Pornografia de vingança: As inovações trazidas pelas Leis 13.718 e 13.772/2018 à Lei Maria da Penha e os seus reflexos na persecução penal.

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5.OS REFLEXOS DAS INOVAÇÕES LEGISLATIVAS NA PERSECUÇÃO PENAL: PERSPECTIVA DA POLÍCIA JUDICIÁRIA ALAGOANA

Ao realizarmos uma pesquisa de dados em fontes abertas e fechadas acerca da apuração pela Polícia Judiciária Alagoana dos novos tipos penais inseridos no Código Penal Pátrio através das novas legislações, constatamos que estas são realizadas tanto pelas Delegacias Distritais, Delegacias Especiais de Defesa dos Direitos da Mulher, mas principalmente pela Seção de Crimes Cibernéticos.

Com a finalidade de apreender diretamente aspectos da realidade investigada, bem como visando conferir maior profundidade ao nosso trabalho, decidimos realizar uma entrevista com os delegados responsáveis pelas Delegacias Especiais de Defesa dos Direitos da Mulher de Maceió (DDM’s) e Seção de Crimes Cibernéticos, apreendendo aspectos objetivos, estatísticos, afetos à ocorrência no âmbito desses locais e associando aos elementos subjetivos efetivamente visualizados na atuação desses, já que os mesmos lidam diariamente com o enfrentamento institucional da nossa problemática.

Segundo a base de dados da Polícia Civil de Alagoas, desde 2018 foram registrados 18 Boletins de Ocorrências com a natureza do fato sendo o artigo 218 – C caput, 12 baseados no artigo 218-C §1º, 04 no 216-B caput e 05 na conduta do 216-B parágrafo único. Em sua maioria, esses crimes foram denunciados e apurados pelas DDM’s ou Seção de Crimes Cibernéticos, o que nos levou a querer saber como é realizada a primeira fase da persecução penal nesses casos desde a chegada da vítima até o indiciamento do autor, além dos reflexos das novas legislações na primeira fase da persecução penal.  

5.1 Seção de Crimes Cibernéticos

Segundo o delegado responsável pela Seção em Alagoas, já contamos com mais de 800 crimes cibernéticos registrados no ano de 2019, 1/3 deles a gente identifica como sendo crimes de fraude, estelionato, furto mediante fraude, ou seja, aqueles crimes que traz algum prejuízo financeiro as vítimas, outro terço são crimes contra a honra e esse 1/3 final que tem variadas infrações é onde entra o crime de vingança pornográfica e registro de nudez, ato sexual.[2]

O crime de vingança pornográfica é um crime cibernético impróprio, uma vez que a própria lei 13.718 no artigo 218-C prevê outras formas de exposição da imagem íntima de uma mulher e enfatiza que será crime, inclusive quando este for praticado pelo ambiente virtual. “Hoje é muito mais fácil você pegar as imagens íntimas de uma pessoa com o intuito de ofender a dignidade sexual e distribuir essas imagens via aplicativos de mensageria como WhatsApp, via e-mail ou até mesmo nas redes sociais”.

O crime cibernético impróprio é aquele que já existia com previsão no Código Penal, só que agora ele passou a ser cometido pelo ambiente virtual, a exemplo do crime contra a honra, estelionato, crime de furto mediante fraude, mas que agora o modus operandi passa pelo ambiente virtual.

Mesmo antes da inauguração desse tipo penal já havia registros desse tipo de conduta criminosa na Seção de Crimes Cibernéticos, antes esse tipo de conduta era tratado, por ausência de tipificação, como crime de difamação, pois ofendia a honra objetiva da mulher. A partir de 2018, com a implementação do artigo 218-C no Código Penal passaram a atribuir esse tipo de conduta a esse crime, que tem uma pena bem superior prevista de 01 a 05 anos de reclusão, além de ser majorada quando tem o intuito do autor de humilhar ou promover vingança em relação à vítima.

Afirma ainda que no último ano houve um aumento substancial nesses tipos de crimes, sobretudo pelo aspecto de que as pessoas têm a falsa percepção de que essas condutas não se amoldam a crimes, pensam tratar-se apenas de um fato que vai causar uma desonra aquele ex-namorado ou ex-namorada etc, e que por sua vez não seriam responsabilizados penalmente. Através da atuação da equipe que compõe a seção tem-se provado a estas pessoas que esse tipo de prática é crime e que é possível sim ser investigado e elucidado, mesmo quando praticado por perfis falsos da rede mundial de computadores. Essa seção tem conseguido identificar esses autores.

No que se refere a competência para a apuração desses casos, o delegado afirma que o ideal seria que todas as delegacias passassem a ter habilidade de trabalhar com crimes no ambiente cibernético, pois trata-se de uma realidade. A rigor, as competências para investigar essas infrações penais são dos próprios Distritos Policiais ou de especializadas, nesse caso assume destaque as Delegacias das Mulheres, pois muitas mulheres é que vem sendo vítimas dessa modalidade criminosa no ambiente virtual, caso o crime seja praticado no contexto de violência doméstica e familiar, numa relação íntima de afeto.

Ressalta ainda que nem todos os agentes têm habilidade para investigar esse tipo de infração penal, dessa forma muitos e muitos casos estão sendo direcionados para seção de crimes cibernéticos e por sua vez fazendo a investigação. A seção de crimes cibernéticos além de trabalhar diretamente nesses crimes também vem prestando apoio técnico a todas as delegacias que aqui solicitam apoio.

O primeiro passo de uma investigação é justamente identificar qual é esse usuário da rede social, por isso deve-se preservar a rede social com print de tela, o número do telefone, em seguida vir a delegacia de polícia registrar o Boletim de Ocorrência e fornecer todo esse conteúdo para que se possa inaugurar o procedimento investigatório. 

A partir da chegada da vítima a seção, é registrado o Boletim de Ocorrência, para que seja instaurado o Inquérito Policial, trabalhando de forma técnica para identificar qual foi o autor daquela rede social, daquele aplicativo de mensageria, como por exemplo, WhatsApp, para então chegar à autoria delitiva. Esse trabalho é feito basicamente com o intuito de identificar o I.P que o usuário utilizou para difundir essas imagens. “O I.P (INTERNET PROTOCOL) é uma espécie de crachá que todos nós recebemos quando acessamos o ambiente virtual, nós vamos em busca da pessoa que estava com aquele crachá  no momento exato da prática do crime, é isso que nos permite identificar de forma robusta a autoria delitiva desses casos”.

O perfil das vítimas do delito de pornografia de vingança é, em sua maioria, do sexo feminino e em idade jovem entre 18 e 25 anos, o perfil dos autores é equivalente ao das vítimas, entretanto não é uma regra absoluta.

“É válido ressaltar que tem aparecido muitos casos em que muitos homens já foram vítimas desse crime, como também temos casos em que mulheres são vítimas de outras mulheres. Como por exemplo: A atual namorada de um homem que tenha acesso a imagem íntima da ex-namorada dele e aí com o intuito de ofender a dignidade sexual dessa pessoa passa a difundir essas imagens. Já tivemos mais de um caso, ou seja, é algo corriqueiro, não é algo raro de vingança pornográfica praticada por mulher contra mulher!”

O delegado afirma que o advento das leis 13.718 e 13.772 foi um avanço em nossa legislação, pois a existência desses novos tipos penais que vem criminalizar de forma específica os delitos praticados no ambiente virtual, majorando a pena e criando tipos penais antes inexistentes como o caso do artigo 216-B no Código Penal, dá uma resposta a sociedade, pois o  efeito lesivo contra a honra e dignidade da pessoa é muito maior.

O crime do artigo 218-C, por exemplo, tem pena de 1 a 5 anos,o que pode ainda ser aumentada quando houver o intuito de vingança face à vítima, é o caso da vingança pornográfica. Agora pode ser instaurado o inquérito policial, algo de extrema importância para uma investigação. Que além de vedar a aplicação dos benefícios do juizado especial criminal que prevê que em crimes com penas de até dois anos seria lavrado um Termo Circunstanciado de Ocorrência, o que ocorria antes da promulgação da lei 13.718.

“A Instauração do Inquérito e uma possível ação penal, pode implicar no autor uma sentença penal condenatória que prejudicará sem sombra de dúvida os seus antecedentes criminais, por exemplo, o indivíduo que comete uma infração penal dessa aos 18 anos está fadado a não ingressar no serviço público tendo em vista que vai possuir uma anotação criminal, inclusive podendo vir a ser condenado, então sem sombras de dúvidas foi um avanço positivo em termos de legislação”.

Para dar uma resposta mais efetiva à população, a Seção de Crimes Cibernéticos tem buscado sempre que solicitada atuar conjuntamente com outras delegacias. A autoridade Policial afirma que em alguns casos a DDM-1 observa que o caso é mais complexo e remete para Seção de Crimes Cibernéticos, que acolhe o caso e passa a investigar; em outros a DDM - 1 instaura o inquérito policial e pede apenas o apoio técnico investigativo para atuar, assim como tem acontecido com outras delegacias do interior do Estado. O intuito da secção de crimes cibernéticos é prestar todo auxílio técnico às delegacias distritais, às delegacias especializadas para que juntos consigam obter um resultado rápido e efetivo da repressão qualificada a esses tipos de crimes, que é o papel da Polícia Civil.

O crime do artigo 218-C tem pena de 1 a 5 anos, podendo ainda ser aumentada quando houver  o intuito de vingança face à vítima, é o caso da vingança pornográfica.

5.2 Delegacia Especial de Defesa dos Direitos da Mulher – DDM 2

A delegada afirma que a referida delegacia não tem recebido casos relativos ao crime de divulgação de cena de sexo ou pornografia sem autorização da vítima (artigo 218-C do CP), e raramente chegam casos de Registro não autorizado da intimidade sexual (artigo 216-B do CP), talvez por serem crimes novos e a população ainda não estar ciente de que tais condutas sejam passíveis de responsabilização penal.

A DDM2 lida com casos específicos que se enquadram na Lei Maria da Penha, como também com qualquer outro que tenha a mulher como vítima. Logo, a exemplo da conduta trazida pela lei 13.772/18, que modificou o Código Penal criminalizando o Registro não autorizado da intimidade sexual, aplicando para este uma pena de 6 meses a 1 ano tem-se que: se não for um caso em que se possa se subsumir ao contexto de violência doméstica e familiar será apenas lavrado um Termo Circunstanciado de Ocorrência -TCO; se for no âmbito de relação íntima de afeto e fique assim caracterizado incidirá portanto, de acordo com essa mesma lei, a Lei Maria da Penha e suas proibições, portanto, será instaurado inquérito policial.

O único caso recebido, segundo a autoridade policial, foi de uma tentativa de registro não autorizado da intimidade sexual em que um ex-namorado tentou filmar a ex-namorada com outra pessoa em um motel. A delegada afirma que esses tipos de crimes são apurados nos distritos e que a Seção de Crimes Cibernéticos não apura esses tipos de crimes, pois àquela seção só apura os crimes cibernéticos próprios.

De acordo com o crime específico da pornografia de vingança, se a vítima for mulher é investigado pela Delegacia da Mulher, se for homem é do Distrito Policial, se for adolescente é da Delegacia de Crimes Contra a Criança e o Adolescente, reforça a delegada.

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“É interessante até entrevistar eles lá (Seção de Crimes Cibernéticos) porque eles falarão da parte da perícia e tal, de como a pessoa pode identificar que realmente daquele celular que foi feita aquela filmagem esse tipo de coisa, Né? Mas o crime em si eles não apuram não.”

Quando a vítima chega à delegacia é feito o B.O, depois é agendado um dia para as partes e as testemunhas serem ouvidas. Se o caso demandar mais urgência poderão ser solicitadas medidas protetivas de urgência ao juiz, se for o caso enquadrado na lei Maria da Penha.

Apesar de não ter recebido nenhum caso de divulgação de conteúdo íntimo, a delegada afirma que recebeu muitos casos em que os ex-companheiros chegaram a chantagear as vítimas e as ameaçar de que divulgariam as imagens, mas não chegaram a divulgar, por isso na delegacia tipificam essa conduta como Ameaça com as implicações da Lei Maria da Penha (art. 147 do CP).

A promulgação das novas leis fez com que a ação penal para esses crimes se tornasse pública incondicionada. A pena para o crime de Pornografia de vingança e demais condutas tipificadas pelo artigo 218-C caberão flagrante e será instaurado o inquérito policial. A conduta do artigo 216-B, apesar da pena não está adequada para a lesividade que provoca à vítima, se for um caso que se amolde à Lei Maria da Penha não serão permitidos os benefícios do juizado especial criminal, nem a lavratura de TCO.

5.3 Delegacia Especial de Defesa dos Direitos da Mulher – DMM1

Em entrevista com Autoridade Policial da DDM-1, foi nos falado da importância de trabalhos como este para a divulgação da informação à população em geral acerca dessas novas leis e da tipificação penal das condutas que estas trazem.

Desde que as leis 13.718 e 13.772 entraram em vigor, a referida delegacia recebeu apenas 2 registros de boletim de ocorrência, dos quais um já foi instaurado inquérito e outro ocorreu na data de final do mês de setembro do corrente ano, o qual estão dando o devido prosseguimento investigativo. Acredita-se que haja muito mais casos, mas devido as subnotificações as vítimas não chegam a registrar as ocorrências, isso se dá por diversos motivos, sejam eles medo do julgamento da sociedade, vergonha, medo das ameaças, enfim.

Foi nos afirmado que não tinha conhecimento dos casos que já tinham sido notificados à Seção de Crimes Cibernéticos, mas que costumam pedir apoio em casos mais complexos e sempre são atendidos, inclusive policiais desta seção já foram à delegacia capacitar alguns policiais para lhe dar com algumas questões, com isso já conseguem seguir com investigações desses tipos de crimes sem dificuldades.

A delegada afirma que recebem muitos casos de ameaça de divulgação do conteúdo íntimo, mas não tem como precisar o quantitativo, tendo em vista que este tipo de conduta vem a ser tipificado como ameaça com as implicações da Lei Maria da Penha se for praticada por companheiro ou ex-companheiro. Ressalta ainda que a lei 13.718 também tipificou o crime de Importunação sexual, quanto a este crime, percebe-se um aumento considerável no número de registros.

Caso uma mulher seja vítima do Crime de Divulgação de cena de sexo ou pornografia ou Registro não autorizado da intimidade sexual, quando esta procura a DDM-1, é feito o registro do Boletim de Ocorrência, logo após o Inquérito Policial é instaurado, em seguida se identifica qual o meio utilizado para divulgação, se foi WhatsApp, FaceBook ou outros. Vale notar que as vítimas são mulheres jovens, geralmente na faixa etária entre 20 a 30 anos.

“Em um dos casos aqui, por exemplo, foi através de WhatsApp, aí a gente faz ou encaminha a vítima para que seja feita a certidão em cartório, para que seja comprovada que a divulgação partiu daquele número, anotamos o número da linha telefônica e oficia a operadora para confirmar que aquele número é pertence ao acusado a qual a vítima está imputando a autoria, e isso tudo a gente faz durante o inquérito para realmente comprovar... Porque na maioria das vezes, a mulher tem certeza, sabe que tirou a foto com aquela pessoa, ele que tirou, ela estava com ele, no momento permitiu, mas aí ela sabe que foi com ele, mas a gente, de qualquer forma, o nosso trabalho é o de comprovar a autoria, comprovar que foi ele, a gente procura se cercar de provas e também ouvir as testemunhas de pessoas que tenham recebido ou tenham visto a divulgação ou registro se for o caso.”.

Segundo a Autoridade Policial, a promulgação da lei 13.718/18 trouxe bastantes reflexos na persecução penal, a começar pela pena do crime tratado no artigo 218-C, §1º, que é tratado neste trabalho, que veio tipificar a conduta da Pornografia de Vingança a qual antes era tratada como um dos crimes contra a honra, trazendo também uma pena muito superior, de 01 a 05 anos.

Outro reflexo é que quando esta conduta era tipificada como crime contra a honra a ação penal era privada e muitas das vezes a mulher vinha à delegacia, realizava o Boletim de Ocorrência e não aprecia mais, assim perdendo o prazo para entrar com a queixa-crime em juízo; hoje isso não ocorre mais, com a novel legislação a ação penal se tornou pública incondicionada, então mesmo que ela faça o Boletim de Ocorrência e depois se ausente, a qualquer momento o autor poderá ser punido. “A pena é bem maior e o procedimento na justiça vai mudar completamente!”

Em relação à Lei 13.772/18, a importância de sua publicação dá-se pelo fato desta ter enquadramento a violação da intimidade da mulher enquanto violência doméstica e familiar e à alteração feita no artigo 7º da Lei Maria da Penha. Esse reconhecimento faz com que haja a mudança do procedimento, tornando possível a solicitação de medida protetiva e todas as outras medidas que são previstas na supracitada lei. Foi uma importante medida, mas a pena imputada ao crime de Registro foi muito pequena, afirma a delegada.

A delegada concorda que a pena imposta ao crime tipificado pelo artigo 218-C, bem como a majoração constante em seu parágrafo primeiro, está condizente com os danos que a conduta traz às vítimas, no entanto discorda da pena que o legislador imputou ao crime de Registro não autorizado da intimidade sexual, pois esta poderia ter sido um pouco maior, afirma a autoridade policial, destacando que fora importante a tipificação.

Apesar de não serem feitos trabalhos de prevenção de forma direta para combater esses tipos de crimes, a DDM-1 encaminha as vítimas para os Centros de Atendimento à Mulher para que estas recebam atendimento Psicológico e Assistencial.

Sobre a autora
Camilla Pricilliany Soares Alves de Oliveira

Graduanda em Direito pela Faculdade da Cidade de Maceió - FACIMA (2019). Graduada em Educação Física pela Universidade Federal de Alagoas – UFAL (2006), Pós-graduação em Metodologia do Ensino e da Pesquisa em Educação Física e Esporte & Lazer pela Universidade Federal da Bahia – UFBA (2006). Atualmente é Agente da Polícia Judiciária - Delegacia Geral da Polícia Civil do Estado de Alagoas.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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