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Pornografia de vingança: As inovações trazidas pelas Leis 13.718 e 13.772/2018 à Lei Maria da Penha e os seus reflexos na persecução penal.

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“Ninguém ignora tudo. Ninguém sabe tudo. Todos nós sabemos alguma coisa. Todos nós ignoramos alguma coisa. Por isso aprendemos sempre.”

(Paulo Freire)

RESUMO:Diante do aumento do número de casos e da atual necessidade de uma nova legislação para acompanhar o desenvolvimento tecnológico e o cometimento de crimes no âmbito da internet, em 2018 foram tipificadas as condutas de Divulgação de cena de sexo, nudez ou pornografia sem o consentimento da vítima, conhecida como Pornografia de Vingança, que se configura quando se tem a finalidade de humilhar ou se vingar da vítima, além do Registro não autorizado da intimidade sexual. Diante disso, o presente trabalho tem como escopo analisar os reflexos trazidos pelas leis 13.718/18 e 13.772/18 na persecução penal no âmbito da Lei Maria da Penha, bem como verificar de que forma esses tipos de crimes são tratados pela Polícia Judiciária Alagoana, em especial pela Seção de Crimes Cibernéticos e Delegacias de Defesa das Mulheres de Maceió, já que houve um grande avanço com o advento das novas leis que surgiram inovando e criando novos delitos, todavia apontam-se os avanços trazidos pela lei 13.718, que foi mais além, trazendo pena condizente com o grau de lesividade causado às vítimas, assim trazendo modificações significativas na persecução penal. Dessa forma, a lei 13.772 inova ao trazer a violação da intimidade da mulher como forma de violência doméstica e familiar e ao alterar o artigo 7º da Lei Maria da Penha, mas o legislador não culminou uma pena suficiente aos danos causados à vítima como o fez na lei anterior.

PALAVRAS-CHAVE: Pornografia de Vingança. Lei 13.718. Lei 13.772. Violência contra a mulher. Persecução penal

ABSTRACT:In view of the increasing number of cases and the current need for new legislation to accompany the technological development and the commission of crimes on the Internet, in 2018 the conducts of Disclosure of sex scene, nudity or pornography without the consent of the victim, known as Revenge Pornography for the purpose of humiliating or avenging the victim, and the Unauthorized Registry of Sexual Intimacy. This paper aims to analyze the reflexes brought by Laws 13.718 / 18 and 13.772 / 18 in the criminal prosecution under the Maria da Penha Law, as well as to verify that these types of crimes are dealt with by the Alagoas Judicial Police, especially by the Section Cyber ​​Crimes and Women's Police Departments of Maceió. There was a great advance as the advent of new laws that emerged innovating and creating new crimes, however we point out the advances brought by law 13,718 that went beyond bringing punishment consistent with the degree of injury caused to victims, bringing significant changes in criminal prosecution. Law 13,772 innovates by bringing the violation of women's privacy as a form of domestic and family violence and amending Article 7 of the Maria daPenha Law, but the legislature was not culminating sufficient punishment for the harm caused to the victim as it did in the previous law.

KEYWORDS: Revenge Pornography. Law 13,718. Law 13,772. Violence against women. Criminal prosecution.

SUMÁRIO:1. INTRODUÇÃO. 2. PORNOGRAFIA DE VINGANÇA: do conceito aos casos brasileiros de repercussão. 2.1 Conceito .2.2 Casos de repercussão nacional .3. DIREITOS FUNDAMENTAIS: Privacidade e Intimidade..4. AS LEIS 13.718 E 13.772...4.1 A Lei 13.718 de 2018.4.2 As Inovações trazidas pela lei 13.718/18: a tipificação da pornografia da vingança..4.3 A Lei 13.772 de 2018 e suas inovações: Do registro à montagem, vai entrar na “Maria” se violar a violar a intimidade!..5. OS REFLEXOS DAS INOVAÇÕES LEGISLATIVAS NA PERSECUÇÃO PENAL: PERSPECTIVA DA POLÍCIA JUDICIÁRIA ALAGOANA.5.1 Seção de Crimes Cibernéticos..5.2 Delegacia de Defesa dos Direitos das Mulheres - DMM2.5.3 Delegacia de Defesa dos Direitos das Mulheres - DMM1..6. CONCLUSÃO.REFERÊNCIAS..ANEXOS.


INTRODUÇÃO

Filmar, distribuir e compartilhar imagens e vídeos, com o avanço tecnológico vivenciado hoje, se tornou algo extremamente fácil, principalmente em um ambiente de relacionamento doméstico e familiar. Porém, quando uma relação se finda em conflito, muitas vezes as mensagens e fotografias, antes de cunho íntimo, se tornam públicas. Com a internet, isso foi facilitado, pois as redes sociais e os aplicativos são os mais utilizados para a divulgação de material íntimo. Grandes redes sociais como WhatsApp, FaceBook, SnapChat, entre outros, tornaram-se verdadeiros locus de compartilhamento, já que através de um “click” as postagens atravessam as barreiras cibernéticas.

Diante disso, o ato de enviar, receber, compartilhar, imagens ou vídeos de cunho erótico, sensual ou explícito, o chamado “sexting”, principalmente entre pessoas envolvidas em um relacionamento amoroso, na sociedade cibernética na qual vivemos, é cada vez mais comum. Dessa forma, o problema inicia-se quando um dos envolvidos nessa relação difunde algo inconveniente, ignorando dessa forma, a dignidade, a intimidade, a privacidade e, sobretudo a nocividade trazida à vítima por esse tipo de conduta. Na maioria dos casos, as vítimas tratadas aqui, são mulheres que tendem a mobilizar o Poder Judiciário a fim de ter seu direito à intimidade, a honra e a privacidade protegido e garantido, como também sua imagem retirada do mundo virtual.

A ação de divulgar por meio da internet fotos ou vídeos contendo cenas de sexo ou nudez sem o consentimento da pessoa que está sendo exibida, com o intuito de provocar dano à vítima, ficou conhecida como “Pornografia da Vingança”. Esse tipo de conduta é praticado principalmente por homens ou companheiros/as de mulheres que por não se contentarem com o fim do relacionamento, acabam por divulgar nas redes sociais e/ou aplicativos vídeos e/ou imagens que teriam sido obtidas, inicialmente, com o consentimento da vítima quando na constância do relacionamento, contudo, posteriormente, inconformados com o término da relação, resolvem causar dano e/ou humilhação à vítima disseminando o conteúdo na internet.

Durante muito tempo, esse tipo de conduta não tinha tipificação específica na lei e raras eram às vezes em que era tratado como uma modalidade de violência contra a mulher. Em sua maioria, esse tipo de ação criminosa era tipificado como um dos crimes contra a honra, tendo sua pena aumentada, se cometido por meio que facilitasse a sua divulgação, além de ser indenizada de acordo com o Código Civil.

Mesmo diante do aumento de pena, esses crimes eram considerados de menor potencial ofensivo, o que gerava nas vítimas o sentimento de impunidade, ademais, a falta de uma legislação específica e que acompanhasse o desenvolvimento da sociedade em termos tecnológicos para conseguir enquadrar os infratores, que dessa forma eram encorajados ao cometimento de tal conduta e à reincidência.

Segundo dados recolhidos pela Central Nacional de Denúncias de Crimes Cibernéticos em 2018, foram registradas 16.717 denúncias de crimes ligados à violência contra mulher; em 2017 foram 916. Um dado alarmante é o fato de que em 2018 foram 669 casos registrados de exposição de imagens íntimas, em que 440 tiveram mulheres como vítimas e 229 homens na mesma situação.

Diante do aumento do número de casos e da atual necessidade de uma nova legislação para acompanhar o desenvolvimento tecnológico e o cometimento de crimes no âmbito da internet, tornou-se necessária a tipificação penal específica para o tipo de conduta supracitado, o que só aconteceu em 24 de setembro de 2018 com a edição da lei 13.718, que cria o artigo 218-C no Código Penal, em que criminaliza a conduta de divulgar cena de sexo, nudez ou pornografia sem o consentimento da vítima, dessa forma trazendo em seu parágrafo 1º uma causa de aumento de pena, caso o agente mantenha ou tenha mantido relação íntima de afeto com a vítima ou com o fim de vingança ou humilhação.

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Corroborando com essa mudança no Código Penal, em 19 de dezembro do mesmo ano, foi publicada a lei 13.772, que traz importante alteração na Lei Maria da Penha à medida que reconhece a violação à intimidade da mulher como forma de violência doméstica e familiar, e, introduzindo no Código Penal o artigo 216-B, que criminaliza o registro não autorizado de conteúdo com cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo e privativo.

A falta de Delegacias especializadas nesse tipo de crime, assim como a dificuldade de se punir também a todos os que registram, divulgam e compartilham as imagens e vídeos trazem consequências às vítimas e geram danos irreparáveis, tais como perda de emprego, de relações pessoais e íntimas, além do grave dano psicológico, algumas chegando até ao cometimento de suicídio. Por isso a necessidade de analisarmos se as leis 13.718/18 e 13.772/18 realmente objetivam uma efetiva resposta às vítimas desses atos, para que condutas como essa sejam prevenidas e mais fácil e naturalmente punidas, posto que muitas vezes as próprias vítimas são taxadas como as causadoras da sua exposição, revelando, dessa forma,  a nossa cultura machista de julgamento e linchamento social, tirando assim a culpa dos agressores.

Ante o exposto, o presente estudo tem como objetivo analisar os reflexos trazidos pelas leis 13.718/18 e 13.772/18 na persecução penal no âmbito da Lei Maria da Penha, pois durante anos a sensação de impunidade não somente pela falta de uma lei específica que tipificasse a Pornografia da Vingança, mas também pela tipificação dada à prática de tais condutas como crimes contra honra – tendo uma pena mais branda – estimulavam a reincidência por parte dos autores de tais condutas. Diante disso, faz-se necessário também verificar como esses tipos de crimes são tratados pela Polícia Judiciária Alagoana, em especial pela Seção de Crimes Cibernéticos e Delegacias de Defesa das Mulheres de Maceió.

Diante das recentes inovações legislativas, é mister investigar quais são os reflexos trazidos pelas leis 13.718/18 e 13.772/18 na persecução penal no âmbito da Lei Maria da Penha, pois se acredita que, apesar do avanço na tipificação de tais condutas, a pena cominada a elas ainda se mostra insuficiente diante dos artifícios que se tem para evitar que o criminoso cumpra com tais penalidades e volte a reincidir, além da morosidade da justiça em julgar os casos que na maioria das vezes prescreve, fazendo com que o sentimento de impunidade continue.


2.PORNOGRAFIA DE VINGANÇA: do conceito aos casos brasileiros de repercussão

2.1 Conceito

A Pornografia de Vingança – pornografia da revanche ou ainda “estupro virtual” – é uma agressão sexual que envolve a distribuição de imagens e vídeos íntimos sem o consentimento da vítima. De acordo com Buzzi (2015), quando essa distribuição é feita com o objetivo de alcançar o maior número de pessoas possível, de forma a causar humilhação e dores psicológicas à vítima, é denominado de revenge porn.

Esse tipo de conduta criminosa teve seu início nos anos 80, quando um casal americano se fotografou nu durante um acampamento e ao retornar para casa guardou as fotos em um local que acreditava ser seguro. Um amigo e vizinho do casal, Steve Simpson, invadiu o apartamento e encontrou as fotos da vizinha nua, em seguida as enviou para a revista “Hustler”, especializada em publicação pornográfica para homens, que tinha uma sessão chamada “Beaver Hunt”, composta por imagens amadoras, fornecidas pelos leitores, de mulheres nuas e desconhecidas. As imagens foram enviadas junto com o número de telefone da vítima, o que gerou uma grande exposição, ocasionando no recebimento de diversas ligações de homens assediando-a.

Dessa forma entendemos que o exercício da sexualidade feminina ainda está circunscrito aos espaços privados e ao suposto domínio de um único homem, em uma sociedade onde ainda vigem normas morais de cunho machista, tais condutas causam às vítimas danos de proporções incomensuráveis, pois as sujeitam a uma exposição descontrolada, além de humilhação, constrangimento e reprovação social generalizada.

A conduta consiste, portanto, na transposição da sexualidade feminina exercida na esfera íntima, de forma livre dos padrões sociais rígidos, para esfera pública, transformando a intimidade em práticas discriminatórias sustentadas por discursos sexistas. Subjacente a isso, com uma velocidade extrema, o espaço público promove, a partir da intimidade feminina exposta, o divertimento e o entretenimento à custa da humilhação experimentada pelas vítimas, que dessa forma são sujeitas à visibilidade invasiva e pejorativa. Sendo assim, distantes do acolhimento natural da esfera privada, as vítimas vivenciam o linchamento moral, que abrange também seus familiares e amigos mais próximos.

É no âmbito do relacionamento com vínculo afetivo e/ou sexual, baseado na confiança depositada pelas vítimas, que se materializa o compartilhamento de conteúdo sexual ou na permissão para registro de momentos íntimos. A partir daí, os agressores utilizam o material obtido para prática de ameaças, constrangimentos, difamações etc.

É importante ressaltar que qualquer pessoa pode ser vítima do crime, tanto mulheres quanto homens, no entanto não podemos deixar de observar que o perfil majoritário das vítimas são mulheres que mantinham um vínculo afetivo e/ou sexual preexistente com os autores, em sua maioria homens, que reproduzem discursos institucionalmente fincados em nossa sociedade e que dessa forma tentam naturalizar o seu comportamento agressor, reprovando a conduta desenvolvida pelas vítimas. Como afirmado por Rocha (2017), esse ciclo é exclusivamente alimentado pelo machismo e pelo conservadorismo, tornando a Pornografia da Vingança uma violência de gênero, já que é um ato violento baseado no gênero do indivíduo, que resulta em dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico.

Segundo Rocha (2017, p. 27),

“Apesar de toda a evolução cultural que ocorreu nas mais diversas sociedades e países, bem como dos avanços e quebras de paradigmas, sobretudo referentes às tradições conservadoras, o sexo ainda é considerado tabu. No que se refere ao Brasil, isso pode ser explicado pelo fato de o país ainda possuir forte raízes religiosas, nas diversas camadas sociais, não obstante ser um Estado laico, segundo dispõe a Constituição da República. Destaca-se aqui a religião cristã, cujos integrantes compõem-se basicamente de católicos e evangélicos. Pouco mais de 85% da população brasileira declara-se cristã, sendo que 123 milhões de fiéis fazem do Brasil o maior país católico do mundo. Isso significa que o conservadorismo, sobretudo nas questões atinentes à sexualidade, ainda é muito presente, o que resulta num fator de contribuição para o “sucesso” da prática da pornografia de vingança. (...). Isso ocorre porque ainda é comum a visão de que a sexualidade é “pecaminosa”, e a mulher que se permite filmar em atos sexuais ou fotos íntimas é considerada imoral e devassa, não sendo digna de respeito. Dessa forma, está consolidada a culpabilização da vítima. Ao final de tudo, é como se todo o sofrimento e humilhação fossem apenas consequências devidas a essas mulheres, consistindo em verdadeiro castigo merecido.”

Como forma de vingança pelo fim do relacionamento, o ex-companheiro envia para sites de pornografia os conteúdos que expõe fotos e vídeos contendo cenas de sexo do casal, muitas das vezes divulgando também os contatos e endereço das vítimas nas redes sociais, o que agrava ainda mais a situação, posto que essa atitude propicia a perseguição por estranhos. O autor da divulgação de imagens ou vídeos com conteúdo sexual, a faz justamente com a finalidade de humilhar publicamente a vítima, expõe-na a um verdadeiro linchamento moral. Conforme afirmado por Buzzi (2015, p.30), “as vítimas dessa divulgação não consensual, expostas na internet para o livre acesso de qualquer interessado passam a ser humilhadas, intimidadas, perseguidas e assediadas (...)”.

            Diante disso, a vítima passa por um processo de vulnerabilização, visto que está exposta aos constantes ataques virtuais e até mesmo ataques físicos, o que evidencia ainda mais a magnitude dessa violência praticada no meio digital.

2.2 Casos de repercussão nacional

Infelizmente práticas de pornografia de vingança tem se tornado comuns, entre os casos mais conhecidos no Brasil estão o da colunista social e apresentadora de um programa de televisão na cidade de Maringá/PR, Rose Leonel; e da vendedora de uma loja na cidade de Goiânia/GO, Francyelle dos Santos Pires, os quais relataremos com o intuito de demonstrar o impacto negativo e destruidor que essa  prática tem sobre a vida de suas vítimas.

Rose Leonel era noiva de Eduardo Gonçalves Dias, um relacionamento que durou quatro anos. Em 2005, a jornalista decidiu por fim ao noivado. Inconformado com o fim da relação, em outubro do mesmo ano, seu ex-parceiro, Eduardo Gonçalves Dias, passou a proferir ameaças contra a Rose Leonel, afirmando que destruiria a vida da ex-noiva, caso a mesma não reatasse o relacionamento. Em janeiro de 2006, Eduardo chegou a enviar mais de 15 mil e-mails contendo imagens íntimas da vítima, compartilhando dolosamente as imagens e dados pessoais com amigos, familiares e até mesmo colegas de trabalho da vítima.

A ação do ex-companheiro de Rose foi planejada e executada de modo cruel e egoístico. Havia a clarividente intenção de prejudicar a vítima.  Os e-mails eram enviados semanalmente em forma de capítulos.  As fotos foram compiladas em uma apresentação de slide, sugerindo que Rose era “garota de programa”. Além disso, suas fotos foram publicadas em sete milhões de sites de conteúdo pornográfico espalhados por todo mundo virtual.

A jornalista conta que descobriu o plano do ex-parceiro antes de ter seu conteúdo divulgado. Logo após a descoberta, procurou um advogado, mas foi informada que não poderia processá-lo por um crime que ainda não ocorrera. Rose avisou a Eduardo que iria denunciá-lo e registrou um Boletim de Ocorrência na delegacia, imaginando que ele não levaria o plano adiante, mas afirma que na cidade ninguém sabia lidar com crime virtual – o cibercrime.

No mesmo dia, em que Rose tomou conhecimento das fotos e e-mails, o seu ex-parceiro deu início ao plano de divulgação que transformara a vida da vítima em um verdadeiro inferno. Foram três anos e meio de reiterados envios de e-mails. As mensagens virtuais continham fotos íntimas da vítima e até mesmo montagens em que o rosto de Rose era inserido em fotografias de publicações pornográficas. Além disso, dados pessoais da vítima, como números de telefone celular, telefone residencial e até mesmo do trabalho, foram expostos e compartilhados com milhares de pessoas.

A partir desse momento, a vítima passou a sofrer todas as consequências da exposição virtual de sua imagem: sair de casa transformou-se em uma verdadeira luta diária, na qual ela precisava enfrentar comentários machistas, discriminatórios, misóginos e humilhantes.

Rose perdeu o emprego, e sua família sofreu profundamente com os efeitos da divulgação das imagens. Seus filhos de apenas 8 e 11 anos, na época, precisaram ser submetidos a tratamento psicológico. O filho mais velho não suportou a pressão social dos comentários envolvendo sua mãe e foi morar com o pai no exterior. 

Sobre o caso, Rose diz que,

“Sofri um assassinato moral e psicológico, perdi tudo. Vi a vida dos meus filhos desabando. Meus telefones não paravam de tocar. A cada dez dias ele disparava uma leva de fotos para 15 mil e-mails da região e imprimiu centenas de panfletos para distribuir no comércio. Foi uma campanha contra mim.”

Após anos de repercussão e quatro processos na Justiça contra o ex-parceiro, em junho de 2010, ele chegou a ser condenado a uma pena de detenção de 1 ano, 11 meses e 20 dias. Contudo, a decisão foi convertida em pena restritiva de direitos (doação de cestas básicas e trabalho comunitário). A sentença também determinou ao condenado o pagamento mensal de R$: 1.200,00 (um mil e duzentos reais) em benefício da vítima, durante o período do cumprimento da pena. Em outra ação judicial, Eduardo foi condenado a pagar R$ 30 mil reais de indenização por danos morais, mas Rose recorreu, pois o valor não cobria os R$ 28 mil que ela já havia gasto com o processo.

Atualmente, a jornalista é fundadora da ONG Marias da Internet, que disponibiliza apoio psicológico e jurídico para vítimas de pornografia de vingança, sendo vista como símbolo de combate a esse tipo de crime, ressalta que se trata de uma violência baseada no gênero: “quando imagens íntimas de homens caem na web, eles não são demitidos ou humilhados, pelo contrário, passam a ser valorizados pela sua virilidade. A sociedade só condena as mulheres”, disse. E continua: “a mulher está ali exposta, acuada, e mesmo assim ainda condenam essa vítima, punem. Sem nenhuma empatia de se colocar no lugar dela. Nós precisamos parar de punir as vítimas”, conclui.

Ainda sobre o mesmo viés da pornografia de vingança, no ano de 2013, veio à tona o caso de Francyelle dos Santos Pires, Fran, como ficou conhecida na internet, a vendedora de uma loja na cidade de Goiânia/GO. Durante três anos manteve um relacionamento conturbado com Sérgio Henrique de Almeida Alves.

Apesar de sentir-se desconfortável com a ideia de ser gravada, mas por confiar em seu ex-parceiro e sob a alegação de que era uma maneira de mantê-la por perto em sua ausência, além de que era seguro, já que o vídeo estaria guardado por senhas em seu celular, dessa forma Fran aceitou ser filmada enquanto eles mantinham relações sexuais.  

Em 03 de outubro de 2013, dia em que gravaram o vídeo que acabou viralizando na internet, o casal discutiu mais uma vez e Fran acabou a relação dizendo que nunca mais queria vê-lo. Seu ex-parceiro tentou contatá-la ao longo do dia, mas ela não retornou. Ele, inconformado com o fim do relacionamento, enviou vídeos íntimos do casal para os amigos, família e colegas de trabalho da ex-namorada, em todos os vídeos somente a vítima era facilmente identificada. 

No mesmo dia, o vídeo viralizou através do aplicativo WhatsApp e após descobrirem a identidade da vítima foram publicados na internet seu contato, endereço e local de trabalho. Logo após tomar conhecimento do que acontecera, Francyelle registrou um Boletim de Ocorrência na Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher da cidade, mas alegou que não foi dado muita importância ao caso.

As gravações foram compartilhadas milhares de vezes, em um dos vídeos a vítima aparece fazendo um sinal de “ok”, esse gesto virou motivo de piada na cidade e na internet. Milhares de pessoas, inclusive celebridades, compartilharam fotos em que apareciam repetindo o sinal, pouco se importando para a seriedade do fato.

Depois da publicação do vídeo, ela perdeu o emprego, não pode mais frequentar a faculdade, além de diversos homens tentarem entrar em contato buscando encontros sexuais. Francyelle entrou em depressão e só saia de casa para conversar com os advogados do processo que movia contra Sérgio.

O processo correu em segredo de justiça, e, em outubro de 2014, seu ex-parceiro aceitou o acordo proposto pelo Ministério Público e foi condenado a prestar serviços comunitários durante cinco meses e ainda saiu zombando da situação, rindo da vítima ao final da audiência. Para ela e tantas outras vítimas, condenações como esta sobre os seus agressores morais não são suficientes.

Depois disso, Francyelle passou a defender ferrenhamente a criação de uma lei para proteger outras mulheres e punir acusados de divulgarem material íntimo sem autorização, o que aconteceu em meados de setembro de 2018 com a publicação da lei 13.718/18[1].

Ante toda a gravidade do que expomos, apenas em setembro de 2018 foi que o Brasil editou a lei 13. 718, que modifica o Código Penal criando o artigo 218-C que tipifica a prática da pornografia de vingança, criminalizando a conduta de divulgar cena de sexo, nudez ou pornografia sem o consentimento da vítima, trazendo em seu parágrafo 1º uma causa de aumento de pena, caso o agente mantenha ou tenha mantido relação íntima de afeto com a vítima ou com o fim de vingança ou humilhação. Solucionando o dissenso jurídico que havia anteriormente quanto à aplicação da legislação pertinente aos casos, haja vista o rol de leis nas quais a conduta da pornografia de vingança poderia ser associada, quais sejam: Código Penal, Lei Maria da Penha, Marco Civil da Internet e a Lei Carolina Dieckmann.

Além de na esfera cível, o entendimento acerca da pornografia de vingança pelos juízes e tribunais era de que a conduta agredia a intimidade, a honra, bem como a vida privada da vítima, acarretando a obrigação de indenizar por danos morais. Já na esfera criminal, o delito vinha sendo tipificado como crime contra a honra, delito previsto do art. 138 ao art. 145 do Código Penal. Ambas as abordagens, ainda assim, possuindo falhas no sentido de não tutelar a integridade física e psicológica da vítima.

Sobre a autora
Camilla Pricilliany Soares Alves de Oliveira

Graduanda em Direito pela Faculdade da Cidade de Maceió - FACIMA (2019). Graduada em Educação Física pela Universidade Federal de Alagoas – UFAL (2006), Pós-graduação em Metodologia do Ensino e da Pesquisa em Educação Física e Esporte & Lazer pela Universidade Federal da Bahia – UFBA (2006). Atualmente é Agente da Polícia Judiciária - Delegacia Geral da Polícia Civil do Estado de Alagoas.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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