3.DIREITOS CONSTITUCIONALMENTE TUTELADOS: PRIVACIDADE E INTIMIDADE
A violência de gênero assume várias formas, uma delas é a violação da intimidade e privacidade da mulher, especialmente quando esta ocorre através da divulgação de materiais de cunho íntimo por parte de seu companheiro/a.
O direito à privacidade e a intimidade está contemplado no inciso X, do art. 5º do nosso texto constitucional, demonstrando a importância do tema ao tutelar os chamados direitos da personalidade:
Art.5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...)
X- são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; (...) grifo nosso
Para Masson (2019), o direito à privacidade representa o pleno domínio do indivíduo em reger a sua vida como quiser, mantendo o controle exclusivo das informações atinentes a sua vida afetiva e familiar: seus segredos, suas escolhas, sem se submeter à opinião de ninguém. Ao resguardar o direito genérico à privacidade, o constituinte destacou autonomamente a intimidade e a vida privada, nos indicando, portanto, tratar-se de diferentes e específicas manifestações desse direito.
Desse modo, como parte mais restrita do direito a privacidade,
(...) a intimidade compreende as relações e opções mais íntimas e pessoais do indivíduo, compondo uma gama de escolhas que se pode manter ocultas de todas as outras pessoas, até das mais próximas.(...) A vida íntima e, assim, aquela relacionada à identidade da pessoa humana, sua particularidade de foro moral, abrangendo sua sexualidade, sua autoestima, seus segredos e informações mais pessoais. (MASSON, 2019, p.261) grifo nosso
Alexandre de Morais (2006, p. 47) leciona que a intimidade consiste em “relações subjetivas e de trato íntimo da pessoa, suas relações familiares e de amizade”. Dessa forma, ocupa o plano íntimo das pessoas e suas relações interpessoais com os indivíduos de seu convívio.
Godoy (2008, p. 40) vai mais além afirmando que a intimidade é tratada como a exclusividade que alguém reserva para si, sem repercussão social, nem alcançando status de vida privada que envolve um viver entre os outros, como a família, com o trabalho, no lazer etc. Logo, esse direito fundamental não traduz nenhuma relação com terceiros, sendo apenas reflexos internos que cada indivíduo possui e que não podem ser violados.
Já a vida privada é mais abrangente, leva em consideração hábitos, dados pessoais, bancários, relações familiares, pessoais, negociais, diferenciando-se da intimidade, pois esta busca tutelar segredos, particularidades confidenciais dos indivíduos.
Há, segundo Gilmar Mendes, quatro meios básicos de se afrontar à privacidade: “(i) intromissão na reclusão ou na solidão do indivíduo; (ii) exposição pública de fatos privados; (iii) exposição do indivíduo a uma falsa percepção do público (falseligth), que ocorre quando a pessoa é retratada de modo inexato ou censurável; (iv) apropriação do nome e da imagem da pessoa, sobretudo para fins comerciais”. (MENDES, 2010, p.471 apud MASSON 2019, p.261)
Segundo Alves (2004), atualmente vivemos na chamada “era da tecnologia”, época em que são desenvolvidos meios com o fim de facilitar a vida das pessoas, e o pleito da intimidade, dignidade e vida privada deve ser analisado sob vários aspectos. Ao perder a sua individualidade, o ser humano contemporâneo acaba por deixar exposta sua vida, afetando, assim, sua intimidade.
O processo de afirmação do homem como portador de valores éticos indiscutíveis e insuprimíveis, como a dignidade, a honra, a intimidade, a liberdade resulta de todas as conquistas alcançadas no campo dos direitos humanos. Novos fenômenos sociais, como por exemplo, o avanço tecnológico, a omissão dos nossos legisladores em acompanhá-los, torna-se por sua vez complicadores para a efetivação desses direitos.
4.AS LEIS 13.718 E 13.772
4.1 A lei 13.718/18
Nos últimos anos, várias leis foram editadas com objetivo de aproximar o Direito da Evolução Digital e atualizar as disposições legais, a exemplo da lei nº 12.737/2012 – Lei Carolina Dieckmann, lei nº 12.965/2014 – Marco Civil da Internet, lei nº 13.441/2017, lei nº 13.642/2018 - Lei Lola, lei nº 13.709/2018 – Lei da Proteção de Dados Pessoais e outras (Queiroz, 2019, p.162).
Nessa conjuntura, é publicada a lei nº 13.718/2018, pois, apesar de todas as leis supracitadas, o certo é que a conduta de divulgar e compartilhar conteúdo sem o consentimento da vítima de cena de sexo, nudez, pornografia carecia ainda de medidas legislativas que permitissem a responsabilização criminal de forma efetiva.
A referida lei tem seu embrião diante do assombroso crescimento dos casos de estupro coletivo que assolavam o país em 2015, quando a senadora Vanessa Grazziotin apresenta o projeto de lei nº 618 com o objetivo de aumentar a pena especificamente nesses casos. Dessa forma, para tramitação conjunta a este se juntaram outros de matérias correlatas que também tipificavam crimes contra a dignidade sexual, criando as figuras típicas da importunação sexual, estupro coletivo e divulgação de imagens e vídeos de estupro, de cena de sexo, nudez ou pornografia que não tenham o consentimento da vítima, estabelecendo inclusive causas de aumento de pena. E, em 25 de setembro de 2018, dá-se a publicação no Diário Oficial da União da lei 13.718 de 24 de setembro de 2018.
Essa lei alterou o Código Penal Pátrio tipificando os crimes de importunação sexual e de divulgação de cena de estupro, estupro de vulnerável, de cena de sexo ou pornografia, tornando pública incondicionada a natureza da ação penal dos crimes contra a liberdade sexual e dos crimes sexuais contra vulnerável estabelecendo causas de aumento de pena para esses crimes, além de definir como causa de aumento de pena o estupro corretivo e o estupro coletivo.
Neste trabalho trataremos da alteração que introduz no Código Penal o artigo 218-C, especificamente em seu parágrafo 1º, que tipifica a conduta da pornografia de vingança e as inovações trazidas por esta lei nesse contexto.
4.2 As Inovações trazidas pela lei 13.718/18: a tipificação da pornografia de vingança
A lei nº 13.718 acrescentou no Código Penal Brasileiro o artigo 218- C que prevê como crime:
Divulgação de cena de estupro e de estupro de vulnerável, e de sexo ou pornografia
Art.218-C. Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, vender ou expor à venda, distribuir, publicar ou divulgar, por qualquer meio – inclusive por meio de comunicação de massa ou sistema de informática ou telemática -, fotografia, vídeo ou outro registro audiovisual que contenha cena de estupro ou de estupro de vulnerável ou que faça apologia ou induza a sua prática, ou, sem o consentimento da vítima, cena de sexo, nudez ou pornografia:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o fato não constitui crime mais grave.
Aumento de pena:
§ 1º A pena é aumentada de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços) se o crime é praticado por agente que mantém ou tenha mantido relação íntima de afeto com a vítima ou com o fim de vingança ou humilhação. (grifo nosso)
Exclusão de Ilicitude
§ 2º Não há crime quando o agente pratica as condutas descritas no caput deste artigo em publicação de natureza jornalística, científica, cultural ou acadêmica com a adoção de recurso que impossibilite a identificação da vítima, ressalvada sua prévia autorização, caso seja maior de 18 (dezoito) anos. (BRASIL, 2019)
Como afirma Cunha (2019), não obstante a divulgação ilícita de fotos de uma pessoa nua possa caracterizar ofensa à dignidade sexual em sentido amplo, é sabido que, anteriormente a esta lei, não havia amparo adequado a quem fosse vitimado por essa espécie de conduta, se subsumindo este comportamento ao tipo penal da injúria majorada na forma do artigo 141, inciso III, do CP, em razão de ter sido cometida por meio facilitador da divulgação da ofensa. A pena era muito mais branda e não punia efetivamente o ato do agressor.
Vale lembrar que o objetivo do presente trabalho é verificar quais as consequências desse novo tipo penal na persecução penal da Lei Maria da Penha, principalmente nas condutas que se enquadram no que chamamos de pornografia de vingança. Logo, nos ateremos ao parágrafo 1º do referido artigo que traz as majorantes aos casos em que esse crime seja praticado por agente que mantém ou tenha mantido relação íntima de afeto com a vítima, bem como para quando a conduta for praticada com fins de vingança ou de humilhação.
Segundo o parágrafo 1º, o crime tem a pena majorada à razão de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços) em dois casos específicos: caso haja ou tenha havido uma relação íntima de afeto ou se o crime foi praticado com a finalidade de vingança ou humilhação.
Na primeira parte, no que tange ao termo relação íntima de afeto, este abrange o casamento, a união estável ou o namoro, não sendo aplicável a casos de relacionamentos fugazes, esporádicos e passageiros, sem maior vínculo entre o autor e a vítima. Geralmente são casos em que o vídeo, a fotografia, enfim, o registro audiovisual foi feito de forma consentida, mas sua divulgação não foi autorizada.
Conforme leciona Cunha (2019), o fundamento da punição mais severa é a traição da confiança normalmente existente entre pessoas que mantêm ou mantiveram um relacionamento por relevante período de tempo.
A majorante que envolve as relações de afeto trata dos agentes que são cônjuges, companheiros ou namorados durante ou após o término do relacionamento, não importando se a relação é hetero ou homoafetiva. Vale ressaltar que às relações de parentesco entre ascendentes, descendentes ou colaterais devem ser aplicadas o artigo 226, II do Código Penal. Apesar de ser possível e recorrente que a divulgação ocorra por vingança ou com o fim de humilhação, não se exige, nessa primeira parte, o fim específico de agir do autor, pois quando isso ocorre confunde-se com a hipótese prevista na segunda parte do parágrafo 1º.
Na segunda parte do parágrafo supracitado, a pena é majorada quando a conduta do caput for cometida com o fim específico de vingança ou humilhação, não existindo aqui a necessidade de prévia relação íntima de afeto, ainda que o mais comum seja que essa relação exista.
O termo vingança é sinônimo de revide, retaliação, revanche. De acordo com os ensinamentos de Queiroz (2019), para que haja vingança é necessário que exista ato anterior da vítima, seja ele idôneo ou inidôneo, que leve o agente a querer revidar. Logo, apesar de não haver no dispositivo legal a exigência, mas pressupõe contato preexistente entre os sujeitos. Trata-se aqui de punir, a chamada pornografia de vingança ou revenge porn, praticada por ex-cônjuges, ex-companheiros, ex-namorados que inconformados com o término do relacionamento amoroso divulgam na internet imagens ou vídeos íntimos do ex-parceiro.
A palavra humilhar é sinônimo de envergonhar, rebaixar, ridicularizar. Não pressupõe qualquer ato anterior da vítima como na vingança ou contato preexistente entre os envolvidos, podendo ocorrer a divulgação do material por qualquer pessoa. Essa majoração pode incidir ainda que o autor e a vítima não tenham tido um relacionamento afetivo considerável, podendo ser aplicada em casos de encontros casuais.
Quais as inovações trazidas por essa lei? Como já foi tratado neste trabalho, ainda que superficialmente, quando uma mulher tinha sua intimidade e privacidade violada através da divulgação de imagens e/ou vídeos contendo cena de sexo ou nudez sem o seu consentimento por parte de seu/sua ex-companheiro/a, por não haver tipificação penal específica para tal conduta, geralmente o caso se subsumia, como falamos anteriormente, aos crimes de difamação ou injúria (artigos 139 e 140 do Código Penal), já que por não haver a majoração da pena quando a conduta era cometida com o fim específico de se vingar ou humilhar ou por ter uma relação íntima de afeto entre os sujeitos, os julgadores somente aumentavam a pena em 1/3 (um terço) caso a conduta fosse cometida por meio que facilitasse a divulgação do material, subsumindo tal comportamento ao artigo 141, III, também do Código Penal.
As penas cominadas a esses delitos eram irrelevantes se comparadas às consequências trazidas à vida das vítimas da pornografia de vingança. O crime de difamação tem pena máxima de um ano, a injúria tem pena máxima de 6 meses. Por serem considerados crimes de menor potencial ofensivo, são compatíveis com os benefícios da lei nº 9.099/95, quais sejam transação penal e suspensão condicional do processo.
Mesmo havendo ou tendo havido relação íntima de afeto com a vítima, podemos perceber que os crimes não eram tratados no âmbito da violência doméstica, desconsiderando, portanto, a questão como de violência de gênero, continuando a serem tipificados como injúria e difamação, tendo a vítima que procurar a reparação do dano também na esfera civil. Tendo em vista as penas aplicadas a esses delitos, as penas privativas de liberdade eram substituídas por penas restritivas de direitos, prestação de serviços à comunidade e uma multa.
A partir da publicação da lei 13.718, a pena passa a ser de 1 (um) a 5 (cinco) anos de reclusão, sendo possível apenas a suspensão condicional do processo. No entanto, essa pena pode ser majorada de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços), logo, esse novo patamar traz mudanças significativas, pois a pena mínima a ser considerada passa a ser de 1 ano e 4 meses, e a pena máxima podendo passar de quatro anos, impossibilitando a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, deixando a punição muito mais severa, dessa forma acompanhando e, muitas das vezes, ultrapassando as legislações de países do primeiro mundo em relação à criminalização desse tipo de delito.
Com a criação do parágrafo 1º do artigo 218-C fica claro o tratamento que se dá, mais rigoroso, a punição do que chamamos de pornografia de vingança, bem como, de quando esse tipo de conduta é praticada pelo ex-companheiro, ex cônjuge, ou seja, nota-se que o legislador passa a entender que deve-se aplicar o sistema de proteção especial em decorrência da violência doméstica e familiar, conforme estabelece o artigo 5º da lei nº 11.340/06 – Lei Maria da Penha.
Assim sendo, segundo o que preconiza a Súmula 536 do STJ não se aplicam aos delitos sujeitos ao rito da Lei Maria da Penha a transação penal e a suspensão condicional do processo. Esse crime é de ação penal pública incondicionada e de competência da justiça estadual comum, devendo o processo correr em segredo de justiça.
Um importante fato a ser mencionado é que a lei 13.718 criminalizou a conduta de divulgação de cena de sexo ou pornografia, mas não tipificou o simples registro, captação sem a divulgação, deixando uma lacuna.
Ao encontro desta lei, em 19 de dezembro de 2018, foi publicada a lei 13.772 que traz importante alteração na Lei Maira da Penha à medida que reconhece a violação à intimidade da mulher como forma de violência doméstica e familiar, e introduz no Código Penal o artigo 216-B, criminalizando o registro não autorizado de conteúdo com cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo e privativo, sobre a qual passaremos a discorrer.
4.3 A lei 13.772/18 e suas inovações: Do registro à montagem, vai entrar na “Maria” se violar a violar a intimidade!
Conhecida como Lei Rose Leonel ou ainda Lei Maria da Penha Virtual, a Lei 13.772 teve sua origem em meados de 2013, a partir de uma audiência pública proposta pela jornalista Rose Leonel, que contou com a participação do Deputado João Arruda, com o intuito de demonstrar a importância e necessidade de uma lei que protegesse as mulheres vítimas da conduta criminosa da pornografia de vingança. Dali nascera o projeto de lei nº 5555/2013.
O supracitado Projeto de Lei recebeu várias emendas dentre as quais a sugestão da criação do tipo penal denominado Registro Não Autorizado de Intimidade Sexual. Durante a tramitação do mesmo, foi promulgada a lei 13.718, o que acabou deixando parte do objeto do referido projeto inócuo, posto que um dos objetivos era o de criminalizar exposição pornográfica, o que foi feito com o advento da supracitada lei, já que nas condutas da mesma estão os nove verbos que caracterizam realmente a exposição, sendo eles: oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, distribuir, publicar ou divulgar sem o consentimento da vítima cena de sexo, nudez ou pornografia.
Após várias modificações, o projeto de lei 5555/2013 é aprovado, sendo que em 19 de dezembro de 2018 é sancionada a lei 13.772, que reconhece que a violação da intimidade da mulher configura violência doméstica e familiar modifica a Lei Maria da Penha e altera o Código Penal, criando o artigo 216-B, tipificando o registro não autorizando de conteúdo de cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo e privado.
A lei altera o artigo 7º da lei 11.340 de 2006 – Lei Maria da Penha:
Art. 1º. Esta lei reconhece que a violação da intimidade da mulher configura violência doméstica e familiar e criminaliza o registro não autorizado de conteúdo com cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo e privado.
Art.2º. O inciso II do caput do art. 7º da lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha), passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art.7º(...) II - A violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause danos emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação; (...)” (grifos nossos)
Trata-se de um grande avanço o reconhecimento da violação da intimidade da mulher enquanto uma nova forma de violência doméstica e familiar contra a mulher, passando a ser encarada como violência psicológica, e ao ser vista desse modo incide sobre o autor todas as peculiaridades que a Lei Maria da Penha traz, tais como a vedação da aplicação dos institutos da transação penal e da suspensão condicional do processo, com isso a obrigação do autor de integrar programas de reeducação e recuperação, a concessão de medidas protetivas e a decretação de prisão preventiva.
A intimidade discutida pela lei é a intimidade sexual, tendo em vista as discussões desde o projeto que deu origem a nova legislação, que desde o início visam proteger a mulher que sofreu a violação através da coleta ou exposição de fotos, filmagens, imagens, vídeos de cunho sexual.
Ademais, em seu artigo 3º, a Lei Rose Leonel modifica o Código Penal, criando o Capítulo I-A da Exposição da Intimidade sexual e insere o artigo 216-B no referido diploma legal conforme o exposto:
Art. 3º. O Título VI da Parte Especial do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), passa a vigorar acrescido do seguinte Capítulo I- A:
CAPÍTULO 1-A – DA EXPOSIÇÃO DA INTIMIDADE SEXUAL
Registro não autorizado da intimidade sexual
Art.216-B. Produzir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, conteúdo com cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo e privado sem autorização dos participantes:
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, e multa.
Parágrafo único: na mesma pena incorre quem realiza montagem em fotografia, vídeo, áudio ou qualquer outro registro com o fim de incluir pessoa em cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo.
Antes de discorrermos sobre o objeto em si do tipo penal em questão, a lei insere o Capítulo I-A, denominado “DA EXPOSIÇÃO DA INTIMIDADE SEXUAL”, porém não vislumbramos no restante do texto nenhum tipo relacionado à exposição, mas apenas ao registro não autorizado e a figura equiparada que consiste na montagem de material com conteúdo de mesma natureza. As condutas que se amoldam a exposição estão relacionadas no artigo 218-C do Código Penal, inserido pela lei 13.718, que traz verbos nucleares compatíveis a ação de expor, de colocar em evidência, a intimidade sexual de outrem e não no aludido artigo 216-B.
Corroborando os dizeres de Sydow (2019), não se está diminuindo a importância de um tipo incriminante para a conduta de registro não autorizado, mas apenas apontando o defeito formal e de alocação do tipo.
Conforme nos ensina Rogério Sanches Cunha:
“O tipo preenche a lacuna que existia em relação à punição da conduta de indivíduos que registravam a prática de atos sexuais entre terceiros. Foi grande a repercussão quando, em janeiro de 2018, um casal alugou um apartamento para passar alguns dias no litoral de São Paulo e, depois de se instalar, percebeu uma pequena luz atrás de um espelho que guarnecia o quarto. O inusitado sinal faz com que um deles vistoriasse o espelho e, espantado, descobrisse que ali havia uma câmera instalada. O equipamento foi imediatamente desligado e, logo em seguida, o casal recebeu uma ligação do proprietário do imóvel, que indagou se havia ocorrido algum problema, o que indicava que as imagens estavam sendo transmitidas em tempo real. Embora se tratasse de conduta violadora da intimidade e que inequivocamente dava ensejo a indenização por danos morais, o ato – não tão incomum – de quem instalava um equipamento de gravação nas dependências de um imóvel para captar imagens íntimas sem o consentimento dos ocupantes não se subsumia a nenhum tipo penal. A partir de agora, é classificado como crime contra a dignidade sexual” (CUNHA, 2019, p. 519-520)
A inovação legislativa aponta criminalização também do registro doloso, como afirmado acima, essa era uma lacuna deixada na lei 13.718. Visando proteger o maior número de pessoas, aqui não se tem a exigência de nenhum tipo de relação entre a vítima e o autor, podendo se enquadrar nesse tipo àqueles casos de registros não autorizados de imagens ou vídeos de pessoas ou casais em vestiários, banheiros públicos ou privados por exemplo.
O parágrafo único criminaliza a montagem, a inserção de modo artificial de imagem de pessoa em situação de nudez ou ato sexual libidinoso de caráter íntimo, a exemplo do que aconteceu com um candidato ao governo de São Paulo, que teve sua imagem incluída em um vídeo com cena de ato sexual circulando nas redes sociais, depois se descobriu que se tratava de uma montagem, este foi um dos motivos para a inclusão na novel legislação do parágrafo único. Fatos como esses têm acontecido corriqueiramente e são penalizados da mesma forma que as condutas previstas no caput do artigo.
A pena prevista é de detenção de 6 meses a 1 ano, diante do bem jurídico que se propõe a proteger e da gravidade da conduta, a pena se mostra inadequada, posto que, se não se enquadrar no contexto de violência doméstica e familiar permite que o autor possa cumprir a pena em regime aberto, admitindo os benefícios da lei nº 9.099/95, quais sejam transação penal e suspensão condicional do processo.
Esta pena pode ser aumentada pela incidência dos incisos I e II do artigo 226 do Código Penal, que leciona que se o crime for cometido em concurso de duas ou mais pessoas será aumentada de quarta parte, e se o agente for ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor ou empregador da vítima ou tiver por qualquer outro título autoridade sobre ela a pena será aumentada da metade. Da mesma forma que o artigo 218-C, os crimes previstos pelo artigo 216-B são de ação pública incondicionada obedecendo ao mandamento do artigo 225 do Código Penal.
Caso o autor pratique a conduta no âmbito da lei Maria da Penha, já que a violação da intimidade passa a ser considerada como violência psicológica, como afirmado acima, este terá o rigor que esta lei traz consigo já explanados anteriormente.
O legislador na tentativa de acompanhar e dar respostas à sociedade tipificou através das leis, que discorremos acima, acerca da divulgação, do registro, trazendo hipótese de excludente de ilicitude, mas, no entanto, não tipificou de forma específica a conduta de usar os registros obtidos com ou sem consentimento para ameaçar as vítimas. Acreditamos que essa lacuna ainda existe, apesar de essa conduta se subsumir ao tipo penal de ameaça, e muitas vezes ser enquadrada em ameaça no âmbito da Lei Maria da Penha, mas na imensa maioria das vezes acontece que o autor do crime de pornografia de vingança, principalmente, antes de divulgar ou distribuir as imagens da vítima, a conduta que seria tipificada no artigo 218-C §1º, antes obtém o registro das imagens, que numa relação íntima de afeto pode ser com o consentimento ou com o intuito de se vingar, ele pode fazer montagem, caso não tenha obtido, logo, se enquadraria no artigo 216-B, parágrafo único. Dessa forma, a vítima começa a ser ameaçada para que reate o relacionamento e antes de serem divulgadas as imagens o autor é descoberto, a pergunta é: e a ameaça? Será que os danos psicológicos causados à vítima que sofrera com elas não são tão graves quanto o ato de ter o conteúdo registrado e divulgado? Será que não deveria ter tido uma tipificação específica para isso?
A nosso ver, o legislador na lei 13.718 ao acrescer o artigo 218-C poderia ter acrescentado mais um parágrafo tipificando especificamente a conduta de Ameaça de divulgação de cena de sexo, nudez ou pornografia, trazendo uma pena condizente com os danos causados às vítimas, pena de 01 a 03 anos por exemplo.
As inovações legislativas ainda são recentes, logo se faz necessário estudar como estas estão sendo aplicadas pela Polícia Judiciária Alagoana, de que forma essas leis vem refletindo na persecução penal e se vem crescendo o número de casos notificados.