Jurídico: a) Lei nº 10.257/01, que institui o denominado Estatuto da Cidade e prevê uma série de medidas relativas à participação administrativa; e b) Lei nº 10.079/04, que trata das parcerias público-privadas e prevê a realização de consulta pública para análise de algumas situações nela descritas.
5.2.2 Princípios do devido processo legal e da celeridade processual
Inseridos no rol dos Direitos e Garantias Fundamentais, são princípios da mais extrema relevância que se destinam a existência de um processo formal regular e célere.
Neste contexto, o artigo 5º, inciso LIV, da Constituição Federal, dispôs que "ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal".
Trata-se de dispositivo segundo a qual à Administração Pública se impõe o dever de obedecer a um processo formal regular - que, conforme veremos abaixo, compreende as oportunidades de contraditório e ampla defesa.
Por sua vez, além da exigência de um processo formal regular, impôs-se, através da chamada Reforma do Poder Judiciário (intentada pela Emenda Constitucional nº 45/04), a necessidade de um processo com solução mais célere: "a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação (artigo 5º, inciso LXXVIII)".
Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal lembrou que a prestação jurisdicional firmou-se como um verdadeiro direito público subjetivo do cidadão na Constituição da República. Segundo ele “[...] o Poder Judiciário não é fonte de justiça segundo suas próprias razões, como se fosse um fim e a sociedade um meio. O Judiciário foi criado pela sociedade para fazer justiça, para que os cidadãos tenham convivência harmoniosa. Portanto, é dever do Judiciário dar a resposta buscada pelo cidadão no prazo razoável. A justiça humana se presta aos vivos e em prol da vida que se julga. (AR 1.244 EI, rel. min. Cármen Lúcia, j. 22-9-2016, P, DJE de 30-3-2017)”.
Trata-se, portanto, de corolário do princípio da eficiência, que busca conferir celeridade processual e com isso rapidez do provimento final através da implementação de novas alternativas legais ou alterações das regras já existentes.
São exemplos de aplicação deste princípio a Lei nº 11.419/06, que permitiu a utilização do processo eletrônico com implemento da tecnologia da informação e a Lei nº 13.105/16, que instituiu o Novo Código de Processo Civil e trouxe como novidades a supressão de alguns recursos, como os embargos de divergência e a criação do incidente de resolução de ações repetitivas, dentre outras medidas que visam "obter em prazo razoável a solução integral da lide, incluída a atividade satisfativa" (artigo 4º, do NCPC).
5.2.3 Princípios do contraditório e da ampla defesa
Embora não sejam princípios específicos da Administração Pública, foram inseridos mais uma vez no rol dos Direitos e Garantias Fundamentais com a seguinte redação: "aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes (artigo 5º, inciso LV)".
Em suma, o contraditório versa sobre a possibilidade que o sujeito tem de se manifestar sobre todas as provas e alegações apresentadas pela parte contrária, ao passo que a ampla defesa consiste na garantia que a parte tem de fazer uso de todos os meios legais para provar e defender suas manifestações.
Pela aplicação do princípio do contraditório compete a Administração Pública, por exemplo, dar ciência da existência de um processo e de seu conteúdo ao interessado. Por sua vez, a ampla defesa oportuniza a busca pela verdade real através de todos os meios e recursos pelos quais o individuo possa alegar e provar o que alega no bojo do processo administrativo.
Conforme dito acima, tratam-se de princípios que complementam a ideia de processo formal regular, posto que este só se satisfaz diante da implementação de oportunidades de contraditório e ampla defesa.
Neste contexto, bem ilustra Celso Antônio Bandeira de Mello (2008, p. 115), entendendo que descabe à Administração Pública burlar o devido processo legal e "proceder contra alguém passando diretamente a decisão que repute cabível, pois terá, desde logo, o dever jurídico de atender ao contido nos mencionados versículos constitucionais".
5.2.4 Princípio da licitação
Inserido no capítulo que trata da Administração Pública (artigo 37, inciso XXI), o princípio da licitação consiste, em regra, na criação de procedimento administrativo vinculado por meio do qual se busca a proposta mais vantajosa para a Administração Pública quando da celebração de contratos de execução de obras, serviços, compras ou de alienações.
Como bem lembra José Afonso da Silva (1999, p. 652), consiste em “princípio instrumental de realização dos princípios da moralidade administrativa e do tratamento isonômico dos eventuais contratantes com o Poder Público”.
Além dos princípios acima, podemos acrescentar que a realização de procedimento licitatório respeita os imperativos da impessoalidade e da indisponibilidade do interesse público através da seleção imparcial da melhor proposta, garantindo a todos iguais condições de concorrer para a celebração do contrato.
Por expressa previsão constitucional, cabe a União legislar sobre normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para a Administração Pública, direta e indireta, incluídas as fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, nas diversas esferas de governo, e empresas sob seu controle (artigo 22, inciso XXVII). Logo, aos Estados, Distrito Federal e Municípios compete apenas legislar suplementarmente sobre a matéria, com vistas ao interesse peculiar de suas administrações.
5.2.5 Princípio da responsabilidade do Estado
Previsto no artigo 37, §6º, da Constituição Federal, estabelece que “as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”.
Pelo referido princípio, impõe-se ao Poder Público o dever de indenizar particulares por ações e omissões de seus agentes públicos que acarretam danos patrimoniais (e, às vezes, morais) aos administrados.
Urge destacar que, em decorrência do princípio da impessoalidade, toda atuação dos agentes públicos é imputada a pessoa jurídica a qual estão ligados, ou seja, em regra, compete ao Estado reparar os prejuízos causados pelos seus agentes. Apenas em ação regressiva é que o agente poderá, em tese, ser responsabilizado.
A reparação do Estado por condutas comissivas é objetiva, não dependendo da demonstração de dolo ou culpa. Por sua vez, nas condutas omissivas prevalece o entendimento de que a reparação se submete a demonstração de dolo ou culpa, sendo, portanto, subjetiva. Por último, em relação aos agentes públicos, além da imposição de ação regressiva, há a necessidade de comprovação de dolo ou culpa.
6. Princípios infraconstitucionais e construções doutrinárias
Consoante dito acima, o rol de princípios administrativos vai além daqueles contidos no artigo 37, caput, havendo outros princípios espalhados no restante da magna carta.
Destarte, além desses princípios de natureza constitucional, surgem outros de igual relevância decorrentes da legislação infraconstitucional (especialmente no artigo 2º, parágrafo único, da Lei nº 9.784/99) e de construções doutrinárias, cuja detida análise segue nós próximos tópicos.
Apenas para registro, deixo de apresentar dois princípios comumente inseridos pela doutrina: igualdade e finalidade. O primeiro por entender que seu conteúdo encontra-se contido no princípio da impessoalidade, que prega um tratamento sem discriminações e privilégios e o segundo por acreditar que sua ideia subsuma-se ao princípio da legalidade, pois todo fim público deve estar previsto em lei.
6.1 Princípios da razoabilidade e da proporcionalidade
Os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade estão expressos no artigo 2º, caput, da Lei nº 9.784/99.
A Razoabilidade consiste em importante princípio que limita a atuação e discricionariedade da Administração Pública, vedando que esta atue com excessos ou por meio de atos inúteis, desvantajosos, desarrazoados ou desproporcionais.
Em outras palavras, trata-se de uma exigência implícita na legalidade, donde se extrai que devemos atender ao fim público do ato, através de uma atuação equilibrada, coerente e dotada de bom senso.
Neste contexto, além dos atos discricionários, merecem especial atenção sobre o prisma da razoabilidade, os atos sancionatórios e do exercício do poder de polícia.
É de se ressalvar, ainda, que a razoabilidade pode manifestar-se de formas um pouco diversas, já que, por vezes, o que é razoável para uns pode não o ser para outros. Neste cenário, cabe ao Judiciário analisar se a conduta do administrador encontra-se dentro de um parâmetro de aceitabilidade, não podendo este órgão substituir o juízo de valor do administrador pela sua própria vontade.
Nesse sentido, José dos Santos Carvalho Filho (2017, p. 42), adverte que descabe ao Magistrado “controlar a conduta do administrador sob a mera alegação de que não a atendeu razoável. Não lhe é lícito substituir o juízo de valor do administrador pelo seu próprio, porque a isso se coloca o óbice da separação de funções”.
Por sua vez, a proporcionalidade deve ser vista como um aspecto da razoabilidade voltado à aferição da justa medida, coibindo exageros no exercício da Administração Pública, principalmente no campo do Direito Administrativo sancionador.
Tal princípio tem origens na doutrina alemã, donde remanesce o entendimento de que este agrega três fundamentos: adequação; exigibilidade e proporcionalidade em sentido estrito.
Assim, a proporcionalidade somente se faz presente quando aja adequação entre o meio empregado e o fim almejado; quando demonstrada que a conduta é exigível, inexistindo outro meio menos gravoso ou menos oneroso e quando a prática do ato se mostre vantajosa a ponto de superar eventuais desvantagens.
Essa ideia encontra-se inserida na redação do artigo 2º, parágrafo único, inciso VI, da Lei nº 9.784/99, segundo o qual a proporcionalidade consiste na adequação entre os meios e os fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público.
6.2 Princípio da continuidade dos serviços públicos
Trata-se de relevante princípio que decorre do fato de a prestação de serviços públicos ser um dever previsto no artigo 175 da Constituição Federal.
Neste contexto, Fernanda Marinela (2010, p. 51) ensina que o princípio da continuidade impõe que “a atividade administrativa seja prestada de forma contínua, não comportando intervalos, não apresentando lapsos ou falhas, sendo constante e homogênea”.
Vale ressalvar que o dever de continuidade constitui garantia do usuário, e, por isso mesmo, se estende as formas indiretas de prestação de serviços (concessionárias e permissionárias).
Destarte, apesar do dever de continuidade imposto ao administrador público, a doutrina majoritária e a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça autorizam o corte no fornecimento de serviço, mediante aviso prévio, em caso de ordem técnica; segurança das instalações ou inadimplemento do usuário. No último caso, corrente minoritária defende a inconstitucionalidade do corte por inadimplemento em decorrência do princípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal).
Por último, diversos institutos têm desdobramentos e são influenciados pelo princípio da continuidade dos serviços públicos: a) previsão do direito de greve dos servidores públicos, nos termos do artigo 37, inciso VII, da Constituição Federal (ainda carente de regulamentação dos seus termos e limites); b) restrições à aplicabilidade da exceção do contrato não cumprido, nos termos do artigo 78, inciso XV, da Lei nº 8.666/93; c) possibilidade de ocupação provisória de bens, pessoal e serviços para a garantia de prestação de serviços essenciais, nos termos do artigo 58, inciso V, da Lei nº 8.666/93; d) possibilidade de reversão dos bens do concessionário indispensáveis à continuidade do serviço, nos termos do artigo 36, da Lei nº 8.987/95; e, e) suplência, delegação e substituição de servidores públicos nos termos da Lei nº 8.112/90.
6.3 Princípio da autotutela
Pelo princípio da autotutela, a Administração Pública pode exercer o controle interno sobre seus próprios atos. Assim, pode a Administração Pública, diretamente e sem a intervenção do Poder Judiciário, anulá-los, quando ilegais ou revogá-los, quando inconvenientes ou inoportunos.
Segundo Alexandre Mazza (2012, p. 106) autotutela é sinônimo de autoproteção e visa “acelerar a recomposição da ordem jurídica afetada pelo ato ilegal e dar presteza à proteção do interesse público violado pelo ato inconveniente”.
Destaca-se que em relação aos atos eivados de vícios de ilegalidade a invalidação não se trata de uma faculdade do Administrador Público, mas de um dever a ele imposto.
Destarte, apesar do poder conferido ao Administrador Público, ressalta-se que o controle interno não é definitivo e, ainda, pode sofrer influência externa por parte de outros órgãos.
Assim, o controle dos atos exercido pela Administração Pública pode ser contrastado judicialmente por quem se sentir prejudicado pela revogação ou invalidação ou sofrer controle externo do próprio Judiciário ou do Legislativo, este inclusive com o auxílio do Tribunal de Contas, obedecidas suas atribuições constitucionais.
Por fim, acrescenta-se que o princípio da autotutela é decorrência da supremacia do interesse público e sua importância se revela pela previsão expressa em duas súmulas do Supremo Tribunal Federal: a) Súmula 346: “A Administração Pública pode declarar a nulidade dos seus próprios atos”; e, b) Súmula 473: “A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial”.
6.4 Princípio da presunção de legitimidade
Pelo princípio da presunção de legitimidade, temos que todos os atos administrativos são presumidamente legais, legítimos e verdadeiros, ou seja, estão em conformidade com a ordem jurídica, até que se prove o contrário.
Trata-se de uma presunção relativa (juris tantum), cabendo ao particular o ônus de provar eventual ilegalidade na sua prática.
Como consequência desta presunção de legitimidade, segundo Fernanda Marinela (2010, p. 59), “as decisões administrativas são de execução imediata e têm possibilidades de criar obrigações para o particular, independentemente de sua concordância”.
São fundamentos desta presunção a necessidade de se assegurar celeridade aos atos administrativos, bem como a existência de prévio procedimento e de inúmeras formalidades legais para sua edição.
6.5 Princípio da motivação
O princípio da motivação surge da exigência que a Administração Pública tem de apontar os pressupostos de fato e de direito dos atos que pratica, nos termos do artigo 2º, parágrafo único, inciso VII, da Lei nº 9.784/99.
Nesse contexto, a validade do ato administrativo está condicionada a apresentação por escrito dos fundamentos fáticos e jurídicos que autorizam ou determinam a edição do ato.
Apesar disso, parte da doutrina entende que a motivação é apenas uma faculdade do administrador, sendo obrigatória apenas quando existir previsão expressa em lei nesse sentido.
Por outro lado, a corrente majoritária defende que a motivação dos atos administrativos é obrigatória e consiste numa espécie de mecanismo de controle sobre a legalidade e legitimidade das decisões da Administração Pública (MAZZA, 2012). Além disso, segundo essa mesma corrente, apontar as justificativas do ato administrativo seria um desdobramento da garantia de informação expressa no artigo 5º, inciso XXXIII, da Constituição Federal.
Destarte, cabe diferenciar motivo de motivação do ato emanado pela Administração Pública. Motivo seria um dos requisitos do ato administrativo, consistente na situação de fato ou de direito que autoriza ou determina sua edição. Por outro lado, a motivação seria a exteriorização formal do motivo, ou seja, a exposição, por escrito, do motivo do ato de forma explícita, clara e congruente.
Outrossim, entende-se que satisfaz a obrigatoriedade de motivação a utilização da chamada motivação aliunde, que consiste na motivação através do apontamento de pareceres, informações, decisões ou propostas anteriores, nos termos do que prevê o artigo 50, §1º, da Lei nº 9.784/99.
Por último, cumpre destacar que a própria Constituição Federal excepciona a obrigatoriedade de motivação em alguns casos, como, por exemplo, na livre nomeação ou exoneração dos cargos em comissão. Vale ressaltar que, apesar da dispensa, caso o administrador opte por motivar o ato fica vinculado em face da chamada teoria dos motivos determinantes. Segundo Dirley da Cunha Júnior (2009, p. 55), a aplicação da teoria dos motivos determinantes “significa que não basta motivar ou fundamentar o ato ou a decisão administrativa. É mister, ademais, que o motivo que ensejou a edição do ato ou da decisão exista e seja idôneo.
6.6 Princípio da boa administração
O princípio da boa administração tem raízes no direito italiano e deve ser visto como um desdobramento do princípio da eficiência e da moralidade administrativa.
Segundo ele, recai sobre o administrador o dever de sempre adotar a melhor opção para a defesa do interesse público (MAZZA, 2012).
Em suma, sua observância não se trata de mera aspiração deontológica, mas sim de um dever de desenvolver a atividade administrativa da forma mais congruente e oportuna diante das diversas opções definidas em lei para a prática de atos discricionários.
6.7 Princípio da segurança jurídica
Trata-se de um dos princípios básicos do próprio conceito de Estado de Direito e nele se assenta a ideia de proteção da confiança e garantia da certeza e estabilidade das relações ou situações jurídicas.
Seu conteúdo, na esfera administrativa, visa à proibição de aplicação retroativa de novas interpretações de dispositivos legais e normas administrativas, nos termos do que estabelece o artigo 2º, parágrafo único, inciso XIII, da Lei nº 9784/99.
Segundo a doutrina, vários institutos decorrem do princípio da segurança jurídica, tais como: decadência, prescrição, usucapião, direito adquirido, irretroatividade da lei, coisa julgada e manutenção dos atos praticados por funcionário de fato.
7. Considerações finais
Através do estudo sistemático dos Princípios do Direito Administrativo apresentado e obedecida a classificação proposta é possível estabelecer algumas premissas abaixo listadas:
- O Direito Administrativo por ser considerado um ramo recente e não codificado têm como principal alicerce os princípios norteadores de sua matéria;
- Referidos princípios são responsáveis por estruturar seus institutos e traçar seus respectivos regimes jurídicos, garantindo-lhe autonomia como ramo da ciência jurídica;
- O juízo de ponderação faz todos os princípios coexistirem de maneira não hierarquizada, sem se invalidarem diante da aplicação deste ou daquele, de modo que aquele comando afastado continua a desfrutar de sua força normativa podendo prevalecer noutra situação;
- Outrora vistos como simples indicadores de finalidades a serem almejadas, os princípios, hodiernamente, desfrutam de força coercitiva, não se tratando mais de meras recomendações;
- Em relação ao Direito Administrativo, os princípios são dotados de relevância e função normativa maior se comparada àquela que gozam nos ramos do direito privado.
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