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A violência da Polícia Militar na região metropolitana do Rio de Janeiro a partir da redemocratização do Brasil

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Agenda 11/12/2019 às 23:26

3. CONTEXTO SOCIOECONÔMICO DA RMRJ

É cediço que o Estado do Rio de Janeiro tem enfrentado uma crise financeira sem precedentes, sendo uma das principais causas dos graves problemas estruturais, do desequilíbrio social e do aumento da violência.

A Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ) não é uma exceção em relação ao restante do Brasil, contudo, devemos considerar a sua particularidade. São 12,3 milhões de habitantes, 21 municípios e 1 capital acostumada a segregar todos ao seu redor.

Segundo dados do censo 2010, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), somente na capital fluminense, existem hoje 763 favelas, abrigando 22% da população carioca, resultando em um quadro de gigantescas desigualdades sociais, econômicas e de infraestrutura.

Não podemos ver a favela como problema e sim como solução de uma negligência em políticas habitacionais de um estado que recebeu milhares de pessoas que ajudaram no desenvolvimento da região, e foram abandonados à própria sorte.

Ocorre que, “o estado do Rio de Janeiro está falido e entregue nas mãos de homens que sugam o quanto podem da sociedade” (NOGUEIRA, 2013, p. 25), e isso reflete negativamente na vida da população, na medida em que recursos, que deveriam combater o analfabetismo, erradicar a fome e, melhorar as questões de saúde e segurança pública, foram desviados pela corrupção. Ressalta-se que, nos últimos três anos, nada menos que cinco ex-governadores, além do prefeito de Niterói, foram presos acusados de corrupção.

Segundo o Ministério Público Federal, Sérgio Cabral (MDB) é de longe o que mais roubou os cofres públicos do Estado do Rio de Janeiro. Investigações no âmbito da Operação Lava Jato revelam que o político teria saqueado centenas de milhões de vários setores do Rio de Janeiro em seus dois mandatos como governador (de 2007 a 2014). A cifra total do assalto ainda é uma incógnita, mas um levantamento feito pelo Metro Jornal aponta que o roubo já chega a precisos e espantosos R$ 385.356.743,66 (MACHADO, 2017).

As doze condenações recebidas até o momento impuseram ao ex-governador uma pena total de 267 anos de prisão, existindo, ainda, outros 18 processos em andamento, razão pelo qual o valor total desviado por Cabral certamente ultrapassará a casa dos 400 milhões de reais.

O quadro a seguir sintetiza a situação dos demais governadores do Estado do Rio de Janeiro que foram presos, conforme dados fornecidos pelo Ministério Público Federal.

[IMAGEM NÃO DISPONÍVEL]

* Os valores acima referem-se ao apurado até o momento, em razão da existência de várias investigações em andamento.

Fonte: Ministério Público Federal/RJ.

Dessa forma, não obstante o avanço dos programas sociais criados com o objetivo de tentar uma aproximação dos moradores das favelas e do asfalto, as desigualdades existentes nas cidades que compõem a região metropolitana do Rio de Janeiro ainda são gigantescas, em razão da ausência de investimentos pelo Estado, ligados à promoção de direitos fundamentais, garantidores de cidadania e dignidade humana, muito em razão dos valores desviados acima citados.

Alguns dados do censo 2010, do IBGE, ajudam a deixar mais evidente as desigualdades sociais na RMRJ. Vejamos.

3.1. TRABALHO, RENDA E EDUCAÇÃO

O fato de ter o segundo maior PIB entre as metrópoles brasileiras, ficando atrás somente de São Paulo, não obsta para o aumento das desigualdades existentes na RMRJ.

Por exemplo, enquanto em Niterói a renda média da população é de R$2.888,00, em Japeri é de R$ 607,00. Na primeira, 40% das crianças com até três anos de idade estão matriculadas em creches, enquanto na segunda apenas 14% (IBGE, 2019).

Na própria capital do estado existem diferenças alarmantes, pois existem bairros em que a renda per capita é extremamente baixa, como na comunidade de Manguinhos, zona norte carioca, que tem 34% dos seus habitantes sobrevivendo com renda de até um salário mínimo, enquanto na Lagoa 18,4% ganham acima de vinte salários mínimos (IBGE, 2019).

Temos outro exemplo de má distribuição de renda quando comparamos os vizinhos São Conrado e favela da Rocinha, zona sul. Os moradores do bairro nobre têm renda mensal per capita dez vezes maior que os vizinhos pobres, ou seja, R$5.055,74 contra R$ 488,11. Na favela, 6,39% das pessoas são analfabetas, já em São Conrado esse índice é de apenas 0,75% (IBGE, 2019).

O gráfico a seguir traz um comparativo entre a parcela da população que sobrevive com até meio salário mínimo e as taxas de emprego formal e informal.

Figura 1: Gráfico sobre trabalho e renda. O IBGE não divulgou dados relativos à cidade de São João do Meriti em relação aos rendimentos e empregos formais.

[IMAGEM NÃO DISPONÍVEL]

Fonte: As informações foram produzidas pelo IBGE durante o censo 2010 e estão projetadas até o ano de 2017. Elaboração do autor.

3.2. INFRAESTRUTURA

A infraestrutura da RMRJ é precária. O abastecimento de água potável por rede de distribuição alcança somente 58% de Maricá e 68% de Tanguá. O atendimento por esgoto sanitário não atinge 50% da população em vários municípios, como é o caso de Itaboraí (42%), Seropédica (33%) e Maricá (12%) (IBGE, 2019).

O gráfico a seguir mostra os números relativos à coleta de lixo, da rede de água e rede de esgoto na RMRJ.

Figura 2 – Gráfico comparativo da coleta de lixo, rede de água e de esgoto.

[IMAGEM NÃO DISPONÍVEL]

Fonte: as informações foram produzidas pelo IBGE e organizadas no Sistema Nacional de Informações Sobre Saneamento (SNIS), vinculado ao Ministério das Cidades, ano base-2014. Elaboração do autor.

Os índices do IBGE para a cidade do Rio de Janeiro enganam. Isso porque existem regiões dentro da capital em que a coleta de lixo é precária, pois, conforme dados do censo 2010, em Manguinhos 10,8% dos domicílios queimavam, enterravam ou jogavam seus resíduos em terreno baldio ou no rio. Na comunidade de Jacarezinho, 4,9% dos imóveis, inclusive, sequer tinham coleta de lixo (IBGE, 2019).

Consequentemente, os cursos d’água recebem despejos industriais e resíduos sólidos, desaguando tudo na poluída Baia de Guanabara.

Outro dado importante, divulgado pelo IBGE (2019), mostra que todos os municípios, incluindo a capital, não possuem sistema de drenagem das águas da chuva. Com isso, as constantes enchentes, que destroem vidas e patrimônio, não chegam a ser surpresa, mas como a classe mais abastada está protegida em seus condomínios, ninguém faz nada.

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3.3. MOBILIDADE URBANA

A concentração de oferta de vagas de trabalho na capital do estado, o crescimento da população vivendo nas regiões periféricas e a ausência de investimentos do estado visando um transporte público de qualidade, contribuem para o colapso no sistema quando o assunto é mobilidade urbana. Esse impacto é desigual nos diversos grupos sociais, onde os mais prejudicados são aqueles que utilizam o transporte público como única opção de transporte.

O gráfico abaixo traduz uma realidade preocupante, na medida em que mostra a concentração de vagas na cidade do Rio de Janeiro e o tempo de deslocamento da moradia até o local de trabalho.

Figura 3: Gráfico comparativo sobre a mobilidade urbana, dados sobre parte da população que trabalha fora do seu domicílio e gasta mais de 1 hora no deslocamento.

[IMAGEM NÃO DISPONÍVEL]

Fonte: As informações foram produzidas pelo IBGE durante o censo 2010 e estão projetadas até o ano de 2017. Elaboração do autor.

Conclui-se que o tempo de deslocamento para quem mora na região metropolitana e trabalha na capital, impacta diretamente na qualidade de vida das pessoas, na medida em que o tempo perdido deixa de ser utilizado em atividades produtivas ou de lazer.

3.4. SAÚDE

Ninguém dúvida que o sistema de saúde do Estado do Rio de Janeiro entrou em colapso há muito tempo. O que talvez ainda cause espanto é a demora para que o governo encontre uma solução para o problema, que é cada vez maior.

Os hospitais da RMRJ com todos os problemas noticiados diariamente, de um modo geral, são um retrato fiel de quanto a corrupção pode ser letal a população mais humilde, sendo pertinente a declaração do Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso: “Corrupção mata. Mata na fila do SUS, na falta de leitos, na falta de medicamentos” (BARROSO, 2017, p. 18).

Os problemas nos hospitais e clínicas de saúde da família vão desde a falta de remédio e insumos hospitalares até a deterioração dos equipamentos e atraso nos salários dos profissionais da área. Isso tudo tem gerado longas filas, cancelamento de cirurgias e procedimentos e, não raro, em fechamento de unidades.

O problema não se restringe aos hospitais estaduais. Unidades municipais em todo estado também estão no limite. “Na porta dessas instituições, pacientes esperam por horas e, muitas vezes, em vão, só restando a eles dar início a uma via-crúcis, de emergência em emergência, em busca de atendimento” (DIEGO AMORIM, 2018).

Nos últimos anos pelo menos 14 maternidades fecharam na RMRJ, “fazendo com que as gestantes tenham que procurar atendimento em cidades vizinhas” (ALINE CAVALCANTE, 2015).

Outrossim, vários ambulatórios de emergência foram fechados. A razão é sempre a mesma, sem o repasse de verbas pelo governo do estado não há como pagar salários e insumos. Sem insumos os médicos até conseguem trabalhar fazendo “adaptações”, mas sem salário não.

Isso tem agravado a situação das prefeituras que já trabalham com o orçamento no vermelho, provocando o fechamento de um número recorde de leitos nas unidades administradas pelas prefeituras e pelo estado. Em contrapartida, na mesma proporção, crescem o número de leitos na rede particular.

A tabela a seguir mostra a relação entre a população das cidades na RMRJ, o número de mortalidade infantil e o número de estabelecimentos de saúde.

Tabela 1: Tabela com dados relativos à população e saúde.

Cidades

População*

Mortalidade Infantil**

Estabelecimentos de Saúde - SUS

Cachoeiras de Macacu

58.560

11,14

32

Belford Roxo

508.614

12,96

58

Duque de Caxias

914.383

14,35

82

Guapimirim

59.613

9,46

11

Itaboraí

238.695

10,19

62

Itaguaí

125.913

15,86

27

Japeri

103.960

16,21

15

Magé

243.657

13,25

78

Maricá

157.789

13,84

26

Mesquita

175.620

13,32

19

Nilópolis

162.269

21,81

21

Niterói

511.786

9,63

87

Nova Iguaçu

818.875

14,96

104

Paracambi

51.815

15,07

27

Queimados

149.265

19,07

15

Rio Bonito

59.814

16,69

35

Rio de Janeiro

6.688.927

11,22

257

São Gonçalo

1.077.687

12,75

194

São João do Meriti

n/d

n/d

n/d

Seropédica

86.743

12,75

23

Tanguá

33.732

6,51

10

*População estimada em 2018

**Óbitos por mil nascidos vivos.

Fonte: As informações foram produzidas pelo IBGE durante o censo 2010 e estão projetadas até o ano de 2018. Elaboração do autor.

Os números acima mostram alguns desequilíbrios nas localizações das unidades de saúde que atendem pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Por exemplo, Belford Roxo com um pouco mais de 500 mil habitantes possui 58 estabelecimentos de saúde, enquanto Magé, com um pouco mais de 240 mil habitantes, possui 78 estabelecimentos.

Com populações tecnicamente iguais, ou seja, as duas contando com pouco mais de 59 mil habitantes, Guapimirim e Rio Bonito são mais um exemplo claro de desequilíbrio, enquanto a primeira possui 11 estabelecimentos a segunda possui 35.

É importante ressaltar que, sob alegação de falta de estrutura, médicos e demais profissionais da área da saúde preferem trabalhar nos grandes centros, fugindo das periferias e cidades do interior.

O programa “Mais Médicos” lançado em 8 de julho de 2013 pela presidente Dilma Roussef (PT), e que tinha como escopo principal suprir a falta de profissionais em áreas que havia carência de atendimento a partir da contratação de médicos estrangeiros, encontrou forte resistência da classe médica brasileira. Em 16 de julho de 2013, uma semana após o anúncio do programa, “cerca de 100 profissionais ocuparam as escadarias da Câmara Municipal do Rio com cartazes reivindicando mais estrutura nos hospitais” (EXAME, 2013).

Na RMRJ, médicos cubanos atendiam em comunidades afastadas e cidades da baixada fluminense. Locais que tinham extrema dificuldades em contratar profissionais, seja por ordem financeira ou devido à violência.

O governo de Cuba anunciou a saída do programa em novembro de 2018, em razão das alterações anunciadas pelo presidente eleito Jair Bolsonaro. Com isso cerca de 8.556 médicos cubanos deixaram o país, ocasionando a exclusão dos excluídos, ou seja, a população que mais necessitava e que tinha o mínimo de assistência, ficou abandonada à própria sorte.

O colapso da saúde na esfera municipal e estadual tem refletido diretamente na rede hospitalar federal na RMRJ. São seis hospitais e três institutos que atendem o estado todo, em várias especialidades, mas que começam a enfrentar os mesmos problemas que as instituições estaduais e municipais há anos vêm enfrentando.

Outro problema enfrentado são as indicações políticas, onde pessoas despreparadas promovem loteamento dos hospitais em troca de um ou outro favor.

Um caso que chamou a atenção da grande mídia, contudo, sem causar surpresa na população em geral, foi a situação do Hospital Federal de Bonsucesso. A diretora Luana Camargo foi afastada em janeiro deste ano após inúmeras denúncias sobre loteamento político no hospital federal.

Os problemas em Bonsucesso eram vários: ar-condicionado sem funcionar, superlotação e médicos faltando a plantões. Além disso, funcionários do hospital afirmavam que Luana loteou a unidade com indicações políticas e pessoas que não tinham experiência na área (PEIXOTO, 2019).

Um dos últimos atos da diretora afastada foi promover uma festa de 70 anos da unidade que custou mais de R$ 150.000,00. Revoltados com a situação precária do hospital, um grupo de funcionários invadiu o local da festa para protestar. Após esse episódio o Ministério da Saúde resolveu nomear um interventor para o hospital.

3.5. SEGURANÇA PÚBLICA

A RMRJ, e particularmente a capital, convive com a sua imagem mundialmente conhecida, retratada através das suas belezas naturais, ao mesmo tempo que é considerada como uma região violenta, pela crueldade dos crimes praticados. É como se fosse dois universos completamente diferentes, de um lado o das belezas naturais, narradas em novelas e cartões postais, e de outro o universo violento, narrado nos dramas pessoais e em programas policiais.

A variedade e a frequência dos crimes executados demonstram que há muito tempo a coisa saiu do controle, e as razões para isso são muitas. Vão desde a ausência do Estado nas comunidades pobres, onde o chefe do tráfico faz o papel da autoridade pública, distribuindo remédios e cestas básicas, instituindo e fiscalizando regras de convivência etc., até a corrupção no aparato policial como um todo.

“A violência e o medo combinam-se a processos de mudança social nas cidades contemporâneas, gerando novas formas de segregação espacial e discriminação social” (CALDEIRA, 2008)4.

Os tiroteios nas áreas de conflitos, entre facções rivais ou com a polícia, são constantes e imputam um temor em toda a sociedade carioca. “As operações de guerra nos morros confinam moradores em suas casas por causa dos tiroteios” (CORRÊA e BRITO, 2018, p. 24). Não é raro inocentes serem atingidos por balas perdidas, tornando-se manchetes em jornais e programas de televisão.

A criminalidade na região progrediu ao longo do tempo com a conivência da sociedade e das autoridades, existindo hoje “quatro organizações criminosas no Rio de Janeiro: o jogo ilegal, o tráfico de drogas, as milícias e a banda corrupta da PM” (CORRÊA e BRITO, 2018, p. 17), todas interligadas entre si.

A tabela seguinte mostra os números relativos à segurança pública nas 21 cidades que compões a região metropolitana do Estado do Rio de Janeiro. Com exceção dos casos de estupros, houve uma ligeira queda nos índices de criminalidade em 2019 quando comparados ao ano de 2018.

Tabela 2: Tabela com os índices de criminalidade na RMRJ, no período compreendido entre os meses de janeiro/junho dos anos de 2018 e 2019.

Cidade

Homicídio Doloso

Roubo

Latrocínio

Furto

Estupro

2018

2019

2018

2019

2018

2019

2018

2019

2018

2019

Cachoeiras de Macacu

13

17

98

117

0

0

141

177

7

17

Belford Roxo

147

143

5.498

4.795

10

2

804

852

77

84

Duque de Caxias

218

205

11.911

11.282

9

5

6.217

3.875

213

225

Guapimirim

20

14

235

163

0

0

211

230

29

21

Itaboraí

106

87

3.070

2.002

3

3

682

751

68

64

Itaguaí

53

23

826

816

2

0

439

520

36

46

Japeri

35

18

392

429

1

1

206

241

29

16

Magé

78

46

1.327

969

2

1

764

827

92

76

Maricá

46

41

803

610

1

1

778

786

34

43

Mesquita

23

23

2.012

2.056

1

0

832

595

39

36

Nilópolis

16

23

2.730

2.309

0

3

776

677

33

32

Niterói

72

78

6.064

4.497

2

2

3.987

4.442

102

117

Nova Iguaçu

269

197

8.164

8.080

12

9

2.905

3.166

197

228

Paracambi

6

3

168

107

0

0

179

169

3

6

Queimados

67

46

955

933

0

1

493

432

34

49

Rio Bonito

4

3

196

135

0

0

179

235

14

11

Rio de Janeiro

950

739

82.479

73.556

44

26

54.882

62.205

1.083

1.106

São Gonçalo

239

179

16.447

14.641

9

10

3.811

4.303

181

155

São João do Meriti

97

69

6.318

6.051

6

5

1.224

1.425

93

102

Seropédica

26

10

559

471

0

0

323

296

31

23

Tanguá

11

3

212

131

1

0

98

105

12

13

Total

2.496

1.967

150.464

134.150

103

70

79.259

86.309

2.407

2.470

Fonte: As informações foram produzidas pelo ISP do Estado do Rio de Janeiro. Elaboração do autor.

Não obstante os índices acima mostrarem uma tendência de queda nos principais índices de criminalidade na RMRJ, a sensação de insegurança cresce a cada dia, muito em razão de que,

em geral, estudos sobre crime partem do pressuposto de que as estatísticas registram apenas uma fração do crime total. De um lado, pessoas que praticam atos ilegais muitas vezes conseguem escondê-los. De outro, muitas pessoas que são vítimas de crimes não apresentam queixa à polícia, como têm mostrado várias pesquisas de vitimização (CALDEIRA, 2008, p. 102).

Corrobora para a sensação de insegurança a posição de domínio que as milícias vêm conquistando com o passar do tempo. Essa espécie de organização paramilitar, se expande de uma forma assustadora, e

(...) surgiram, começaram a se fortalecer e ganhar espaço no vácuo deixado pelo estado nas áreas pobres do Rio de Janeiro. Abandonadas pelas políticas de inclusão social e segurança pública, essas áreas primeiramente viviam sob o jugo do tráfico, e eram os criminosos que impunham as regras de convivência, às vezes de forma violenta e abusiva (NOGUEIRA, 2013).

A atuação das milícias vai desde o provimento de infraestrutura básica até a organização da segurança e justiça do local. Para tanto, existe um código de conduta paralelo cuja pena pode variar de uma simples advertência até a execução sumária, sem direito de defesa.

Um fato inusitado ocorreu em 14.08.2019 na Comunidade Residencial Aeronáutica, onde um morador foi surpreendido por um miliciano, que foi a seu apartamento para lhe cobrar uma taxa de segurança de R$ 30,00 mensais.

O condomínio foi inaugurado em 1972. Na época, era um investimento de uma cooperativa de aeroviários e militares da Aeronáutica num bairro, até então, bucólico e de classe média. Durante anos, o conjunto foi administrado por integrantes da Força Aérea Brasileira (FAB). Mas assistiu a seu entorno favelizar e à região entrar no mapa da violência do Rio. Antes da milícia, o tráfico no Morro da Barão, localizado ao lado do conjunto, também já causou problemas. Saiu um grupo criminoso, entrou outro. E a paz não voltou mais (GOULART e GALDO, 2019).

O detalhe que mais chama atenção é que no local vivem, exclusivamente, militares aposentados e suas famílias. “E o lugar, que antes era um sinônimo de segurança, viu romper a fronteira da tranquilidade” (GOULART e GALDO, 2019).

A partir de 2008 teve início uma nova política de segurança pública focalizada especificamente nas favelas: o programa das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP).

As UPPs foram um marco, um símbolo no processo de pacificação nas favelas da capital fluminense. O programa foi considerado um dos mais importantes implementados no país, onde se pretendia acabar com o domínio do tráfico nesses territórios.

O critério de escolha das áreas a serem beneficiadas não foi o das favelas e periferias com maiores índices de criminalidade, e sim o dos mais relevantes para a segurança dos grandes eventos esportivos que ocorreriam em 20145 e 20166.

Ao terem o controle das favelas desarticulado, muitos traficantes migraram dessas regiões. Em geral, áreas como a Baixada Fluminense, Ilhas e Niterói foram os destinos escolhidos para que o tráfico se rearticulasse, aumentando, em consequência, os índices de criminalidade, que até chegaram a cair nos primeiros anos.

Inaugurada em dezembro de 2008, a UPP do morro Santa Marta, no bairro de Botafogo, foi a primeira experiência da política de pacificação das comunidades do estado e serviu como modelo para as demais, pois mostrou um outro modo de se combater o tráfico de drogas. Durante sete anos, através de políticas públicas implementadas, o Estado entrou e permaneceu no local. Antes ele entrava, atirava e saia.

Contudo, a política das UPPs que já foi carro chefe do governo carioca enfrentou problemas, muito em razão da falta de planejamento e investimentos dos governantes. As ações, que deram suporte à uma ocupação tranquila no Morro Santa Marta, não tiveram a continuidade necessária, tampouco foram levadas para as outras favelas ocupadas.

A pacificação e a nova política de policiamento nas comunidades, prometido pelo Governo do Estado, transformou-se em uma simples ocupação policial, levando um promissor projeto ao fracasso. Isso porque,

ao chegar às favelas que recebem as UPPs, a polícia trata imediatamente de colocar a bandeira como marca de controle territorial. Isso porque os territórios em questão não são vistos como dos moradores, e sim como um território inimigo tomado pelo poder dos criminosos (SILVA, 2014, p. 47).

A tabela a seguir mostra a cronologia de implementação das UPPs.

Tabela 3: Cronologia de instalações das UPPs na RMRJ, segundo dados fornecidos pela SSP/RJ.

Ano

Upp em Operação

Comunidades

2008

1

Santa Marta

2009

5

Cidade de Deus, Batan, Babilônia e Pavão.

2010

12

Tabajara, Providência Borel, Formiga, Turano, Andaraí e Salgueiro.

2011

18

São João, Fellet, Prazeres, São Carlos, Mangueira e Macacos.

2012

28

Vidigal, Nova Brasília, Fazendinha, Adeus-Baiana, Alemão, Chatuba, Fé, Penha, Vila Cruzeiro e Rcinha.

2013

36

Jacarezinho, Maguinhos, Barreira do Vasco, Parque Alegria, Cerro Corá, Arará-Madela, Lins e Camarista Méier

2014

38

Mangueirinha e Vila Kennedy

2018

31

7 UPPs Extintas: Cidade de Deus, Batan, Fallet, São Carlos, Camarista Méier, Mangueirinha e Vila Kennedy.

Elaboração do autor.

O tiro de misericórdia nas UPPs foi dado em abril de 2018, quando o Gabinete de Intervenção Federal decidiu acabar gradativamente com elas, em razão das forças de segurança terem perdido o controle sobre os territórios ocupados.

Sobre o autor
Alberto Aparecido Albino Junior

Estagiário no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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