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O INDULTO E A EXCLUDENTE DE ILICITUDE

Agenda 24/12/2019 às 10:00

O ARTIGO DISCUTE SOBRE O INDULTO DE NATAL NO ANO DE 2019.

O INDULTO E A EXCLUDENTE DE ILICITUDE

Rogério Tadeu Romano

I – O FATO

Observe-se ainda o que foi divulgado no site do jornal O Globo, no dia 23 de dezembro, segunda-feira:

“O presidente da República, Jair Bolsonaro, assinou nesta segunda-feira decreto que concedeu indulto de Natal a agentes de segurança pública que tenham sido condenados por "excesso culposo" ou legítima defesa, desde que tenham cumprido um sexto da pena.

A regra só vale para quem cometeu o crime "no exercício da função ou em decorrência dela". Condenados por crimes dolosos não serão beneficiados pela medida.

Além do benefício a policiais, também haverá a concessão do indulto de caráter "humanitário", com regras para todos os presos. O decreto deve ser publicado no Diário Oficial da União nesta terça-feira.

O decreto também vai beneficiar militares das Forças Armadas empregados em operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO). O presidente Bolsonaro já havia manifestado desejo de que o indulto seguisse os parâmetros do projeto de lei que prevê excludente de ilicitude para militares envolvidos em GLO. Bolsonaro também chegou a afirmar, na última semana, que estudava a possibilidade de conceder o perdão das penas individualmente.

Nas últimas semanas, o presidente Jair Bolsonaro afirmou reiteradas vezes que buscava uma forma de incluir benefícios para essas categorias no indulto, que geralmente tem apenas aspecto humanitário e não faz distinções entre os beneficiários.”

A medida incluiria casos de crimes não hediondos como homicídios simples praticados por agentes de segurança para eliminar risco a eles. 

Por outro, incluiria hipótese semelhante ao excludente de ilicitude, ilógica porque é vaga demais, indo muito além da figura de legítima defesa, ao envolver apenas a ideia de “eliminar risco”. 

Em um país com níveis de guerra civil em termos de violência policial, tal categoria beira o escárnio, como observou a Folha de São Paulo, em 24 de dezembro do corrente ano.

II – O INDULTO E A POSSIBILIDADE DE APRECIAÇÃO PELO JUDICIÁRIO

As causas de exclusão da punibilidade são aqueles fatos ou atos jurídicos que impedem o Estado de exercer seu direito de punir os infratores da lei penal.

A punibilidade, lembre-se, não é requisito do crime, mas sua consequência.

As causas de extinção da punibilidade estão expostas no artigo 107 do Código Penal.

O indulto é o perdão coletivo, concedido independentemente de provocação. Mas diz-se que pode ser individual ou coletivo. O primeiro não deixa de ser uma forma de graça com outro nome e poderá ser provocado por petição do condenado, por iniciativa do Ministério Público, do Conselho Penitenciário ou da autoridade administrativa, que será encaminhado, com parecer do Conselho Penitenciário, ao Ministério da Justiça, onde será processado e depois submetido a despacho do Presidente da República. Por sua vez, o indulto coletivo é concedido independentemente de provocação, sem audiência dos órgãos técnicos, pelo Presidente da República, em ocasiões especiais, sendo uma tradição, o indulto coletivo, concedido, todos os anos, nas vésperas do Natal.

A graça e o indulto só cabem após o trânsito em julgado da sentença condenatória, extinguindo os efeitos da condenação e podem ser concedidos pelo Presidente da República.

A anistia, a graça e o indulto são formas de extinção da punibilidade, artigo 107, II, do Código Penal.

Necessário, por fim, estabelecer diferenças entre o indulto e a anistia: a) o indulto é para crimes comuns; a anistia, em regra, para crimes políticos; b) o indulto só é concedido após a condenação; a anistia pode ser antes ou depois da condenação; c) o indulto é concedido pelo Executivo; a anistia pelo Congresso Nacional; d) o indulto está sujeito a condições; a anistia, é, em regra, incondicional.

São a anistia, a graça e o indulto, a teor do artigo 107, II, do Código Penal, causas extintivas da punibilidade.

O instrumento pela qual se formaliza o indulto é um ato administrativo emanado do presidente da República.

Discute-se se o Judiciário, diante de um ato administrativo editado de forma discricionária pelo chefe do Executivo, pode adentrar em sua análise e reformá-lo.

III – A EXCLUDENTE DE ILICITUDE

O projeto do ministro Sérgio Moro desconhece os elementos componentes da legítima defesa; abre a porta à subjetividade, oferecendo licença para matar ao acrescentar parágrafo 2.º ao artigo 23, assim redigido: “O juiz poderá reduzir a pena até a metade ou deixar de aplicá-la se o excesso decorrer de escusável medo, surpresa ou violenta emoção”.

Quebra-se, com essa proposta, o eixo central da figura da legítima defesa, consistente em agir para fazer cessar uma agressão, com ânimo de se defender. Na hipótese apresentada por Moro, acolhe-se como legítima defesa uma agressão desnecessária, fazendo dessa excludente um escudo protetor da violência policial, tendo por desculpa o medo, a surpresa ou a violenta emoção, da parte daquele que é especificamente treinado para enfrentar riscos, aliás, naturais ao seu mister.

Mas é inaceitável que pretenda escusar o excesso doloso, consistente em prolongar desnecessariamente uma reação com intenção direta de agredir, sob a escusa de se agir com medo ou surpresa, como bem acentuou o professor Miguel Reale Jr.em artigo para o Estado de São Paulo, em 7 de setembro do corrente ano.

De outra parte, amplia-se especificadamente para os policiais a situação de legítima defesa, ao prever que o agente de segurança pública age licitamente em face de risco iminente de conflito armado, para prevenir injusta e iminente agressão. Redundante a figura: risco iminente de conflito armado para prevenir iminente agressão, como ainda acentuou o ex-ministro Miguel Reale Jr.

Assim a proposta apresenta uma conduta imoderada, desproporcional, objetivando justificar essa nova hipótese de legítima defesa, como excludente.

A tudo isso se somaria a legitimação do famigerado auto de resistência, tão condenado na doutrina.

Essa proposta que escapa aos limites da sensatez é a do excludente de ilicitude, figura jurídica que Bolsonaro defende que seja aplicada a atos de violência praticados por policiais. Em caso de morte, em vez de o policial responder a processos que averiguarão se ele cometeu homicídio sem justificativa plausível, estará sempre preestabelecido que agiu em legítima defesa.

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Não haverá investigação. Existe projeto com este objetivo, de autoria do próprio Bolsonaro, em tramitação na Câmara.

Não se desconhecem os riscos que policiais correm ao enfrentar bandidos em terreno perigoso, e muitas vezes usando armas melhores e mais poderosas que as suas. É certo que não se pode considerar normal esta situação. Deve-se enfrentá-la.

Seria legitimar o que chamam de auto de resistência, afrontando-se os limites da razoabilidade empírica. Leve-se ainda em conta a imprescindível aplicação do princípio da reserva de lei.

Fala-se no excesso culposo diante da legítima defesa.

Exige-se para a legítima defesa:

  1.  repulsa a agressão atual ou iminente e injusta;
  2.  defesa de direito próprio ou alheio;
  3.  emprego moderado de meios necessários;
  4.  orientação de ânimo do agente no sentido de praticar atos defensivos.

 

São necessários os meios reputados eficazes e suficientes para repelir a agressão. Já decidiu o Supremo Tribunal Federal que o modo de repelir a agressão também pode influir decisivamente na caracterização do elemento em exame(RTJ 85/475-7). Nessa linha de pensar, o emprego de arma de fogo não para matar, mas para ferir ou para amedrontar(tiro fora do alvo) poderia  ser considerado, em certas circunstâncias, o meio disponível, menos lesivo, eficaz e, portanto, necessário. Tal solução merece sérios debates numa sociedade que precisa combater o uso de armas.

Há a análise da questão da proporcionalidade, na legítima defesa

 Nelson Hungria(Comentários ao código penal, 3ª edição, Rio de Janeiro, Forense, 1955, volume I, t. 2, pág. 298 a 299).nos dá uma conclusão, a nosso ver radical, data vênia, quando embora entendendo que, no caso do roubo de frutas, se  bastar a ameaça de arma, estaria excluída a legitimidade de disparas no ladrão. Destaca que, por mínimo que seja o mal ameaçado ou por mais modesto que seja o direito defendido, não há desconhecer a legítima defesa, se a maior gravidade da reação derivou da indisponibilidade de outro meio menos prejudicial, e posto que não tenha havido imoderação no seu emprego. Assim, para ele, à luz da doutrina alemã, abatendo o chamado sentimentalismo latino, qualquer bem jurídico pode ser defendido mesmo com a morte do agressor, se não há outro remédio para salvá-lo. Ora, data vênia, é brutal tal ponto de vista, pois a proporcionalidade da defesa deve ser condicionada não apenas a gravidade da agressão, mas ainda a relevância do bem ou interesse que se defende.

Ora, data vênia, não há direitos absolutos, pois não há falar em legítima defesa abusiva.

Pode-se falar em excesso doloso ou culposo na legítima defesa, assim como também há no estado de necessidade.

Aqui vem a ideia de excesso culposo, resultante de uma imprudente falta de compreensão, falta de contensão por parte do agente, quando isso era possível nas circunstâncias para evitar um resultado mais grave do que o necessário a defesa do bem agredido, que viria de um estado emotivo causado pela repulsa ao ato agressivo.

Esse estado emotivo pode-nos trazer uma imaginação em nosso subconsciente de situações que não condizem com a realidade fática.

Decidiu o Tribunal de Justiça de São Paulo: “Se o excesso tiver como antecedente causal um estado emotivo, haverá culpa, e não o dolo. Não existirá dolo porque a vontade, coagida pela necessidade de defesa, não pode ser pressentida na sua exata direção, haverá culpa porque muito embora envolvido por circunstâncias impeditivas de sua expansão completa, a vontade ainda tem livre em certo campo de ação, pode ser frenada pela previsão do resultado excessivo da repulsa”(Desembarador Adriano Marrey).

Francisco de Assis Toledo(Princípios básicos de direito penal, 4ª edição, pág. 209) disse: “Estamos em princípio de acordo com essa conclusão, com a ressalva de que nem todo estado emotivo caracteriza o excesso culposo. Em certas situações de perturbação mental, medo ou susto, provocadas pelo inopinado da agressão, pode-se dar-se não o excesso punível, mas o excesso exculpante...”.

Mas a punição de excesso culposo somente se admitirá quando o excesso caracterizar crime culposo previsto em lei. No exemplo do homicídio, admite-se a punição do excesso culposo, diante do tipo do parágrafo terceiro do artigo 121 do Código Penal. Na hipótese, porém, de danos materiais, sem outras implicações, o excesso culposo é impossível por inexistir previsão legal ou tipificação do crime de dano culposo, no Código Penal.

Em conclusão, como escreveu Francisco de Assis Toledo, caracteriza-se o excesso culposo quando:

  1. o agente esteja, inicialmente, em uma situação de reconhecida legítima defesa;
  2. dela se desvia, em momento posterior, seja na escolha dos meios de reação, seja no modo imoderado de utilizá-los, por culpa estrito senso;
  3. o resultado lesivo esteja previsto em lei(tipificado) como crime culposo;

Ora, faltando qualquer dos requisitos iniciais da legítima defesa(necessidade de repulsa a injusta agressão, atual ou iminente), impossível sequer cuidar-se do excesso culposo porque, nessa hipótese, não atua o agente ao amparo da causa de justificação, no bojo do qual ocorre o excesso discutido.

O excesso de defesa é, pois, o uso desnecessário ou imoderado de um certo meio, causa de resultado mais grave do que razoavelmente suportável nas circunstâncias.

Tal o campo que se quis abrir para o que se chamou de “excludente de ilicitude”.

IV   – O MÉRITO É INSINDICÁVEL?

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por 7 votos a 4, validar o indulto de Natal concedido em dezembro de 2017 pelo então presidente Michel Temer que estendia o benefício a condenados por corrupção. Prevaleceu o entendimento de que a concessão do indulto é um ato privado do presidente da República, não cabendo ao Supremo definir ou rever as regras estabelecidas no decreto.

Com a decisão do STF, aqueles que cumpriam as condições na época em que o decreto foi editado, como ter cumprido ao menos um quinto da pena, podem requerer o benefício à Justiça. Naquele julgamento, houve um entendimento de que o exercício desvirtuado desse poder destrói o sistema de incentivos para observância da lei”, disse Fux, ao ler o seu voto e se aliar aos ministros Luís Roberto Barroso, Edson Fachin e Cármen Lúcia.

A favor do direito de o presidente da República editar o decreto como quiser se posicionaram os ministros Alexandre de Moraes, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Celso de Mello e o presidente da Corte, ministro Dias Toffoli.

Par o ministro  Lewandowski, o decreto natalino é um ato do presidente da República, definido pela Constituição Federal e “insindicável” (que não pode sofrer análise) por parte do Judiciário. “Não podemos ingressar no mérito se é bom ou ruim, se foi um absurdo ou não, essa é uma prerrogativa presidencial e temos de nos curvar a essa prerrogativa”, disse Lewandowski.

O julgamento do STF que versou sobre os poderes do presidente da República ao adotar soluções para o indulto trouxe um perigoso precedente. Em certas situações, o Judiciário pode adentrar no mérito do ato administrativo. Ora, os motivos e o objeto do ato administrativo na medida em que destoam do razoável e da realidade podem ser objeto de discussão pelo Judiciário.

O mérito, por sua vez, é o resultado do exercício regular da discricionariedade.

Para Seabra Fagundes(O controle dos atos administrativos pelo poder judiciário, 1941) o mérito é insindicável.

A discricionariedade atua como a competência específica para valorar corretamente o motivo dentro dos limites da lei e para escolher acertadamente o objeto, dentro dos limites da lei.

Tudo isso nos leva à conclusão óbvia de que o direito administrativo tem, na inveracidade e na impossibilidade, rigorosos limites à discricionariedade. Com efeito, um ato do Poder Público que esteja lastreado no inexistente, no falso, no equivocado, no impreciso e no duvidoso, não está, certamente, seguramente voltado à satisfação de um interesse público.

Sob o padrão da realidade, os comandos da Administração, sejam abstratos ou concretos, devem ter sempre condições objetivas de serem efetivamente cumpridos em favor da sociedade.

Deve a Administração ser vocacionada para evitar o perigo da violação do princípio da realidade e da desmoralização da ordem jurídica pela banalização da ineficiência e a vulgarização do descumprimento, além do pesado ônus do ridículo.

Os elementos do ato administrativo, motivo e objeto, têm uma relação íntima com a finalidade do ato: a razoabilidade como um limite à discrição, na avaliação dos motivos, exigindo que estes sejam adequáveis, compatíveis e proporcionais, de modo a que o ato atenda a uma finalidade pública específica.

A razoabilidade, na valoração dos motivos e na escolha do objeto, é, em última análise, o caminho seguro para se ter certeza de que se garantiu a legitimidade da ação administrativa.

O motivo é o pressuposto de fato e de direito do ato administrativo.

A doutrina entende que há cinco limites de oportunidade à discricionariedade: existência(grave inoportunidade por inexistência do motivo); suficiência(grave inoportunidade por insuficiência do motivo); adequabilidade(grave inoportunidade por inadequabilidade de motivo); compatibilidade(grave inoportunidade por incompatibilidade de motivo); proporcionalidade(grave inoportunidade por desproporcionalidade do motivo), dentro de um controle de realidade e de razoabilidade.

Quanto ao objeto do ato administrativo, resultado jurídico visado, há uma conveniência(escolha administrativa), envolvendo: possibilidade (grave inconveniência por impossibilidade do objeto); conformidade(grave inconveniência por desconformidade de objeto) e eficiência(grave inconveniência por ineficiência do objeto), ainda dentro dos princípios técnicos de controle de realidade e razoabilidade.

Com essas observações, dir-se-á que o Judiciário pode anular atos administrativos discricionários, fundados na inexistência de motivo, insuficiência de motivo, inadequabilidade de motivo, incompatibilidade de motivo, desproporcionalidade de motivo, impossibilidade de objeto, desconformidade de objeto e insuficiência de objeto, apenas controlando os limites objetivos do ato discricionário.

Em resumo, a providência atende aos seguintes requisitos: a) da adequação, que exige que as medidas adotadas pelo Poder Público se mostrem aptas a atingir os objetivos pretendidos; b) da necessidade ou exigibilidade, que impõe a verificação da inexistência de meio menos gravoso para atingimento de fins visados; c) da proporcionalidade em sentido estrito, que é a ponderação entre o ônus imposto e o benefício trazido para constatar se é justificável a interferência na esfera dos direitos dos cidadãos.

Ora, para a prática de alguns atos a competência da Administração é estritamente determinada na lei, quando nos motivos e modos de agir. A lei lhe determina que, existentes determinadas circunstâncias, proceda dentro de certo prazo e certo modo. E essa competência, como ensinou Miguel Seabra Fagundes(O controle dos atos administrativos, segunda edição, pág. 93), vincolata dos italianos. A Administração Pública não é livre em resolver sobre a conveniência do ato, nem sobre o seu conteúdo. Só lhe cabe constatar a ocorrência dos motivos, e, com base neles, praticar o ato. Negando-se a praticá-lo no termo e com o objeto determinados, viola a lei.

A Lei deixa a autoridade administrativa livre na apreciação do motivo ou do objeto do ato, ou de ambos ao mesmo tempo. No que respeita ao motivo essa discrição se refere à ocasião de praticá-lo(oportunidade) e à sua utilidade(conveniência). No que respeita ao conteúdo, a discrição está em poder praticar o ato com objetivo viável, ao seu entender. Nestes casos, a competência é livre e discricionária. A propósito desses atos não é possível cogitar de nulidade relacionada com o motivo, com o objeto, ou com ambos, conforme a respeito de qualquer um desses requisitos, ou dos dois, possa deliberar livremente a Administração. Concluiu por dizer Miguel Seabra Fagundes(obra citada, pág. 95) que, no mais, entretanto, ou seja, quanto à manifestação da vontade(falta de competência para agir e defeito pessoal na vontade do agente), finalidade e forma, o ato discricionário incide nos mesmos casos de invalidez dos atos vinculados.

Há uma submissão da Administração, em seus atos, à ordem jurídica ou seja, a legalidade.

Pode-se dizer que todo ato administrativo, a menos que não haja uma determinação legal expressa, pode ser executado de diversas maneiras, dentro da faculdade concedida pela lei. A conveniência, a oportunidade, o meio de realizar o ato encontram-se dentro de esfera discricionária, que não pode violar o limite fixado pela lei. Neste último caso, a infração desse limite importa na ilegalidade do ato sujeito à apreciação do Poder Judiciário.

Mas, pode o prejudicado pela ação da Administração ao retomar o imóvel de sua propriedade, reclamar perdas e danos se o ato efetuado tiver sido ilegal.

Discricionariedade é a qualidade da competência cometida por lei à Administração Pública para definir, abstrata e concretamente, o resíduo de legitimidade necessário para integrar a definição de elementos essenciais à execução, diretamente referido a um interesse público específico.

Como ensinou Cino Vitta (Nozione degli atti admministrativi, 1906, IV), pelo exercício da discricionariedade atende-se, simultaneamente, à lei, pela fidelidade a seus comandos, e ao interesse público diretamente apercebido, pela sua concreação individuada, sem solução de continuidade e sem excepcionalidade derrogatória da legitimidade ou de legalidade, pois a lei é o interesse público cristalizado, como o interesse público é a razão de ser da lei.

Assim, admite-se que a Administração, ao agir, tem por finalidade o interesse público especificado na lei, um elemento reconhecidamente vinculado.

Na lição de Diogo de Figueiredo Moreira Netto(Legitimidade e discricionariedade, pág. 27), a discricionariedade é uma competência e, portanto, um poder vinculado à finalidade que dita a sua existência.

Há, pois, nítida conexão entre a discricionariedade e o interesse público. Isso porque a discricionariedade não é livre, tendo um limite, que é a lei e a razoabilidade.

Para a Administração, persiste o dever de legalidade e de boa administração.

Assim deve ser exercida a discricionariedade administrativa, podendo o Judiciário exercer esse controle, nos limites do que foi aqui analisado.

O indulto, pois, somente poderá ser concedido dentro da lei e nos limites da Constituição. Não cabe ao presidente da República, em matéria penal, criar institutos jurídicos para favorecer os apenados. Assim estaria substituindo o Legislativo. Ora, em matéria penal, onde vige o princípio da reserva de Parlamento, os tipos penais ou os institutos que beneficiam os culpados somente poderão ser criados por lei. O indulto é ato pessoal do presidente da República que refoge a esses limites. Ademais, o ato afronta o princípio da igualdade, por tratar apenas de uma classe de cidadãos e não de todos. Igualdade é o tratamento igual para os iguais e desigual para os desiguais.

Celso Antônio Bandeira de Mello observa que qualquer elemento residente nas coisas, pessoas ou alterações pode ser escolhido pela lei como fator discriminatório, donde se segue que, de regra, não é o traço de diferenciação escolhido que se deve buscar algum desacato ao princípio isonômico. Todavia as discriminações legislativas são compatíveis com a cláusula igualitária apenas tão-somente quando existe um vínculo de correlação lógica entre a peculiaridade diferencial acolhida, por residente no objeto e a desigualdade de tratamento em função dela conferida. Não basta, porém, a existência desta correlação: é ainda necessário que ela não seja incompatível com interesses prestigiados na Constituição (O conteúdo jurídico do princípio da igualdade, São Paulo, 1978, pág. 24).

O vínculo de correlação lógica entre o fator de discriminação e a desigualdade de regime jurídico, a que alude Celso Antônio Bandeira de Mello, nada mais é do que "a proibição do arbítrio" de que falou a doutrina alemã ou a exigência da razoabilidade que tem sido utilizada pela Corte Constitucional da Itália, como cânone interpretativo para o exame da constitucionalidade das leis. 

Assim deve-se acautelar com relação às chamadas desequiparações fortuitas, injustificadas, desrazoáveis. E essa ocorre sempre que não exista uma pertinência e uma coerência lógica do fator de discrímen com a diferenciação procedida. 

Concluiu Celso Antônio Bandeira de Mello (obra citada): "é agredida a igualdade quando o fator diferencial adotado para qualificar os atingidos pela regra não guarda relação de pertinência lógica com a inclusão ou exclusão no benefício deferido ou com a inserção ou arredamento do gravame imposto". 

Fala-se em igualdade perante a lei e igualdade na lei. 

Aquela corresponde à obrigação de aplicar as normas jurídicas gerais aos casos concretos, na conformidade com o que eles estabelecem, mesmo se delas resultar uma discriminação, o que caracteriza uma igualdade puramente formal, enquanto a igualdade na lei exige que nas normas jurídicas não haja distinções que não sejam autorizadas pela própria Constituição. A igualdade perante a lei seria uma exigência feita a todos aqueles que aplicam as normas jurídicas gerais aos casos concretos, ao passo que a igualdade na lei seria uma exigência dirigida tanto àqueles que criam as normas jurídicas gerais como àqueles que as aplicam aos casos concretos, como ensinou Hermann Pertzold(Le principe de l'egalité devant la loi dans le droit de certain état d'Amerique Latin). 

O decreto é, portanto, inconstitucional ao transcender aos parâmetros legais, devendo ser objeto de Ação Direta de Inconstitucionalidade.

 

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

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