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A tipificação do feminicídio sob a ótica do homicídio de mulheres na comarca de Ariquemes (RO)

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Agenda 16/12/2019 às 11:38

4. FEMINICÍDIO

A primeira vez que se falou o termo “Feminicídio” ou “Femicídio” foi em 1974 pela antropóloga Marcela Lagarde7 e, posteriormente, no ano de 1976 apresentados ao mundo pela ativista feminista e escritora Diana Russell8 durante seu depoimento ao Tribunal Internacional de Crimes Contra Mulheres que tratava dos crimes em decorrência do gênero, crimes misóginos, ou seja, crimes que ocorriam em aversão a mulheres, pelo fato de serem mulheres.

Silva (2017, p. 08) assim discorre acerca das expressões Feminicídio e Femicídio:

[...] surgiram como alternativa à palavra “homicídio”, tendo como objetivo político o reconhecimento e visibilidade da discriminação, opressão, desigualdade e violência sistemática contra a mulher! “Femicídio” e “Feminicídio” são termos que foram cunhados para designar a morte de mulheres em razão do gênero, isto é, por serem mulheres.

Galvão (2017, p. 10) define o termo Feminicídio:

[...] feminicídio é a expressão extrema, final e fatal das diversas violências que atingem as mulheres em sociedades marcadas pela desigualdade de poder entre os gêneros masculino e feminino e por construções históricas, culturais, econômicas, políticas e sociais discriminatórias.

Ainda segundo Galvão apud Dinis (2017, p.11) “o feminicídio pode ser entendido como um novo tipo penal, ou seja, aquilo que está registrado na lei brasileira como qualificadora do crime de homicídio”.

Para a supracitada o feminicídio deve ser compreendido como o arrebatamento da vida de mulheres – é um mecanismo utilizado pelo homem como instância fatal de controle da vida e morte – é seu instrumento de subjugação de posse sobre os indivíduos do gênero feminino.

“O feminicídio é a instância última de controle da mulher pelo homem: o controle da vida e da morte. Ele se expressa como afirmação irrestrita de posse, igualando a mulher a um objeto, quando cometido por parceiro ou ex-parceiro; como subjugação da intimidade e da sexualidade da mulher, por meio da violência sexual associada ao assassinato; como destruição da identidade da mulher, pela mutilação ou desfiguração de seu corpo; como aviltamento da dignidade da mulher, submetendo-a a tortura ou a tratamento cruel ou degradante” ( Relatório Final, CPMI-VCM, 2013 ).

Para a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito sobre Violência contra a Mulher (2013) o feminicídio é o ato extremo de violação ao princípio da dignidade da pessoa humana; é a maior violação aos direitos humanos das mulheres, não condizente ao Estado Democrático de Direito e aos Princípios basilares da Cidadania e Igualdade.

Bandeira (2013) enfatiza que o feminicídio é o extermínio misógino, pela mera condição do gênero; é uma barbárie de extraordinária violação ao direito a vida, motivado pelo ódio, desprezo ou sentimento de posse sobre a mulher.

O feminicídio representa a última etapa de um continuum de violência que leva à morte. Precedido por outros eventos, tais como abusos físicos e psicológicos, que tentam submeter as mulheres a uma lógica de dominação masculina e a um padrão cultural que subordina a mulher e que foi aprendido ao longo de gerações, trata-se, portanto, de parte de um sistema de dominação patriarcal e misógino (BANDEIRA, 2013, p. 1/6).

Para a referida autora o feminicídio faz parte da cultura patriarcal, não sendo um mal que acomete apenas o Brasil. É um ato cruel que traz consigo e propaga o conceito de que a mulher é um ser inferior ao homem.

Ainda segundo a aludida o feminicídio é marcado pela premeditação e a intencionalidade em destruir, em devastar o corpo da mulher, chegando, em muitos casos a desfigurá-lo.

O feminicídio é um crime de ódio que tem por finalidade a destruição da vida da mulher e, não deve mais ser encarado meramente como um crime passional, mas como um ato de extrema violência que vitimiza mulheres ao redor do mundo.

Bandeira (2013) discorre que o feminicídio é uma forma contemporânea de caça às bruxas, uma guerra mundial misógina com o intuito de manter o controle sobre a mulher, decidindo quando e como esta deve viver ou morrer.

Para a supracitada o feminicídio é mais do que o assassinato de mulheres, tornou-se um problema de saúde pública, é uma violência política que não apresenta limites e que expõe à sociedade a triste situação de vulnerabilidade a que milhares de mulheres são reféns.

O feminicídio é a exposição de um exacerbado conflito social e o mundo hoje para as mulheres é um gigantesco campo de concentração, de abate.

Zibechi (2016) assim pondera acerca do feminicídio: “La nueva caza de breijas, ahora sin juicios ni formalidades, sino a bala limpia, es parte de la cuarta guerra mundial”.

Segundo o autor, o feminicídio é a decretação à pena capital sem as formalidades de um julgamento, sem o direito a uma defesa, ao contraditório. É a eliminação da mulher como um povo. O assassinato das mulheres é o nó dessa guerra, é o declínio de uma sociedade que se diz democratizada

Devemos compreender o feminicídio como uma afronta a dignidade do ser humano, como um sistema de aniquilação misógino que não reconhece os direitos humanos das mulheres.

O quadro de violência contra a mulher de forma global nos permite aduzir que não se limita a cor, etnia/nacionalidade,, origem idade, cultura, status social ou estado civil, independe de características físicas ou psicológicas; todos os dias ao redor do mundo milhares de mulheres são vítimas da violência de gênero e, isso ainda se deve ao pensamento arcaico patriarcal de dominação, de controle, do sentimento de posse sobre a mulher que resulta muitas vezes no assassinato destas e às vezes até a desconfiguração do seu corpo.

O Brasil não foge essa triste realidade, sendo um dos países em que mais se mata mulheres por questão de gênero, ocupando a quinta posição neste fático ranking, onde a cada 10 minutos uma mulher é assassinada por seu companheiro, ex-companheiro, namorados, ex-namorados, amasios, parentes em linha direta ou colateral, até mesmo por outros desconhecidos que alimentam um ódio profundo e mortal pelas mulheres e no menor sinal de contrariedade a sua autoridade masculina, acende-se o estopim para as mortes.

Dos feminicídios registrados na América Latina, 40% ocorreram no Brasil e, nas primeira horas do ano de 2019, só na cidade de São Paulo foram registrados quatro casos de feminicídio e na Comarca de Ariquemes, mais precisamente na cidade de Cujubim de Rondônia, o mais recente ocorreu no dia 31 de dezembro e foi solucionado nos primeiros dias de janeiro de 2019, ao que tudo indica o marido cometeu suicídio dias depois.

O feminicídio no Brasil se propaga como uma erva daninha que tem a priori de controlar e decidir o tempo e a liberdade de viver de uma mulher.

Segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, no ano passado, a cada hora, 536 mulheres sofreram algum tipo de agressão no Brasil. Foram, pelo menos, 4,7 milhões de vítimas.

Em 76,4% dos casos, o agressor era conhecido da vítima e 42% das agressões aconteceram em casa.

23,8% das agressões foram feitos pelo marido, companheiro ou namorado, 15,2% por um ex-relacionamento e 21,1% por vizinhos. 29% dos casos aconteceram na rua, 8% pela internet, 8% no trabalho e 3% no bar ou balada (G1, 2019).

O feminicídio só irá se resolver quando as vítimas perderem o medo de denunciar os primeiros sinais de subjugação masculina e, principalmente quando o Estado entender que é necessário a integração de ações com todos os setores, começando pela prevenção e divulgação nos ambientes escolares, passando pelos órgão relacionados a justiça e a assistência social, porque o que essas vítimas precisam entender é que não estão sozinhas e o que país irá velar pela sua segurança.

4.1. A TIPIFICAÇÃO DO FEMINICÍDIO: LEI 13.104 DE 09 DE MARÇO DE 2015

A Lei n.13.104, de 09 de março de 2015 emergiu para tipificar e qualificar o homicídio praticado contra mulheres, incluindo o feminicídio no rol dos crimes hediondos no Brasil.

É a partir do sancionamento deste dispositivo que os homicídios cometidos exclusivamente pelo fato da vítima ser do sexo feminino, ou seja, por questão do gênero, passa a figurar como homicídio qualificado, com pena majorada – nasce o homicídio qualificado como “feminicídio”, onde o sujeito passivo é a mulher e o crime ocorre tão somente pelo fato desta ser do sexo feminino.

A Lei n. 13.104/15 criou mais uma condição/circunstância qualificadora para o crime de homicídio tratado no art. 121. do Código Penal Brasileiro, incluindo em seu§2º o inciso VI, acrescentando o §2º-A, incisos I e II e majorou a pena disposta no §7º, incisos II e III, também alterou o rol taxativo do art. 1º da Lei n. 8.072/90 (Lei de Crimes Hediondos).

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Antes da promulgação da Lei n. 13.104/15, os dispositivos legais citados acima, assim vigoravam:

Art. 121. do Decreto-Lei n. 2.848. de 07 de dezembro de 1940:

Homicídio simples

Art. 121. Matar alguém:

Pena - reclusão, de seis a vinte anos.

Caso de diminuição de pena

§ 1º Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço.

Homicídio qualificado

§ 2° Se o homicídio é cometido:

I - mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe;

II - por motivo fútil;

III - com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum;

IV - à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido;

V - para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime:

Pena - reclusão, de doze a trinta anos.

Homicídio culposo

§ 3º Se o homicídio é culposo: (Vide Lei nº 4.611, de 1965)

Pena - detenção, de um a três anos.

Aumento de pena

§ 4o No homicídio culposo, a pena é aumentada de 1/3 (um terço), se o crime resulta de inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício, ou se o agente deixa de prestar imediato socorro à vítima, não procura diminuir as consequências do seu ato, ou foge para evitar prisão em flagrante. Sendo doloso o homicídio, a pena é aumentada de 1/3 (um terço) se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 (quatorze) ou maior de 60 (sessenta) anos. (Redação dada pela Lei nº 10.741, de 2003)

Art. 1º da Lei n. 8.072. – Lei dos Crimes Hediondos de 25 de julho de 1990:

Art.1º São considerados hediondos os seguintes crimes, todos tipificados no Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, consumados ou tentados:

I – homicídio (art. 121), quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente, e homicídio qualificado (art. 121, § 2o, I, II, III, IV e V);

II – latrocínio (art. 157, § 3o, in fine);

III – extorsão qualificada pela morte (art. 158, § 2o);

IV – extorsão mediante sequestro e na forma qualificada (art. 159, caput, e §§ lo, 2o e 3o);

V – estupro (art. 213. e sua combinação com o art. 223, caput e parágrafo único);

VI - atentado violento ao pudor (art. 214. e sua combinação com o art. 223, caput e parágrafo único);

VII - falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais (art. 273, caput e § 1°, § 1°-A e § 1°-B, com a redação dada pela Lei n° 9.677, de 2 de julho de 1998).

Parágrafo único - Considera-se também hediondo o crime de genocídio previsto nos arts. 1º, 2º e 3º da Lei nº 2.889, de 1º de outubro de 1956, tentado ou consumado.

Posteriormente, com a sanção da Lei do Feminicídio, pela então Presidente da República, Dilma Rousseff, no dia 09 de março de 2015, o art. 121. do Decreto-Lei n. 2.848, de 07 de dezembro de 1940 – Código Penal Brasileiro e o art. 1º da Lei n. 8.072, de 25 de julho de 1990 foram alterados para que o feminicídio entrasse no rol dos crimes hediondos como mais uma das circunstâncias qualificadoras do crime de homicídio. Os dispositivos legais em epígrafe passaram a vigorar com as seguintes redações, in verbis:

Art. 121. do Decreto-Lei n. 2.848. de 07 de dezembro de 1940:

Homicídio simples

Art. 121. Matar alguém:

Pena - reclusão, de seis a vinte anos.

Caso de diminuição de pena

§ 1º Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço.

Homicídio qualificado

§ 2° Se o homicídio é cometido:

I - mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe;

II - por motivo fútil;

III - com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum;

IV - à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido;

V - para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime:

Pena - reclusão, de doze a trinta anos.

Feminicídio (Incluído pela Lei nº 13.104, de 2015)

VI - contra a mulher por razões da condição de sexo feminino: (Incluído pela Lei nº 13.104, de 2015)

VII – contra autoridade ou agente descrito nos arts. 142 e 144 da Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição: (Incluído pela Lei nº 13.142, de 2015)

Pena - reclusão, de doze a trinta anos.

§ 2o-A Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve: (Incluído pela Lei nº 13.104, de 2015)

I - violência doméstica e familiar; (Incluído pela Lei nº 13.104, de 2015)

II - menosprezo ou discriminação à condição de mulher. (Incluído pela Lei nº 13.104, de 2015)

Homicídio culposo

§ 3º Se o homicídio é culposo: (Vide Lei nº 4.611, de 1965)

Pena - detenção, de um a três anos.

Aumento de pena

§ 4o No homicídio culposo, a pena é aumentada de 1/3 (um terço), se o crime resulta de inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício, ou se o agente deixa de prestar imediato socorro à vítima, não procura diminuir as consequências do seu ato, ou foge para evitar prisão em flagrante. Sendo doloso o homicídio, a pena é aumentada de 1/3 (um terço) se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 (quatorze) ou maior de 60 (sessenta) anos. (Redação dada pela Lei nº 10.741, de 2003)

§ 5º - Na hipótese de homicídio culposo, o juiz poderá deixar de aplicar a pena, se as consequências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária. (Incluído pela Lei nº 6.416, de 24.5.1977)

§ 6o A pena é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime for praticado por milícia privada, sob o pretexto de prestação de serviço de segurança, ou por grupo de extermínio. (Incluído pela Lei nº 12.720, de 2012)

§ 7o A pena do feminicídio é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime for praticado: (Incluído pela Lei nº 13.104, de 2015)

I - durante a gestação ou nos 3 (três) meses posteriores ao parto; (Incluído pela Lei nº 13.104, de 2015)

II - contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos, com deficiência ou portadora de doenças degenerativas que acarretem condição limitante ou de vulnerabilidade física ou mental; (Redação dada pela Lei nº 13.771, de 2018)

III - na presença física ou virtual de descendente ou de ascendente da vítima; (Redação dada pela Lei nº 13.771, de 2018)

IV - em descumprimento das medidas protetivas de urgência previstas nos incisos I , II e III do caput do art. 22. da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006. (Incluído pela Lei nº 13.771, de 2018).

Art. 1º da Lei n. 8.072. – Lei dos Crimes Hediondos de 25 de julho de 1990:

Art. 1º São considerados hediondos os seguintes crimes, todos tipificados no Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, consumados ou tentados:

I - homicídio (art. 121), quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente, e homicídio qualificado (art. 121, § 2º, I, II, III, IV e V);

II - latrocínio (art. 157, § 3º, in fine);

III - extorsão qualificada pela morte (art. 158, § 2º);

IV - extorsão mediante sequestro e na forma qualificada (art. 159, caput e §§ 1º, 2º e 3º);

V - estupro (art. 213. e sua combinação com o art. 223, caput e parágrafo único);

VI - atentado violento ao pudor (art. 214. e sua combinação com o art. 223, caput e parágrafo único);

VII - falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais (art. 273, caput e § 1°, § 1°-A e § 1°-B, com a redação dada pela Lei n° 9.677, de 2 de julho de 1998).

Parágrafo único - Considera-se também hediondo o crime de genocídio previsto nos arts. 1º, 2º e 3º da Lei nº 2.889, de 1º de outubro de 1956, tentado ou consumado.

Com estas alterações, a Lei do Feminicídio trouxe um novo panorama, já que passou a prever expressamente o homicídio de mulheres por questão de gênero como crime hediondo, tanto em sua forma tentada quanto consumada.

Menezes (2015) destaca que com a promulgação da Lei n. 13.104/15 – Lei do Feminicídio, a República Federativa do Brasil tornou-se o 16º país da América do Sul a trazer esta previsão em seu ordenamento jurídico e, para que se configure o feminicídio é imprescindível que estejam presentes, minuciosamente os requisitos típicos e qualificadores deste delito.

4.1.1. Requisitos típicos

Para que o assassinato de uma mulher seja tipificado como feminicídio o legislador ao editar a Lei n. 13.104/15 definiu os requisitos típicos necessários para este enquadramento.

O feminicídio ocorrerá nos casos exclusivamente de homicídios que tenham como sujeito passivo a mulher, por razão de ser do sexo feminino; quando o crime ocorrer no âmbito doméstico/ familiar; por mero desestimo e discriminação à condição de mulher.

Destaca-se que o feminicídio não está somente entrelaçado as relações domésticas ou familiares, porquanto o feminicídio pode ser configurado em outros ambientes, ou seja, ocorrer por desestimo, por não se aceitar a igualdade entre os gêneros.

4.1.2. Sujeito passivo

O sujeito passivo nos crimes tipificados como feminicídio sempre será a mulher, mesmo que esta tenha uma orientação sexual diferente do seu gênero biológico ou que esteja vivendo uma relação homoafetiva.

A lei é taxativa quanto ao sujeito passivo, referindo-se única e excepcionalmente à vítima mulher (sexo biológico), não admitindo, portanto, que seja enquadrada como vítima de feminicídio uma pessoa do sexo masculino, mesmo que sua orientação sexual seja diferente de seu sexo biológico9.

Apesar da Lei do Feminicídio, taxativamente entender que o sujeito passivo seja a mulher (sexo biológico), essa é a literalidade da Lei 13.104/15, no entanto a própria Lei Maria da Penha já figura em alguns casos com entendimento de que mulher deve ser entendido em um sentido amplo, ou seja, biológico, jurídico ou psicológico.

Fato que o próprio STF ao julgar a ADI (4275) conferiu interpretação diversa ao sexo biológico, conferindo interpretação com base no art. 58. da Lei n° 6.015/1973 (Lei dos Registros Públicos) que reconheceu a alteração de prenome masculino para prenome feminino, mesmo sem a cirurgia de transgenitalização.

Em suma, o que se observa na jurisprudência acerca da possibilidade de um transgênero, travesti, transsexual figurar no polo passivo da qualificadora do crime de feminicídio, vai depender da análise e prolação da pronúncia.

4.1.3. Razão da condição de sexo feminino

Ao ser editada a Lei n. 13.104/15 trazia como sujeito passivo a terminologia “gênero feminino” o que acabou por ser substituída pela expressão “condição de sexo feminino”. Tal alteração terminológica não alterou a interpretação da lei, pois o sujeito passivo continua a ser a mulher e a violência permanece vinculada e motivada pelo gênero da vítima.

A configuração para o feminicídio mesmo com alteração das expressões acima, continua a exigir que no polo passivo a vítima seja a mulher e que o homicídio ocorre motivação por esta condição do sexo feminino conforme elenca o §2º-A do art. 121. do CP e, que além do já descrito, que o delito ocorra nas seguintes condições: no âmbito doméstico ou familiar contra mulher, independentemente da idade (criança, adulta, idosa), por menosprezo ou discriminação à condição de ser do sexo feminino.

Destaca-se que a violência doméstica e familiar está definida no art. 5º da Lei n. 11.340/06 – Lei Maria da Penha e quanto ao menosprezo ou discriminação ao sexo feminino encontra-se delimitada nos arts. 1º e 2º da CEDAW (1979) e como qualificadora no §2º-A do Código Penal Brasileiro. In verbi:

Artigo 1º Para os fins da presente Convenção, a expressão “discriminação contra a mulher” significará toda a distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo e que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício pela mulher, independentemente de seu estado civil, com base na igualdade do homem e da mulher, dos direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo.

Artigo 2º Os Estados-Partes condenam a discriminação contra a mulher em todas as suas formas, concordam em seguir, por todos os meios apropriados e sem dilações, uma política destinada a eliminar a discriminação contra a mulher, e com tal objetivo se comprometem a:

a) consagrar, se ainda não o tiverem feito, em suas constituições nacionais ou em outra legislação apropriada, o princípio da igualdade do homem e da mulher e assegurar por lei outros meios apropriados à realização prática desse princípio;

b) adotar medidas adequadas, legislativas e de outro caráter, com as sanções cabíveis e que proíbam toda discriminação contra a mulher;

c) estabelecer a proteção jurídica dos direitos da mulher numa base de igualdade com os do homem e garantir, por meio dos tribunais nacionais competentes e de outras instituições públicas, a proteção efetiva da mulher contra todo ato de discriminação;

d) abster-se de incorrer em todo ato ou a prática de discriminação contra a mulher e zelar para que as autoridades e instituições públicas atuem em conformidade com esta obrigação;

e) tomar as medidas apropriadas para eliminar a discriminação contra a mulher praticada por qualquer pessoa, organização ou empresa;

f) adotar todas as medidas adequadas, inclusive de caráter legislativo, para modificar ou derrogar leis, regulamentos, usos e práticas que constituam discriminação contra a mulher;

g) derrogar todas as disposições penais nacionais que constituam discriminação contra a mulher.

O feminicídio segundo Gomes (2015) ocorre quando o agente alimenta diminuído ou nenhum apreço pela vítima, nutrindo sentimentos ruins, bem como o desprezo e discriminação pelo fato desta ser do sexo feminino.

4.1.4. Causas de aumento da pena

As causas de aumento da pena no delito do feminicídio foram sobrepostas pelo legislador ao art. 121. do Código Penal onde foi adido o §7º que majorou a pena para o feminicídio de 1/3 até a metade se o delito for praticado nas seguintes condições:

§ 7o A pena do feminicídio é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime for praticado: (Incluído pela Lei nº 13.104, de 2015)

I - durante a gestação ou nos 3 (três) meses posteriores ao parto; (Incluído pela Lei nº 13.104, de 2015)

II - contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos, com deficiência ou portadora de doenças degenerativas que acarretem condição limitante ou de vulnerabilidade física ou mental; (Redação dada pela Lei nº 13.771, de 2018)

III - na presença física ou virtual de descendente ou de ascendente da vítima; (Redação dada pela Lei nº 13.771, de 2018)

IV - em descumprimento das medidas protetivas de urgência previstas nos incisos I , II e III do caput do art. 22. da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006. (Incluído pela Lei nº 13.771, de 2018).

Para Gomes (2015), o juiz deverá analisar cada caso concreto e observar cada majorante levando em consideração o conhecimento do agente sobre cada uma das circunstâncias majoradoras descritas no §7º do art. 121. do CP, incisos I, II, III e IV10, pois o desconhecimento de qualquer majorante irá acarretar erro de tipo e, portanto, uma excludente de aumento de pena.

A fim de que haja a aplicação da majorante prevista no inciso I, do §7º, apesar da lei não ditar como ocorrerá à contagem trimestral determinada pela majorante, tal período deve compreender ao período posterior ao rompimento do saco gestacional, já que somente a partir deste momento é que temos o início do processo extrauterino.

A aplicação desta majorante ao agente é imprescindível que ele tenha o conhecimento de que a vítima se encontrava grávida; o agente precisa ter ciência da situação da vítima.

No que tange aos incisos II, III e IV, §7º do art. 121. do CP, Menezes (2015) assevera que mesmo que o §4º do art. 121. preveja uma majorante para os homicídios praticados contra menores de 14 anos ou maiores de 60 anos, aplicar-se-á ao agente a majorante descrita para os delitos de feminicídio, pois a Lei do Feminicídio é uma lei especial que prevalece sobre a lei geral.

Igualmente, não há que se falar nas agravantes previstas no art. 61do CP, sob pena de bis in idem.

Ainda segundo a autora, a pena também será majorada de 1/3 à metade se for cometido contra deficiente física ou mental. Destaca-se que a deficiência deve ser comprovada por laudo pericial, e o agente deve ter conhecimento de que a vítima seja portadora de qualquer deficiência, a pena também será majorada de 1/3 à metade se o agente praticar o delito em descumprimento de qualquer medida protetiva/ assegurativa da Lei Maria da Penha.

No que tange à deficiência física ou mental, estas se encontram delimitadas no Decreto-Lei n. 3.298, de 20 de dezembro de 1999, que regulamentou a Lei n. 7.853, de 24 de outubro de 1989 que assim dispõe acerca da pessoa com deficiência, em seus arts. 3º e 4º, note:

Art. 3o Para os efeitos deste Decreto, considera-se:

I - deficiência – toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica que gere incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser humano;

II - deficiência permanente – aquela que ocorreu ou se estabilizou durante um período de tempo suficiente para não permitir recuperação ou ter probabilidade de que se altere, apesar de novos tratamentos; e

III - incapacidade – uma redução efetiva e acentuada da capacidade de integração social, com necessidade de equipamentos, adaptações, meios ou recursos especiais para que a pessoa portadora de deficiência possa receber ou transmitir informações necessárias ao seu bem-estar pessoal e ao desempenho de função ou atividade a ser exercida.

Art. 4o É considerada pessoa portadora de deficiência a que se enquadra nas seguintes categorias:

I - deficiência física - alteração completa ou parcial de um ou mais segmentos do corpo humano, acarretando o comprometimento da função física, apresentando-se sob a forma de paraplegia, paraparesia, monoplegia, monoparesia, tetraplegia, tetraparesia, triplegia, triparesia, hemiplegia, hemiparesia, ostomia, amputação ou ausência de membro, paralisia cerebral, nanismo, membros com deformidade congênita ou adquirida, exceto as deformidades estéticas e as que não produzam dificuldades para o desempenho de funções; (Redação dada pelo Decreto nº 5.296, de 2004)

II - deficiência auditiva - perda bilateral, parcial ou total, de quarenta e um decibéis (dB) ou mais, aferida por audiograma nas frequências de 500HZ, 1.000HZ, 2.000Hz e 3.000Hz; (Redação dada pelo Decreto nº 5.296, de 2004)

III - deficiência visual - cegueira, na qual a acuidade visual é igual ou menor que 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; a baixa visão, que significa acuidade visual entre 0,3 e 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; os casos nos quais a somatória da medida do campo visual em ambos os olhos for igual ou menor que 60o; ou a ocorrência simultânea de quaisquer das condições anteriores; (Redação dada pelo Decreto nº 5.296, de 2004)

IV - deficiência mental – funcionamento intelectual significativamente inferior à média, com manifestação antes dos dezoito anos e limitações associadas a duas ou mais áreas de habilidades adaptativas, tais como:

a) comunicação;

b) cuidado pessoal;

c) habilidades sociais;

d) utilização dos recursos da comunidade; (Redação dada pelo Decreto nº 5.296, de 2004)

e) saúde e segurança;

f) habilidades acadêmicas;

g) lazer; e

h) trabalho;

V - deficiência múltipla – associação de duas ou mais deficiências.

De fato, são várias as formas de deficiência, podendo ser permanentes ou temporárias, no entanto, para a majoração é taxativamente cogente à comprovação, através de laudo pericial e que o agente tenha ciência desta especialidade.

A majoração da pena também ocorrerá se o delito for cometido na presença física, através das redes sociais ou até por telefone (ouvindo o delito) dos ascendentes ou descendentes da vítima, haja vista o caráter reprovador de tal atrocidade e os traumas que a pessoa que presenciou carregará por toda vida em decorrência da ação criminosa do agente.

4.1.5. O feminicídio como crime hediondo

O crime de feminicídio foi incluído, como já explanado no curso desta pesquisa, no rol de crimes hediondos por trazer para mais uma qualificadora para o crime de homicídio doloso, previsto no art. 121. do Código Penal que, a partir do dia 09 de março de 2015, passou a vigorar com o inciso VI acrescido ao §2º, também foi aditado o §2º-A, incisos I e II, bem como §7º que aduz algumas circunstâncias onde haverá a majoração da pena.

A Lei 13.104/15 através do seu art. 2º modificou o rol dos crimes hediondos no que tange ao crime de homicídio doloso, dando nova redação a Lei nº.8.072/90, a saber “Art. 1o […] I - homicídio (art. 121), quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente, e homicídio qualificado (art. 121, § 2o, I, II, III, IV, V e VI).

O feminicídio é um crime dogmaticamente lidado, indiscutivelmente hediondo e, goza de todos os rigores atribuídos a todo e qualquer crime teratológico, isto quer dizer que aos condenados pelo delito de feminicídio a pena será de reclusão com regime inicial fechado, também não poderão gozar da anistia, indulto e graça, mas como todo sistema penal poderá progredir de regime nas seguintes hipótese: ao condenado primário ocorrerá a progressão do regime mais gravoso para o menos gravoso quando este cumprir 2/5 da pena a ele aplicada e aos reincidentes em crimes hediondo ou equiparados deverá cumprir 3/5 da pena.

Durante qualquer fase do inquérito policial a prisão temporária poderá ser decretada a pedido da autoridade policial e decretada pelo juiz se preenchidos os requisitos autorizadores, a prisão temporário para o crime de feminicídio, assim como em qualquer crime hediondo será de 30 dias podendo ser prorrogável por igual período ou convertida em prisão preventiva para garantia da ordem pública ou para garantir a aplicação da sanção penal.

4.1.6. Competência para o julgamento do crime de feminicídio

Por se tratar de crime doloso contra a vida, quer tentado ou consumado, a competência para julgar o crime de feminicídio será do Tribunal do Júri, conforme dispõe o art. 5º, inciso XXXVIII, alínea “d” da Constituição Federal:

Art. 5º ................:

XXXVIII - e reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados:

a) ..................

b) ..................

c) ..................

d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida;

O art. 74. do Decreto-Lei 3.689/1941 – Código de Processo Penal, assim realça:

Art. 74. A competência pela natureza da infração será regulada pelas leis de organização judiciária, salvo a competência privativa do Tribunal do Júri.

§ 1º Compete ao Tribunal do Júri o julgamento dos crimes previstos nos arts. 121, §§ 1º e 2º, 122, parágrafo único, 123, 124, 125, 126 e 127 do Código Penal, consumados ou tentados.

A saber, os crimes dolosos contra vida estão previstos nos arts. 121. a 127 do Código Penal: art. 121. (Homicídio); art.122 (Instigação ou participação em suicídio); art. 123. (Infanticídio); art. 124. (Aborto); art. 125. (Aborto provocado por terceiro sem consentimento da gestante); art. 126. (Aborto provocado por terceiro com consentimento da gestante).

Estes delitos exigem, via de regra, um julgamento colegiado e isto também se aplicará aos casos em que houver crimes conexos.

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