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A autorização ilegal concedida pelo Ministério da Saúde para enfermeiro praticar ato de inserção de dispositivo intrauterino (DIU)

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5. DOS PARECERES DOS CONSELHOS DE ENFERMAGEM

Ao longo dos anos, a inserção de DIU por profissionais de enfermagem tem sido objeto de questionamentos tanto na esfera ética quanto legal.

Os Conselhos Federal e Regionais de Enfermagem (Sistema COFEN/COREN) tem balizado a prática de inserção de DIU por profissionais de enfermagem através de Pareceres consubstanciados em interpretação equivocada do disposto na Lei nº 7498/86 e nas Portarias do Ministério da Saúde que aprovaram a Política Nacional de Atenção Básica (PNAB) e estabeleceram diretrizes e normas para a organização da Atenção Básica (AB), para o Programa Saúde da Família (PSF) e para o Programa Agentes Comunitários de Saúde (PACS).

Nessa esteira em 2010, o COFEN exarou o PARECER Nº 17/2010/ COFEN/ CTLN, que concluiu pela inexistência de impedimento legal para que o Enfermeiro realize consulta clínica, prescrição de medicamentos e solicitação de exames complementares e de rotina para atender à ampliação da oferta do DIU às usuárias do Sistema Único de Saúde.

Tal Parecer se fulcrou no art. 11, inc. i da Lei nº 7498/08 (permite a consulta de enfermagem), na Resolução COFEN nº 195/1997, cujo art. 1º estabelece que o Enfermeiro pode solicitar exames de rotina e complementares quando no exercício de suas atividades profissionais (Resolução declarada legal pela Sexta Turma do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, em 2010), e nas Portaria MS/GM nº 648/2006, alterada pela Portaria MS/GM nº 1.625/2007, que previam, dentro da Política Nacional de Atenção Básica, como atribuições específicas do Enfermeiro, entre outras, realizar assistência integral (promoção e proteção da saúde, prevenção de agravos, diagnóstico, tratamento, reabilitação e manutenção da saúde) aos indivíduos e famílias na Unidade de Saúde da Família (USF) e, quando indicado ou necessário, no domicílio e/ou nos demais espaços comunitários (escolas, associações etc), em todas as fases do desenvolvimento humano: infância, adolescência, idade adulta e terceira idade; e realizar consultas de enfermagem, solicitar exames complementares e prescrever medicações, observadas as disposições legais da profissão e conforme os protocolos ou outras normativas técnicas estabelecidas pelo Ministério da Saúde, os gestores estaduais, os municipais ou os do Distrito Federal.

Como já amplamente demonstrado anteriormente, nenhuma das razões elencadas no PARECER Nº 17/2010/COFEN/CTLN, baliza a inserção de DIU por enfermeiro, muito menos após o advento da Lei nº 12.842/2013.

Em 2017, já com a Lei nº 12.842/2013 em vigor, novo Parecer foi exarado pelo COFEN: PARECER Nº 278/2017/COFEN/CTLN, que replicando os fundamentos do anterior o PARECER Nº 17/2010/ COFEN/ CTLN, volta de forma equivocada a opinar pela inexistência de ilegalidade na indicação, inserção e retirada de DIU por enfermeiro.

Referido Parecer tenta de forma equivocada, assemelhar a inserção do DIU aos procedimentos de cateterização gástrica, enteral ou vesical, que como já demonstrado não tem guarida na correta interpretação do disposto na Lei nº 12.842/2013.

Outros Pareceres de diversos Conselhos Regionais de Enfermagem (COREN) tem sido exarados consubstanciados, por sua vez, nos Pareceres do COFEN.

Mais recentemente o COFEN exarou o PARECER TÉCNICO COFEN CNSM/COFEN Nº 004/2019, para justificar a legalidade da inserção de DIU por enfermeiro em rede especializada.

Este Parecer, mais uma vez se fundamenta nos anteriores (PARECER Nº 17/2010/ COFEN/ CTLN e PARECER Nº 278/2017/COFEN/CTLN), em Pareceres de Conselhos Regionais de Enfermagem e na Portaria MS/GM nº 2436 de 21 de setembro de 2017 que atualiza as diretrizes da Politica Nacional de Atenção Básica mantendo as atribuições de enfermeiro com anteriormente já feito.

Trouxe, entretanto, uma inovação na sua fundamentação: a NOTA TÉCNICA Nº 5/2018-CGSMU/DAPES/SAS/MS, exarada em 2018, pela Área Técnica da Saúde da Mulher, subordinada ao Departamento de Ações Programáticas Estratégicas (DAPES) subordinado a Secretária de Atenção à Saúde (SAS) do Ministério da Saúde, e que trata da realização do procedimento de inserção do DIU de cobre (DIU Tcu 380A) por Enfermeiros(as).

Referida Nota Técnica, entretanto, foi consubstanciada apenas no PARECER Nº 17/2010/ COFEN/ CTLN, nos Protocolos da Atenção Básica publicados pelo Ministério da Saúde de acordo com as atribuições de Enfermeiro fixadas na Política Nacional de Atenção Básica e na Resolução do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) nº 358/2009.

Ou seja, nada de novo em termos de legalidade trouxe a referida Nota Técnica, limitando-se a reproduzir um resumo dos argumentos já elencados pelo PARECER Nº 17/2010/ COFEN/ CTLN.


6. DOS PARECERES DOS CONSELHOS DE MEDICINA

O Conselho Federal de Medicina (CFM) há muito tempo vem participando do questionamento da permissão dada a enfermeiro para inserção de DIU.

Em 1998, no PROCESSO CONSULTA CFM Nº 0340/97 (PC/CFM/Nº 04/98) o CFM, em Perecer da lavra do ilustre Conselheiro Cons. Edilberto Parigot de Souza Filho, já havia se manifestado sobre o assunto nos seguintes termos:

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Inserção de dispositivo intra-uterino por enfermeiros. A inserção de DIU só pode ser executada por profissionais médicos. Fora desta regra está caracterizado o exercício ilegal da medicina. Ao médico é vedado delegar funções médicas a terceiros, por ferir o art. 30 do Código de Ética Médica.

Em 2013, o CFM exarou o PARECER CFM nº 21/13 da lavra do ilustre Conselheiro José Hiran da Silva Gallo (em resposta ao no PARECER Nº 17/2010/COFEN/CTLN) que assim restou ementado:

A inserção de dispositivos intrauterinos (DIU) é ato médico exclusivo.

Mister trazer a conclusão do citado Parecer: Não restam dúvidas de que a inserção de dispositivo intrauterino em pacientes do programa Saúde da Família, por enfermeiros, não é ato isento de riscos.

Com efeito, a introdução do DIU é uma prática invasiva, podendo, inclusive, causar perfuração uterina, bem como, pelo risco acima descrito, deixar de ser colocado até o fundo, ficando em posição indevida.

Entendemos que a responsabilidade é exclusivamente médica, que não pode ser permitida e/ou transferida a pessoa não habilitada, conforme explicitado no art. 2º, Capítulo III, da Resolução CRM nº 1.931/09 – Código de Ética Médica, que estabelece ser vedado ao médico “delegar a outros profissionais atos ou atribuições exclusivos da profissão médica”, para corrigir acidente possivelmente existente.

Por todo o exposto, entendemos que a inserção de dispositivos intrauterinos é ato médico exclusivo.

O Conselho Regional de Medicina do Distrito Federal (CRM-DF) também tem se posicionado no sentido de que a inserção do DIU é ato privativo de médico.


7. DAS PORTARIAS DO MINISTERIO DA SAÚDE

Os Pareceres exarados pelo Sistema COFEN/COREN usam dentre seus fundamentos, as determinações da Portarias do Ministério da Saúde que que aprovam a Política Nacional de Atenção Básica (PNAB) e estabelecem diretrizes e normas para a organização da Atenção Básica (AB), para o Programa Saúde da Família (PSF) e para o Programa Agentes Comunitários de Saúde (PACS).

Inicialmente a Portaria MS/GM nº 648/2006, foi alterada pela Portaria MS/GM nº 1.625/2007 e finalmente pela Portaria MS/GM nº 2436 de 21 de setembro de 2017.

Tais normas ministeriais fixaram como atribuições do Enfermeiro:

4.2.1 - Enfermeiro: I - Realizar atenção à saúde aos indivíduos e famílias vinculadas às equipes e, quando indicado ou necessário, no domicílio e/ou nos demais espaços comunitários (escolas, associações entre outras), em todos os ciclos de vida; II - Realizar consulta de enfermagem, procedimentos, solicitar exames complementares, prescrever medicações conforme protocolos, diretrizes clínicas e terapêuticas, ou outras normativas técnicas estabelecidas pelo gestor federal, estadual, municipal ou do Distrito Federal, observadas as disposições legais da profissão; III - Realizar e/ou supervisionar acolhimento com escuta qualificada e classificação de risco, de acordo com protocolos estabelecidos; IV - Realizar estratificação de risco e elaborar plano de cuidados para as pessoas que possuem condições crônicas no território, junto aos demais membros da equipe; V - Realizar atividades em grupo e encaminhar, quando necessário, usuários a outros serviços, conforme fluxo estabelecido pela rede local; VI - Planejar, gerenciar e avaliar as ações desenvolvidas pelos técnicos/auxiliares de enfermagem, ACS e ACE em conjunto com os outros membros da equipe; VII - Supervisionar as ações do técnico/auxiliar de enfermagem e ACS; VIII - Implementar e manter atualizados rotinas, protocolos e fluxos relacionados a sua área de competência na UBS; e IX - Exercer outras atribuições conforme legislação profissional, e que sejam de responsabilidade na sua área de atuação.

(grifei)

A norma ministerial infralegal no inciso II, estabeleceu permissão para realizar consulta de enfermagem, procedimentos, solicitar exames complementares, prescrever medicações conforme protocolos, diretrizes clínicas e terapêuticas, ou outras normativas técnicas estabelecidas pelo gestor federal, estadual, municipal ou do Distrito Federal.

Entretanto, a própria norma fez, no final do dispositivo uma importante ressalva: “observadas as disposições legais da profissão”.

Consoante, o inciso IX, estabelece que os enfermeiros poderiam exercer outras atribuições conforme legislação profissional, e que sejam de responsabilidade na sua área de atuação.

Claramente a norma vincula a prática dos atos de enfermagem a protocolos, diretrizes clínicas e terapêuticas e a outras normativas técnicas que observem rigorosamente o disposto na Lei.

E não poderia ser de outra forma, em respeito ao Princípio da Legalidade da Administração Pública.

Nesse escopo, Portaria ministerial, por se tratar de norma infralegal, não poderia permitir ao enfermeiro a prática da inserção de DIU, por se tratar de procedimento que como já amplamente demonstrado, é ato privativo de médico pelo disposto na Lei nº 12.842/2013, art. 4º inc. III c/c § 4º inc. III, § 5º inc. IX e § 7º.

Adotar entendimento que dispositivos da Portaria ministerial balizam a prática de inserção de DIU por enfermeiros, significaria torná-los nulos de pleno direito por serem manifestamente ilegais.


8. DA NOTA TÉCNICA Nº 5/2018-CGSMU/DAPES/SAS/MS

Exarada em fevereiro de 2018, pela Área Técnica da Saúde da Mulher, subordinada ao Departamento de Ações Programáticas Estratégicas (DAPES) subordinado a Secretária de Atenção à Saúde (SAS) do Ministério da Saúde, trata da realização do procedimento de inserção do DIU de cobre (DIU Tcu 380A) por Enfermeiros(as).

Referida Nota Técnica conclui que:

O Ministério da Saúde considera que os(as) enfermeiros(as) e enfermeiros(as) obstétricos (as) e obstetrízes podem realizar o procedimento de inserção de DIU TCu 380A no âmbito da Atenção Básica e das maternidades (como anticoncepção pós-parto e pós-abortamento), respectivamente, desde que tenham sido treinados para tal.

Entretanto, referida Nota Técnica, fundamenta sua conclusão no PARECER Nº 17/2010/ COFEN/ CTLN, nos Protocolos da Atenção Básica publicados pelo Ministério da Saúde de acordo com as atribuições de Enfermeiro fixadas na Política Nacional de Atenção Básica e na Resolução do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) nº 358/2009.

Ou seja, nada de novo em termos de legalidade trouxe a referida Nota Técnica, limitando-se a reproduzir um resumo dos argumentos já elencados pelo PARECER Nº 17/2010/COFEN/CTLN.

Sequer levou em consideração os Pareceres exarados pelo Conselho Federal de Medicina e menos ainda, submeteu a análise jurídica à luz do correto entendimento do disposto nas Leis 12.842/2013 e 7498/86.

A Nota Técnica, portanto, fere frontalmente o Princípio da Legalidade Administrativa, sendo nula de pleno direito, devendo ser imediatamente revogada.


9. DO MANUAL TECNICO DO MINISTÉRIO DA SAÚDE PARA PROFISSIONAIS DE SAÚDE – DIU COM COBRE T Cu 380 A (2018)

O Manual Técnico supracitado, constitui uma forma de diretriz clínica e terapêutica oficial do Ministério da Saúde.

Referido Manual estabelece que (página 22):

O DIU deve ser alojado corretamente no útero, o que torna mínimo o desconforto para a mulher e o risco de expulsão.

A inserção pode ser feita por profissional médica(o) ou enfermeira(o) treinada(o)e não deve ser uma prática exclusiva do especialista ou vinculada à realização de exames complementares, como ultrassonografia de rotina.

No Brasil, como em outros países, há amparo legal (Anexo 3) para a prática da(o) enfermeira(o) no que se refere à inserção do DIU, desde que a(o) profissional seja devidamente capacitado para a execução da técnica.

A inserção do DIU pode ocorrer na consulta médica ou de enfermagem, desde que os critérios de elegibilidade sejam atendidos e haja manifestação do desejo por parte da mulher. (grifei)

O Anexo 3 ao que se refere como “amparo legal” é o PARECER Nº 17/2010/COFEN/CTLN.

Nessa esteira, usar um “parecer” como amparo legal para validar uma norma ministerial ofende gravemente o ordenamento jurídico e os alicerces do direito administrativo, principalmente o Princípio da Legalidade Administrativa.

Desta feita, a diretriz estabelecida no Manual supracitado é também nula de pleno direito e deve ser retirada.


10. DO PARECER DA FEBRASGO

A Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO), em 17 de dezembro de 2018, após a publicação da Nota técnica n°5/2018-CGSMU/DAPES/SAS/MS, publicou Nota de Esclarecimento da FEBRASGO sobre colocação de DIU por enfermeiros (as), salientando que :

(...) O procedimento de inserção caracteriza-se pela introdução do dispositivo dentro da cavidade do útero, órgão essencial e imprescindível para o processo de reprodução humana natural.

O procedimento não é isento de riscos e complicações, que devem ser prontamente identificados e corrigidos.

Entre complicações conhecidas podem ser citadas: perfuração da cavidade uterina, sangramento, perfuração da bexiga, lesão de alças intestinais, reação vagal, entre outros.

O procedimento de inserção do DIU e o tratamento de eventuais complicações que possam ocorrer na sua inserção são atos privativos do médico, conforme preceitua o Art 4º, § 4º da Lei Federal nº 12.842 de 2013.

A inserção do DIU é um procedimento invasivo em que, para a inserção do dispositivo, é necessário haver a invasão do corpo humano pelo orifício do colo uterino, atingindo o interior do útero.

É responsabilidade do médico a realização deste procedimento.

(grifei)

Sobre os autores
Alejandro Enrique Barba Rodas

Médico. Especialista em Medicina Intensiva. Assistente técnico.

Diana Fontes de Barba

Advogada. Especialista em Direito Médico e Hospitalar. Barros, Barba & Cerqueira. Advocacia e Consultoria jurídica.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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